"Uma manhã, na casa de praia da Elizabeth, ela me perguntou se eu preferia esquiar ou descansar. E eu percebi que, não apenas eu não queria responder aquela pergunta, como eu nunca quis responder nenhuma pergunta sobre esportes aquáticos... ou ver alguma dessas pessoas novamente pelo resto da minha vida."
Por mais que trate de eventos concretos e históricos, este filme parece falar muito sobre dor. Também abstratamente. Na fala de Rosalina, torna-se explícito como a dor num passado não reside apenas no passado e, após um acúmulo imenso de sofrimento, a relação de dor-indivíduo torna-se abusiva. Em um presente feliz, a dor aparece como um fantasma para lembra-te de que ela existe e está te observando. É como se a dor tornasse-se um amante do ser, este não podendo dispensá-la, pois seria como uma traição. A tristeza instaura um relacionamento abusivo na vida, e só ela, espremendo-se e esgueirando-se por entre as experiências diversas no tempo, reina e é soberana.
“O resto é passado... o resto é violência... o resto acabou.”
"O tempo é um abismo profundo preenchido por mil noites vazias. O tempo só existe enquanto passado, pois a única prova que temos da existência de um futuro é a morte." __________________ Nota: 4,4/5
Viagem a Citera é um ótimo exemplo de como a técnica deve servir à proposta cinematográfica, e não o contrário. A técnica, com suas variações e nuances, nada mais é do que uma ferramenta que servirá ao artista para que esse talhe sua obra. Aqui, assim como em outros de seus filmes, Angelopoulos novamente executa um trabalho quase historiográfico, analisando e, principalmente, explicitando uma condição de um determinado local no tempo. Com isso, sua direção, juntamente da composição fotográfica do longa, está muito mais preocupada em exibir as características e a história de um lugar, do que propriamente dos agentes que ali habitam. Aqui, é o local que age sobre as pessoas. O ser humano é passivo. Poder-se-ia dizer sim que a obra de Angelopoulos trata de personagens e suas trajetórias, porém, antes de tudo, ela trata verdadeiramente de locais, e poder notar isso em sua técnica cinematográfica é o que torna a obra tão rica. __________________ Nota: 4,1/5
Como é comum, A Cela é mais um filme que (não tão veementemente como em outros casos) parece não saber muito bem ao que veio. O enredo do filme praticamente força-o a possuir uma ambiguidade estilística, e esse não é o problema, e sim que as unidades estilísticas, não entre si, mas individualmente, não se assumam o que teoricamente são. Em momentos mais sóbrios, o filme vaga num campo que possui um roteiro até interessante, porém que acaba tentando explicitar uma violência narrativa a qual permanece apenas na fala (o que acaba tornando-se um problema, já que as atuações não são realmente um requinte aos olhos), e não explicitadas com a grafia que tornaria a experiência mais interessante. Já em momentos mais lisérgicos, o filme apresenta-me mais agradável, com uma produção de arte faraônica admirável (por mais que revele um pouco a falta de orçamento da obra, o que não necessariamente é um problema). No entanto, o longa acaba pecando um pouco na criação em si de um universo, ao passo que, ao invés de - novamente - assumir-se como tal e explorar seus pontos positivos, como a citada produção de arte (com toques à la H.R. Giger misturados com Jodorowsky), combinada ainda com uma composição fotográfica interessante que o filme de fato carrega, acaba por utilizar recursos óbvios e "baratos", como o uso de cores extremamente saturadas (o que poderia teoricamente trazer um aspecto psicodélico ao filme, mas que, no entanto, acabou apenas tornando-o um pouco mais brega). __________________ Nota: 2,8/5
sobre como o sonho gradualmente deteriora e destrói tudo. o romance espalha-se e nada mais é o que é e tudo torna-se apenas o que poderia ser. a relação sonhadora, independentemente de quantos atinja, é, antes de qualquer coisa, uma relação abusiva. o sonho - e somente este - é tudo o que se tem.
e aqui ó tchaim e aqui ó toim e aqui ó a tchaim e aqui ó a tum, não é verdade? ó e aqui ó tchaim tchaim e aqui toim tum, não é verdade? ó tchaim tchaim e toim tum.
A fetichização do nada é até engraçada. De um nada, surgiu a fobia de algo. Um nada que admite-se nada é lindo; aqui temos o comum nada que visa algo ser. Um nada covarde. Um filme covarde.
Talvez um dos problemas presentes em propostas de cinebiografias (principalmente no tocante às biografias de músicos) não seja o apelo pelo teor documental daquilo, mas sim a noção superficial que pode acabar surgindo acerca do que é uma abordagem documental. A partir do ponto em que a premissa da obra é calcada, máxima ou minimamente, em elementos da realidade, comumente busca-se retratá-los de maneira cronológica, jornalística e quase imparcial. Tudo isso, esse engano que faz querer a “realidade dos fatos”, por vezes acaba tirando da película sua própria expressão artística, incumbindo-a uma função informativa, em vez de uma proposta estilística cinematográfica. Esse é um dos problemas de The Doors. A partir do momento em que a vida pública do protagonista estabeleceu-se em um período temporal relativamente curto, a produção aparentou tentar reunir o máximo de informações biográficas possível, tal qual uma tabela de coisas notáveis obrigatórias. Principalmente no primeiro ato, a direção e a fotografia do longa torna tudo explícito, torna tudo quadrado. O filme apoia-se exageradamente em seu roteiro e aparenta esquecer dos outros elementos da obra. A experiência vai melhorando com o passar do tempo, pois, calcado em um fator externo - o fato da banda The Doors ter se tornado cada vez mais psicodélica e singular -, a obra vai aglutinando tais elementos e tornando o filme mais coeso. O fato de uma obra conseguir criar uma unidade e uma proposta apenas quando cruza-se com um fato externo, e não tendo aquilo como proposta estilística realmente, enfraquece-a. Um exemplo disso é a montagem do longa, que, em seu início, apresenta-se até preguiçosa, quando vai pulando secamente de uma etapa para outra da vida do protagonista, com um exagero extradiegético até cansativo. Porém, essa mesma montagem, nos minutos finais do longa, traz uma atmosfera justamente contrária, agora da não preocupação com uma lógica de narrativa e, principalmente, trazendo consigo uma abordagem documental que não se preocupa em destrinchar as verdades e inverdades do que é mostrado. Outro exemplo dessa abstração da realidade e adoção de uma proposta própria de linguagem é a atuação de Val Kilmer como protagonista. Desde o início, o ator aparenta comprometer-se com o que quer propor como Jim, e, ao longo das diversas situações do enredo, apresenta-se e age da maneira como o protagonista de Val agiria, e não como uma busca implacável pela imitação do que um elemento externo ao filme supostamente faria. Por fim, The Doors sofre com alguns elementos provindos dessa prejudicial noção de dever, que busca convencer o espectador de que aquilo é o mais real possível – busca e realidade as quais, principalmente unidas, são uma catástrofe.
