Estou profundamente tocado por tudo que vi e ouvi. Essa série é uma montanha-russa de sensações. É ousada. Não tem medo de tocar em temas polêmicos, mas sempre o fazendo de maneira sensível. Impossível não amar Maura. Impossível não sofrer com sua transição. Impossível não torcer e se divertir com ela. Mas "Transparent" é mais que uma série sobre um homem que assume sua transexualidade tardiamente. Esse até pode ser o mote principal, mas é muito mais. Retrata com rara precisão essa fluidez sexual tão contemporânea. Essa possibilidade absurdamente atual de se exercer nossa sexualidade de maneira plena, sem as amarras de outrora. Lógico que ainda é tudo muito confuso. Lógico que tudo ainda é extremamente complicado. Mas tudo é mostrado de maneira tão delicada que enternece até o coração do espectador mais durão. Quem somos nós longe de toda essa construção sociocultural que nos enfiaram goela abaixo desde sempre? Será possível algum dia nos encontrarmos conosco mesmo sem tanta dor, sem tanto sofrimento? Dai que "Transparent" é uma tentativa. Uma dolorosa e engraçada tentativa. E não vacila em explicitar nossos preconceitos e nossas pequenas vicissitudes. Será que chegará algum momento em que poderemos nos olhar com olhos verdadeiros humanos e romper com toda essa segregação?
“Às vezes, só a mentira salva.” Lá pelas tantas em “A Hora da Estrela”, Clarice Lispector solta essa frase que bem resume a vida humana na terra. Lembrei dessa frase de Clarice na maioria do tempo em que assisti “The Path”. A série do canal HuLu tem uma densidade psicológica assustadora a gente se pega preso naquele universo tão bem retratado pelos autores, diretores e elenco. Como humanos sentimos medo, pq a vida nos ultrapassa. Necessitamos de acreditar. Mas em quê? Qualquer coisa que nos justifique. Qualquer coisa que nos dê esperança de dias melhores, de uma vida melhor. É aqui que entra a ficção. É aqui que entra a crença. Isso nos “estabiliza”. Ao comprarmos essas histórias, ganhamos importância, tornamo-nos especiais, diferentes, queridos. Ganhamos um “futuro”. Ganhamos o Reino dos Céus. Mas como garantir que essa fé dure? Como manter todo um sistema ficcional de pé? É preciso mitos, divindades, mandamentos e um líder. E acima de tudo, é preciso inventar o oposto disso tudo. Somente a invenção do Inferno justificaria a existência de um Céu. É preciso que se tema a perda da fé. É preciso que se tema tudo. Só aquele que tem medo pode acreditar em qualquer coisa. E é aqui que entra os ambiciosos. É aqui que entra a miséria humana. “The Path” é uma série assustadora por mostrar o humano diante da possibilidade da inexistência daquilo que sempre se acreditou. Como abrir mão disso tudo? O que colocar no lugar? Não é muito mais fácil viver uma vida onde a responsabilidade pelas tristezas e alegrias é sempre do outro. Nunca nossa. É tentador, não é? Daí que “The Path” esmiúça as conseqüências de se escolher algo, de se tornar maduro, adulto e responsável pelo seu próprio destino. É um “Mito da Caverna” contemporâneo. Recomendo!
“Tem um futuro chegando onde milhões de pessoas nascerão na pobreza e nós nos mataremos em uma guerra por água, comida, petróleo. Isso é o que está chegando, talvez ainda em nosso tempo. A Rede é o inimigo, mas e se o inimigo estiver certo?" CARALHO! Que série é essa? "Utopia" é uma produção britânica de seis episódios que nos apresenta uma teoria da conspiração um tanto quanto complexa e ao mesmo tempo extremamente viciante. Misturando referências que vão desde "Fausto" de Goethe a "Alice no País das Maravilhas". Tudo muito sutil, bem construído e genial. O ponto de partida é a existência de uma Graphic Novel chamada "The Utopia Experiments" escrita por um cientista que foi considerado louco e internado num hospício. A primeira edição foi publicada e é venerada por fãs num fórum de internet. É lá que um homem posta que possui a segunda edição dessa história, que nunca foi publicada. Ele marca um encontro com alguns membros do grupo e.... a história começa.
A graphic novel é uma denúncia sobre o plano de extermínio de grande parte da população mundial. O plano, e não é qualquer plano (e não se preocupe que não revelarei aqui) envolve vários departamentos do governo e conta com a colaboração da esfera do conhecimento medicinal e científico. E é aqui que os interesses se colidem. Todos querem o manuscrito. E cada um possui sua própria motivação. E mesmo quando agem em grupos não é possível confiar em ninguém.
