"A história dos uruguaios que caíram na cordilheira dos Andes e tiverem que cometer canibalismo pra sobreviver". Foi assim que eu sempre me referi ao acidente do Voo 571, porque foi assim que essa história sempre chegou até mim. Em todas as produções que vi sobre o acidente, o foco da história sempre recaiu sobre o dilema ético envolvendo o canibalismo. Em A Sociedade da Neve, fica claro que se alimentar de carne humana para sobrevivência foi apenas um dos pontos funestos da tragédia que aconteceu com os uruguaios. Talvez o menor deles.
É um dos maiores filmes de terror que eu já vi, mesmo sem nenhum monstro. O horror está em se ver no meio de um nada estéril, passando frio extremo, sem mantimentos, sem assistência médica adequada, vendo pessoas queridas morrerem, sem esperança de resgate, com risco de soterramento... tudo isso perfeitamente explorado no filme, fazendo a gente se colocar inteiramente no lugar daquelas pessoas. A todo momento, eu pensava: "o pior dia da minha vida não chega nem perto da dor vivenciada por esses caras".
Imagine ter 72 piores dias da sua vida e ainda assim não desistir. Você não pode se machucar, pois não tem suprimentos para uma assistência médica adequada. Você não pode se hidratar, pois não há água suficiente. Você não pode olhar diretamente para a neve, pois ela reflete a luz solar. Você não pode enterrar seus mortos, pois eles precisarão servir de alimento.
A gente sempre ouve falar que é preciso ter respeito pelo mar, pois ele pode ser traiçoeiro, mas eu nunca tinha parado pra pensar sobre como a neve é perigosa também. E o irônico - que o filme consegue demonstrar tão bem – , é: como é linda! Os takes de longe me deixavam boquiaberta. A natureza estupenda sendo cenário de uma grande tragédia humana.
Gostei do fato de o filme partilhar o protagonismo entre os personagens e, especialmente da narração de Numa, última pessoa a morrer ali. Soa como uma homenagem aos que não voltaram. Eles foram gigantes. Tiveram forças para dividir tarefas, se organizar socialmente, fazer registros fotógraficos (!!!) e, sim, buscar resgate, quando ninguém mais acreditava ser possível.
Cara, que filme pesado. Fui assistir achando que era um filme "família" e quebrei a cara. É uma história tão punk que em determinado momento eu fiquei exausta de assistir. Exausta, assim como o protagonista, de tentar. A montagem e a edição dele são bem fraquinhas, a fotografia não tem nada de especial, mas o filme todo vale pela atuação de Amy Adams, que transmite perfeitamente o desespero da personagem e todas as suas nuances.
Quando a gente assiste a filmes com grande background histórico/político, é normal sentirmos vontade de conhecer mais sobre a história de origem. Isso foi o que 'Judas e O Messias Negro' ou 'Chicago 7' fizeram esse ano, por exemplo. Porém existe uma linha tênue entre um filme nos despertar o desejo de conhecer uma história e despertar o sentimento de culpa e confusão por não conhecê-la. 'Mank', infelizmente, se aproxima da segunda opção. Passei boa parte do filme pensando que deveria ter reassistido 'Cidadão Kane' antes de me aventurar com ele. O filme é totalmente prejudicado pelo excesso de personagens, nomes e referências. "De quem ele tá falando?" toda hora eu me perguntava. Se fosse um livro, 'Mank' provavelmente seria cheio de notas de rodapé.
Não me entendam mal. É um filme bom. Não é só a parte técnica que é impecável. Gary Oldman atua muito bem. E o próprio Mank é um protagonista extremamente carismático, gostoso de conhecer. Também há cenas importantes de manipulação midiática, bem atuais. Eu curto quando o cinema fala sobre o cinema - e no caso de 'Mank', ele homenageia a era de ouro ao mesmo tempo em que relembra a sua podridão. Não nego que é, sim, muito distante do que esperamos de David Fincher, mas também está longe de ser o desastre que dizem.
Qualquer coisa que eu diga aqui já será redundante, mas quero registrar que eu gostaria MUITO de ver esse filme no cinema. Ele pode não ter grandes ângulos ou enquadramentos e coisas do tipo, mas assistir no cinema certamente potencializaria a experiência sonora imersiva que, como todos já disseram, é magnífica.
A cena final é sublime. Não consigo parar de pensar nela. O silêncio fala muito. Às vezes mais do que a polifonia ruidosa do dia a dia. Nós, viciados no mundo sonoro, também precisamos aprender a aquietar e ouvir.
Eu curto histórias menos lineares, mas nesse caso achei que o filme extrapolou e não favoreceu a narrativa. Ele tem um plot twist interessante e o final é bem bonito, mas de forma geral a história em si é confusa e melodramática.
Como já disseram, a abordagem aqui vai muito pro lado da violência física e suas repercussões penais. Não quero de jeito nenhum tirar a gravidade do bullying físico, porém me preocupa esse viés porque pode passar a impressão de que todo bullying envolve agressão física, e nós sabemos que os abusos psicológicos, além de mais comuns, são bastante invisibilisados (já que a violência física é muito mais fácil de identificar). O envolvimento da polícia em toda a história me desagradou por deixar a impressão de que o bullying seria um problema apenas da esfera criminal e individual, quando na verdade é um problema escolar e coletivo. A opção de transformar todos os adultos da história em figuras completamente ausentes - exceto a polícia - também me incomodou, pois eles simplesmente não são responsabilizados em momento algum.
'Better Days' é um romance policial juvenil fraco, que poderia ter explorado melhor os seus pontos altos, como o pano de fundo de uma escola adoecida e a pressão pelo vestibular. A linguagem corporal da protagonista, constantemente curvada, pra mim merece destaque, pois representa bem toda a intimidação sofrida pela personagem.
Minari é um filme mais sobre ancestralidade do que um filme-denúncia sobre desigualdades sociais, o que pode ter decepcionado o público que esperava algo na linha de Parasita. Isso não significa que as desigualdades não estejam presentes no filme, mas esse retrato é feito de uma forma mais sutil (e talvez até naturalizado, conformado).
Também não há nenhuma cena de xenofobia escancarada - o estranhamento pelas diferenças físicas e culturais é retratado com leveza, mais como uma curiosidade entre crianças que querem ser amigas, do que como um ato de rejeição e violência.
Eu gosto muito desse estilo de filme que narra o dia a dia dos personagens, sem acontecimentos grandiosos ou marcantes, mas reconheço que não agrada sempre. O grande destaque do filme é, sem dúvidas, o garotinho David-Broken-Ding-Dong e sua relação com a avó que não sabe fazer biscoitos.