“- Não é possível ter de sufocar sempre aquilo que se ama.” __________________ Um dos mais bonitos retratos do Brasil, senão o mais, no cinema. Cacá utiliza da temática da industrialização técnico-sociológica do país como pano de fundo para seu enredo e, nas camadas subjacentes adicionadas, vai retratando como esse fenômeno apresenta-se tanto macro quanto microscopicamente na vida das personagens e nos lugares por onde passam. Nada é somente bom e nada é somente ruim, tudo consegue tornar a vida das pessoas tanto mais lúdica quanto deplorável - e, principalmente, não oferece às próprias personagens o poder de julgamento acerca de sua própria situação, os elementos valorativos, estando sob qualquer óptica, apresentam-se graficamente apenas. É perfeita a forma com que a narrativa aglutina reviravoltas ao passo que os cenários geográficos vão mudando, os quais apenas refletem a inconstância de um cenário nacional e populacional caótico. A escolha de separar praticamente o elenco em dois núcleos serve muito bem ao fazer com que a evolução de tais personagens, ao final do longa, justamente explicite uma falta natural de bens e males dicotômicos, o qual, ao menos a meu ver, é quase inerente ao país. Em resumo, lindo, porém apenas em resumo. __________________ Nota: 4,8/5
"- Você não gosta de rodoviárias? - Não gosto de partir" __________________ O Raio Verde é sobre a relação completamente angustiante entre a utopia e uma possível negação de tal. Em uma das falas da protagonista, vemos que o simples ato de mergulhar em um contexto de presente seria a quebra absoluta da esperança de um presente ideal; como se, quando aceitássemos a realidade - seja qual fô-la -, estaríamos negando eternamente nossa própria utopia de ser e estar. Rohmer utiliza de e parte de uma mise en scène quase experimental e documental para, aos poucos, ir criando uma caracterização realista, complexa e doída de uma protagonista e de sua situação. O longa evolui, expondo seu ponto, e não conclui otimistamente, não há nenhum sinal de que Delphine decidiu-se entre a tristeza e a felicidade; o breu social e psicológico é o local existencialista onde Rohmer posiciona-nos ao final de sua obra. Cruel, triste e absurdamente lindo. __________________ Nota: 4,6/5
Dois fatos mostram-se nítidos: o primeiro é que o cinema brasileiro é, através de inúmeros fatores e causas, surrupiado em seu próprio território; o segundo é que este também apresenta-se – e a apresentou-se através de distintas épocas – como um dos mais ricos ao redor do globo. A máxima clichê e enganosa de que o cinema brasileiro, insistentemente, retrata as mazelas de sua realidade esgueira-se tangenciando O Céu de Suely, isso, pois o longa não foge às características do cinema do século XXI do Brasil, o qual, cada vez mais, parece buscar por enredos um pouco mais minimalistas e visa adentrar na psique sociológica do povo. Entretanto, o Brasil retratado em O Céu de Suely felizmente emancipa-se dos temas batidos e enverada para um lado muito mais subjetivo de uma análise de seu próprio local de fala e pertencimento. O Brasil possui uma sociedade, dentre tantas definições e características possíveis e utilizáveis, extremamente ambígua, contrastada, caótica e incoerente. Ambiguidade, essa, que não é, novamente, aquela clichê – e principalmente pejorativa – sobre politicagens, corrupções e pobrezas; é ambígua, inconstante e instável nossa linguagem, é instável nossa socialização, é instável nossa felicidade e é instável nossa tristeza. E a partir disso, então, começamos a poder notar a maestria do filme e quantidade de nuances aplicadas pelo diretor. Karim Aïnouz é um artista muito conhecido pela sua sensibilidade cinematográfica – como mostra em Seams, por exemplo –, mas que também não se exime da dureza – como em Madame Satã, por exemplo. E aqui, então, a dualidade fílmica de Karim irá servir perfeitamente à linguagem adequada ao enredo e à proposta da obra. O filme irá lidar, o tempo todo, com o contraste entre conceitos e apresentações. O roteiro, nas entrelinhas da narrativa, oferece-nos diálogos que, combinados com uma montagem ousada – quase com vida própria –, pulam de falas jocosas e descontraídas para temas melancólicos e importantes em uma mesma cena. Ainda sobre a montagem, agora unida à fotografia, essa traz ao longa um de seus maiores contrastes, quando enfileira tomadas de contexto duro e triste com outras de beleza natural exuberante; contrasta cenas de euforia com cenas fastidiosas; contrasta o sonho e a saudade – fatores quase inerentes ao ser – com a percepção da desilusão completa e do fracasso. Karim consegue, com O Céu de Suely, criar uma obra em que os sentimentos gerados partem muito mais de uma auto identificação do público para com a linguagem utilizada (a qual, como dito, lida com a ambiguidade presente em grande parte da vivência brasileira) do que propriamente com o enredo do filme. É como se o filme convidasse a nós – que estamos assistindo-o – e aos personagens coadjuvantes a assistirmos à história da protagonista, a qual, consciente ou inconscientemente, fazendo parte ou não de tal, sem dúvida conhecemos. __________________ Nota: 4,6/5