O roteiro é genial, trabalhado de maneira a não deixar nenhuma ponta solta e cheio de reviravoltas, que surpreendem e intrigam a cada capítulo, cada cena. A fotografia é uma capítulo a parte. É simplesmente deslumbrante. Acho que nunca vi tamanha beleza numa série. As cores e os ângulos de câmera remetem a estética das graphic novels. A trilha sonora é perfeita. Acompanhando e ironizando nos momentos-chave. O elenco é sensacional. Sendo impossível destacar um só desempenho.
Todo o desenvolvimento da série é extremamente violento. São várias mortes, torturas (física e psicológica) e tudo é mostrado explicitamente. Mas com total sentido dentro do enredo. O elenco conta com duas crianças que participam da história central e pelo que acabei lendo na internet, isso causou uma grande polêmica quando a série foi lançada em 2013.
O mais perturbador nem é isso. Mas, todos os questionamentos absurdamente atuais levantados pelo enredo. Sim. E a série nos coloca o tempo todo diante de uma questão: até onde se pode ir pelo se acredita? E aqui a série ganha contornos de "Crime e Castigo" de Dostoiévski (inclusive uma das crianças da série está fazendo um trabalho sobre o livro). Esse estado de angústia psicológica permeia quase todos os personagens. E é também o mesmo estado que ficamos ao assisti-los. Porque por mais que saibamos que aquilo é ficcional, ao mesmo tempo, algo em nós também diz que pode muito bem ser real. Todas as pistas estão aí. É só juntar as peças do quebra-cabeça!!!!!
"Às vezes eu gostaria de caminhar até o portão da frente e pedir para eles deixarem que eu volte. De volta para minha caixa. Meu casulo. (...) Mas não hoje. Hoje, eu quero ir à praia. Quero sentir a areia nos dedos e olhar o céu infinito."
A trajetória de Daniel Holden nessas três temporadas de "Rectify" sempre foi a do homem em eterno conflito, consigo mesmo e com os outros. Mesmo em liberdade, sempre esteve preso na sua própria mente. Quase 20 anos presos, condenado a morte, apenas esperando, esperando, fizeram um tremendo estrago na cabeça do personagem. Nele e nos seus familiares. Não deve ser fácil conviver com a certeza de sua própria morte ou de alguém querido e de repente, tudo mudar. Se "Rectify" é uma série sobre crimes, culpas e castigos, sua maior beleza reside no perdão. Sobretudo, perdoar-se a si mesmo. Nessa terceira temporada há um desamparo ainda maior. Não há certezas. De nada. Tudo se mostra líquido demais. Casamentos, filhos, amores e também ódios, se mostram ineficientes quando olhados por outros e variados ângulos. Conhecer o passado de alguém, suas vivências e dores, pode revelar um modus operandis danoso, difícil de ser rompido na dura e difícil missão de se manter vivo dia após dia. Tanto a fragilidade quanto a força podem esconder traços emocionais que passam despercebidos na correria diária. Os silêncios, os espaços vazios são a personificação dos estados emocionais desses personagens. Todos perdidos. Dolorosamente perdidos. Solitários. Pois o humano é só. Mas é na tentativa do encontro com o outro que reside a beleza da existência. E nessa terceira temporada vemos Daniel e todos os outros personagens em movimento. Não qualquer movimento, mas em direção a si mesmos, ao encontro com a verdade sem as idealizações de outrora. Todos os personagens se confrontam consigo mesmos. E esse processo é muito doloroso, mas também belo. Não sei o que esperar dessa quarta temporada. Aliás, sei sim, mas tenho medo de estar idealizando as coisas. Tomara que não.
Acabei de assistir a segunda temporada de "Rectify" e estou cada vez mais maravilhado com a profundidade dessa série. Cada diálogo, cada tomada, cada personagem propõem quase que um universo inteiro em si. A temporada dessa vez em 10 episódios e não mais 6 como a primeira propiciou uma abertura maior em relação ao que pensam/agem os demais personagens. Apesar de tudo ainda gravitar em torno de Daniel conhecemos outras camadas da personalidade de cada habitante daquela cidade. Um interessante componente abarca todos: A CULPA. Ou ausência de. E uma extremada necessidade de salvação. A relação Daniel e Tawney é a personificação máxima desse sentimento. Mas quem salva quem? Ambos parecem se salvar numa troca afetiva que até então desconheciam. O modo como a série encaminhou a amizade particular desses dois foi extremamente eficiente desembocando num belíssimo penúltimo episódio. É estranho. Mas torço por esses dois como se eles fossem meus velhos conhecidos. A química e o talento dos dois atores são dignos de reverência. Estou completamente apaixonado pelo trabalho da atriz Adelaide Clemens. Sua difícil personagem poderia cair num clichê bobo se fosse interpretado por outra atriz de talento inferior. Mas com ela no comando isso não acontece. Tawney é palpável, de carne e osso. E a trajetória da personagem nesses dez episódios é também de libertação assim como a primeira temporada foi sobre a libertação de Daniel. Aparentemente os dois estão libertos, mas há algo que os puxa para um passado triste. A impossibilidade da alegria sem a culpa (do que?) revela o caráter estoico dos personagens. Mas há algo maior, além, que perturba esses dois: a necessidade da beleza. Sim. A beleza salvará o mundo. A necessidade de acreditar que a vida pode e dever ser maior e melhor do que a angustiadamente vivida demonstra a inocência deles. O mais triste é que não há lugar para os inocentes no mundo. Talvez esse seja o maior crime que eles possam cometer. Ansioso para começar a terceira temporada.