Gostei muito do simbolismo do Minari, a plantinha "imigrante" trazida pela avó e que consegue fincar raízes fora do seu habitat natural - e vai crescendo muito bem, obrigado (assim como o garotinho, mais saudável do que imaginavam). Fiquei com o coração em frangalhos de ver a vozinha, tão esperta e sagaz, se tornando alguém dependente e sem autonomia... imaginem a dor que ela deve ter sentido ao colocar acidentalmente fogo no terreno, ameaçando tudo que sua família conquistou até ali. Ainda bem que ela trouxe sementes e que algumas raízes já estavam consolidadas. É brega, mas é real: com raízes firmes (e um pouco de água e sol), uma plantinha pode sofrer o mal que for, mas sempre poderá voltar a florescer.
Visualmente é uma animação deslumbrante. A indústria está tão presa ao 3D que parece esquecer como o simples também é muito bom.
Já a história parece, superficialmente, mais do mesmo: um conto de fadas que aborda temas como liberdade, amizade e preconceito. No entanto, à medida que refletimos sobre ela, vemos como é carregada de simbolismos que enriquecem bastante a obra. Gosto muito de como ela trabalha as dualidades (cidade e natureza, humanos e animais, homens e mulheres, crianças e adultos, religião e mistério).
Um grupo de civis segue, sem se questionar, as ideias de um líder protetor - que demoniza a natureza, desconhecida, incontrolável, selvagem, ameaçadora em seus mistérios, representada pela figura das lobas. (Sim, temos uma crítica à religião). Um pai que é o mais perfeito discípulo desse líder e superprotege sua filha, sem que ela tenha poder de decisão. Uma filha que precisa questionar tradições e romper com a cultura hegemônica, representada por figuras patriarcais opressoras (pai / lord protetor), para atender ao chamado da natureza - tornar-se loba, mulher, crescer. E, ironicamente, é ao crescer que essa filha consegue salvar o pai de sua própria ignorância e cegueira.
Penso que a relação com Mulheres que Correm com os Lobos vai mesmo muito além do título e espero ler mais sobre isso. Porém, não nego que permaneço com a sensação de que já vimos essa mesma trajetória outras vezes, com outras roupagens. Por isso, por mais que eu ache importantíssimo valorizarmos as produções que fogem da Pixar/Disney, em se tratando de Oscar, não tem jeito: na briga entre Wolfwalkers e Soul, vou ter que ficar com o segundo.
É um filme praticamente impecável dentro do que ele se propõe (talvez falte alguns ajustes no roteiro e uma direção mais marcante, mas nada disso prejudica a experiência em si). A obra aborda um tema pesado, pesadíssimo, com uma protagonista totalmente melancólica. E, apesar de o foco ser a figura materna, também é interessante observar o modo como outros membros da família lidam com o acontecimento. A história rende muitas discussões, em diversas áreas do conhecimento (psicologia, medicina, enfermagem, direito, jornalismo) e mostra como traumas e lutos não elaborados deixam marcas devastadoras.
A atriz que faz a protagonista transmite toda a apatia de uma mãe com o coração em frangalhos, mas destaco também a atuação da parteira (que pouco aparece em cena, mas transmite MUITO). Alguns detalhes são muito bem pensados: as sutilezas em mostrar o descuido na aparência de Martha e a cena do cigarro com a bola de pilates, ou o apego da mãe de Martha que, a todo custo, quer encontrar um culpado.
Só concordo com quem diz que o personagem de Shia Labeouf podia ter tomado outro rumo - o combo de traição com uma pessoa da família, abuso de drogas, estupro marital (que cena desgraçada) e aceite de suborno tornaram o personagem um traste sem nenhuma necessidade. Seria completamente factível o casal entrar em crise e se separar após o acontecimento do filme, sem que pra isso um dos dois precisasse ser um canalha intragável (até porque não condiz com a apresentação inicial do personagem).
Para além disso, eu adorei o filme e, pra quem se interessa pelo tema do luto materno, vou deixar a recomendação de outro (não tão bom, mas com Natalie Portman): 'As Coisas Impossíveis do Amor'.
Gostei, óbvio: adoro filmes em que ninguém presta.
E ali, realmente, ninguém vale nada. Acho que a gente tende a sentir mais ódio de Marla porque a picateragem dela é mais próxima da nossa realidade. Quando somos apresentados a Jennifer Perterson, conseguimos facilmente nos colocar no seu lugar, pobre velhinha solitária, sendo julgada incapaz e levada à força para um asilo que ela não escolheu. Dá um medo, né? E se fosse com a gente? Como poderíamos nos proteger ou proteger nossos familiares diante de um esquema tão inescrupuloso e de uma justiça tão falha?
Acontece que Jennifer não é bem uma pobre velhinha solitária e provavelmente já cometeu também muitas atrocidades nessa vida. Acho que aqui aparece uma das grandes falhas do filme: ele não consegue desenvolver a história dos mafiosos tão bem a ponto de nos deixar com o conflito ético de julgar quem seria o "menos pior" naquela história toda. Ao mesmo tempo, a história vai se distanciando cada vez mais da nossa realidade (não sei vocês, mas eu não tenho amigos da máfia). O grande mote de colocar o público no lugar das vítimas se perde, já que poucos de nós temos relações suficientemente poderosas para bater de frente de uma pilantra como Marla. O mais provável de acontecer com a gente é o que acontece com o filho de uma das vítimas, quando reaparece no final - nunca mais ver a própria mãe e entrar num estado de sofrimento tão grande que só a morte é capaz de solucionar.
I Care a Lot é um filme indeciso, que se confunde em seu próprio gênero - é uma dramédia muito boa que se perde em seu momento-chave e escorrega para um suspense muito ruim. Ainda assim, vale pelos pontos críticos que ele aborda, principalmente o lugar do idoso na nossa sociedade. Gostei muito também de ver a sexualidade da protagonista abordada de forma naturalizada, sem se tornar ponto de pauta do filme.
É um filme muito sombrio, não apenas em seu enredo mas em boa parte de seu visual também, principalmente na primeira metade, que se torna bem cansativa. Não posso dizer que foi uma experiência agradável. Não sou muito fã de filmes com muitas cenas de luta ou batalhas, fico entendiada com a repetição delas, preferia que esse tempo fosse usado para aprofundar as relações entre os personagens ou a própria máquina. Uma das principais revelações do filme, por exemplo, que possibilita criar uma empatia com o protagonista, só acontece nos 30 minutos finais. Fica difícil torcer de verdade por alguém quando mal conhecemos a sua história. Ainda assim, o trem é uma alegoria muito interessante, que nos faz refletir sobre a humanidade, e os tão criticados furos no roteiro não chegaram a me incomodar.
É um filme muito bonitinho e criativo, mas a previsibilidade de toda a história, e o fato do protagonista viver inserido em um mundo de fantasias que se repetem diariamente, acabou me deixando bastante cansada. Como alguém já disse, as animações são impecáveis e foram, até certo momento, o ponto alto do filme: eu não conseguia tirar os olhos de Hoogie no começo. O problema é que elas tomam tempo de tela demais, e este não é um filme de animação, é um filme sobre Mark - um homem, alcoólatra, traumatizado após sofrer um crime de ódio, que usa a arte para lidar com sua dor e encontra segurança num mundo de mulheres. Penso em toda a complexidade dessa história e fico triste pela forma como acabou sendo abordada. Nada disso, claro, impediu que eu me debulhasse em lagrimas no final, ainda mais quando entendi que era uma história real. Pretendo ver o documentário para conhecê-la melhor.