“Cruzamos com muitas pessoas todos os dias. Algumas podem se tornar nossos amigos ou até mesmo confidentes. Então nunca abro mão de uma chance de cruzar com alguém. Muitas vezes saio machucado, mas, sendo feliz, vale a pena.” __________________ Mesmo tendo saído do filme com um sentimento de “queria ter gostado mais”, me encantei. Em minha experiência particular, fiquei um pouco incomodado com a construção de algumas personagens, além de achar que o roteiro, por trabalhar mais de uma narrativa ao mesmo tempo, acaba por possuir algumas barrigas, o que gera ao longa alguns minutos excessivos. Passando disso, é de encher os olhos de prazer notar a competência de Wong Kar-Wai na produção e composição de cena de Anjos Caídos. A solidão contrastada a todo instante com a proximidade e a paixão, ao passo que são combinadas com a violência e a tristeza traz um alicerce narrativo extremamente sólido à obra, ao mesmo tempo em que apresenta, aos poucos, elementos claustrofóbicos, alegóricos, violentos e caóticos. A alegoria por vezes não me é particularmente cara no cinema, tendo em vista a superficialidade com a qual pode vir a ser tratada, o que felizmente não é o que acontece aqui. Como disse, a narrativa plural apenas introduz as raízes dos elementos que serão, com maestria, desenvolvidos e saboreados pela direção, fotografia e produção de arte do filme. Especificamente sobre a genial direção de Wong Kar-Wai, é impressionante como o diretor aborda essa mistura de contradições e combinações narrativas ao, por exemplo, escolher uma abertura super curta de câmera e posicionar os atores de primeiro plano nas bordas da tela, o que, estilisticamente, realça a presença da personagem ao passo que expõe o cenário propositadamente plástico e metafórico – maneirismo extremamente bem aplicado do diretor, que subverte a noção do uso de aberturas maiores para mostrar desolação; Wong Kar-Wai estiliza a direção, escolhe ângulos não convencionais, distorce o quadro e consegue criar um ambiente narrativo e visual contraditoriamente, ao mesmo tempo, vazio, claustrofóbico e ameaçador. __________________ Nota: 4,1/5
Fiquei com um sério medo de meu organismo ganhar autonomia completa e desligar minhas funções sensoriais e motoras para que eu não precisasse terminar este filme. É impressionante como a estética pela estética de Gaspar Noé é contraditoriamente broxante. Enter The Void não requer muitas linhas de explicitação crítica, pois não entrega nada além do apresentado nas demais obras do previsível diretor. A cinematografia de Gaspar Noé é inegavelmente linda, assim como os elementos estéticos empregados por ele (principalmente no caso específico de Enter The Void), porém é aquele velho papo: seus filmes são literalmente entulhados de elementos que urram ao esforçarem-se ao máximo para criar algum tipo de interesse entre o público e a obra. Por falar nisso, interesse é algo que realmente mostra-se escasso aqui, isso pois o longa não consegue decidir-se sobre o que quer ser, vagueando em um breu contraditório entre a trama e a antitrama. A trama (que é boa, porém também não tem nada demais, visto que é um It’s a Wonderful Life budista lisérgico) é, logo no início, deixada de lado (ainda quando o filme parecia interessante), e a antitrama não possui elementos suficientemente atrativos para sustentarem a experiência. No fim, como a enorme maioria das expressões artísticas de Gaspar Noé, Enter The Void acaba sendo bastante vazio, pois, a cada minuto de filme, vai perdendo os escassos elementos narrativos (e não os repondo com nada), tornando-se um grande aglomerado de Gasparnoesisses - tanto que o filme termina com uma cena gigantesca de pessoas fazendo sexo, a qual não significa, sem dúvida nenhuma, coisa alguma. O Gaspar Noé parece aquele amigo virjão que fica falando obscenidades o tempo todo em função de esquecer e abafar as próprias decepções e angústias; é um tontão fazendo filmes inutilmente obscenos e infantilmente lisérgicos. __________________ Nota: 1,9/5
Tolkien repudiava a ideia de alegoria, pois, segundo ele, tal utiliza cada elemento da trama para criar uma projeção de alguma outra coisa paralela. Alegoria não é a mesma coisa que metáfora, pois metáfora utiliza de elementos da trama para oferecer analogias e segundas interpretações, enquanto a alegoria só serve enquanto segunda interpretação. Para mim, o grande problema de Annette é que são duas horas e meia de uma grande alegoria. O primeiro ato é agradável (inclusive, para mim, a cena de abertura é a melhor do longa), mas isso acontece justamente porque, ao decorrer da história, os elementos alegóricos vão se acumulando e o filme vai se tornando um grande nada. Milhões de elementos, cada um querendo dizer qualquer outra coisa que não si próprio. Tecnicamente, é um filme bastante digno; o talento de mise en scène de Carax é inegável, além de encantador. As atuações são ótimas, principalmente a do grande Adam Driver. Adoro o Adam Driver. Infelizmente o filme é insuportavelmente arrastado e prolixo. __________________ Nota: 2,5/5
Sempre que sai um filme novo e, nos gloriosos sites de cultura pop, diz-se coisas como "uns irão amar, outros irão odiar", pode saber que é bomba, é cascata, é cilada, é baboseira. The Green Knight é inacreditavelmente ruim. Infelizmente, a tendência de gastar milhões com técnicos de fotografia, figurino, maquiagem, trilha sonora, etc., ao passo que se utiliza de um roteiro que parece ter sido pensado por um estudante do Ensino Fundamental, parece continuar em voga - prefiro não me estender, pois já comentei sobre isso aqui no Filmow no tocante ao filme Love, do genial, porém tristemente incompreendido, Gaspar Noé. Fazer um filme desses é como preparar um quilo de esterco e temperar com páprica. __________________ Nota: 1,2/5