"- O que era real para você, Daniel? - O tempo entre os segundos... e meus livros, e meu amigo. E agora que estou nesse mundo, onde tudo é marcado por horas ou datas, me sinto num estado de constante espera. Não tenho certeza do que estou esperando, e nem se é uma boa sensação. Mas no caso de uma inevitável chuva, ou de trovões, graças a você, Tawney, eu tenho certeza do que esperar, e estou ansioso por isso."
Acabei de assistir a primeira temporada de "Rectify" e só posso afirmar: QUE SÉRIE BELA! QUE SÉRIE DOLORIDA! E esse final, gente, como lidar? Já tô eu aqui querendo começar a segunda temporada imediatamente. Daniel é um dos personagens mais complexos que já vi. Ele não é uma coisa nem outra. Ele é fora, marginalizado, um pária. Alguém que busca desesperadamente uma (im)possível redenção. Todos o julgam, mesmo que a Justiça diga que ele não é culpado. Ele parece culpado. Ele passou 19 anos no corredor da morte condenado pelo estupro e assassinato de sua ex-namorada. Ela tinha 16 anos. Ele, 19 anos. Ele foi preso e condenado, mas novas provas o inocentam. 19 anos se passaram. O mundo mudou muito. A série é sobre isso. Sobre a jornada de liberdade desse personagem. Nada é fácil. A população não acredita em sua inocência, seus familiares não sabem como agir com ele, a imprensa o persegue e Daniel não se reconhece nesse novo mundo. O tom da série é minimalista e melancólico. E tudo se desenvolve de maneira bastante lenta. Pois o que acompanhamos é o olhar de Daniel, esse protagonista calado, introvertido e extremamente complexo. Dois outros personagem me chamaram a atenção nessa primeira temporada: Amantha, a irmã que lutou pela sua libertação e Tawney, a esposa de seu meio-irmão que Daniel nem sequer conhecia. Ambas representam a força das figuras femininas, cada uma a sua maneira. Amantha é esquentada e não leva desaforo pra casa. Tawney é aparentemente frágil, mas é a única que consegue desenvolver uma conexão real com Daniel. As cenas dos dois juntos são as melhores. E estou ansioso para ver como a segunda temporada irá retratar o relacionamentos deles. Como já disse, o final dessa primeira temporada é de cortar o coração.
O episódio piloto da série "Billions" mostra um duelo de titãs entre dois homens poderosos e egoícos vividos com brilhantismo por Damian Lewis e Paul Giamatti. É como um jogo de gato e rato moderno. Chuck Rhoades é um Procurador que se gaba de nunca ter sofrido uma derrota em toda sua carreira. Bobby Axelrod é um bilionário dono de uma empresa, reconhecido e adorado por seus gestos de caridade (doou uma fortuna aos bombeiros e custeia os estudos dos filhos dos amigos que morreram no atentado terrorista de 11/09, no qual foi um sobrevivente). Chuck recebe uma denúncia de que Axelrod pratica atos ilícitos em sua empresa, mas fica em dúvida se deve investigá-lo pq não quer sofrer uma possível derrota, já que o suposto corrupto é adorado pelo povo. Tudo muda de figura, quando Axelrod decide comprar uma casa de praia avaliada em mais de 60 milhões de dólares. O jogo começa e a maneira como tanto o roteiro e a direção enchaminham as coisas é muito impressionante. É um jogo de xadrez, muito minimalista e o mais curioso é o que está no subtexto; a velha cultura americana do vencedor e do perdedor fazendo os estragos característicos. O mais interessante é que as personalidades desses dois protagonistas são muito contraditórias e complexas. Nada é o que parece ser. E tudo se complica ainda mais quando descobrimos que a mulher de Chuck é uma espécie de braço direto de Axelrod. Wendy é a psicóloga motivacional da empresa e atende funcionários que não está rendendo tanto. Pra mim, até agora, ela é a personagem mais fascinante da trama, pq transita entre os dois protagonistas, além de ser uma espécie de dominatrix com o marido. Sim. O tal procurador é adepto de BDSM. E a série abre com uma cena ousada dessa prática sexual entre os dois. Além disso, outro fato interessante é que tanto Chuck Rhoades quanto Axelrod são adeptos da prática da meditação antes de reuniões importantes, e usam aplicativos em seus respectivos celulares para contar o tempo. A trilha sonora não acompanha o clima de disputa, o que é um alívio, tornando-se uma ruptura contemporânea ao já desgastado clima de séries ou filmes do gênero. Enfim, a série promete e eu quero acompanhar os próximos episódios.