Novamente um Almodovar mais dolorido e melancólico do que fervilhante e "sangue nos óio", com personagens mais humanos do que excêntricos. Por mais que eu adore o humor peculiar do diretor, confesso que não chega a me fazer falta nesse filme, assim como não fez em Julieta. Gosto também do fato de ele usar o ambiente que conhece tão bem, o do cinema, a relação entre atores e diretores, para contar suas histórias e declarar seu amor por essa arte.
O personagem de Banderas vive um conflito já abordado outras vezes no cinema – a estagnação após momentos de glória em uma profissão. Porém o mais interessante aqui não é exatamente o conflito presente e sim as histórias passadas do protagonista: sua infância, envolvimentos amorosos, a relação materna, o amor pela arte. Banderas está maravilhoso, todos seus trejeitos e olhares transmitem a fragilidade do personagem com muita precisão. Destaque também para o ator que interpreta o monólogo (não é fácil fazer uma interpretação de uma interpretação, e ele o faz muito bem). Quanto à Banderas, novamente, nunca esperei vê-lo em um personagem tão delicado como esse. Para mim é a melhor atuação dele, embora A pele que habito continue sendo o meu preferido de Almodovar.
Sou a chata que veio aqui pra comparar com a obra original (porque sim, comparar é inevitável) e dizer que não gostei do filme, não gostei das personagens, não gostei das mudanças abomináveis que fizeram na história, não gostei de praticamente nada e sim, eu tô irritada comigo mesma por isso.
É sério, eu realmente queria ter gostado, sei que meu olhar é contaminado. Mas poxa, A Vida Invisível é uma obra literária tão genial, o quê que custava se manterem fiel à história?! Se vocês gostaram da Eurídice do filme, conheçam a do livro: ela é mil vezes mais fascinante, engenhosa, criativa e complexa. Antenor ainda é detestável, só que de um jeito mais tolo e abobalhado. Até Zélia é uma personagem interessante na literatura. Toda crítica ao patriarcado também está lá, mas acho até que de uma forma menos óbvia.
Posso dizer que o único ponto que me pegou nesse filme foi a escolha pelo final. Vale a pena refletir sobre os desencontros da vida. E vamos combinar, Fernanda Montenegro, que poder é esse?! O filme pode tá horrível, mas é só essa mulher aparecer que eu arrepio!
É uma das cinebiografias mais melancólicas que eu já vi na vida. Não é sobre ascensão e muito menos sobre queda. É sobre uma artista no fundo do poço – e permanecendo no fundo do poço. Não é exatamente sobre como ela chegou lá, mas sobre como ela vivenciou tudo aquilo. Porque por mais que tente ser boa (como bem realça seu ex marido em uma cena), ela já não tem forças para sair daquela lama. E o que mais me intriga na história de Judy é entender como ela nunca transmitiu nada disso para o cinema. A vida estava um caos, mas nas telas a imagem da garota doce e alegre sempre permaneceu. Aqui podemos ter uma ideia de como isso foi possível - e o quanto lhe custou.
O filme retrata uma fase específica da vida de Judy, sua última turnê antes de morrer. Ultimamente eu estou preferindo esse tipo de cinebiografia, ao invés daquelas que buscam contar uma historia de vida inteira e acabam sendo fragmentadas e muito superficiais. Aqui eu amei tudo. Os flashbacks, o figurino, as canções, a atuação de Renee (como ela está parecida com Shirley MacLaine! <3). Diversas nuances de Judy são captadas: o desespero dela enquanto mãe, a carência enquanto mulher, a insegurança como artista, o ressentimento da indústria, o prazer de cantar quando não é pressionada e a ambiguidade com relação ao palco (porque como diz Rosalyn: ela não pode evitar).
É o tipo de filme que eu gosto. É simples, sem subtramas, tem um enredo inusitado, poucos personagens (cada um com características bem definidas), poucos cenários e uma trilha sonora bastante pertinente. Aliás, tanto a arquitetura como a trilha ajudam muito a montar o contraste entre as famílias. Sem falar que é um filme que explora bem os nossos sentidos – é possível sentir cheiros, sabores, sensações (aquele calorzinho no jardim), e até imaginar alguns sons.
Eu demorei de cair a ficha, mas entendi que a pergunta que o filme nos faz é: Quem são mesmo os parasitas? A família pobre que começa a tomar conta da casa? A antiga governanta com seu marido, que se esconde lá há muito mais tempo? Ou os ricos, verdadeiros parasitas sociais? Com essa pergunta, o desfecho em si nem é tão imprevisível - a gente sabe que vai dar merda em algum momento. A genialidade está em acompanhar os acontecimentos até chegar lá. O pai/motorista, pra mim, é o personagem que melhor sintetiza o que começamos a sentir pela família Park: admiração (por serem tão educados, gentis, etc) e desprezo (pelo modo como se referem aos mais pobres).
Muita gente fala da cena da Sra. Park comentando sobre a chuva, e queria destacar outra que também achei bem marcante: o Sr. Park sublinhando para o motorista que ele está recebendo um extra, quando este demonstra não querer se submeter ao ridículo de aparecer fantasiado de índio. É aquele comentário que, nas entrelinhas, diz: "eu estou pagando, então faça o que eu quero". O dinheiro manda, né? O momento em que o Sr. Park desiste de socorrer o esfaqueador, por não suportar o cheiro, também me marcou muito. São cenas que mostram bem como pessoas pobres são tratadas pela sociedade: como subpessoas, descartáveis (aliás, o que fizeram com os antigos funcionários da casa foi bem isso: descarte), merecedores de subemprego. Podem até ajudar, dar um salário, uma esmola, estender a mão... desde que não os obriguem a tapar o nariz, porque aí já é passar dos limites, não é mesmo? Rico só gosta de pobre quando é conveniente.
Muitas famílias têm aquela pessoa que é a "cola" que une todo mundo, o laço que faz com que os outros membros não se separem, mesmo que não tenham tanta identificação entre si. A pessoa pela qual todo mundo se reúne no almoço de domingo ou na ceia de natal, sabe? Então. Nesse caso, parece que o pai dos personagens era essa cola, e sua morte se transformou em um ponto de ruptura entre os outros membros, gerando um afastamento familiar a ponto de um irmão não ter ideia do que se passa na vida do outro. O estranhamento entre eles é nítido ao longo de todo o filme, a despeito dos esforços de Francis para superá-lo.