A raiva vem-me muitas vezes após o momento em que assisto a filmes ruins, porém não há como ser o que ocorre com Caça-Fantasmas; a raiva passa longe da oportunidade de me dominar quando a incredulidade preenche o meu cérebro. Eu já disse aqui no Filmow coisas como “não consigo entender como alguém filma um roteiro desses”, porém, em tal ocasião, o comentário era pejorativo. Em Caça-Fantasmas, não tem como ser pejorativo porque não há palavras, assim como não há intenções críticas, para ilustrar o que se pode tirar desse filme. Quanto mais o filme aproximava-se do fim, eu de fato pensava “como foram capazes de aceitar um roteiro desses?”, mas era uma reflexão quase de admiração; um ser humano que lê uma coisa dessas e acha que é isso mesmo é um indivíduo totalmente livre das amarras cognitivas da espécie, e que levanta todo dia de manhã com a certeza de que sabe o que está fazendo, é um ser sem medo. Nem o conceito de desligar o cérebro para assistir a um filme blockbuster funciona aqui; divertir-se aqui é fácil, o difícil é entender alguma coisa. Para Caça-Fantasmas fazer sentido, desligar o cérebro com certeza não é suficiente, precisaríamos talvez voltar ao pleistoceno. A perplexidade tomou-me conta; não sei mais quem sou. __________________ Nota: ?/5
Qualquer um que aprecie alguma área da arte, e que a consuma há certo tempo, está acostumado a ingerir tanto produtos bons, quanto ruins; e é um deleite tão grande quando despretensiosamente encontramos uma pérola magnífica em meio a tanto caos. Este filme é tão bom, que chega a ser cruel com os outros filmes, porque a gente olha – ou então lembra – para outras obras e pensa “por que não fizeram que nem em O Círculo Vermelho? Aquele é o jeito certo.” Em um comentário recente aqui no Filmow, expressei minha chateação com espectadores que cobram certa didática de uma obra cinematográfica. Em minha opinião, a última coisa com a qual uma película deve preocupar-se é com o didatismo, eu estou indo ver um filme e não indo fazer um curso de Adobe; e O Círculo Vermelho apresenta-se como um ótimo argumento para minha visão. É tão espetacular, sem querer dar spoiler, como a trama vai evoluindo – assim como também apresenta os personagens inicialmente – sem precisar, em momento algum, dizer efetivamente para onde está caminhando; as personagens sabem quais são seus objetivos, o espectador não precisa preocupar-se. Eu acho tão lindo isso. Já expressei essa visão a um amigo: é tão bom quando propomo-nos a assistir a um filme de alguém competente, porque não há aquela preocupação prévia de “será que vai ser bom?”; quando vamos olhar um Tarkovsky, por exemplo, apenas relaxamos e deleitamo-nos com o que ele quiser oferecer-nos. E é o que acontece aqui. Perguntas como “o que está acontecendo?”, “será que vai dar certo?”, “será que fará sentido?” são dispensadas. Porque não importa!!! Apenas assista ao filme. E, além de toda essa rasgação de seda, é impossível não citar o fato de como, aqui, podemos observar que um filme – em tese – deveria utilizar de seus diversos elementos para servir à experiência, e não apenas do roteiro. A direção do Melville e a fotografia dão uma base visual absurdamente perfeita para que o roteiro consiga existir em uma superfície fluida, onde as coisas são compreensíveis, ao passo que passam longe do explícito. Há cenas que denotariam linhas e mais linhas de diálogo para poderem ser compreendidas, e que são lindamente explicitadas através de uma direção genial e uma montagem incrível. Existem muitos bons filmes, mas eu acredito que nem todos possuam a característica de exemplificar como dever-se-ia ser feita uma obra cinematográfica (dentro de todas as suas possibilidades artística e nuances) – e isso obviamente não é um defeito. O Círculo Vermelho, além de ser um espetáculo, é certamente uma aula. É assim que se faz. __________________ Nota: 4,6/5
A maneira com que, através tanto do roteiro, quanto da direção, montagem e trilha sonora, Carax expõe as questões e, juntamente, reflexões neste filme é algo sem igual. Muito se interpreta de Holy Motors um discurso sobre a evolução do próprio cinema mundial, com suas tecnologias e inovações; acho super válida tal visão, mas a obra fisgou-me mesmo por outras vias. A frase “na época em que éramos, quem éramos?” é tão linda, ao passo que explana tão bem a face da película a qual me tocou. Talvez se aproximando da interpretação de uma trama metalinguística, o que falo é sobre o dilema do ser humano de ser algo, independentemente do que; o longa parte de um pressuposto pessimista de um tempo em que de fato não somos nada, um nada causado por inúmeros fatores, sendo possivelmente um deles a própria arte – por isso a aproximação. Carax deixa à mostra a necessidade cada vez mais latente de estarmos em ação o tempo todo, ação essa que, por vezes, é explicitamente falsa e mascarada, mas que, no entanto, continua válida aos instintos, pois tais não são mais afetados pelo questionamento sobre a verdade. Como já disse, o trabalho de direção, em conluio com o roteiro, aqui explicita isso: penso estar vendo algo na tela, e no momento seguinte já me contradigo, porém o fato é que não importa. Quando o que está em jogo é ser ou não ser, a verdade sobre o que se é torna-se rapidamente irrelevante. __________________ Nota: 4,8/5
Meu comentário nem será sobre o Boi Neon, mas sim sobre essa tendência insuportável a qual percebo em qualquer filme que não seja um tiroteio esquizofrênico o tempo todo. "Poderia ser mais rápido", "falta de objetivo", "cenas sem nexo"... irmão, você quer um filme ou uma tabela do excel?
Week-End à Francesa
3.8 108Como destruir a febre maximalista neoliberal em 105 minutos. Godard é o cinema.
Pura Adrenalina
3.4 90"Uma manhã, na casa de praia da Elizabeth, ela me perguntou se eu preferia esquiar ou descansar. E eu percebi que, não apenas eu não queria responder aquela pergunta, como eu nunca quis responder nenhuma pergunta sobre esportes aquáticos... ou ver alguma dessas pessoas novamente pelo resto da minha vida."
Bem bonito este filme. Bem bacana. Bem legal.
