Um estranho no lago consegue com sucesso estabelecer uma rica e bela atmosfera, que considero a base do filme. Giraudie ambienta sua trama no âmago da natureza: um lago distante e isolado. O lago é retratado com uma beleza singular, especialmente de dia, momento no qual se mostra atrativo, amigável e calmo, com suaves ondulações que convidam para um mergulho seguro e descompromissado. Somos também presenteados com belos enquadramentos, que destacam a presença da natureza e sua influência sobre os personagens através de planos abertos. As cores claras, suaves e naturais contribuem para a ambientação precisamente natural e plácida durante o dia. E, à noite, o escuro excessivo ajuda a construir momentos extremamente angustiantes, em particular na sequência final. É durante a noite também que o lago se revela irritadiço, poderoso e misterioso, com movimentos não mais tão sutis e convidativas. Os bagres assassinos escondidos nas profundidades do lago não são mais tão irreais assim.
Portanto, nada mais natural que o assassinato ocorra no crepúsculo, realizado por um personagem tão irritadiço, poderoso e misterioso quanto o lago que o acolhe durante o crime.
Nesse ambiente, inicialmente suave e pacífico, conhecemos Frank e seu amigo Henri. A relação de ambos é intensamente explorada no filme, com frequência em momentos calmos e claros, na beira do lago. Constroem uma amizade pura e benéfica, um salva-vidas para a tristeza que os afeta, um laço possível de ser duradouro e verdadeiro tanto naquele refúgio quanto fora. Ambos procuram o lago por motivos semelhantes. Lá, fogem do ambiente urbano, das suas preocupações diárias, dos insucessos de relacionamentos anteriores, e preenchem um vazio em suas vidas. Entretanto, esse escape se dá de formas diferentes. Ao redor do lago límpido, resplandecente, atraente e belo, Henri se senta e contempla, reflete sobre suas dores, as compartilha com Frank e encontra na conversa um alívio para sua situação. Ao redor do mesmo lago, Frank e os outros homens entram em seu estado mais natural, nus, entregues ao encontro de parceiros para saciar um de seus mais naturais e instintivos desejos: o do sexo. É o sexo, o desejo, a adrenalina e a tensão gerada por esses elementos que movem o filme. Não é à toa que as relações sexuais são retratadas de forma intensa, necessária e acertadamente explícita. São cenas que merecem sim a atenção dada a elas, não por serem polêmicas e teoricamente desviarem o foco do filme, mas sim por serem o foco do filme. É a procura por aqueles momentos que motiva Frank e que justifica sua atração irrefreável por Michel. A satisfação dessa necessidade ignora inclusive a segurança pessoal: Frank, em momento algum, recusa sexo por falta de preservativos. De modo análogo, ver o seu objeto de desejo cometer um crime não o impede de continuar procurando Michel, de insistir em tê-lo como amante e de, por fim, realizar seu impulso, de seguir a sua natureza. O ambiente isolado, inatingível, parece para Frank ser isento de qualquer perigo ou doença que venha a abalar o seu prazer. Um estranho no lago é, portanto, um filme de dualidades entre Henri e Michel, entre o dia e a noite, entre o sentimento e o impulso, entre a segurança e o perigo. E, no meio disso tudo, um homem. Um lago.
Um Estranho no Lago
3.3 465 Assista AgoraUm estranho no lago consegue com sucesso estabelecer uma rica e bela atmosfera, que considero a base do filme. Giraudie ambienta sua trama no âmago da natureza: um lago distante e isolado. O lago é retratado com uma beleza singular, especialmente de dia, momento no qual se mostra atrativo, amigável e calmo, com suaves ondulações que convidam para um mergulho seguro e descompromissado. Somos também presenteados com belos enquadramentos, que destacam a presença da natureza e sua influência sobre os personagens através de planos abertos. As cores claras, suaves e naturais contribuem para a ambientação precisamente natural e plácida durante o dia. E, à noite, o escuro excessivo ajuda a construir momentos extremamente angustiantes, em particular na sequência final. É durante a noite também que o lago se revela irritadiço, poderoso e misterioso, com movimentos não mais tão sutis e convidativas. Os bagres assassinos escondidos nas profundidades do lago não são mais tão irreais assim.
Portanto, nada mais natural que o assassinato ocorra no crepúsculo, realizado por um personagem tão irritadiço, poderoso e misterioso quanto o lago que o acolhe durante o crime.
Nesse ambiente, inicialmente suave e pacífico, conhecemos Frank e seu amigo Henri. A relação de ambos é intensamente explorada no filme, com frequência em momentos calmos e claros, na beira do lago. Constroem uma amizade pura e benéfica, um salva-vidas para a tristeza que os afeta, um laço possível de ser duradouro e verdadeiro tanto naquele refúgio quanto fora.
Ambos procuram o lago por motivos semelhantes. Lá, fogem do ambiente urbano, das suas preocupações diárias, dos insucessos de relacionamentos anteriores, e preenchem um vazio em suas vidas. Entretanto, esse escape se dá de formas diferentes. Ao redor do lago límpido, resplandecente, atraente e belo, Henri se senta e contempla, reflete sobre suas dores, as compartilha com Frank e encontra na conversa um alívio para sua situação. Ao redor do mesmo lago, Frank e os outros homens entram em seu estado mais natural, nus, entregues ao encontro de parceiros para saciar um de seus mais naturais e instintivos desejos: o do sexo.
É o sexo, o desejo, a adrenalina e a tensão gerada por esses elementos que movem o filme. Não é à toa que as relações sexuais são retratadas de forma intensa, necessária e acertadamente explícita. São cenas que merecem sim a atenção dada a elas, não por serem polêmicas e teoricamente desviarem o foco do filme, mas sim por serem o foco do filme. É a procura por aqueles momentos que motiva Frank e que justifica sua atração irrefreável por Michel. A satisfação dessa necessidade ignora inclusive a segurança pessoal: Frank, em momento algum, recusa sexo por falta de preservativos. De modo análogo, ver o seu objeto de desejo cometer um crime não o impede de continuar procurando Michel, de insistir em tê-lo como amante e de, por fim, realizar seu impulso, de seguir a sua natureza. O ambiente isolado, inatingível, parece para Frank ser isento de qualquer perigo ou doença que venha a abalar o seu prazer.
Um estranho no lago é, portanto, um filme de dualidades entre Henri e Michel, entre o dia e a noite, entre o sentimento e o impulso, entre a segurança e o perigo. E, no meio disso tudo, um homem. Um lago.