É necessário que outra morte atravesse a vida desses rapazes para que eles consigam elaborar o luto pelo pai e reconstruir o elo perdido. Aos olhos de qualquer estranho, os irmãos parecem três pessoas fúteis em busca de uma jornada espiritual frívola, e de fato o roteiro montado por Francis provavelmente seria tão engessado e superficial que não lhes acrescentaria nada além de uma experiência turística. Apenas quando eles são obrigados a se desprender do plano inicial é que conseguem se encontrar.
Viajem a Darjeeling é um filme gostosinho, que fala sobre luto e desapego, mesmo sem uma temática religiosa. A escolha da Índia é perfeita para essa jornada. Ah, e a trilha sonora é um deleite (me remeteu aos Beatles em diversos momentos)!.
Não sou tããão fã assim de Wes Anderson, mas admito que gosto mais dele a cada filme que vejo. Tanto que ele já se tornou um diretor obrigatório pra mim, daqueles que eu sempre quero ver pq sei que, mesmo que não me apaixone pelo filme, sempre haverá algo novo, que vai me marcar de alguma forma.
No caso de Isle of Dogs, como era de se esperar, é um filme artisticamente impecável, com toda a simetria e meticulosidade de Wes. As cores são mais sombrias e menos vibrantes que em outros filmes, o que condiz perfeitamente com a história, que afinal se passa num lugar conhecido como Ilha do Lixo. O ambiente cinza e sem vida só é quebrado pela presença dos animais ali jogados que, apesar de maltratados, permanecem lutando por sobrevivência. Vale destacar também a música maravilhosa de Alexandre Desplat, meu segundo deus das trilhas sonoras.
Já a narrativa possui alguns pontos altos e baixos (o ponto mais negativo para mim é a participação da moça intercambista - ng precisa de mais uma americana se metendo na política de outros países e salvando a pátria no fim do dia). Ainda assim, achei mais interessante que O Fantástico Sr. Raposo, primeira animação do diretor. Como pontos altos, destaco a aparição da Noz-Moscada (a reflexão que ela faz sobre reprodução faz todo sentido), o Oráculo (da tv), a insubordinação do Chefe e os canibais contando sua versão dos fatos (dói o coração).
A história é capaz de promover importantes reflexões sobre sustentabilidade, especismo, discriminação, marginalidade, higiene social, genocídio, submissão, ausência de pensamento crítico e abuso de poder. No filme, são cachorros doentes, mas na prática, é isso que a sociedade faz com tds os outros animais e tb com outros seres humanos (loucos, pobres, desviantes). Mata, tira de vista, enterra, joga num depósito. Manicômios, prisões e conventos, né? No final, é um filme que nos faz pensar sobre as mentiras que nos contam e em que escolhemos acreditar. A distopia tá mais perto do que pensamos.
Eu tentei ver BlacKKKlansman na estreia, os ingressos esgotaram e não consegui. Passei meses ouvindo só elogios para esse filme, rumores de Oscar, etc, etc. Eu já esperaria muito de um filme de Spike Lee e realmente fiquei achando que seria o filme mais perfeito de toda a vida. E ele de fato é muito bom, não nego, bom pra caralho. Mas, pra chegar no nível de perfeição que eu imaginei (isso é completamente subjetivo, tá?), eu mudaria algumas coisinhas.
1. Não gostei do envolvimento de Ron com Patrice, detesto filme que enfia um romance só pra justificar ações do personagem. Não precisava. E Patrice era uma personagem interessante por si só. É muito graças a ela que Ron passa a ter mais consciência de classe. Ela não precisava ser “a namorada do policial” pra ganhar destaque na trama.
2. Também achei inverossímil demais a atitude de Felix ao descobrir a identidade de Ron/Flip. Tipo, o cara é um racista desgraçado, criminoso, violento, e fica de boa? Sai pra atender o telefone, volta, vai embora, e não avisa a ninguém sobre o que acabou de descobrir? Eu nem sou o tipo de pessoa que exige muita verdade dos filmes, mas uma cena culminante como essa eu acho que precisava de um desenvolvimento melhor
De qualquer forma, discordo do que disseram aqui embaixo. Não achei o filme nem um pouco cansativo. Assistiria mais duas horas dele tranquilamente. Além disso, o genial de BlackKKKlansman é o link que ele faz entre passado e presente. Ele pega uma história que poderia ser apenas um filme e a usa para criticar os EUA e seu governo atual ferozmente. Não é apenas um filme. Infelizmente.
Julieta não é um filme tão prestigiado de Almodóvar, o que é uma pena, pois ele conta uma história interessantíssima e bastante peculiar. Há um clima de mistério pairando ao longo de toda a obra que instiga o espectador a tentar desvendar os acontecimentos, fazer suposições e, principalmente, se colocar no lugar daqueles personagens. Você sabe desde o começo que Julieta está sofrendo, mas não entende bem o porquê. Ao mesmo tempo em que vamos sendo desafiados a refletir sobre o que teria levado aquela mulher a agir de forma tão desesperada, expectativas vão sendo subvertidas.
A culpa de Julieta é tão verossímil que eu fui levada a história inteira a acreditar que ela tinha feito alguma coisa muito errada, alguma merda muito grande com a filha. Todas as nuances, todos os trejeitos do corpo dela dizem, de algum modo, "sou culpada".
É drama em estado bruto. Um filme duro, árido, seco, sem os alívios cômicos que estamos acostumados a ver em muitos filmes do diretor (e talvez esse seja um dos motivos de a história não ser tão aclamada). Eu sou chorona, mas nunca tinha chorado com Almodóvar até hoje. Julieta conseguiu.
A própria forma como Ralph age é um bom alerta sobre como a internet pode ser usada para o bem ou para o mal, gerando todo aquele caos com o vírus (que eu achei uma das partes mais chatinhas do filme, diga-se de passagem). O conflito entre os protagonistas também é um alerta importante sobre relacionamentos abusivos, relações de dependência e insegurança. O problema é que a gente não espera que um tema tão pesado como esse seja abordado em uma animação e acaba ficando a sensação de que algo ali não combinou. De qualquer modo, a história diverte. E, vamos combinar, a cena da corrida versus Shank e a cena com as princesas são sensacionais! Já valem o filme inteiro!
Você pode não gostar da Disney, mas não pode negar que ela sabe como se atualizar.
Não estava dando NADA pra esse filme. No começo é difícil ter alguma empatia pela Pepa, pois não conhecemos bem a história dela. Também não conseguimos torcer pelo casal, muito pouco é revelado sobre Ivan ou sobre a vida dos dois. Contudo as reviravoltas da trama me conquistaram. A Pepa, quem diria, parece loucona no início, e depois se mostra uma das personagens mais sensatas do filme. Amo a forma com ela cresce, se mostra humana e joga os outros pra frente. Só uma dica: essa sinopse está contando o filme inteiro. Não leia quem não quiser spoiler.