Depois de me sentir um pouco orfão com o fim da segunda temporada da maravilhosa série "The Leftovers", comecei a ver a segunda temporada da igualmente maravilhosa "The Affair". Incrível a capacidade desses roteiristas de melhorar o que já era bom. "The Affair" sempre se caracterizou como uma série sobre o desejo, suas possibilidades e consequências. E aqui nessa segunda temporada isso se amplia já que agora foram incorporadas outras duas versões, além de Alison e Noah temos também Cole e Hellen. O mais assustador é ver como a série capta o essencial de cada personalidade e nos coloca em pleno olho do furação. Não há onde se segurar. Toda versão é apenas isso; uma versão. Incrível o trabalho de todo o elenco principal, concebendo não apenas um, mas quatro possibilidades de personagem. Ruth Wilson,que ganhou o Globo de Ouro desse ano por esse papel, constrói essas várias facetas de uma mesma Alison de uma maneira excepcional. Impossível não se emocionar com sua performance minimalista e dolorida. É o grande destaque da série, assim como o roteiro que brinca o tempo com a paralaxe.
TEM SPOILER, SE NÃO VIU O ÚLTIMO EPISÓDIO, NÃO LEIA!
É tudo sobre o amor. Sobre a capacidade humana de seguir. Mesmo não sabendo nada de nada. Somos uns perdidos. Jogados ao léu. Obrigados a existir em meio a tantas coisas. É tudo sobre a verdade. Não como conceito. Mas como prática. Somos ensinados a mentir. Suportar. Esconder nossas dores e fracassos. Mentir que está tudo bem mesmo quando não está. É preciso fazer um movimento hercúleo em direção a si mesmo. É preciso saber que se há um mal, ele se esconde na negação de si mesmo e do outro. Duas famílias. Uma aparente perfeita. A outra, em frangalhos, toda desunida. A primeira varreu toda a mentira para debaixo do tapete numa simulação de amor. Ao contrário da outra, que ao longo dos episódios foi aprendendo a colocar luz sobre seus fantasmas e conseqüências. Uma família totalmente disfuncional. Unida não pelo laço sanguíneo, mas sobretudo pelo afeto. A jornada dos Garvey's (e agregados) é sobre o milagre diário do amor. Já os Murphy's são o mundo inteiro.
Meg é o princípio de realidade num mundo todo ele falso. Meg numa jogada de mestre mostra o quanto somos reféns da mentira e da manipulação. O quanto somos presas fáceis. Meg como afirmei numa crítica anterior é uma espécie de Jesus Cristo hiper – contemporâneo:
"Não penseis que vim trazer paz a Terra; não vim trazer-lhe paz, mas espada; porque vim separar o homem contra seu pai, e a filha contra sua mãe, e a nora contra sua sogra; e os inimigos do homem serão os seus mesmos domésticos." (Mateus, X: 34-36).
“porque de hoje em diante haverá, numa mesma casa, cinco pessoas divididas, três contra duas e duas contra três. Estarão divididas: o pai contra o filho, e o filho contra seu pai; a mãe contra a filha, e a filha contra a mãe; a sogra contra sua nora, e a nora contra sua sogra." (Lucas, XII: 51-53)
Ela assim como Jesus tem a missão de separar para juntar. Sim, no final das contas, a família é tudo. Mas qual família? A de sangue ou aquela que nasce do amor? Meg é o remédio, mas como todo remédio tem seus efeitos colaterais. Daí que toda a história dos Remanescentes Culpados é genial. Não há a possibilidade de paz sem o luto. Era preciso senti-lo. Era preciso fazer silêncio. Mas Meg foi além. Revolucionou tudo ao expor simulação de Miracle. Não havia milagre nenhum ali. As perdas nunca são só físicas. Existe um certo Messianismo em Meg. Sua mensagem é dúbia, mas nesse último episódio ficou absolutamente clara. Não sei exatamente porque mas me peguei pensando na história daquelas duas mulheres que foram até o Rei Salomão disputando a maternidade de um bebê. O Rei deu a solução: Cortem a criança ao meio e cada uma delas ficaria com uma metade da criança. Mas vejam bem, a solução do impasse não estava ai. Mas em outro lugar. Estaria com aquela que aceitasse abrir mão da sua razão para poupar a vida do bebê. Essa era a verdadeira mãe. É isso. A verdadeira sabedoria nunca é certinha. Nunca é 2 + 2 = 4. Não. Meg sempre foi aquela que deu mais trabalho para aceitar as coisas nos Remanescentes Culpados. Sempre foi a mais zombeteira. E sua liderança depois que Patti morreu foi algo bastante natural. Mas o que Meg queria no final das contas? Queria separar para só então juntar. Mas Meg é também a serpente. Seu veneno é o autoconhecimento.