Que Bom Te Ver Viva
4.3 55 Assista AgoraPor mais que trate de eventos concretos e históricos, este filme parece falar muito sobre dor. Também abstratamente. Na fala de Rosalina, torna-se explícito como a dor num passado não reside apenas no passado e, após um acúmulo imenso de sofrimento, a relação de dor-indivíduo torna-se abusiva. Em um presente feliz, a dor aparece como um fantasma para lembra-te de que ela existe e está te observando. É como se a dor tornasse-se um amante do ser, este não podendo dispensá-la, pois seria como uma traição. A tristeza instaura um relacionamento abusivo na vida, e só ela, espremendo-se e esgueirando-se por entre as experiências diversas no tempo, reina e é soberana.
“O resto é passado... o resto é violência... o resto acabou.”
Nosferatu: O Vampiro da Noite
4.0 248"O tempo é um abismo profundo preenchido por mil noites vazias. O tempo só existe enquanto passado, pois a única prova que temos da existência de um futuro é a morte."
__________________
Nota: 4,4/5
Viagem a Citera
4.2 17Viagem a Citera é um ótimo exemplo de como a técnica deve servir à proposta cinematográfica, e não o contrário. A técnica, com suas variações e nuances, nada mais é do que uma ferramenta que servirá ao artista para que esse talhe sua obra. Aqui, assim como em outros de seus filmes, Angelopoulos novamente executa um trabalho quase historiográfico, analisando e, principalmente, explicitando uma condição de um determinado local no tempo. Com isso, sua direção, juntamente da composição fotográfica do longa, está muito mais preocupada em exibir as características e a história de um lugar, do que propriamente dos agentes que ali habitam. Aqui, é o local que age sobre as pessoas. O ser humano é passivo.
Poder-se-ia dizer sim que a obra de Angelopoulos trata de personagens e suas trajetórias, porém, antes de tudo, ela trata verdadeiramente de locais, e poder notar isso em sua técnica cinematográfica é o que torna a obra tão rica.
__________________
Nota: 4,1/5
A Cela
3.1 394 Assista AgoraComo é comum, A Cela é mais um filme que (não tão veementemente como em outros casos) parece não saber muito bem ao que veio. O enredo do filme praticamente força-o a possuir uma ambiguidade estilística, e esse não é o problema, e sim que as unidades estilísticas, não entre si, mas individualmente, não se assumam o que teoricamente são.
Em momentos mais sóbrios, o filme vaga num campo que possui um roteiro até interessante, porém que acaba tentando explicitar uma violência narrativa a qual permanece apenas na fala (o que acaba tornando-se um problema, já que as atuações não são realmente um requinte aos olhos), e não explicitadas com a grafia que tornaria a experiência mais interessante.
Já em momentos mais lisérgicos, o filme apresenta-me mais agradável, com uma produção de arte faraônica admirável (por mais que revele um pouco a falta de orçamento da obra, o que não necessariamente é um problema). No entanto, o longa acaba pecando um pouco na criação em si de um universo, ao passo que, ao invés de - novamente - assumir-se como tal e explorar seus pontos positivos, como a citada produção de arte (com toques à la H.R. Giger misturados com Jodorowsky), combinada ainda com uma composição fotográfica interessante que o filme de fato carrega, acaba por utilizar recursos óbvios e "baratos", como o uso de cores extremamente saturadas (o que poderia teoricamente trazer um aspecto psicodélico ao filme, mas que, no entanto, acabou apenas tornando-o um pouco mais brega).
__________________
Nota: 2,8/5
Os Sonhadores
4.1 1,9K Assista Agorasobre como o sonho gradualmente deteriora e destrói tudo. o romance espalha-se e nada mais é o que é e tudo torna-se apenas o que poderia ser.
a relação sonhadora, independentemente de quantos atinja, é, antes de qualquer coisa, uma relação abusiva. o sonho - e somente este - é tudo o que se tem.
Não! Não Olhe!
3.5 1,3K Assista Agorae aqui ó tchaim e aqui ó toim e aqui ó a tchaim e aqui ó a tum, não é verdade? ó e aqui ó tchaim tchaim e aqui toim tum, não é verdade? ó tchaim tchaim e toim tum.
logo você percebeu que o resultado é zero.
Meu Filho, Olha o Que Fizeste!
3.3 45sobre querer o tato no decorrer do inalcançável, abraçar o romance utópico no colo do que se tem. mentir para si. fingir até o fim. sonhar.
O Homem do Norte
3.7 938 Assista AgoraA fetichização do nada é até engraçada. De um nada, surgiu a fobia de algo. Um nada que admite-se nada é lindo; aqui temos o comum nada que visa algo ser. Um nada covarde. Um filme covarde.
The Doors
4.0 505 Assista AgoraTalvez um dos problemas presentes em propostas de cinebiografias (principalmente no tocante às biografias de músicos) não seja o apelo pelo teor documental daquilo, mas sim a noção superficial que pode acabar surgindo acerca do que é uma abordagem documental. A partir do ponto em que a premissa da obra é calcada, máxima ou minimamente, em elementos da realidade, comumente busca-se retratá-los de maneira cronológica, jornalística e quase imparcial. Tudo isso, esse engano que faz querer a “realidade dos fatos”, por vezes acaba tirando da película sua própria expressão artística, incumbindo-a uma função informativa, em vez de uma proposta estilística cinematográfica.
Esse é um dos problemas de The Doors. A partir do momento em que a vida pública do protagonista estabeleceu-se em um período temporal relativamente curto, a produção aparentou tentar reunir o máximo de informações biográficas possível, tal qual uma tabela de coisas notáveis obrigatórias. Principalmente no primeiro ato, a direção e a fotografia do longa torna tudo explícito, torna tudo quadrado. O filme apoia-se exageradamente em seu roteiro e aparenta esquecer dos outros elementos da obra. A experiência vai melhorando com o passar do tempo, pois, calcado em um fator externo - o fato da banda The Doors ter se tornado cada vez mais psicodélica e singular -, a obra vai aglutinando tais elementos e tornando o filme mais coeso. O fato de uma obra conseguir criar uma unidade e uma proposta apenas quando cruza-se com um fato externo, e não tendo aquilo como proposta estilística realmente, enfraquece-a. Um exemplo disso é a montagem do longa, que, em seu início, apresenta-se até preguiçosa, quando vai pulando secamente de uma etapa para outra da vida do protagonista, com um exagero extradiegético até cansativo. Porém, essa mesma montagem, nos minutos finais do longa, traz uma atmosfera justamente contrária, agora da não preocupação com uma lógica de narrativa e, principalmente, trazendo consigo uma abordagem documental que não se preocupa em destrinchar as verdades e inverdades do que é mostrado. Outro exemplo dessa abstração da realidade e adoção de uma proposta própria de linguagem é a atuação de Val Kilmer como protagonista. Desde o início, o ator aparenta comprometer-se com o que quer propor como Jim, e, ao longo das diversas situações do enredo, apresenta-se e age da maneira como o protagonista de Val agiria, e não como uma busca implacável pela imitação do que um elemento externo ao filme supostamente faria.
