Maior e melhor que o primeiro. Deadpool é um personagem que simplesmente pertence ao cinema, não aos quadrinhos, só levou um tempo pra sacarem isso. Em vídeo: https://www.youtube.com/watch?v=52-o8ujd2pU
Esse foi o melhor episódio de Cineclub até agora, olha no que dá quando a gente resolve ver o filme sem legenda: https://www.youtube.com/watch?v=UMARfWbyaCM
Terceira parte do Godzilla Cineclub, falamos sobre a primeira treta dos dois monstros mais icônicos do cinema: https://www.youtube.com/watch?v=Ep8RuaMlFyE
Em vídeo: https://www.youtube.com/watch?v=U3fUWMmI_XI
De todo o elenco estelar e super carismático, Josh Brolin como Thanos certamente é o destaque. O personagem em si faz jus ao hype construído para sua chegada durante os últimos 6 anos: Thanos exala terror toda vez que entra em cena, e o destino de quem o enfrenta é sempre incerto – e acredite, o longa não tem medo de matar quem for necessário pra ilustrar a gravidade da situação. Thanos é deveras aprofundado e muito bem construído, uma vez que mesmo com sua presença evocando medo absoluto, o Titã não é representado como um monstro sem alma, e sim um personagem humano relacionável, cujas razões e objetivo desafiam a própria definição de antagonismo.
Segundo filme do nosso Godzilla Cineclub, falamos sobre Godzilla Contra-Ataca e o primeiro combate do Rei dos Monstros com outro kaiju! https://www.youtube.com/watch?v=G_7exayHO7s
Falei um pouco sobre por quê Mulan vai ser diferente do original e como isso não é necessariamente ruim, vejam lá: https://www.youtube.com/watch?v=n_hXcga4W7s
Iniciamos um Godzilla Cineclub em que vamos debater TODOS os filmes do Rei dos Monstros! Começando pelo original, dêem uma olhada lá: https://www.youtube.com/watch?v=3k54CGiDSaY
O filme ter sido filmado inteiramente em lentes de curta distância focal faz com que a experiência de assisti-lo seja enervantemente claustrofóbica, capturando com precisão a atmosfera sufocante do relacionamento abusivo do qual Vicky - a sempre magnífica Shu Qi - está tentando escapar, mas parece estar presa. Movimentos de câmera são constantes, mas sempre calmos, pontuando a trajetória que os personagens traçam e enfatizando os elementos-chave da mise-en-scène que são importantes para o entendimento do tom, objetivo e contexto de uma cena, enquanto ao mesmo tempo o alcance limitado das lentes às vezes sacrificam alguns elementos cênicos em prol de outros, o que adiciona um senso de imprevisibilidade ao filme. Hou Hsiao-Hsien é um verdadeiro mestre em criar estéticas hipnotizantes e manipulativas.
A distopia definitiva da nossa geração. Uma carta de amor à cultura pop, demonstrando não ser apenas um amontoado de referências mas sim uma enorme compreensão do material em questão em seu núcleo - sendo assim uma grande afronta à corporações que tentam explorar nosso amor por cultura pop por lucro (cofEAcofcof). Visualmente é de uma inventividade visionária que só Steven Spielberg poderia entregar - o mestre trata o longa como se fosse O filme para o qual o cinema foi inventado, e o resultado é simplesmente arrebatador. Mais em vídeo: https://www.youtube.com/watch?v=GnN7m6dqXbY
Entretenimento infantil me fascina. Hoje em dia, porém, com o acesso à internet e, portanto, à cultura pop mais adolescente, há poucos desenhos animados que se dediquem exclusivamente à temas infantis. A maioria dos desenhos modernos vem com uma certa dose de malícia e um humor escrachado que as vezes funciona melhor com o público adulto do que com o infantil – seus Hora de Aventura, seus Titio Avô, suas novas Meninas Superpoderosas. Isso não é ruim por inerência, afinal os desenhos devem poder se comunicar com a sua geração. Mas de vez em quando, uma obra despretensiosa e dócil como My Little Pony é muito bem-vinda, visando ensinar as crianças sobre os valores da amizade, união e suas inúmeras nuances. A série pode ter sido criada originalmente para promover os bonecos da Hasbro – e com um objetivo desses, poderia ter sido um desenho qualquer sem alma -, mas a criadora Lauren Faust colocou tanto amor na obra que ela se transformou em algo valioso e importante, tocando diversos corações com seu carinho e bondade indiscriminada. Pode não ser pro gosto de todas as idades, mas uma verdade é universal: é impossível odiar My Little Pony. É algo tão inofensivo e bem intencionado que você teria que ser uma pessoa fundamentalmente ruim pra odiar. O filme encorpora com perfeição todo esse espírito bondoso e gracioso da série, aplicando um pouco mais de maturidade em seu discurso e uma consciência de como os valores ensinados pela obra podem ser ameaçados pela vida adulta.
Na trama do filme, o Rei Storm e sua comandante subordinada Tempest Shadow invadem Ponyville, com a intenção de conquistá-la e usar o poder das Quatro Princesas para dominar Equestria. Sendo a última esperança de sua terra, Twilight Sparkle e suas amigas viajam para fora de Equestria em busca de alguém que as ajude a salvar seu reino das garras do Rei Storm, conhecendo um número de figuras inusitadas no caminho.
A trama não é composta de grandes viradas imprevisíveis – apesar de que há algumas coisas que esperamos que aconteçam num filme tão leve, e essas acabam por não acontecer, implicando que existem sim consequências -, mas não é isso que interessa aqui. É uma história fácil de seguir, e o que importa mesmo é como as personagens encaram essa jornada. O longa já começa com Twilight sofrendo com a pressão de ter que organizar um grande show em Ponyville, e esse é um ponto chave no arco da protagonista: pressão social.
My Little Pony sempre disseminou suas lições de amizade em contextos sociais, e agora vemos Twilight carregando sua própria grande responsabilidade para com Ponyville – e sendo admirada por todos os seus habitantes como alguém que “vai fazer tudo perfeito” -, e neste mesmo cenário é onde os navios voadores de Tempest Shadow chegam para dominar sua terra, impondo nela uma responsabilidade ainda mais esmagadora: a de salvar a todos. Tamanha pressão causa um impacto no psicológico de Twilight, podendo levá-la a tomar decisões fora de caráter e usar tons de voz tão graves que chegam a assustar quando comparados à sua imagem que costumava ser calma, e adorável até quando brava.
A chegada de Tempest nesse exato momento vem como uma metáfora para as responsabilidades da vida adulta, o próprio design da vilã retratando isso; ela é uma Pony unicórnio maior e com feições mais maduras, de cores muito mais escuras do que as que estamos acostumados a ver em Equestria, com um chifre quebrado e uma cicatriz no olho. Na voz de Tempest – Emily Blunt no original, Mariana Rios no Brasil – não há o menor traço da infantilidade das mocinhas. Ela não é uma Pony fofinha e inocente, ela é alguém que visivelmente já passou por muitas dores e sua vivência roubou-lhe de sua inocência. Basicamente, ela é uma adulta.
Como uma adulta depravada de amizades verdadeiras, Tempest surge como o yang para o ying de Twilight. Se pensarmos de volta no primeiro episódio de My Little Pony, quando Twilight tinha uma aversão à amizade e fixação por fazer as coisas à sua própria maneira, Tempest é o que Twilight poderia ter se tornado caso ela tivesse permanecido naquele caminho de seu arco. Também como Twilight, o arco de Tempest implica em problemas sociais – não vou dissertar sobre quais, já que isso pode ser um spoiler, mas digo que com seu chifre quebrado, Tempest é uma unicórnio com deficiência física, e grande parte de seu arco envolve superar essa deficiência – e seu número musical “Open Up Your Eyes” (“Você Deve Olhar”, no Brasil) vem carregado com uma carga emocional surpreendente, sendo a melhor canção de vilão em animação desde o “Se Preparem” de Scar, em O Rei Leão.