A vida é uma aprendizagem. Sim. Lembrei de Clarice Lispector no livro “Uma Aprendizagem ou O Livro dos Prazeres”:
”De Ulisses ela aprendera a ter coragem de ter fé – muita coragem, fé em quê? Na própria fé, que a fé pode ser um grande susto, pode significar cair no abismo, Lóri tinha medo de cair no abismo e segurava-se numa das mãos de Ulissses enquanto a outra mão de Ulisses empurrava-a para o abismo - em breve ela teria que soltar a mão menos forte do que a que a empurrava, e cair, a vida não é de se brincar porque em pleno dia se morre. A mais premente necessidade de um ser humano era tornar-se um ser Humano.”
Não seria essa a trajetória de Kevin? E de todos os outros. E de nós todos?
" - Eu quero a vida. Quero esses sobressaltos e trevas, eu quero a vida."
{ "O Museu do Romance da Eterna" - Macedonio Fernández, pág 209 }
Acredito que cada vez mais "The Leftovers" vem seguindo um caminho bastante coerente. Esse 9° episódio da 2° segunda temporada realçou o caráter realista (pra mim) e pessimista (para muitos): Não há explicação. Precisamos falar sobre Meg. Quem é ela? Antes de mais nada, ela é a mulher a quem a experiência do luto foi negada. Sua mãe morreu na véspera do sumiço de milhares de pessoas. Seu luto foi considerado algo menor, foi invalidado. A dúvida sobre o paradeiro daqueles que sumiram seria mais dolorido que a concretude da morte de alguém? Não seria a mesma coisa? Afinal, qual a diferença? O que sabemos realmente a respeito do destino dos nossos mortos? As explicações são inúmeras. As religiões estão ai para isso. Para responder aquilo que é impossível de ser respondido pela compreensão humana. "The Leftovers" sempre se destacou por sua jornada extremamente sensível no que diz respeito à sensação desestabilizadora diante da perda. Não a aceitamos. Não fomos preparados para ela. E muito menos somos preparados para aceitar o mistério. Queremos respostas. Daí que viramos presas fáceis de toda sorte de charlatões. Por isso precisamos de Meg. Por isso esperamos por Meg. Ela é resposta. A única possível. Ela é o princípio de realidade num mundo todo ele falso. Qual a resposta de Meg? Ela é o lembrete vivo da iminência da morte para todos. Mas além disso, ela quer deter a responsabilidade sobre o acontecimento. Ela quer ser a terrorista. A culpada. Sim. Uma espécie contemporânea de Jesus Cristo. Talvez somente isso responda à histeria de respostas daqueles personagens todos.
Esse trecho abaixo do Jean Baudrillard, sociólogo francês, é a materialização do que acontece com os personagens da série e também com o desespero por respostas dos seus telespectadores.
“Todos nós somos reféns. Atualmente todos nós servimos de argumento de uma dissuasão. Reféns objetivos: respondemos coletivamente por alguma coisa, mas o quê? Uma espécie de predestinação falsa, cuja manipulação não conseguimos mais descobrir, mas sabemos que a balança de nossa morte não está mais em nossas mãos, e que de agora em diante estamos num estado de suspense e de exceção permanente, cujo símbolo é o nuclear. Reféns objetivos de uma divindade aterradora, não sabemos mais nem mesmo de que acontecimento, de que acidente, dependerá a última manipulação.”
“The Leftovers” pra mim é sobre isso. Seríamos todos reféns e terroristas. Manipulamos e somos manipulados através de sentimentos, desejos, sofrimento e morte. O que nos resta? Recorro novamente ao Baudrillard. Estamos num estado de exibição pura e simples. Onde desaparecemos antes de estarmos mortos. Congelados num estado de desaparecimento.
"Não somos nem espectadores nem atores, mas voyeurs sem ilusão."