Por fim, The Doors sofre com alguns elementos provindos dessa prejudicial noção de dever, que busca convencer o espectador de que aquilo é o mais real possível – busca e realidade as quais, principalmente unidas, são uma catástrofe.
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Nota: 3,1/5
Bye Bye Brasil
3.9 145 Assista Agora“- Não é possível ter de sufocar sempre aquilo que se ama.”
__________________
Um dos mais bonitos retratos do Brasil, senão o mais, no cinema. Cacá utiliza da temática da industrialização técnico-sociológica do país como pano de fundo para seu enredo e, nas camadas subjacentes adicionadas, vai retratando como esse fenômeno apresenta-se tanto macro quanto microscopicamente na vida das personagens e nos lugares por onde passam. Nada é somente bom e nada é somente ruim, tudo consegue tornar a vida das pessoas tanto mais lúdica quanto deplorável - e, principalmente, não oferece às próprias personagens o poder de julgamento acerca de sua própria situação, os elementos valorativos, estando sob qualquer óptica, apresentam-se graficamente apenas. É perfeita a forma com que a narrativa aglutina reviravoltas ao passo que os cenários geográficos vão mudando, os quais apenas refletem a inconstância de um cenário nacional e populacional caótico. A escolha de separar praticamente o elenco em dois núcleos serve muito bem ao fazer com que a evolução de tais personagens, ao final do longa, justamente explicite uma falta natural de bens e males dicotômicos, o qual, ao menos a meu ver, é quase inerente ao país. Em resumo, lindo, porém apenas em resumo.
__________________
Nota: 4,8/5
O Raio Verde
4.1 87"- Você não gosta de rodoviárias?
- Não gosto de partir"
__________________
O Raio Verde é sobre a relação completamente angustiante entre a utopia e uma possível negação de tal. Em uma das falas da protagonista, vemos que o simples ato de mergulhar em um contexto de presente seria a quebra absoluta da esperança de um presente ideal; como se, quando aceitássemos a realidade - seja qual fô-la -, estaríamos negando eternamente nossa própria utopia de ser e estar. Rohmer utiliza de e parte de uma mise en scène quase experimental e documental para, aos poucos, ir criando uma caracterização realista, complexa e doída de uma protagonista e de sua situação. O longa evolui, expondo seu ponto, e não conclui otimistamente, não há nenhum sinal de que Delphine decidiu-se entre a tristeza e a felicidade; o breu social e psicológico é o local existencialista onde Rohmer posiciona-nos ao final de sua obra. Cruel, triste e absurdamente lindo.
__________________
Nota: 4,6/5
O Céu de Suely
3.9 464 Assista AgoraDois fatos mostram-se nítidos: o primeiro é que o cinema brasileiro é, através de inúmeros fatores e causas, surrupiado em seu próprio território; o segundo é que este também apresenta-se – e a apresentou-se através de distintas épocas – como um dos mais ricos ao redor do globo.
A máxima clichê e enganosa de que o cinema brasileiro, insistentemente, retrata as mazelas de sua realidade esgueira-se tangenciando O Céu de Suely, isso, pois o longa não foge às características do cinema do século XXI do Brasil, o qual, cada vez mais, parece buscar por enredos um pouco mais minimalistas e visa adentrar na psique sociológica do povo. Entretanto, o Brasil retratado em O Céu de Suely felizmente emancipa-se dos temas batidos e enverada para um lado muito mais subjetivo de uma análise de seu próprio local de fala e pertencimento. O Brasil possui uma sociedade, dentre tantas definições e características possíveis e utilizáveis, extremamente ambígua, contrastada, caótica e incoerente. Ambiguidade, essa, que não é, novamente, aquela clichê – e principalmente pejorativa – sobre politicagens, corrupções e pobrezas; é ambígua, inconstante e instável nossa linguagem, é instável nossa socialização, é instável nossa felicidade e é instável nossa tristeza. E a partir disso, então, começamos a poder notar a maestria do filme e quantidade de nuances aplicadas pelo diretor. Karim Aïnouz é um artista muito conhecido pela sua sensibilidade cinematográfica – como mostra em Seams, por exemplo –, mas que também não se exime da dureza – como em Madame Satã, por exemplo. E aqui, então, a dualidade fílmica de Karim irá servir perfeitamente à linguagem adequada ao enredo e à proposta da obra.
O filme irá lidar, o tempo todo, com o contraste entre conceitos e apresentações. O roteiro, nas entrelinhas da narrativa, oferece-nos diálogos que, combinados com uma montagem ousada – quase com vida própria –, pulam de falas jocosas e descontraídas para temas melancólicos e importantes em uma mesma cena. Ainda sobre a montagem, agora unida à fotografia, essa traz ao longa um de seus maiores contrastes, quando enfileira tomadas de contexto duro e triste com outras de beleza natural exuberante; contrasta cenas de euforia com cenas fastidiosas; contrasta o sonho e a saudade – fatores quase inerentes ao ser – com a percepção da desilusão completa e do fracasso.
Karim consegue, com O Céu de Suely, criar uma obra em que os sentimentos gerados partem muito mais de uma auto identificação do público para com a linguagem utilizada (a qual, como dito, lida com a ambiguidade presente em grande parte da vivência brasileira) do que propriamente com o enredo do filme. É como se o filme convidasse a nós – que estamos assistindo-o – e aos personagens coadjuvantes a assistirmos à história da protagonista, a qual, consciente ou inconscientemente, fazendo parte ou não de tal, sem dúvida conhecemos.