Através da antagonista, o filme esbanja uma consciência de como alguns adultos podem ver seus valores inflexivelmente bons; Tempest questiona a inocência de Ponyville, aponta sua graciosidade como uma cegueira ingênua aos verdadeiros problemas do mundo, tal como alguém mais velho pode vir a rotular as lições de MLP como algo ingênuo quando comparado à realidade – a forma como Tempest fala com desdém “Todo esse poder desperdiçado em festas” também soa muito como a reclamação de um adulto sobre um público mais jovem que busca diversão.
Defender a fofura e pureza de MLP contra esse argumento pode ser mais difícil do que parece, afinal não podemos ignorar que o mundo real é feio, difícil e árduo, mas através do arco de Twilight – e sua relação com Tempest -, o filme o faz com excelência, discursando que mesmo nos momentos mais sombrios da vida, nada é mais importante que a amizade, e que ingenuidade verdadeira é achar que se vai longe por conta própria. Além disso, o longa mergulha nas inúmeras vertentes da temática da amizade da franquia para explorar temas de autoconfiança e aceitação. Twilight precisa achar o ponto certo entre acreditar em sua própria capacidade e aceitar a ajuda de seus amigos, algo que pode ser muito mais complicado do que aparenta.
Expandindo ainda mais em aceitação, o filme tem uma mensagem subjetiva sobre aceitar as pessoas seja lá como elas forem, e também aceitar a si próprio, seja lá como você for. A obra está longe de estar interessada em discursos políticos, obviamente, e sua história também não se interessa em desenvolver romances – tanto que a crush de Spike em Rarity é e deve permanecer algo platônico, pelo menos por ora -, mas a subjetividade desse discurso insinua uma conotação LGBT, afinal sabemos que unicórnios se tornaram um símbolo LGBT, e não só a protagonista de My Little Pony é uma unicórnio cuja paleta de cores, propositalmente ou não, é literalmente a bandeira do orgulho bissexual, como quem puxa a canção Time to be Awesome, que fala sobre ser quem você é por dentro e não aceitar as conformidades que a sociedade lhe impõe, é Rainbow Dash – a bandeira LGBT encarnada. Essa ideia é concluída pela canção tema do filme, “Rainbow”, performada pela Sia, que em sua letra fala sobre “outros verem loucura, onde eu vejo amor”, e no refrão diz “Eu vi um arco-íris nas suas lágrimas quando elas caem”, fazendo uma rima com outra música da cantora, “The Greatest”, que fora um tributo à comunidade LGBT. Se você acha que estou viajando demais, saiba que a criadora da obra, Lauren Faust, já trabalhou em As Meninas Superpoderosas, onde tínhamos um personagem claramente andrógeno – e considerando que animações para idades maiores como Steven Universo, Hora de Aventura e A Lenda de Korra todos contém personagens LGBT, não é absurdo pensar que My Little Pony esteja promovendo sua aceitação entre as crianças menores. Porém, é importante frisar o fator subjetivo aqui – como eu disse, My Little Pony não tem interesses amorosos, portanto naturalmente o filme não está falando diretamente sobre opções sexuais, mas seu apelo por aceitação é universal, e isso não só inerentemente inclui a comunidade LGBT, como é o maior objetivo da mesma.
E os visuais? Maravilhosos. A animação do filme é belíssima. É tão gratificante ver uma animação 2D no cinema numa era em que o 3D dominou o mercado, ainda mais uma feita com tamanha competência. São traços simples, mas ricos em detalhes sutis de expressões e feições, coisa que qualquer artista fica admirado de ver – e a direção de Jayson Thiessen (diretor recorrente da série) quebra afora do formato em plataforma do programa, explorando movimentos de “câmera”, profundidades de quadro e planos que você não encontra na série animada. A aventura é extremamente colorida, e sempre agradável, nunca visualmente cansativa. Efeitos de mágica – alguns em 3D – também são muito bem executados ao se mesclar com as imagens, e seus números musicais são tremendamente inspirados, com sequências fabulosas, brilhantes e às vezes até caleidoscópicas.
As músicas, por sua vez, também são ótimas. Como já falei, a canção tema de Tempest me surpreendeu ao ponto de quase cantar junto, mas as demais faixas da trilha também trazem uma empolgação sem igual, além de suas letras adoráveis sobre união e aceitação. Como um todo, a trilha sonora do filme é excelentemente realizada, com temas icônicos e épicos, leitmotifes marcantes – destaco novamente o tema de Tempest -, e melodias sonoramente catárticas.
Eu gostaria de ter assistido ao filme com seu áudio original, mas por ora posso apenas comentar na dublagem brasileira, que é bastante aproveitável. O filme ainda cai na armadilha da troca de dubladores para as canções com alguns personagens – e com Rainbow Dash a mudança é escancarada -, mas no geral todos os dubladores fazem um bom trabalho em seus papéis, mesmo que a dublagem brasileira esteja longe de alcançar a naturalidade e autenticidade do voice acting original – com exceção apenas de Mariana Rios no papel de Tempest. Mariana encarna a vilã com paixão e compreensão da performance original de Emily Blunt (que podemos ver um pouco nos trailers), e obtém êxito ao tornar o papel próprio para sua voz. Tendo recentemente participado do reality show musical Pop Star, Mariana também arrebenta em sua performance de “Open Up Your Eyes”, parte do motivo por quê a canção me impressionou tanto.
Por fim, concluo dizendo que assistir My Little Pony: O Filme numa sala VIP lotada de gente de 20 à 40 anos foi uma experiência quase religiosa. Em certo ponto, eu já pensava que eu era o único que estava absolutamente fascinado pelo filme, e a maior catarse foi quando ele terminou e descobri que todos que estavam comigo em minha fileira tinham adorado também. Pode não ser para a minha idade, ou para a sua, mas My Little Pony é um filme encantador, genuíno e puro, e eu recomendo que levem seus filhos para assistirem. Uma obra colorida e vibrante que promove a aceitação; seja você deficiente (Tempest), hiperativo (Pinkie Pie), tímido (Fluttershy), inseguro (Twilight) ou o que for, aceite a si mesmo, e acredite em você – mas nunca se esqueça de também aceitar e acreditar em seus amigos, seja lá como eles forem.
Atômica é dirigido por David Leitch, ex-dublê e coordenador de stunts e co-diretor do surpreendente De Volta ao Jogo, e produzido e estrelado por Charlize Theron. Com os filmes de John Wick, Leitch e seu colaborador Chad Stahelski começaram a revolucionar a maneira de se fazer filmes de ação, trazendo obras de uma energia cinética nunca antes vista no cinema ocidental, e Atômica continua o trabalho.
Atômica é, em princípio, um thriller de espionagem situado no fim da Guerra Fria, em que a agente do MI6 Lorraine Broughton (Theron) é enviada à Berlim para recuperar uma lista roubada de agentes britânicos, antes que esta caia nas mãos de um agente duplo sob o codinome Satchel – cabendo também a Lorraine desmascarar o mesmo.
O tempo e o local em que o filme se passa são essenciais para a trama, longe de serem meras escolhas de gosto. Em muitos níveis, Atômica é um filme sobre a Berlim de 1989 e a divisão literal de seu povo, e assim o roteirista Kurt Johnstad a usa como a situação perfeita para explorar os temas de traições e falsas relações do longa, ao colocar nossos personagens e suas desconexas conexões neste lugar mais dividido do que nunca. A constante desconfiança entre todos os personagens serve como uma ferramenta para estudar os alicerces dos interesses que levam as pessoas a enganarem umas às outras, tal como o próprio Muro de Berlim aparece aqui como um monumento à segregação que tais interesses causam nestas mesmas pessoas.