Mais uma vez recorro a Baudrillard para descrever minha experiência diante de um episódio de "Black Mirror". Sim. "Urso Branco" é simplesmente genial. A pura tradução desse estado de hiper-realidade, dessa produção incessante de imagens numa sociedade totalmente letárgica. Onde a suposta culpa é entretenimento para muitos e fonte de renda para alguns poucos.
Mas vamos a história: Uma mulher aparentemente sem memória é perseguida por um homem mascarado. As pessoas nas ruas vêem a perseguição, mas nada fazem. Apenas filmam com seus celulares ultra-potentes. Nessa fuga, ela encontra dois outros jovens, que ao que parece também estão sendo perseguidos. Eles além de ajudarem na fuga da mulher, também lhe explicam o que ocorreu; a humanidade teria sofrido uma espécie de lavagem cerebral através da televisão. Algo como nove entre dez pessoas foram afetadas e quem não foi afetado é perseguido por uma parcela cruel da população, enquanto os outros apenas filmam. Nessa nova sociedade como não existe lugar para a culpa, esses tipos mais cruéis podem exercer sua crueldade sem qualquer tipo de julgamento. O caos reina e todos apaticamente gravam as imagens do horror em suas câmeras de celular. Ainda segundo a explicação desses fugitivos que a garota encontrou só existiria uma saída; Destruir o centro de transmissão responsável pelo controle mental da população, o tal "Urso Branco".
O episódio que já estava genial, ganha uma virada inimaginável que faz com que tudo fique ainda mais phoda. Não vou falar sobre a reviravolta, porque não quero estragar a experiência de quem ainda não assistiu. Mas que a coisa toda é uma homenagem e atualização do "Mito de Sísifo" do Albert Camus, isso eu preciso falar. Estaríamos todos nós já vivendo não mais o inferno dos outros (como escreveu Sartre), mas o Inferno do Mesmo, da repetição?
Geração Teletubbies, que não se contenta apenas com a cena, mas com sua repetição. "De novo, de novo, de novo". Sendo capazes apenas de ver aquilo que já foi visto por outros. Sendo capazes apenas de ver atráves das lentes e telas. Perdendo todo nosso potencial criativo e humano nessa amnésia de imagens. Geração de "Grandes Irmãos" como na distopia imaginada por Orwell e transmutada em reality show. Espécie contemporânea de exorcismo diário.
Triste!
Mas a genialidade dos responsáveis pela criação de "Urso Branco" é a de mostrar o estado das coisas em nossa atualidade. E posso falar, sem o risco de errar. Estamos diante de uma obra-prima.
Acabei de ver o 2° episódio da 1° temporada de "Black Mirror" intitulado "15 milhões de méritos" e posso afirmar sem medo de cometer um engano:
Atualmente o que melhor se produz em dramaturgia está nas séries. É incrível o que esses autores contemporâneos estão fazendo. Este episódio é assustador, sobretudo, pq é uma hipérbole dos nossos dias. É um olhar cínico sobre a possibilidade de um futuro desenhado pela agonia do presente. Está tudo lá. O desespero pelo corpo perfeito (personificado brilhantemente pela bicicleta ergométrica que os humanos tem que andar todos os dias enquanto assistem programas numa tela na sua frente. As pedaladas geram pontos, esses pontos geram energia responsáveis por manter as luzes acesas do grande show), a corrida pela fama, o escárnio e rejeição de quem não consegue ser famoso ou magro, a revolução cibernética que faz parte de todos os aspectos da vida, desde atos simples como levantar, escovar os dentes, se alimentar ou ter prazer sexual, tudo é mediado por telas e aplicativos. Não há lugar para a realidade. Ela foi extinta. No seu lugar, temos telas, telas, telas e mais telas. Transformando todos numa espécie bizarra de avatar de si mesmo. Não há espaço para o pensamento crítico, pois o que interessa aqui é consumir e alcançar a fama. É assustador. Tenho que repetir. Até mesmo o amor e o lampejo da inocência foram transformados em mercadoria, em show. Já não é mais nem "me olhem, eu existo", mas "me consumam, eu não existo mais." Não há saída possível. Até mesmo a revolta é necessária como uma pílula semanal. A rebeldia também faz parte do show. O consumo compra tudo e todos. Essa é sua sedução. E todos querem ser seduzidos. O objeto de consumo se confunde com o desejo, aprisionando o indivíduo de forma que já não é mais possível estabelecer uma um ponto de vista crítico sobre algo. O mau gosto reina. Tudo o que resta é compartilhar desse objeto/desejo com todos os outros na mesma situação. Vou ter que repertir pela terceira vez; É ASSUSTADOR.
“Primeiro saiba quem você é, depois vista-se de acordo”.