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Nota: 4,6/5
Anjos Caídos
4.0 260 Assista Agora“Cruzamos com muitas pessoas todos os dias. Algumas podem se tornar nossos amigos ou até mesmo confidentes. Então nunca abro mão de uma chance de cruzar com alguém. Muitas vezes saio machucado, mas, sendo feliz, vale a pena.”
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Mesmo tendo saído do filme com um sentimento de “queria ter gostado mais”, me encantei. Em minha experiência particular, fiquei um pouco incomodado com a construção de algumas personagens, além de achar que o roteiro, por trabalhar mais de uma narrativa ao mesmo tempo, acaba por possuir algumas barrigas, o que gera ao longa alguns minutos excessivos.
Passando disso, é de encher os olhos de prazer notar a competência de Wong Kar-Wai na produção e composição de cena de Anjos Caídos. A solidão contrastada a todo instante com a proximidade e a paixão, ao passo que são combinadas com a violência e a tristeza traz um alicerce narrativo extremamente sólido à obra, ao mesmo tempo em que apresenta, aos poucos, elementos claustrofóbicos, alegóricos, violentos e caóticos. A alegoria por vezes não me é particularmente cara no cinema, tendo em vista a superficialidade com a qual pode vir a ser tratada, o que felizmente não é o que acontece aqui. Como disse, a narrativa plural apenas introduz as raízes dos elementos que serão, com maestria, desenvolvidos e saboreados pela direção, fotografia e produção de arte do filme. Especificamente sobre a genial direção de Wong Kar-Wai, é impressionante como o diretor aborda essa mistura de contradições e combinações narrativas ao, por exemplo, escolher uma abertura super curta de câmera e posicionar os atores de primeiro plano nas bordas da tela, o que, estilisticamente, realça a presença da personagem ao passo que expõe o cenário propositadamente plástico e metafórico – maneirismo extremamente bem aplicado do diretor, que subverte a noção do uso de aberturas maiores para mostrar desolação; Wong Kar-Wai estiliza a direção, escolhe ângulos não convencionais, distorce o quadro e consegue criar um ambiente narrativo e visual contraditoriamente, ao mesmo tempo, vazio, claustrofóbico e ameaçador.
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Nota: 4,1/5
Enter The Void: Viagem Alucinante
4.0 871Fiquei com um sério medo de meu organismo ganhar autonomia completa e desligar minhas funções sensoriais e motoras para que eu não precisasse terminar este filme.
É impressionante como a estética pela estética de Gaspar Noé é contraditoriamente broxante. Enter The Void não requer muitas linhas de explicitação crítica, pois não entrega nada além do apresentado nas demais obras do previsível diretor. A cinematografia de Gaspar Noé é inegavelmente linda, assim como os elementos estéticos empregados por ele (principalmente no caso específico de Enter The Void), porém é aquele velho papo: seus filmes são literalmente entulhados de elementos que urram ao esforçarem-se ao máximo para criar algum tipo de interesse entre o público e a obra. Por falar nisso, interesse é algo que realmente mostra-se escasso aqui, isso pois o longa não consegue decidir-se sobre o que quer ser, vagueando em um breu contraditório entre a trama e a antitrama. A trama (que é boa, porém também não tem nada demais, visto que é um It’s a Wonderful Life budista lisérgico) é, logo no início, deixada de lado (ainda quando o filme parecia interessante), e a antitrama não possui elementos suficientemente atrativos para sustentarem a experiência.
No fim, como a enorme maioria das expressões artísticas de Gaspar Noé, Enter The Void acaba sendo bastante vazio, pois, a cada minuto de filme, vai perdendo os escassos elementos narrativos (e não os repondo com nada), tornando-se um grande aglomerado de Gasparnoesisses - tanto que o filme termina com uma cena gigantesca de pessoas fazendo sexo, a qual não significa, sem dúvida nenhuma, coisa alguma. O Gaspar Noé parece aquele amigo virjão que fica falando obscenidades o tempo todo em função de esquecer e abafar as próprias decepções e angústias; é um tontão fazendo filmes inutilmente obscenos e infantilmente lisérgicos.
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Nota: 1,9/5
Annette
3.5 118 Assista AgoraTolkien repudiava a ideia de alegoria, pois, segundo ele, tal utiliza cada elemento da trama para criar uma projeção de alguma outra coisa paralela. Alegoria não é a mesma coisa que metáfora, pois metáfora utiliza de elementos da trama para oferecer analogias e segundas interpretações, enquanto a alegoria só serve enquanto segunda interpretação. Para mim, o grande problema de Annette é que são duas horas e meia de uma grande alegoria.
O primeiro ato é agradável (inclusive, para mim, a cena de abertura é a melhor do longa), mas isso acontece justamente porque, ao decorrer da história, os elementos alegóricos vão se acumulando e o filme vai se tornando um grande nada. Milhões de elementos, cada um querendo dizer qualquer outra coisa que não si próprio.
Tecnicamente, é um filme bastante digno; o talento de mise en scène de Carax é inegável, além de encantador. As atuações são ótimas, principalmente a do grande Adam Driver. Adoro o Adam Driver. Infelizmente o filme é insuportavelmente arrastado e prolixo.
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Nota: 2,5/5
A Lenda do Cavaleiro Verde
3.6 475 Assista AgoraSempre que sai um filme novo e, nos gloriosos sites de cultura pop, diz-se coisas como "uns irão amar, outros irão odiar", pode saber que é bomba, é cascata, é cilada, é baboseira. The Green Knight é inacreditavelmente ruim. Infelizmente, a tendência de gastar milhões com técnicos de fotografia, figurino, maquiagem, trilha sonora, etc., ao passo que se utiliza de um roteiro que parece ter sido pensado por um estudante do Ensino Fundamental, parece continuar em voga - prefiro não me estender, pois já comentei sobre isso aqui no Filmow no tocante ao filme Love, do genial, porém tristemente incompreendido, Gaspar Noé. Fazer um filme desses é como preparar um quilo de esterco e temperar com páprica.
