Zeca

É impressionante como transformaram a história de uma família de mulheres incríveis em um filme sobre um homem sobrestimado.

Já é errado que o filme sobre as maiores tenistas da história conte a história do pai ao invés da vida das próprias atletas, mas não é só isso: toda a premissa do filme é baseada em mostrar como Richard Williams era um pai maravilhoso. Porém, por mais que ele tenha seus méritos, ele era um sujeito extremamente controverso na vida real.

Williams fingiu ser mais pobre do que realmente era porque acreditava que "ser do gueto" venderia uma história de superação. De fato, toda a sua investida no tênis foi pensada em ganhar dinheiro. O pai das maiores tenistas da história era extremamente controlador: colocava cacos de vidro nas quadras para demarcar onde elas não podiam pisar, arrancava as cabeças das bonecas para cortar qualquer tipo de sentimento maternal e as proibia de namorar. Além disso, Williams buscava ser o centro das atenções e os holofotes da mídia. Com um discurso de que não quer ser como o próprio pai (que o abandonou), esqueceu de vários filhos - e não foram poucos - de outros relacionamentos, como o próprio filme mostra. No final das contas, ele parece não abandonar Venus e Serena porque vê nelas uma mina de ouro.

Porém, no filme não conseguimos sentir raiva do personagem interpretado por Will Smith. Todo erro de Williams, que deveria ser controverso e nos deixar confusos e angustiados, nos é apresentado como sinônimo de preocupação: ele é sempre o pai que erra porque quer o bem das filhas. Isso deixa o filme muito distante da realidade e a atuação de Will Smith bem aquém de outros papéis que já desempenhou.

Por outro lado, foi a mãe, Oracene Price, quem sustentou financeiramente a família por longos períodos, quem também participou ativamente dos treinamentos, quem se importou com a opinião de suas filhas e proporcionou a elas uma vida mais humana. Mas o filme, que não se chama Queen Oracene, insiste em deixá-la em segundo plano para mostrar o King Richard. Apesar disso, a força da mãe aparece na atuação de Aunjanue Ellis que, com pouco tempo em tela, ganha a cena e é responsável por nos lembrar que Williams estava bem longe de ser esse super pai e que as mulheres da família tem uma força incrível e são elas que realmente deveriam ser exaltadas.

Kurt Vonnegut, quando escrevou Matadouto 5: A Cruzada das Crianças - um clássico antiguerra, publicado pela primeira vez em 1969 -, deu esse nome ao livro para lembrar as crianças que foram enviadas à guerra e para que isso nunca mais acontecesse. Ele explica essa história no próprio livro.

Lembrei desse livro - que não tem ligação com o filme, exceto por se passar na segunda guerra - enquanto assisti Jojo Rabbit, o que foi perturbador para mim

porque as histórias da guerra são extremamente tristes.

Vou deixar um trecho que gosto bastante do livro aqui:

"É curto e confuso e estranho, Sam, porque não há nada inteligente a ser dito sobre um massacre. Teoricamente, todo mundo deve estar morto, para nunca dizer mais nada ou querer mais nada. Teoricamente, tudo deve ficar muito silencioso depois de um massacre, e sempre fica, exceto pelos pássaros.
E o que dizem os pássaros? Tudo o que há para dizer sobre um massacre. Coisas como 'Piu-piu-piu?'.
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Disse a meus filhos que eles não devem em hipótese alguma participar de massacres e que as notícias sobre massacres dos inimigos não devem deixá-los nem orgulhosos nem felizes.
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Também disse que eles não devem trabalhar para empresas que fabriquem instrumentos
para massacres e que devem desprezar quem acredita que precisamos de instrumentos desse tipo".

O filme tem seu ponto forte na direção e no plano sequência, mas o roteiro é bem fraco. Não achei que merecia toda essa repercussão um filme com enredo tão vazio.