GENIAL! Qual outro palavra é possível para descrever a série "The Leftovers" e sobretudo, essa segunda temporada e no caso específico desse oitavo episódio que acabei de assistir? Não. Existiriam muitas palavras. O que Damon Lindelof faz aqui é uma obra de arte daquelas que geram estados de espírito absolutamente novos. Sim. E toda grande obra é espiritual. E sim, a espiritualidade é um estado de espírito. E é exatamente isso que acompanhamos nesse oitavo episódio. Toda a jornada humana num mundo totalmente amendrontado, perdido, carente, em busca de alguma possível resposta, de uma quase impossível redenção. A mais pura representação de um estado mental contemporâneo. É um episódio belíssimo. Dolorido. Profundo. Não somos somente aquilo que pensamos ser. Somos, sobretudo, como nos enxergamos. Somos nossas emoções, sentimentos, pensamentos. Somos moldados por essas experiências de afeto e pela lembranças dessas experiências. (Não é a toa que a infância é definitiva para os estudos de toda a psicanálise. Estaria tudo lá? Ou elas seriam forjadas pelo social?) Essas experiências também podem se transformar em fantasmas, fazendo com que busquemos repeti-las para encontrar alguma espécie de conforto ou um lugar no mundo que seja nosso. Daí, que "The Leftovers" nos fala desde o seu primeiro episódio sobre a experiência do abandono, daquilo que não tem explicação, sobre afeto e culpa. Kevin e Patty tão diferentes e tão próximos. Somos todos assim. Humanos e Singulares. Será da capacidade de ouvir o outro que brotará a redenção desses dois. Sabemos a verdade, mas a mascaramos. Esse é o nosso aprendizado. Minta. Mascare. Finja. Nunca diga a verdade. Não demonstre afeto. Você irá sofrer. Somos criancinhas assustadas num mundo todo feito contra nós. E nós criamos esse mundo. E não nos damos conta disso. Encalacramo-nos a nós próprios nesse mundo. Nesse estado mental. É preciso tomar consciência disso. É preciso mergulhar nesse poço. É preciso falar. Reconhecer nossa falibilidade. Só assim podemos nos livrar dessa fantasmagoria. O que Damon Lindelof faz é esquizoanálise pura. Ele nos mostra como a vida na terra está entorpecida, como estamos apegados a uma suposta identidade que é fraudada pelo social, como temos medo e como isso nos faz buscar constantemente conforto e respostas. Estamos sempre preocupados em interpretar as coisas, pessoas e nos esquecemos de sentir. E ali, naquele poço, que é toda a vida humana até aqui, Kevin verdadeiramente ouve Patty, e Patty fala, pela primeira vez ela se enxerga como verdadeiramente é. E de alguma forma, eles se conectam, se libertam. E é aqui que Damon Lindelof prova sua genialidade. Diferentemente de seus personagens que buscam respostas nas várias ideologias, crenças, partidos, relacionamentos, ele não nos oferece nada disso. Mas uma outra coisa, a mais poderosa de todas: a invenção. INVENTE-SE A SI MESMO!!!!
"O poder simbólico é sempre superior ao das armas e do dinheiro."
Acabei de assistir ao 1° episódio da 1° temporada de "Black Mirror" e me peguei pensando muito no Jean Baudrillard, sociólogo francês, que escreveu essa frase que postei acima. O episódio nos fala sobre essa espécie de poder simbólico encarnado na humilhação de um primeiro ministro (e todo o país) diante do sequestro da Princesa e do surreal pedido de resgate: se quiserem que ela não seja morta, o primeiro ministro deverá fazer sexo com uma porca em transmissão aberta para todo o mundo. Num primeiro momento, eles pensam se tratar de uma brincadeira de mau gosto, mas o vídeo da garota amarrada lendo o seu pedido de resgate é postado no youtube e milhões de pessoas já acessaram seu conteúdo. As redes sociais e elas são citadas sem nenhum pudor (twitter, facebook) estão em polvorosa, as televisões alimentam com notícias e pesquisas de opinião do tipo "o primeiro ministro deve fazer ou não o que eles pedem?". Eles quem? Nenhum grupo terrorista assume a ação. A tensão só aumenta quando um novo vídeo é postada e um dedo da garota é enviado para um canal de televisão. As pesquisas de opinião pública que antes indicavam que o primeiro ministro não deveria aceitar o pedido mudam drasticamente, mais de 80% do público acredita que ele fazer sexo com a porca ao vivo e salvar a vida da Princesa. O mundo para diante da televisão. Todos ligados e conectados comentando tudo em tempo real. A genialidade da série reside nessa crítica de uma encenação absolutamente paródica do desaparecimento do real, onde nos tornamos telas, dispositivos simuladores (como afirmava Baudrillard). Sim. As redes sociais seriam as responsáveis por alimentar os indivíduos de informações inúteis onde "nem a massa tem opinião, nem a informação a informa: ambas continuam se alimentando monstruosamente - a velocidade de rotação da informação aumentando o peso das massas em vez de sua tomada de consciência." Baudrillard é um gênio e um visionário, pois escreveu isso na década de 90 e é de uma atualidade impressionante. A série só contemporiza esse mal estar de uma civilização já degradada e desiludida através de um roteiro brilhante e atuações excepcionais. Ao final, sobra crítica até para a arte contemporânea. E se tudo não passou de um happening????