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Nota: 1,2/5
Chico: Artista Brasileiro
4.3 85No dia em que esse aí for o documentário sobre o Chico, podem ir todos pra Marte que acabou o mundo.
A Mulher que Fugiu
3.6 36"Se é tudo repetição, como há de ser sincero?"
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Nota: 4,1/5
Caça-Fantasmas
3.2 1,3K Assista AgoraA raiva vem-me muitas vezes após o momento em que assisto a filmes ruins, porém não há como ser o que ocorre com Caça-Fantasmas; a raiva passa longe da oportunidade de me dominar quando a incredulidade preenche o meu cérebro. Eu já disse aqui no Filmow coisas como “não consigo entender como alguém filma um roteiro desses”, porém, em tal ocasião, o comentário era pejorativo. Em Caça-Fantasmas, não tem como ser pejorativo porque não há palavras, assim como não há intenções críticas, para ilustrar o que se pode tirar desse filme. Quanto mais o filme aproximava-se do fim, eu de fato pensava “como foram capazes de aceitar um roteiro desses?”, mas era uma reflexão quase de admiração; um ser humano que lê uma coisa dessas e acha que é isso mesmo é um indivíduo totalmente livre das amarras cognitivas da espécie, e que levanta todo dia de manhã com a certeza de que sabe o que está fazendo, é um ser sem medo. Nem o conceito de desligar o cérebro para assistir a um filme blockbuster funciona aqui; divertir-se aqui é fácil, o difícil é entender alguma coisa. Para Caça-Fantasmas fazer sentido, desligar o cérebro com certeza não é suficiente, precisaríamos talvez voltar ao pleistoceno. A perplexidade tomou-me conta; não sei mais quem sou.
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Nota: ?/5
O Círculo Vermelho
4.1 47 Assista AgoraQualquer um que aprecie alguma área da arte, e que a consuma há certo tempo, está acostumado a ingerir tanto produtos bons, quanto ruins; e é um deleite tão grande quando despretensiosamente encontramos uma pérola magnífica em meio a tanto caos. Este filme é tão bom, que chega a ser cruel com os outros filmes, porque a gente olha – ou então lembra – para outras obras e pensa “por que não fizeram que nem em O Círculo Vermelho? Aquele é o jeito certo.”
Em um comentário recente aqui no Filmow, expressei minha chateação com espectadores que cobram certa didática de uma obra cinematográfica. Em minha opinião, a última coisa com a qual uma película deve preocupar-se é com o didatismo, eu estou indo ver um filme e não indo fazer um curso de Adobe; e O Círculo Vermelho apresenta-se como um ótimo argumento para minha visão. É tão espetacular, sem querer dar spoiler, como a trama vai evoluindo – assim como também apresenta os personagens inicialmente – sem precisar, em momento algum, dizer efetivamente para onde está caminhando; as personagens sabem quais são seus objetivos, o espectador não precisa preocupar-se. Eu acho tão lindo isso. Já expressei essa visão a um amigo: é tão bom quando propomo-nos a assistir a um filme de alguém competente, porque não há aquela preocupação prévia de “será que vai ser bom?”; quando vamos olhar um Tarkovsky, por exemplo, apenas relaxamos e deleitamo-nos com o que ele quiser oferecer-nos. E é o que acontece aqui. Perguntas como “o que está acontecendo?”, “será que vai dar certo?”, “será que fará sentido?” são dispensadas. Porque não importa!!! Apenas assista ao filme.
E, além de toda essa rasgação de seda, é impossível não citar o fato de como, aqui, podemos observar que um filme – em tese – deveria utilizar de seus diversos elementos para servir à experiência, e não apenas do roteiro. A direção do Melville e a fotografia dão uma base visual absurdamente perfeita para que o roteiro consiga existir em uma superfície fluida, onde as coisas são compreensíveis, ao passo que passam longe do explícito. Há cenas que denotariam linhas e mais linhas de diálogo para poderem ser compreendidas, e que são lindamente explicitadas através de uma direção genial e uma montagem incrível.
Existem muitos bons filmes, mas eu acredito que nem todos possuam a característica de exemplificar como dever-se-ia ser feita uma obra cinematográfica (dentro de todas as suas possibilidades artística e nuances) – e isso obviamente não é um defeito. O Círculo Vermelho, além de ser um espetáculo, é certamente uma aula. É assim que se faz.
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Nota: 4,6/5
Holy Motors
3.9 652 Assista AgoraA maneira com que, através tanto do roteiro, quanto da direção, montagem e trilha sonora, Carax expõe as questões e, juntamente, reflexões neste filme é algo sem igual. Muito se interpreta de Holy Motors um discurso sobre a evolução do próprio cinema mundial, com suas tecnologias e inovações; acho super válida tal visão, mas a obra fisgou-me mesmo por outras vias. A frase “na época em que éramos, quem éramos?” é tão linda, ao passo que explana tão bem a face da película a qual me tocou. Talvez se aproximando da interpretação de uma trama metalinguística, o que falo é sobre o dilema do ser humano de ser algo, independentemente do que; o longa parte de um pressuposto pessimista de um tempo em que de fato não somos nada, um nada causado por inúmeros fatores, sendo possivelmente um deles a própria arte – por isso a aproximação. Carax deixa à mostra a necessidade cada vez mais latente de estarmos em ação o tempo todo, ação essa que, por vezes, é explicitamente falsa e mascarada, mas que, no entanto, continua válida aos instintos, pois tais não são mais afetados pelo questionamento sobre a verdade. Como já disse, o trabalho de direção, em conluio com o roteiro, aqui explicita isso: penso estar vendo algo na tela, e no momento seguinte já me contradigo, porém o fato é que não importa. Quando o que está em jogo é ser ou não ser, a verdade sobre o que se é torna-se rapidamente irrelevante.
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Nota: 4,8/5
Boi Neon
3.6 461 Assista AgoraMeu comentário nem será sobre o Boi Neon, mas sim sobre essa tendência insuportável a qual percebo em qualquer filme que não seja um tiroteio esquizofrênico o tempo todo. "Poderia ser mais rápido", "falta de objetivo", "cenas sem nexo"... irmão, você quer um filme ou uma tabela do excel?