Johnstad e Leitch se mostram sempre muito mais interessados em explorar as agendas secretas dos personagens pelas suas intenções, ações e consequências do que escondê-las para plot twists como nos seus típicos Bonds e Bournes. A trama não mostra medo ou hesitação em expôr as reais faces de certos personagens em um timing que seria considerado precoce, pois tem plena ciência de que o foco não é o mistério da intriga, e sim as pessoas nela. Como a iminente queda do Muro e suas possíveis consequências afetam os julgamentos desses personagens, que lado eles tomarão e porquê eles o farão, culminando num forte monólogo de James McAvoy que beira a quebra da quarta parede. As performances fortes de Theron – como uma mulher forte, mas vulnerável – e McAvoy – claramente se divertindo no papel – são a vitamina que fortalece os relacionamentos entre estes personagens e deles para com os demais.
É um filme sobre pessoas e suas verdadeiras cores, e assim sendo, é mais do que apropriado que um de seus maiores destaques seja justamente este: as cores.
David Leitch e o diretor de fotografia Jonathan Sela criam um estilo visual estruturado através de camadas quase tão complexas quanto a narrativa de A Origem. Há basicamente três camadas de identidade visual que se intercalam em suas aparições aqui: a diurna cinzenta e descolorida – a cidade, a sala de interrogatório, as escadarias -; a interna hipercolorida mergulhada em neon – o quarto de Lorraine, as boates -; e a noturna onde as cores da cenografia aparecem mais. A primeira é a mais perigosa, onde Lorraine está sempre exposta e tem que passar pelos embates mais violentos; a segunda é a mais pessoal, onde Lorraine deixa seu psicológico e suas intenções aflorarem um pouco mais; e a terceira é onde as verdadeiras cores se revelam – não mais cobertas pelas sombras ou disfarçadas pelo neon, as cores dos figurinos, objetos de cena e cenário se destacam mais, e da mesma forma,os personagens mostram quem realmente são.
A aplicação da coloração é constante e complementa com estilo a psicologia de cada cena; o azul, por exemplo, realça a vulnerabilidade de Lorraine – algo perfeitamente ilustrado pela cena de introdução da personagem, em que a vemos emergindo nua e coberta de ferimentos de uma banheira de gelo, num ambiente encharcado pela luz azul -, enquanto o vermelho representa a desconfiança. Nas cenas em que Lorraine contracena com Delphine (a maravilhosa Sofia Boutella), azul e vermelho são as cores principais, com a intensidade de cada variando de cena pra cena, chegando até a ficar em uma divisão de metade pra metade. É um jogo de cores meticuloso e cirúrgico, que faz de Atômica um belíssimo quadro pintado a neon, onde estilo sem dúvidas é substância.
Embora Lorraine seja uma mulher forte, ela está longe de ser invencível, e isto é algo muito bem ilustrado nas cenas de ação do filme. Quem espera um John Wick feminino pode ir tirando o cavalinho da chuva, mas não se preocupem; mesmo sob uma proposta diferente, a ação de Atômica é tão arrebatadora quanto as dos filmes com Keanu Reeves. Aqui temos uma ação muito mais visceral, e Charlize Theron esbanja uma fisicalidade selvagem e contagiosa. As coreografias são intensas e insanamente bem executadas, com Leitch as capturando de maneira clara e muito realista.
O destaque é, obviamente, a cena da escadaria. Leitch grava Theron em pura fúria e explosão corporal num longo plano sequência de muitos gritos e sangue – os maquiadores merecem aplausos, seja lá como eles se viraram aqui – e a acompanha até sua energia se esgotar e ela mal conseguir ficar em pé. É uma longa sequência que vai das escadas à um apartamento ao exterior, onde se torna uma perseguição de carro – apesar de nas escadarias ser nitidamente um único plano, eles devem ter usado truques para disfarçar cortes a partir da luta do apartamento, pois a progressão da maquiagem se torna fisicamente impossível de ter sido feita num único plano, mas ainda sim a fluidez nunca é perdida, e o resultado é possivelmente a melhor sequência de ação já orquestrada no ocidente.
Para complementar o estilo impecável da fita, Atômica conta com uma excelente seleção de músicas em sua trilha sonora, postas a ótimo uso no filme. Sua identidade musical é o new wave oitentista, que vai de um extasiante cover de “Blue Monday”, passa por “Cat People” de David Bowie, uma ótima versão de “99 Luftballons” e vai até Marilyn Manson. O uso da trilha é ainda mais fascinante do que a tracklist em si, quebrando e espalhando pelo filme diferentes faixas em diferentes partes de suas durações para extrair diferentes sensações e climas de cada cena.
Atômica pode aparentar ser confuso para quem não estiver preparado para seu storytelling diferenciado, e pode requisitar mais de uma assistida de alguns, mas não se engane: estamos diante de uma obra-prima substancialmente estilística sem igual. A estreia em direção solo de David Leitch é um acerto em cheio, e juntamente com os John Wick de Chad Stahelski, continua a reinventar o cinema de ação. Que a Rainha Charlize Theron viva para sempre.
Eu assisti a este filme repetidas e repetidas vezes, e ainda não se tornou nada mais fácil de escrever algo que faça jus à obra… Mas eu suponho que eu tenha que tentar, eventualmente.
Sentir que você está procurando por algo que você não sabe o que é não é um sentimento incomum. Muitos de nós temos esta sensação mesmo sem poder colocar o dedo nela. Então, há essa atração sobrenatural que às vezes sentimos em direção de algo; um lugar, um esporte, um filme, uma época, uma pessoa. E então, o amor. Algumas coisas não devem ser entendidas, e sim apenas sentidas. Your Name., de Makoto Shinkai, é uma história de amor fantasiosa profundamente enraizada na ambientação, cultura e mitologia Japonesa, porém se torna tão universal justamente por explorar estes pequenos sentimentos e sensações que não estão presos a qualquer país ou cultura, eles são simplesmente humanos, e todos nós os sentimos.
O filme vai fundo na ideia da alma estar conectada à lugares e pessoas como uma teia infinita; musubi é a palavra-tema usada pela avó de Mitsuha, uma das personagens principais. União. Amarrar fios e nós é musubi, compartilhar algo é musubi, se sentir atraído por algum lugar ou alguém é musubi. É um conceito que alcança distâncias inimagináveis, já que pode ser aplicado a cada pequena coisa que fazemos – pode ser a própria essência da nossa existência. Para desenvolver este conceito, o longa utiliza de outra popular lenda asiática em sua história: o fio vermelho do destino. Originalmente, a lenda fala de um fio vermelho, invisível aos nossos olhos, que é amarrado nos calcanhares de duas pessoas, fadando-os a compartilhar uma importante história juntos, independente de lugar ou tempo. O mito fora moldado em diferentes formas ao longo do tempo, e aqui toma a forma narrativa dos sonhos compartilhados por Mitsuha e Taki, e é representado visualmente pela fita vermelha de Mitsuha. Uma lembrança que atrai Taki à algum lugar – o vilarejo de Itomori -, à alguém – Mitsuha -, mesmo quando ele próprio não está ciente. Os fios do tempo se enrolam, se desenrolam, se separam e então se reúnem através das eras para que estas duas pessoas, através de seu amor, vivam uma história que desafia o entendimento comum.