A Sociedade da Neve
4.2 711 Assista Agora"A história dos uruguaios que caíram na cordilheira dos Andes e tiverem que cometer canibalismo pra sobreviver". Foi assim que eu sempre me referi ao acidente do Voo 571, porque foi assim que essa história sempre chegou até mim. Em todas as produções que vi sobre o acidente, o foco da história sempre recaiu sobre o dilema ético envolvendo o canibalismo. Em A Sociedade da Neve, fica claro que se alimentar de carne humana para sobrevivência foi apenas um dos pontos funestos da tragédia que aconteceu com os uruguaios. Talvez o menor deles.
Imagine ter 72 piores dias da sua vida e ainda assim não desistir. Você não pode se machucar, pois não tem suprimentos para uma assistência médica adequada. Você não pode se hidratar, pois não há água suficiente. Você não pode olhar diretamente para a neve, pois ela reflete a luz solar. Você não pode enterrar seus mortos, pois eles precisarão servir de alimento.
Gostei do fato de o filme partilhar o protagonismo entre os personagens e, especialmente da narração de Numa, última pessoa a morrer ali. Soa como uma homenagem aos que não voltaram. Eles foram gigantes. Tiveram forças para dividir tarefas, se organizar socialmente, fazer registros fotógraficos (!!!) e, sim, buscar resgate, quando ninguém mais acreditava ser possível.
Era Uma Vez um Sonho
3.5 448 Assista AgoraCara, que filme pesado. Fui assistir achando que era um filme "família" e quebrei a cara. É uma história tão punk que em determinado momento eu fiquei exausta de assistir. Exausta, assim como o protagonista, de tentar. A montagem e a edição dele são bem fraquinhas, a fotografia não tem nada de especial, mas o filme todo vale pela atuação de Amy Adams, que transmite perfeitamente o desespero da personagem e todas as suas nuances.
Mank
3.2 462 Assista AgoraQuando a gente assiste a filmes com grande background histórico/político, é normal sentirmos vontade de conhecer mais sobre a história de origem. Isso foi o que 'Judas e O Messias Negro' ou 'Chicago 7' fizeram esse ano, por exemplo. Porém existe uma linha tênue entre um filme nos despertar o desejo de conhecer uma história e despertar o sentimento de culpa e confusão por não conhecê-la. 'Mank', infelizmente, se aproxima da segunda opção. Passei boa parte do filme pensando que deveria ter reassistido 'Cidadão Kane' antes de me aventurar com ele. O filme é totalmente prejudicado pelo excesso de personagens, nomes e referências. "De quem ele tá falando?" toda hora eu me perguntava. Se fosse um livro, 'Mank' provavelmente seria cheio de notas de rodapé.
Não me entendam mal. É um filme bom. Não é só a parte técnica que é impecável. Gary Oldman atua muito bem. E o próprio Mank é um protagonista extremamente carismático, gostoso de conhecer. Também há cenas importantes de manipulação midiática, bem atuais. Eu curto quando o cinema fala sobre o cinema - e no caso de 'Mank', ele homenageia a era de ouro ao mesmo tempo em que relembra a sua podridão. Não nego que é, sim, muito distante do que esperamos de David Fincher, mas também está longe de ser o desastre que dizem.
O Som do Silêncio
4.1 985 Assista AgoraQualquer coisa que eu diga aqui já será redundante, mas quero registrar que eu gostaria MUITO de ver esse filme no cinema. Ele pode não ter grandes ângulos ou enquadramentos e coisas do tipo, mas assistir no cinema certamente potencializaria a experiência sonora imersiva que, como todos já disseram, é magnífica.
A cena final é sublime. Não consigo parar de pensar nela. O silêncio fala muito. Às vezes mais do que a polifonia ruidosa do dia a dia. Nós, viciados no mundo sonoro, também precisamos aprender a aquietar e ouvir.
"You don’t need to fix anything here."
Dias Melhores
3.9 139 Assista AgoraEu curto histórias menos lineares, mas nesse caso achei que o filme extrapolou e não favoreceu a narrativa. Ele tem um plot twist interessante e o final é bem bonito, mas de forma geral a história em si é confusa e melodramática.
Como já disseram, a abordagem aqui vai muito pro lado da violência física e suas repercussões penais. Não quero de jeito nenhum tirar a gravidade do bullying físico, porém me preocupa esse viés porque pode passar a impressão de que todo bullying envolve agressão física, e nós sabemos que os abusos psicológicos, além de mais comuns, são bastante invisibilisados (já que a violência física é muito mais fácil de identificar). O envolvimento da polícia em toda a história me desagradou por deixar a impressão de que o bullying seria um problema apenas da esfera criminal e individual, quando na verdade é um problema escolar e coletivo. A opção de transformar todos os adultos da história em figuras completamente ausentes - exceto a polícia - também me incomodou, pois eles simplesmente não são responsabilizados em momento algum.
'Better Days' é um romance policial juvenil fraco, que poderia ter explorado melhor os seus pontos altos, como o pano de fundo de uma escola adoecida e a pressão pelo vestibular. A linguagem corporal da protagonista, constantemente curvada, pra mim merece destaque, pois representa bem toda a intimidação sofrida pela personagem.
Minari - Em Busca da Felicidade
3.9 548 Assista AgoraMinari é um filme mais sobre ancestralidade do que um filme-denúncia sobre desigualdades sociais, o que pode ter decepcionado o público que esperava algo na linha de Parasita. Isso não significa que as desigualdades não estejam presentes no filme, mas esse retrato é feito de uma forma mais sutil (e talvez até naturalizado, conformado).
Também não há nenhuma cena de xenofobia escancarada - o estranhamento pelas diferenças físicas e culturais é retratado com leveza, mais como uma curiosidade entre crianças que querem ser amigas, do que como um ato de rejeição e violência.
Eu gosto muito desse estilo de filme que narra o dia a dia dos personagens, sem acontecimentos grandiosos ou marcantes, mas reconheço que não agrada sempre. O grande destaque do filme é, sem dúvidas, o garotinho David-Broken-Ding-Dong e sua relação com a avó que não sabe fazer biscoitos.
Gostei muito do simbolismo do Minari, a plantinha "imigrante" trazida pela avó e que consegue fincar raízes fora do seu habitat natural - e vai crescendo muito bem, obrigado (assim como o garotinho, mais saudável do que imaginavam). Fiquei com o coração em frangalhos de ver a vozinha, tão esperta e sagaz, se tornando alguém dependente e sem autonomia... imaginem a dor que ela deve ter sentido ao colocar acidentalmente fogo no terreno, ameaçando tudo que sua família conquistou até ali. Ainda bem que ela trouxe sementes e que algumas raízes já estavam consolidadas. É brega, mas é real: com raízes firmes (e um pouco de água e sol), uma plantinha pode sofrer o mal que for, mas sempre poderá voltar a florescer.
