Em 1928, a fabricante norte-americana de automóveis Ford fundou uma cidade na Amazónia brasileira, no estado do Pará, nas margens do rio Tapajós. O investimento numa empreitada desta dimensão (para além das instalações industriais, foram construídas casas, escolas, hospitais, estações de captação, tratamento e distribuição de água, mais de 70 quilómetros de estradas, etc.) parecia justificado pela dependência da empresa norte-americana pelo látex das árvores amazónicas seringueiras, matéria-prima necessária para o fabrico de pneus, válvulas e outras componentes da indústria automóvel, que então estava monopolizado pelo império britânico. Devido a vários fatores, entre humanos e naturais, o investimento relevar-se-ia um enorme fracasso, tendo ditado o abandono da cidade pela empresa em 1945. Enquanto vestígio material de uma utopia industrial de Henry Ford tornada distopia, essa cidade serve de pretexto para Susana de Sousa Dias explorar questões complexas como a transformação da paisagem (natural, humana, social, económica, política) pelo homem, a volatilidade dos processos históricos e dos mecanismos da memória. “Fordlândia Malaise” apresenta uma cartografia desse singular território a partir de fotos e filmes de arquivo, de imagens atuais dos edifícios e arruamentos, de testemunhos da memória e pós-memória de diversos habitantes ainda vivos. De uma forma criativa, Susana de Sousa Dias prossegue o seu trabalho iniciado em “Natureza Morta” (2005) e prosseguido em “48”(2009) e “Luz Obscura” (2017), através do qual propõe uma urgente reflexão sobre a ambiguidade e subjetividade dos arquivos institucionalizados e sobre a recuperação e valorização da memória e pós-memória como contra-narrativa necessária para denunciar a invisibilidade histórica e para olhar de forma crítica para o passado, por mais incómodo e nauseante que ele se possa revelar."