A fita de Mitsuha é a representação material do fio vermelho do destino, mas ressalto que o fio em si são os sonhos. Em seus sonhos, eles trocam de lugar e vivem a vida um do outro – a esse ponto estamos carecas de ver o tropo da troca de corpo, mas enquanto a maioria dos filmes usa esta trama em função cômica, Your Name. parece ser o filme para o qual este “gênero” foi inventado. O longa é, prioritariamente, sobre relacionamentos: centrando-se no de Mitsuha e Taki, uma clara interpretação de relacionamento a longa distância, mas também sobre os de seus amigos e família. O modo como aqueles ao seu redor reagem às suas mudanças é muito importante para todo o desenvolvimento – perceba o paralelo entre quando Taki, no corpo de Mitsuha, vai falar com o pai da mesma, e quando mais tarde a própria Mitsuha o faz; ou os sentimentos divididos da Okudera-senpai por Taki quando Mitsuha está em seu corpo, e quando ele é ele mesmo. Através destas relações escritas de forma maestral, Shinkai discursa que o que fazemos molda quem somos, então as reações ao nosso redor remodulam nossas formas e nos levam a tomar novas ações que tornam a nos formar, às quais nossos conhecidos reagem novamente nos moldando mais uma vez e assim continua pela eternidade. Os fios se entrelaçam, se desfazem e se amarram de novo. Musubi.
Novamente, o alicerce sobre o qual todas as relações de Mitsuha e Taki são exploradas é a deles mesmos, um com o outro. Com o fenômeno das redes sociais, a maioria das pessoas hoje em dia estão conectadas com alguém de longe. Diabos, muitos de vocês lendo isto estão longe de mim e nem sabem como é minha aparência, mas de alguma forma estou lhes alcançando agora. Nesse momento, estou alcançando pessoas sem nem saber que estou. O ponto é, quanto mais o tempo passa, o conceito de um relacionamento se torna menos físico, e mais essencial. Anos atrás a ideia de namorar – ou apenas ter amizade – com alguém que você não conheceu pessoalmente soava extremamente absurda. Para alguns ainda soa, mas geração por geração estamos passando a aceitar que qualquer tipo de relacionamento não é primariamente do corpo, e sim da alma. Sim, sempre ansiaremos por estar na companhia daquele alguém, dividir capítulos de uma vida física com ele(a) – ir a uma cafeteria, a uma viagem, a um festival -; mas a faísca que acende nossos sentimentos por ele(a) e a energia que os alimenta está além do vínculo corpóreo e terrestre. Está nas palavras que mandamos uns aos outros, as histórias que contamos, ou simplesmente no anseio de nos falar de novo. É uma conexão espiritual.
Mesmo com uma premissa supostamente batida como a da troca de corpos, o relacionamento de Mitsuha e Taki se mostra inédito pelo filme explorá-lo como nenhum outro o modo pelo qual eles se apaixonam: um tendo que ser o outro. Essa é uma parte complicada dos relacionamentos; todos viemos de diferentes lugares, contextos e culturas, e nós nunca entenderemos por completo as preocupações e trejeitos do próximo a menos que vivamos sua vida. Taki e Mitsuha experimentam isso, e eles amam essas vidas diferentes que são postos a viver, portanto eles vêm a amar tudo sobre o outro. Um compreende de onde o outro vem pois ele o vive, e que outro jeito seria melhor para aceitar a perspectiva de alguém? Claro, isto é fantasia, mas sugere o questionamento… Se fôssemos postos no papel de outros, poderíamos vir a amá-los mais?
A animação é, como deveríamos esperar de Shinkai, um absoluto banquete para os olhos. Assisti-la na tela grande do cinema pela primeira vez fora uma experiência única. Todo movimento é delicado com precisão cirúrgica, todo plano banhado em maravilhosa e aconchegante iluminação. Shinkai é um artista imbatível em fazer algo tão obviamente fabricado como animação 2D passar a sensação de naturalidade. O céu, as nuvens, as paisagens, como a luz do sol interage com os tais – a iluminação do sol remetendo à fotografia de filmes de Shunji Iwai, sempre composta de belíssimas iluminações naturais -, até mesmo o modo como ele movimenta o plano ou muda a “distância focal” como se a imagem tivesse sido filmada de verdade, tudo culmina num deleite estético que parece autêntico e cheio de sentimento. É esplêndido em todos os sentidos.
A trilha sonora da banda RADWIMPS também é um destaque muito importante. Há algumas músicas cantadas que pontuam momentos chave da história e são usadas para elevar nossos sentimentos estando em total sincronia com os mesmos, mas o uso das faixas instrumentais é tão sagaz quanto, mesmo que mais sutil. Note como o tema de Mitsuha toca pela primeira vez em uma cena em que a personagem não aparece fisicamente, mas ela está lá em espírito. As composições são todas lindas, o tipo de trilha que invoca sentimentalismo e alcança as profundezas de nossos corações sem precisar ser grandiosa ou exagerada – destaco o maravilhoso tema principal, Kataware-doki -, um tipo de música que ninguém sabe fazer como os Japoneses.
Eu ainda não sinto que esta review faz jus ao que este filme é e ao quanto eu o amo, mas é o que consegui articular agora. Your Name. é uma linda obra-prima atemporal que é tanto um puro deleite visual quanto é um remédio para o coração e a alma. No final da sessão, algo especial aconteceu; conforme os estrondosos aplausos da lotada sala cessaram, algumas pessoas começaram a reconhecer outras que elas poderiam ou não conhecer, e começaram a conversar. Meu colega apontou que nunca havia visto um cinema tão barulhento após o final de um filme, porque todo mundo estava conversando com todo mundo. Isto foi musubi. Compartilhar a experiência deste anime no cinema com todas aquelas pessoas foi musubi, e deixar esta análise aqui para vocês e muitos outros no futuro lerem é musubi, também.
Pesadíssimo. James Gunn se supera ao criar uma obra reflexiva, contemplativa e até um pouco existencialista, tomando um risco grande ao mergulhar numa narrativa paciente e despreocupada com ação, usada como meio pra aprofundar seus personagens, suas relações e claro, seus temas. A chave para funcionar é a confiança de Gunn como diretor e roteirista, ele sabe que seus personagens são carismáticos e envolventes o suficiente pra manter seu público interessado, e deixa que eles façam seu trabalho enquanto lentamente fortalece os alicerces pro terceiro ato, em que enfim despiroca num clímax End of Evangelion. Numa liga completamente diferente de qualquer outro filme que a Marvel tenha produzido.
Deadpool 2
3.8 1,3K Assista AgoraMaior e melhor que o primeiro. Deadpool é um personagem que simplesmente pertence ao cinema, não aos quadrinhos, só levou um tempo pra sacarem isso. Em vídeo: https://www.youtube.com/watch?v=52-o8ujd2pU
Ghidrah, o Monstro Tricéfalo
3.4 23Esse foi o melhor episódio de Cineclub até agora, olha no que dá quando a gente resolve ver o filme sem legenda: https://www.youtube.com/watch?v=UMARfWbyaCM
O Predador
2.5 649AAAAAAAAAAAA ESSE TRAILER! OLHA O REACT: https://www.youtube.com/watch?v=Fh2v00-53oI
Godzilla Contra a Ilha Sagrada
3.5 25Mais um episódio do Godzilla Cineclub, agora falando sobre o primeiro embate de Godzilla e Mothra: https://www.youtube.com/watch?v=mhnn_hsNOtU
Homem-Formiga e a Vespa
3.6 990 Assista AgoraEsse vai ser o filme mais legal do universo. React: https://www.youtube.com/watch?v=QugWlxGwPpE
King Kong vs. Godzilla
3.1 54Terceira parte do Godzilla Cineclub, falamos sobre a primeira treta dos dois monstros mais icônicos do cinema: https://www.youtube.com/watch?v=Ep8RuaMlFyE
Vingadores: Guerra Infinita
4.3 2,6K Assista AgoraEm vídeo: https://www.youtube.com/watch?v=U3fUWMmI_XI
De todo o elenco estelar e super carismático, Josh Brolin como Thanos certamente é o destaque. O personagem em si faz jus ao hype construído para sua chegada durante os últimos 6 anos: Thanos exala terror toda vez que entra em cena, e o destino de quem o enfrenta é sempre incerto – e acredite, o longa não tem medo de matar quem for necessário pra ilustrar a gravidade da situação. Thanos é deveras aprofundado e muito bem construído, uma vez que mesmo com sua presença evocando medo absoluto, o Titã não é representado como um monstro sem alma, e sim um personagem humano relacionável, cujas razões e objetivo desafiam a própria definição de antagonismo.