Wolfwalkers
4.3 236 Assista AgoraVisualmente é uma animação deslumbrante. A indústria está tão presa ao 3D que parece esquecer como o simples também é muito bom.
Já a história parece, superficialmente, mais do mesmo: um conto de fadas que aborda temas como liberdade, amizade e preconceito. No entanto, à medida que refletimos sobre ela, vemos como é carregada de simbolismos que enriquecem bastante a obra. Gosto muito de como ela trabalha as dualidades (cidade e natureza, humanos e animais, homens e mulheres, crianças e adultos, religião e mistério).
Um grupo de civis segue, sem se questionar, as ideias de um líder protetor - que demoniza a natureza, desconhecida, incontrolável, selvagem, ameaçadora em seus mistérios, representada pela figura das lobas. (Sim, temos uma crítica à religião). Um pai que é o mais perfeito discípulo desse líder e superprotege sua filha, sem que ela tenha poder de decisão. Uma filha que precisa questionar tradições e romper com a cultura hegemônica, representada por figuras patriarcais opressoras (pai / lord protetor), para atender ao chamado da natureza - tornar-se loba, mulher, crescer. E, ironicamente, é ao crescer que essa filha consegue salvar o pai de sua própria ignorância e cegueira.
Penso que a relação com Mulheres que Correm com os Lobos vai mesmo muito além do título e espero ler mais sobre isso. Porém, não nego que permaneço com a sensação de que já vimos essa mesma trajetória outras vezes, com outras roupagens. Por isso, por mais que eu ache importantíssimo valorizarmos as produções que fogem da Pixar/Disney, em se tratando de Oscar, não tem jeito: na briga entre Wolfwalkers e Soul, vou ter que ficar com o segundo.
Pedaços De Uma Mulher
3.8 544 Assista AgoraÉ um filme praticamente impecável dentro do que ele se propõe (talvez falte alguns ajustes no roteiro e uma direção mais marcante, mas nada disso prejudica a experiência em si). A obra aborda um tema pesado, pesadíssimo, com uma protagonista totalmente melancólica. E, apesar de o foco ser a figura materna, também é interessante observar o modo como outros membros da família lidam com o acontecimento. A história rende muitas discussões, em diversas áreas do conhecimento (psicologia, medicina, enfermagem, direito, jornalismo) e mostra como traumas e lutos não elaborados deixam marcas devastadoras.
A atriz que faz a protagonista transmite toda a apatia de uma mãe com o coração em frangalhos, mas destaco também a atuação da parteira (que pouco aparece em cena, mas transmite MUITO). Alguns detalhes são muito bem pensados: as sutilezas em mostrar o descuido na aparência de Martha e a cena do cigarro com a bola de pilates, ou o apego da mãe de Martha que, a todo custo, quer encontrar um culpado.
Só concordo com quem diz que o personagem de Shia Labeouf podia ter tomado outro rumo - o combo de traição com uma pessoa da família, abuso de drogas, estupro marital (que cena desgraçada) e aceite de suborno tornaram o personagem um traste sem nenhuma necessidade. Seria completamente factível o casal entrar em crise e se separar após o acontecimento do filme, sem que pra isso um dos dois precisasse ser um canalha intragável (até porque não condiz com a apresentação inicial do personagem).
Para além disso, eu adorei o filme e, pra quem se interessa pelo tema do luto materno, vou deixar a recomendação de outro (não tão bom, mas com Natalie Portman): 'As Coisas Impossíveis do Amor'.
Eu Me Importo
3.3 1,2K Assista AgoraGostei, óbvio: adoro filmes em que ninguém presta.
E ali, realmente, ninguém vale nada. Acho que a gente tende a sentir mais ódio de Marla porque a picateragem dela é mais próxima da nossa realidade. Quando somos apresentados a Jennifer Perterson, conseguimos facilmente nos colocar no seu lugar, pobre velhinha solitária, sendo julgada incapaz e levada à força para um asilo que ela não escolheu. Dá um medo, né? E se fosse com a gente? Como poderíamos nos proteger ou proteger nossos familiares diante de um esquema tão inescrupuloso e de uma justiça tão falha?
Acontece que Jennifer não é bem uma pobre velhinha solitária e provavelmente já cometeu também muitas atrocidades nessa vida. Acho que aqui aparece uma das grandes falhas do filme: ele não consegue desenvolver a história dos mafiosos tão bem a ponto de nos deixar com o conflito ético de julgar quem seria o "menos pior" naquela história toda. Ao mesmo tempo, a história vai se distanciando cada vez mais da nossa realidade (não sei vocês, mas eu não tenho amigos da máfia). O grande mote de colocar o público no lugar das vítimas se perde, já que poucos de nós temos relações suficientemente poderosas para bater de frente de uma pilantra como Marla. O mais provável de acontecer com a gente é o que acontece com o filho de uma das vítimas, quando reaparece no final - nunca mais ver a própria mãe e entrar num estado de sofrimento tão grande que só a morte é capaz de solucionar.
I Care a Lot é um filme indeciso, que se confunde em seu próprio gênero - é uma dramédia muito boa que se perde em seu momento-chave e escorrega para um suspense muito ruim. Ainda assim, vale pelos pontos críticos que ele aborda, principalmente o lugar do idoso na nossa sociedade. Gostei muito também de ver a sexualidade da protagonista abordada de forma naturalizada, sem se tornar ponto de pauta do filme.
Expresso do Amanhã
3.5 1,3K Assista grátisÉ um filme muito sombrio, não apenas em seu enredo mas em boa parte de seu visual também, principalmente na primeira metade, que se torna bem cansativa. Não posso dizer que foi uma experiência agradável. Não sou muito fã de filmes com muitas cenas de luta ou batalhas, fico entendiada com a repetição delas, preferia que esse tempo fosse usado para aprofundar as relações entre os personagens ou a própria máquina. Uma das principais revelações do filme, por exemplo, que possibilita criar uma empatia com o protagonista, só acontece nos 30 minutos finais. Fica difícil torcer de verdade por alguém quando mal conhecemos a sua história. Ainda assim, o trem é uma alegoria muito interessante, que nos faz refletir sobre a humanidade, e os tão criticados furos no roteiro não chegaram a me incomodar.
Bem-vindos à Marwen
3.4 93 Assista AgoraÉ um filme muito bonitinho e criativo, mas a previsibilidade de toda a história, e o fato do protagonista viver inserido em um mundo de fantasias que se repetem diariamente, acabou me deixando bastante cansada. Como alguém já disse, as animações são impecáveis e foram, até certo momento, o ponto alto do filme: eu não conseguia tirar os olhos de Hoogie no começo. O problema é que elas tomam tempo de tela demais, e este não é um filme de animação, é um filme sobre Mark - um homem, alcoólatra, traumatizado após sofrer um crime de ódio, que usa a arte para lidar com sua dor e encontra segurança num mundo de mulheres. Penso em toda a complexidade dessa história e fico triste pela forma como acabou sendo abordada. Nada disso, claro, impediu que eu me debulhasse em lagrimas no final, ainda mais quando entendi que era uma história real. Pretendo ver o documentário para conhecê-la melhor.