Venom
3.1 1,4K Assista AgoraQUE TRAILEEEEEER!! Nós reagimos: https://www.youtube.com/watch?v=5k_dDc1IoCk
Bleach
3.4 189Reagimos ao último trailer do filme, que foi muito foda: https://www.youtube.com/watch?v=uV4ecOaLIXc
Deadpool 2
3.8 1,3K Assista AgoraReagimos ao trailer final do filme: https://www.youtube.com/watch?v=M0Js0sV_QhY
Godzilla Contra-Ataca
3.0 26Segundo filme do nosso Godzilla Cineclub, falamos sobre Godzilla Contra-Ataca e o primeiro combate do Rei dos Monstros com outro kaiju! https://www.youtube.com/watch?v=G_7exayHO7s
Mulan
3.2 1,0K Assista AgoraFalei um pouco sobre por quê Mulan vai ser diferente do original e como isso não é necessariamente ruim, vejam lá: https://www.youtube.com/watch?v=n_hXcga4W7s
Godzilla
3.8 124 Assista AgoraIniciamos um Godzilla Cineclub em que vamos debater TODOS os filmes do Rei dos Monstros! Começando pelo original, dêem uma olhada lá: https://www.youtube.com/watch?v=3k54CGiDSaY
Millennium Mambo
4.0 44O filme ter sido filmado inteiramente em lentes de curta distância focal faz com que a experiência de assisti-lo seja enervantemente claustrofóbica, capturando com precisão a atmosfera sufocante do relacionamento abusivo do qual Vicky - a sempre magnífica Shu Qi - está tentando escapar, mas parece estar presa. Movimentos de câmera são constantes, mas sempre calmos, pontuando a trajetória que os personagens traçam e enfatizando os elementos-chave da mise-en-scène que são importantes para o entendimento do tom, objetivo e contexto de uma cena, enquanto ao mesmo tempo o alcance limitado das lentes às vezes sacrificam alguns elementos cênicos em prol de outros, o que adiciona um senso de imprevisibilidade ao filme. Hou Hsiao-Hsien é um verdadeiro mestre em criar estéticas hipnotizantes e manipulativas.
Jogador Nº 1
3.9 1,4K Assista AgoraA distopia definitiva da nossa geração. Uma carta de amor à cultura pop, demonstrando não ser apenas um amontoado de referências mas sim uma enorme compreensão do material em questão em seu núcleo - sendo assim uma grande afronta à corporações que tentam explorar nosso amor por cultura pop por lucro (cofEAcofcof). Visualmente é de uma inventividade visionária que só Steven Spielberg poderia entregar - o mestre trata o longa como se fosse O filme para o qual o cinema foi inventado, e o resultado é simplesmente arrebatador. Mais em vídeo: https://www.youtube.com/watch?v=GnN7m6dqXbY
Aniquilação
3.4 1,6K Assista AgoraComo um mar caleidoscópico e psicodélico dentro da alma humana. Uma obra-prima. Mais no meu canal: https://www.youtube.com/watch?v=prNk-k2ZaXE
Deadpool 2
3.8 1,3K Assista AgoraReação ao último trailer: https://www.youtube.com/watch?v=wb2A3XkvL8U
Luzes no Céu: Fireworks
2.8 56Eu sinto que nadei num sonho e saí mudado. Mais em vídeo: https://www.youtube.com/watch?v=x9bcrL6W8Eg
Tomb Raider: A Origem
3.2 943 Assista AgoraDivertido, fiel, mas muito contido pro próprio bem. Mais em vídeo: https://www.youtube.com/watch?v=jHbL5BVA7n4
My Little Pony: O Filme
3.5 9 Assista Agora(Originalmente publicado no Portal 42)
Entretenimento infantil me fascina. Hoje em dia, porém, com o acesso à internet e, portanto, à cultura pop mais adolescente, há poucos desenhos animados que se dediquem exclusivamente à temas infantis. A maioria dos desenhos modernos vem com uma certa dose de malícia e um humor escrachado que as vezes funciona melhor com o público adulto do que com o infantil – seus Hora de Aventura, seus Titio Avô, suas novas Meninas Superpoderosas. Isso não é ruim por inerência, afinal os desenhos devem poder se comunicar com a sua geração. Mas de vez em quando, uma obra despretensiosa e dócil como My Little Pony é muito bem-vinda, visando ensinar as crianças sobre os valores da amizade, união e suas inúmeras nuances. A série pode ter sido criada originalmente para promover os bonecos da Hasbro – e com um objetivo desses, poderia ter sido um desenho qualquer sem alma -, mas a criadora Lauren Faust colocou tanto amor na obra que ela se transformou em algo valioso e importante, tocando diversos corações com seu carinho e bondade indiscriminada. Pode não ser pro gosto de todas as idades, mas uma verdade é universal: é impossível odiar My Little Pony. É algo tão inofensivo e bem intencionado que você teria que ser uma pessoa fundamentalmente ruim pra odiar. O filme encorpora com perfeição todo esse espírito bondoso e gracioso da série, aplicando um pouco mais de maturidade em seu discurso e uma consciência de como os valores ensinados pela obra podem ser ameaçados pela vida adulta.
Na trama do filme, o Rei Storm e sua comandante subordinada Tempest Shadow invadem Ponyville, com a intenção de conquistá-la e usar o poder das Quatro Princesas para dominar Equestria. Sendo a última esperança de sua terra, Twilight Sparkle e suas amigas viajam para fora de Equestria em busca de alguém que as ajude a salvar seu reino das garras do Rei Storm, conhecendo um número de figuras inusitadas no caminho.
A trama não é composta de grandes viradas imprevisíveis – apesar de que há algumas coisas que esperamos que aconteçam num filme tão leve, e essas acabam por não acontecer, implicando que existem sim consequências -, mas não é isso que interessa aqui. É uma história fácil de seguir, e o que importa mesmo é como as personagens encaram essa jornada. O longa já começa com Twilight sofrendo com a pressão de ter que organizar um grande show em Ponyville, e esse é um ponto chave no arco da protagonista: pressão social.
My Little Pony sempre disseminou suas lições de amizade em contextos sociais, e agora vemos Twilight carregando sua própria grande responsabilidade para com Ponyville – e sendo admirada por todos os seus habitantes como alguém que “vai fazer tudo perfeito” -, e neste mesmo cenário é onde os navios voadores de Tempest Shadow chegam para dominar sua terra, impondo nela uma responsabilidade ainda mais esmagadora: a de salvar a todos. Tamanha pressão causa um impacto no psicológico de Twilight, podendo levá-la a tomar decisões fora de caráter e usar tons de voz tão graves que chegam a assustar quando comparados à sua imagem que costumava ser calma, e adorável até quando brava.
A chegada de Tempest nesse exato momento vem como uma metáfora para as responsabilidades da vida adulta, o próprio design da vilã retratando isso; ela é uma Pony unicórnio maior e com feições mais maduras, de cores muito mais escuras do que as que estamos acostumados a ver em Equestria, com um chifre quebrado e uma cicatriz no olho. Na voz de Tempest – Emily Blunt no original, Mariana Rios no Brasil – não há o menor traço da infantilidade das mocinhas. Ela não é uma Pony fofinha e inocente, ela é alguém que visivelmente já passou por muitas dores e sua vivência roubou-lhe de sua inocência. Basicamente, ela é uma adulta.
Como uma adulta depravada de amizades verdadeiras, Tempest surge como o yang para o ying de Twilight. Se pensarmos de volta no primeiro episódio de My Little Pony, quando Twilight tinha uma aversão à amizade e fixação por fazer as coisas à sua própria maneira, Tempest é o que Twilight poderia ter se tornado caso ela tivesse permanecido naquele caminho de seu arco. Também como Twilight, o arco de Tempest implica em problemas sociais – não vou dissertar sobre quais, já que isso pode ser um spoiler, mas digo que com seu chifre quebrado, Tempest é uma unicórnio com deficiência física, e grande parte de seu arco envolve superar essa deficiência – e seu número musical “Open Up Your Eyes” (“Você Deve Olhar”, no Brasil) vem carregado com uma carga emocional surpreendente, sendo a melhor canção de vilão em animação desde o “Se Preparem” de Scar, em O Rei Leão.
Através da antagonista, o filme esbanja uma consciência de como alguns adultos podem ver seus valores inflexivelmente bons; Tempest questiona a inocência de Ponyville, aponta sua graciosidade como uma cegueira ingênua aos verdadeiros problemas do mundo, tal como alguém mais velho pode vir a rotular as lições de MLP como algo ingênuo quando comparado à realidade – a forma como Tempest fala com desdém “Todo esse poder desperdiçado em festas” também soa muito como a reclamação de um adulto sobre um público mais jovem que busca diversão.
Defender a fofura e pureza de MLP contra esse argumento pode ser mais difícil do que parece, afinal não podemos ignorar que o mundo real é feio, difícil e árduo, mas através do arco de Twilight – e sua relação com Tempest -, o filme o faz com excelência, discursando que mesmo nos momentos mais sombrios da vida, nada é mais importante que a amizade, e que ingenuidade verdadeira é achar que se vai longe por conta própria. Além disso, o longa mergulha nas inúmeras vertentes da temática da amizade da franquia para explorar temas de autoconfiança e aceitação. Twilight precisa achar o ponto certo entre acreditar em sua própria capacidade e aceitar a ajuda de seus amigos, algo que pode ser muito mais complicado do que aparenta.
Expandindo ainda mais em aceitação, o filme tem uma mensagem subjetiva sobre aceitar as pessoas seja lá como elas forem, e também aceitar a si próprio, seja lá como você for. A obra está longe de estar interessada em discursos políticos, obviamente, e sua história também não se interessa em desenvolver romances – tanto que a crush de Spike em Rarity é e deve permanecer algo platônico, pelo menos por ora -, mas a subjetividade desse discurso insinua uma conotação LGBT, afinal sabemos que unicórnios se tornaram um símbolo LGBT, e não só a protagonista de My Little Pony é uma unicórnio cuja paleta de cores, propositalmente ou não, é literalmente a bandeira do orgulho bissexual, como quem puxa a canção Time to be Awesome, que fala sobre ser quem você é por dentro e não aceitar as conformidades que a sociedade lhe impõe, é Rainbow Dash – a bandeira LGBT encarnada. Essa ideia é concluída pela canção tema do filme, “Rainbow”, performada pela Sia, que em sua letra fala sobre “outros verem loucura, onde eu vejo amor”, e no refrão diz “Eu vi um arco-íris nas suas lágrimas quando elas caem”, fazendo uma rima com outra música da cantora, “The Greatest”, que fora um tributo à comunidade LGBT. Se você acha que estou viajando demais, saiba que a criadora da obra, Lauren Faust, já trabalhou em As Meninas Superpoderosas, onde tínhamos um personagem claramente andrógeno – e considerando que animações para idades maiores como Steven Universo, Hora de Aventura e A Lenda de Korra todos contém personagens LGBT, não é absurdo pensar que My Little Pony esteja promovendo sua aceitação entre as crianças menores. Porém, é importante frisar o fator subjetivo aqui – como eu disse, My Little Pony não tem interesses amorosos, portanto naturalmente o filme não está falando diretamente sobre opções sexuais, mas seu apelo por aceitação é universal, e isso não só inerentemente inclui a comunidade LGBT, como é o maior objetivo da mesma.
E os visuais? Maravilhosos. A animação do filme é belíssima. É tão gratificante ver uma animação 2D no cinema numa era em que o 3D dominou o mercado, ainda mais uma feita com tamanha competência. São traços simples, mas ricos em detalhes sutis de expressões e feições, coisa que qualquer artista fica admirado de ver – e a direção de Jayson Thiessen (diretor recorrente da série) quebra afora do formato em plataforma do programa, explorando movimentos de “câmera”, profundidades de quadro e planos que você não encontra na série animada. A aventura é extremamente colorida, e sempre agradável, nunca visualmente cansativa. Efeitos de mágica – alguns em 3D – também são muito bem executados ao se mesclar com as imagens, e seus números musicais são tremendamente inspirados, com sequências fabulosas, brilhantes e às vezes até caleidoscópicas.
As músicas, por sua vez, também são ótimas. Como já falei, a canção tema de Tempest me surpreendeu ao ponto de quase cantar junto, mas as demais faixas da trilha também trazem uma empolgação sem igual, além de suas letras adoráveis sobre união e aceitação. Como um todo, a trilha sonora do filme é excelentemente realizada, com temas icônicos e épicos, leitmotifes marcantes – destaco novamente o tema de Tempest -, e melodias sonoramente catárticas.
Eu gostaria de ter assistido ao filme com seu áudio original, mas por ora posso apenas comentar na dublagem brasileira, que é bastante aproveitável. O filme ainda cai na armadilha da troca de dubladores para as canções com alguns personagens – e com Rainbow Dash a mudança é escancarada -, mas no geral todos os dubladores fazem um bom trabalho em seus papéis, mesmo que a dublagem brasileira esteja longe de alcançar a naturalidade e autenticidade do voice acting original – com exceção apenas de Mariana Rios no papel de Tempest. Mariana encarna a vilã com paixão e compreensão da performance original de Emily Blunt (que podemos ver um pouco nos trailers), e obtém êxito ao tornar o papel próprio para sua voz. Tendo recentemente participado do reality show musical Pop Star, Mariana também arrebenta em sua performance de “Open Up Your Eyes”, parte do motivo por quê a canção me impressionou tanto.
Por fim, concluo dizendo que assistir My Little Pony: O Filme numa sala VIP lotada de gente de 20 à 40 anos foi uma experiência quase religiosa. Em certo ponto, eu já pensava que eu era o único que estava absolutamente fascinado pelo filme, e a maior catarse foi quando ele terminou e descobri que todos que estavam comigo em minha fileira tinham adorado também. Pode não ser para a minha idade, ou para a sua, mas My Little Pony é um filme encantador, genuíno e puro, e eu recomendo que levem seus filhos para assistirem. Uma obra colorida e vibrante que promove a aceitação; seja você deficiente (Tempest), hiperativo (Pinkie Pie), tímido (Fluttershy), inseguro (Twilight) ou o que for, aceite a si mesmo, e acredite em você – mas nunca se esqueça de também aceitar e acreditar em seus amigos, seja lá como eles forem.