Dor e Glória
4.2 619 Assista AgoraNovamente um Almodovar mais dolorido e melancólico do que fervilhante e "sangue nos óio", com personagens mais humanos do que excêntricos. Por mais que eu adore o humor peculiar do diretor, confesso que não chega a me fazer falta nesse filme, assim como não fez em Julieta. Gosto também do fato de ele usar o ambiente que conhece tão bem, o do cinema, a relação entre atores e diretores, para contar suas histórias e declarar seu amor por essa arte.
O personagem de Banderas vive um conflito já abordado outras vezes no cinema – a estagnação após momentos de glória em uma profissão. Porém o mais interessante aqui não é exatamente o conflito presente e sim as histórias passadas do protagonista: sua infância, envolvimentos amorosos, a relação materna, o amor pela arte. Banderas está maravilhoso, todos seus trejeitos e olhares transmitem a fragilidade do personagem com muita precisão. Destaque também para o ator que interpreta o monólogo (não é fácil fazer uma interpretação de uma interpretação, e ele o faz muito bem). Quanto à Banderas, novamente, nunca esperei vê-lo em um personagem tão delicado como esse. Para mim é a melhor atuação dele, embora A pele que habito continue sendo o meu preferido de Almodovar.
A Vida Invisível
4.3 642Sou a chata que veio aqui pra comparar com a obra original (porque sim, comparar é inevitável) e dizer que não gostei do filme, não gostei das personagens, não gostei das mudanças abomináveis que fizeram na história, não gostei de praticamente nada e sim, eu tô irritada comigo mesma por isso.
É sério, eu realmente queria ter gostado, sei que meu olhar é contaminado. Mas poxa, A Vida Invisível é uma obra literária tão genial, o quê que custava se manterem fiel à história?! Se vocês gostaram da Eurídice do filme, conheçam a do livro: ela é mil vezes mais fascinante, engenhosa, criativa e complexa. Antenor ainda é detestável, só que de um jeito mais tolo e abobalhado. Até Zélia é uma personagem interessante na literatura. Toda crítica ao patriarcado também está lá, mas acho até que de uma forma menos óbvia.
Posso dizer que o único ponto que me pegou nesse filme foi a escolha pelo final. Vale a pena refletir sobre os desencontros da vida. E vamos combinar, Fernanda Montenegro, que poder é esse?! O filme pode tá horrível, mas é só essa mulher aparecer que eu arrepio!
Judy: Muito Além do Arco-Íris
3.4 356É uma das cinebiografias mais melancólicas que eu já vi na vida. Não é sobre ascensão e muito menos sobre queda. É sobre uma artista no fundo do poço – e permanecendo no fundo do poço. Não é exatamente sobre como ela chegou lá, mas sobre como ela vivenciou tudo aquilo. Porque por mais que tente ser boa (como bem realça seu ex marido em uma cena), ela já não tem forças para sair daquela lama. E o que mais me intriga na história de Judy é entender como ela nunca transmitiu nada disso para o cinema. A vida estava um caos, mas nas telas a imagem da garota doce e alegre sempre permaneceu. Aqui podemos ter uma ideia de como isso foi possível - e o quanto lhe custou.
O filme retrata uma fase específica da vida de Judy, sua última turnê antes de morrer. Ultimamente eu estou preferindo esse tipo de cinebiografia, ao invés daquelas que buscam contar uma historia de vida inteira e acabam sendo fragmentadas e muito superficiais. Aqui eu amei tudo. Os flashbacks, o figurino, as canções, a atuação de Renee (como ela está parecida com Shirley MacLaine! <3). Diversas nuances de Judy são captadas: o desespero dela enquanto mãe, a carência enquanto mulher, a insegurança como artista, o ressentimento da indústria, o prazer de cantar quando não é pressionada e a ambiguidade com relação ao palco (porque como diz Rosalyn: ela não pode evitar).
Parasita
4.5 3,6K Assista AgoraÉ o tipo de filme que eu gosto. É simples, sem subtramas, tem um enredo inusitado, poucos personagens (cada um com características bem definidas), poucos cenários e uma trilha sonora bastante pertinente. Aliás, tanto a arquitetura como a trilha ajudam muito a montar o contraste entre as famílias. Sem falar que é um filme que explora bem os nossos sentidos – é possível sentir cheiros, sabores, sensações (aquele calorzinho no jardim), e até imaginar alguns sons.
Eu demorei de cair a ficha, mas entendi que a pergunta que o filme nos faz é: Quem são mesmo os parasitas? A família pobre que começa a tomar conta da casa? A antiga governanta com seu marido, que se esconde lá há muito mais tempo? Ou os ricos, verdadeiros parasitas sociais? Com essa pergunta, o desfecho em si nem é tão imprevisível - a gente sabe que vai dar merda em algum momento. A genialidade está em acompanhar os acontecimentos até chegar lá. O pai/motorista, pra mim, é o personagem que melhor sintetiza o que começamos a sentir pela família Park: admiração (por serem tão educados, gentis, etc) e desprezo (pelo modo como se referem aos mais pobres).
Muita gente fala da cena da Sra. Park comentando sobre a chuva, e queria destacar outra que também achei bem marcante: o Sr. Park sublinhando para o motorista que ele está recebendo um extra, quando este demonstra não querer se submeter ao ridículo de aparecer fantasiado de índio. É aquele comentário que, nas entrelinhas, diz: "eu estou pagando, então faça o que eu quero". O dinheiro manda, né? O momento em que o Sr. Park desiste de socorrer o esfaqueador, por não suportar o cheiro, também me marcou muito. São cenas que mostram bem como pessoas pobres são tratadas pela sociedade: como subpessoas, descartáveis (aliás, o que fizeram com os antigos funcionários da casa foi bem isso: descarte), merecedores de subemprego. Podem até ajudar, dar um salário, uma esmola, estender a mão... desde que não os obriguem a tapar o nariz, porque aí já é passar dos limites, não é mesmo? Rico só gosta de pobre quando é conveniente.
Pura Adrenalina
3.4 90Wes Anderson ainda sem muita identidade. Posso finalmente dizer que concluí a filmografia do diretor e esse definitivamente foi o que menos me atraiu.
Viagem a Darjeeling
3.8 431 Assista AgoraMuitas famílias têm aquela pessoa que é a "cola" que une todo mundo, o laço que faz com que os outros membros não se separem, mesmo que não tenham tanta identificação entre si. A pessoa pela qual todo mundo se reúne no almoço de domingo ou na ceia de natal, sabe? Então. Nesse caso, parece que o pai dos personagens era essa cola, e sua morte se transformou em um ponto de ruptura entre os outros membros, gerando um afastamento familiar a ponto de um irmão não ter ideia do que se passa na vida do outro. O estranhamento entre eles é nítido ao longo de todo o filme, a despeito dos esforços de Francis para superá-lo.