Atômica
3.6 1,1K Assista Agora(Originalmente publicado no Portal 42)
Atômica é dirigido por David Leitch, ex-dublê e coordenador de stunts e co-diretor do surpreendente De Volta ao Jogo, e produzido e estrelado por Charlize Theron. Com os filmes de John Wick, Leitch e seu colaborador Chad Stahelski começaram a revolucionar a maneira de se fazer filmes de ação, trazendo obras de uma energia cinética nunca antes vista no cinema ocidental, e Atômica continua o trabalho.
Atômica é, em princípio, um thriller de espionagem situado no fim da Guerra Fria, em que a agente do MI6 Lorraine Broughton (Theron) é enviada à Berlim para recuperar uma lista roubada de agentes britânicos, antes que esta caia nas mãos de um agente duplo sob o codinome Satchel – cabendo também a Lorraine desmascarar o mesmo.
O tempo e o local em que o filme se passa são essenciais para a trama, longe de serem meras escolhas de gosto. Em muitos níveis, Atômica é um filme sobre a Berlim de 1989 e a divisão literal de seu povo, e assim o roteirista Kurt Johnstad a usa como a situação perfeita para explorar os temas de traições e falsas relações do longa, ao colocar nossos personagens e suas desconexas conexões neste lugar mais dividido do que nunca. A constante desconfiança entre todos os personagens serve como uma ferramenta para estudar os alicerces dos interesses que levam as pessoas a enganarem umas às outras, tal como o próprio Muro de Berlim aparece aqui como um monumento à segregação que tais interesses causam nestas mesmas pessoas.
Johnstad e Leitch se mostram sempre muito mais interessados em explorar as agendas secretas dos personagens pelas suas intenções, ações e consequências do que escondê-las para plot twists como nos seus típicos Bonds e Bournes. A trama não mostra medo ou hesitação em expôr as reais faces de certos personagens em um timing que seria considerado precoce, pois tem plena ciência de que o foco não é o mistério da intriga, e sim as pessoas nela. Como a iminente queda do Muro e suas possíveis consequências afetam os julgamentos desses personagens, que lado eles tomarão e porquê eles o farão, culminando num forte monólogo de James McAvoy que beira a quebra da quarta parede. As performances fortes de Theron – como uma mulher forte, mas vulnerável – e McAvoy – claramente se divertindo no papel – são a vitamina que fortalece os relacionamentos entre estes personagens e deles para com os demais.
É um filme sobre pessoas e suas verdadeiras cores, e assim sendo, é mais do que apropriado que um de seus maiores destaques seja justamente este: as cores.
David Leitch e o diretor de fotografia Jonathan Sela criam um estilo visual estruturado através de camadas quase tão complexas quanto a narrativa de A Origem. Há basicamente três camadas de identidade visual que se intercalam em suas aparições aqui: a diurna cinzenta e descolorida – a cidade, a sala de interrogatório, as escadarias -; a interna hipercolorida mergulhada em neon – o quarto de Lorraine, as boates -; e a noturna onde as cores da cenografia aparecem mais. A primeira é a mais perigosa, onde Lorraine está sempre exposta e tem que passar pelos embates mais violentos; a segunda é a mais pessoal, onde Lorraine deixa seu psicológico e suas intenções aflorarem um pouco mais; e a terceira é onde as verdadeiras cores se revelam – não mais cobertas pelas sombras ou disfarçadas pelo neon, as cores dos figurinos, objetos de cena e cenário se destacam mais, e da mesma forma,os personagens mostram quem realmente são.
A aplicação da coloração é constante e complementa com estilo a psicologia de cada cena; o azul, por exemplo, realça a vulnerabilidade de Lorraine – algo perfeitamente ilustrado pela cena de introdução da personagem, em que a vemos emergindo nua e coberta de ferimentos de uma banheira de gelo, num ambiente encharcado pela luz azul -, enquanto o vermelho representa a desconfiança. Nas cenas em que Lorraine contracena com Delphine (a maravilhosa Sofia Boutella), azul e vermelho são as cores principais, com a intensidade de cada variando de cena pra cena, chegando até a ficar em uma divisão de metade pra metade. É um jogo de cores meticuloso e cirúrgico, que faz de Atômica um belíssimo quadro pintado a neon, onde estilo sem dúvidas é substância.
Embora Lorraine seja uma mulher forte, ela está longe de ser invencível, e isto é algo muito bem ilustrado nas cenas de ação do filme. Quem espera um John Wick feminino pode ir tirando o cavalinho da chuva, mas não se preocupem; mesmo sob uma proposta diferente, a ação de Atômica é tão arrebatadora quanto as dos filmes com Keanu Reeves. Aqui temos uma ação muito mais visceral, e Charlize Theron esbanja uma fisicalidade selvagem e contagiosa. As coreografias são intensas e insanamente bem executadas, com Leitch as capturando de maneira clara e muito realista.
O destaque é, obviamente, a cena da escadaria. Leitch grava Theron em pura fúria e explosão corporal num longo plano sequência de muitos gritos e sangue – os maquiadores merecem aplausos, seja lá como eles se viraram aqui – e a acompanha até sua energia se esgotar e ela mal conseguir ficar em pé. É uma longa sequência que vai das escadas à um apartamento ao exterior, onde se torna uma perseguição de carro – apesar de nas escadarias ser nitidamente um único plano, eles devem ter usado truques para disfarçar cortes a partir da luta do apartamento, pois a progressão da maquiagem se torna fisicamente impossível de ter sido feita num único plano, mas ainda sim a fluidez nunca é perdida, e o resultado é possivelmente a melhor sequência de ação já orquestrada no ocidente.
Para complementar o estilo impecável da fita, Atômica conta com uma excelente seleção de músicas em sua trilha sonora, postas a ótimo uso no filme. Sua identidade musical é o new wave oitentista, que vai de um extasiante cover de “Blue Monday”, passa por “Cat People” de David Bowie, uma ótima versão de “99 Luftballons” e vai até Marilyn Manson. O uso da trilha é ainda mais fascinante do que a tracklist em si, quebrando e espalhando pelo filme diferentes faixas em diferentes partes de suas durações para extrair diferentes sensações e climas de cada cena.
Atômica pode aparentar ser confuso para quem não estiver preparado para seu storytelling diferenciado, e pode requisitar mais de uma assistida de alguns, mas não se engane: estamos diante de uma obra-prima substancialmente estilística sem igual. A estreia em direção solo de David Leitch é um acerto em cheio, e juntamente com os John Wick de Chad Stahelski, continua a reinventar o cinema de ação. Que a Rainha Charlize Theron viva para sempre.
Seu Nome
4.5 1,4K Assista Agora(Originalmente publicado no Portal 42)
Eu assisti a este filme repetidas e repetidas vezes, e ainda não se tornou nada mais fácil de escrever algo que faça jus à obra… Mas eu suponho que eu tenha que tentar, eventualmente.
Sentir que você está procurando por algo que você não sabe o que é não é um sentimento incomum. Muitos de nós temos esta sensação mesmo sem poder colocar o dedo nela. Então, há essa atração sobrenatural que às vezes sentimos em direção de algo; um lugar, um esporte, um filme, uma época, uma pessoa. E então, o amor. Algumas coisas não devem ser entendidas, e sim apenas sentidas. Your Name., de Makoto Shinkai, é uma história de amor fantasiosa profundamente enraizada na ambientação, cultura e mitologia Japonesa, porém se torna tão universal justamente por explorar estes pequenos sentimentos e sensações que não estão presos a qualquer país ou cultura, eles são simplesmente humanos, e todos nós os sentimos.
O filme vai fundo na ideia da alma estar conectada à lugares e pessoas como uma teia infinita; musubi é a palavra-tema usada pela avó de Mitsuha, uma das personagens principais. União. Amarrar fios e nós é musubi, compartilhar algo é musubi, se sentir atraído por algum lugar ou alguém é musubi. É um conceito que alcança distâncias inimagináveis, já que pode ser aplicado a cada pequena coisa que fazemos – pode ser a própria essência da nossa existência. Para desenvolver este conceito, o longa utiliza de outra popular lenda asiática em sua história: o fio vermelho do destino. Originalmente, a lenda fala de um fio vermelho, invisível aos nossos olhos, que é amarrado nos calcanhares de duas pessoas, fadando-os a compartilhar uma importante história juntos, independente de lugar ou tempo. O mito fora moldado em diferentes formas ao longo do tempo, e aqui toma a forma narrativa dos sonhos compartilhados por Mitsuha e Taki, e é representado visualmente pela fita vermelha de Mitsuha. Uma lembrança que atrai Taki à algum lugar – o vilarejo de Itomori -, à alguém – Mitsuha -, mesmo quando ele próprio não está ciente. Os fios do tempo se enrolam, se desenrolam, se separam e então se reúnem através das eras para que estas duas pessoas, através de seu amor, vivam uma história que desafia o entendimento comum.
A fita de Mitsuha é a representação material do fio vermelho do destino, mas ressalto que o fio em si são os sonhos. Em seus sonhos, eles trocam de lugar e vivem a vida um do outro – a esse ponto estamos carecas de ver o tropo da troca de corpo, mas enquanto a maioria dos filmes usa esta trama em função cômica, Your Name. parece ser o filme para o qual este “gênero” foi inventado. O longa é, prioritariamente, sobre relacionamentos: centrando-se no de Mitsuha e Taki, uma clara interpretação de relacionamento a longa distância, mas também sobre os de seus amigos e família. O modo como aqueles ao seu redor reagem às suas mudanças é muito importante para todo o desenvolvimento – perceba o paralelo entre quando Taki, no corpo de Mitsuha, vai falar com o pai da mesma, e quando mais tarde a própria Mitsuha o faz; ou os sentimentos divididos da Okudera-senpai por Taki quando Mitsuha está em seu corpo, e quando ele é ele mesmo. Através destas relações escritas de forma maestral, Shinkai discursa que o que fazemos molda quem somos, então as reações ao nosso redor remodulam nossas formas e nos levam a tomar novas ações que tornam a nos formar, às quais nossos conhecidos reagem novamente nos moldando mais uma vez e assim continua pela eternidade. Os fios se entrelaçam, se desfazem e se amarram de novo. Musubi.
Novamente, o alicerce sobre o qual todas as relações de Mitsuha e Taki são exploradas é a deles mesmos, um com o outro. Com o fenômeno das redes sociais, a maioria das pessoas hoje em dia estão conectadas com alguém de longe. Diabos, muitos de vocês lendo isto estão longe de mim e nem sabem como é minha aparência, mas de alguma forma estou lhes alcançando agora. Nesse momento, estou alcançando pessoas sem nem saber que estou. O ponto é, quanto mais o tempo passa, o conceito de um relacionamento se torna menos físico, e mais essencial. Anos atrás a ideia de namorar – ou apenas ter amizade – com alguém que você não conheceu pessoalmente soava extremamente absurda. Para alguns ainda soa, mas geração por geração estamos passando a aceitar que qualquer tipo de relacionamento não é primariamente do corpo, e sim da alma. Sim, sempre ansiaremos por estar na companhia daquele alguém, dividir capítulos de uma vida física com ele(a) – ir a uma cafeteria, a uma viagem, a um festival -; mas a faísca que acende nossos sentimentos por ele(a) e a energia que os alimenta está além do vínculo corpóreo e terrestre. Está nas palavras que mandamos uns aos outros, as histórias que contamos, ou simplesmente no anseio de nos falar de novo. É uma conexão espiritual.
Mesmo com uma premissa supostamente batida como a da troca de corpos, o relacionamento de Mitsuha e Taki se mostra inédito pelo filme explorá-lo como nenhum outro o modo pelo qual eles se apaixonam: um tendo que ser o outro. Essa é uma parte complicada dos relacionamentos; todos viemos de diferentes lugares, contextos e culturas, e nós nunca entenderemos por completo as preocupações e trejeitos do próximo a menos que vivamos sua vida. Taki e Mitsuha experimentam isso, e eles amam essas vidas diferentes que são postos a viver, portanto eles vêm a amar tudo sobre o outro. Um compreende de onde o outro vem pois ele o vive, e que outro jeito seria melhor para aceitar a perspectiva de alguém? Claro, isto é fantasia, mas sugere o questionamento… Se fôssemos postos no papel de outros, poderíamos vir a amá-los mais?
A animação é, como deveríamos esperar de Shinkai, um absoluto banquete para os olhos. Assisti-la na tela grande do cinema pela primeira vez fora uma experiência única. Todo movimento é delicado com precisão cirúrgica, todo plano banhado em maravilhosa e aconchegante iluminação. Shinkai é um artista imbatível em fazer algo tão obviamente fabricado como animação 2D passar a sensação de naturalidade. O céu, as nuvens, as paisagens, como a luz do sol interage com os tais – a iluminação do sol remetendo à fotografia de filmes de Shunji Iwai, sempre composta de belíssimas iluminações naturais -, até mesmo o modo como ele movimenta o plano ou muda a “distância focal” como se a imagem tivesse sido filmada de verdade, tudo culmina num deleite estético que parece autêntico e cheio de sentimento. É esplêndido em todos os sentidos.
A trilha sonora da banda RADWIMPS também é um destaque muito importante. Há algumas músicas cantadas que pontuam momentos chave da história e são usadas para elevar nossos sentimentos estando em total sincronia com os mesmos, mas o uso das faixas instrumentais é tão sagaz quanto, mesmo que mais sutil. Note como o tema de Mitsuha toca pela primeira vez em uma cena em que a personagem não aparece fisicamente, mas ela está lá em espírito. As composições são todas lindas, o tipo de trilha que invoca sentimentalismo e alcança as profundezas de nossos corações sem precisar ser grandiosa ou exagerada – destaco o maravilhoso tema principal, Kataware-doki -, um tipo de música que ninguém sabe fazer como os Japoneses.
Eu ainda não sinto que esta review faz jus ao que este filme é e ao quanto eu o amo, mas é o que consegui articular agora. Your Name. é uma linda obra-prima atemporal que é tanto um puro deleite visual quanto é um remédio para o coração e a alma. No final da sessão, algo especial aconteceu; conforme os estrondosos aplausos da lotada sala cessaram, algumas pessoas começaram a reconhecer outras que elas poderiam ou não conhecer, e começaram a conversar. Meu colega apontou que nunca havia visto um cinema tão barulhento após o final de um filme, porque todo mundo estava conversando com todo mundo. Isto foi musubi. Compartilhar a experiência deste anime no cinema com todas aquelas pessoas foi musubi, e deixar esta análise aqui para vocês e muitos outros no futuro lerem é musubi, também.
Guardiões da Galáxia Vol. 2
4.0 1,7K Assista AgoraPesadíssimo. James Gunn se supera ao criar uma obra reflexiva, contemplativa e até um pouco existencialista, tomando um risco grande ao mergulhar numa narrativa paciente e despreocupada com ação, usada como meio pra aprofundar seus personagens, suas relações e claro, seus temas. A chave para funcionar é a confiança de Gunn como diretor e roteirista, ele sabe que seus personagens são carismáticos e envolventes o suficiente pra manter seu público interessado, e deixa que eles façam seu trabalho enquanto lentamente fortalece os alicerces pro terceiro ato, em que enfim despiroca num clímax End of Evangelion. Numa liga completamente diferente de qualquer outro filme que a Marvel tenha produzido.
Love Exposure
4.2 93"Obra-prima" nem começa a descrever.