É necessário que outra morte atravesse a vida desses rapazes para que eles consigam elaborar o luto pelo pai e reconstruir o elo perdido. Aos olhos de qualquer estranho, os irmãos parecem três pessoas fúteis em busca de uma jornada espiritual frívola, e de fato o roteiro montado por Francis provavelmente seria tão engessado e superficial que não lhes acrescentaria nada além de uma experiência turística. Apenas quando eles são obrigados a se desprender do plano inicial é que conseguem se encontrar.
Viajem a Darjeeling é um filme gostosinho, que fala sobre luto e desapego, mesmo sem uma temática religiosa. A escolha da Índia é perfeita para essa jornada. Ah, e a trilha sonora é um deleite (me remeteu aos Beatles em diversos momentos)!.
Ilha dos Cachorros
4.2 655 Assista AgoraNão sou tããão fã assim de Wes Anderson, mas admito que gosto mais dele a cada filme que vejo. Tanto que ele já se tornou um diretor obrigatório pra mim, daqueles que eu sempre quero ver pq sei que, mesmo que não me apaixone pelo filme, sempre haverá algo novo, que vai me marcar de alguma forma.
No caso de Isle of Dogs, como era de se esperar, é um filme artisticamente impecável, com toda a simetria e meticulosidade de Wes. As cores são mais sombrias e menos vibrantes que em outros filmes, o que condiz perfeitamente com a história, que afinal se passa num lugar conhecido como Ilha do Lixo. O ambiente cinza e sem vida só é quebrado pela presença dos animais ali jogados que, apesar de maltratados, permanecem lutando por sobrevivência. Vale destacar também a música maravilhosa de Alexandre Desplat, meu segundo deus das trilhas sonoras.
Já a narrativa possui alguns pontos altos e baixos (o ponto mais negativo para mim é a participação da moça intercambista - ng precisa de mais uma americana se metendo na política de outros países e salvando a pátria no fim do dia). Ainda assim, achei mais interessante que O Fantástico Sr. Raposo, primeira animação do diretor. Como pontos altos, destaco a aparição da Noz-Moscada (a reflexão que ela faz sobre reprodução faz todo sentido), o Oráculo (da tv), a insubordinação do Chefe e os canibais contando sua versão dos fatos (dói o coração).
Infiltrado na Klan
4.3 1,9K Assista AgoraEu tentei ver BlacKKKlansman na estreia, os ingressos esgotaram e não consegui. Passei meses ouvindo só elogios para esse filme, rumores de Oscar, etc, etc. Eu já esperaria muito de um filme de Spike Lee e realmente fiquei achando que seria o filme mais perfeito de toda a vida. E ele de fato é muito bom, não nego, bom pra caralho. Mas, pra chegar no nível de perfeição que eu imaginei (isso é completamente subjetivo, tá?), eu mudaria algumas coisinhas.
1. Não gostei do envolvimento de Ron com Patrice, detesto filme que enfia um romance só pra justificar ações do personagem. Não precisava. E Patrice era uma personagem interessante por si só. É muito graças a ela que Ron passa a ter mais consciência de classe. Ela não precisava ser “a namorada do policial” pra ganhar destaque na trama.
2. Também achei inverossímil demais a atitude de Felix ao descobrir a identidade de Ron/Flip. Tipo, o cara é um racista desgraçado, criminoso, violento, e fica de boa? Sai pra atender o telefone, volta, vai embora, e não avisa a ninguém sobre o que acabou de descobrir? Eu nem sou o tipo de pessoa que exige muita verdade dos filmes, mas uma cena culminante como essa eu acho que precisava de um desenvolvimento melhor
De qualquer forma, discordo do que disseram aqui embaixo. Não achei o filme nem um pouco cansativo. Assistiria mais duas horas dele tranquilamente. Além disso, o genial de BlackKKKlansman é o link que ele faz entre passado e presente. Ele pega uma história que poderia ser apenas um filme e a usa para criticar os EUA e seu governo atual ferozmente. Não é apenas um filme. Infelizmente.
P.S.: Que delícia de trilha sonora!
Julieta
3.8 529 Assista AgoraJulieta não é um filme tão prestigiado de Almodóvar, o que é uma pena, pois ele conta uma história interessantíssima e bastante peculiar. Há um clima de mistério pairando ao longo de toda a obra que instiga o espectador a tentar desvendar os acontecimentos, fazer suposições e, principalmente, se colocar no lugar daqueles personagens. Você sabe desde o começo que Julieta está sofrendo, mas não entende bem o porquê. Ao mesmo tempo em que vamos sendo desafiados a refletir sobre o que teria levado aquela mulher a agir de forma tão desesperada, expectativas vão sendo subvertidas.
A culpa de Julieta é tão verossímil que eu fui levada a história inteira a acreditar que ela tinha feito alguma coisa muito errada, alguma merda muito grande com a filha. Todas as nuances, todos os trejeitos do corpo dela dizem, de algum modo, "sou culpada".
WiFi Ralph: Quebrando a Internet
3.7 739 Assista AgoraNão dá pra negar que o primeiro filme é muito melhor, mas eu gostei desse.
A própria forma como Ralph age é um bom alerta sobre como a internet pode ser usada para o bem ou para o mal, gerando todo aquele caos com o vírus (que eu achei uma das partes mais chatinhas do filme, diga-se de passagem). O conflito entre os protagonistas também é um alerta importante sobre relacionamentos abusivos, relações de dependência e insegurança. O problema é que a gente não espera que um tema tão pesado como esse seja abordado em uma animação e acaba ficando a sensação de que algo ali não combinou. De qualquer modo, a história diverte. E, vamos combinar, a cena da corrida versus Shank e a cena com as princesas são sensacionais! Já valem o filme inteiro!
A Balada de Buster Scruggs
3.7 531 Assista Agora"Seu miserável, não acertou nada de importante, só conseguiu acertar minhas tripas!"
Planeta dos Macacos: A Guerra
4.0 954 Assista AgoraCésar é muito muso. Chorei da metade pro fim do filme quase inteiro. Me sinto tão afeiçoada aos macacos.
Mulheres à Beira de um Ataque de Nervos
4.0 550 Assista AgoraNão estava dando NADA pra esse filme. No começo é difícil ter alguma empatia pela Pepa, pois não conhecemos bem a história dela. Também não conseguimos torcer pelo casal, muito pouco é revelado sobre Ivan ou sobre a vida dos dois. Contudo as reviravoltas da trama me conquistaram. A Pepa, quem diria, parece loucona no início, e depois se mostra uma das personagens mais sensatas do filme. Amo a forma com ela cresce, se mostra humana e joga os outros pra frente. Só uma dica: essa sinopse está contando o filme inteiro. Não leia quem não quiser spoiler.