Confesso que fiquei puto quando vi que trocaram a abertura mais que perfeita na segunda temporada da série "The Leftovers", tanto que nem assisti ao episódio na semana passada. Mas hoje vi os dois primeiros episódios dessa nova temporada e tô de cara. Incrível a capacidade dos autores de criarem um trama tão intricada e ao mesmo tempo tão simples. É tudo sobre ausência. É tudo sobre a capacidade de seguir adiante. O prólogo dessa temporada remonta ao começo do universo e nos mostra que a história é feita de perdas. Que é assim, e sempre será assim. Até quando? Não se sabe. A cena se adequa com perfeição com o final da primeira temporada. O símbolo do bebê abandonado também se manifesta aqui. É o ciclo da vida. Incrível também como os criadores conseguem fazer dois episódios de um mesmo acontecimento, só mudando a perspectiva, de uma família para a outra. É uma puta habilidade narrativa. É prazeroso acompanhar esse movimento pq nos mostra que tudo, absolutamente tudo, é uma questão de ponto de vista. Gostei também da maneira como os personagens que já conhecíamos foram sendo inseridos dentro de um contexto novo. Parecia outra série. Outra coisa. Mas, de repente, não mais que de repente, estavam lá nossos personagens tão queridos. E quando entra aquele pianinho melancólico que conhecemos tão bem cheguei a ficar arrepiado com a capacidade criativa de todos os envolvidos na execução dessa obra. Emocionante!
Sim. Como é maravilhoso o sentimento de "não entender". É libertador. Procurar não entender é justamente aquilo que os personagens da série menos conseguem. Também pudera, a premissa é bastante misteriosa e cruel. Um belo dia (14 de outubro), sem mais nem menos (será?) 2% da população mundial desaparece. O prólogo é simplesmente genial. Não há perda de tempo com explicações ou teorias. É assim. Aconteceu e pronto. Passam-se três anos e os personagens que perderam entes queridos não conseguem esquecer o ocorrido. Há um peso no olhar e nas costas desses personagens. Uma espécie de mal estar palpável paira em todos os lugares. Impossível não lembrar da tragédia de 11 de setembro e de tudo que se sucedeu após a queda das Torres Gêmeas. Mas a série vai além. Misturando religião (alguns acreditam na ideia de arrebatamento bíblico), ciência e psicanálise. O que aconteceu? Quem são essas pessoas que desapareceram? E sobretudo, por quais motivos? Mas o que mais me interessou é que o foco aqui, está mais na concretude da solidão e desamparo dos personagens que ficaram do que numa trama de suspense bobo. Interessa aqui os deixados pra trás. Interessa aqui a culpa e a melancolia de não se entender direito o que se sente, o que aconteceu. E é aqui que entram os Remanescentes Culpados, um grupo que se veste de branco, só se comunica através de papel e caneta e fuma muito. Eles são os responsáveis por não deixar que os sumidos sejam esquecidos. Suas armas, apenas a presença física e o silêncio. A perturbação acontece dentro, na cabeça e não fora. Pra mim, (e novamente pode ser que eu esteja errado, visto que ainda vi só um episódio) tudo é apenas uma metáfora. Daí que a série é menos sobre o sobrenatural e mais sobre o desamparo humano diante da violência de uma perda. Seja ela materializada na morte física, ou na ausência de uma pessoa que antes fizera parte de nossas vidas e agora sumiu... Sim. É muito triste. E muito dolorido. E a gente tem que se seguir em frente... Enfim... gostei muitíssimo.
Sim. Ecos de "Clube de Luta". Uma boa pitada de "V de Vingança" do Alan Moore. Mas "Mr. Robot" é uma obra originalíssima. É impressionante a qualidade destes dez episódios da primeira temporada. Mas não vou ficar aqui chovendo no molhado, elogiando o roteiro, fotografia, trilha sonora, elenco etc. É tudo muito bom e ponto. O mais interessante da série é discutir esse ato de implosão do sistema pelo próprio sistema. E o quem depois? O que poderá emergir da falência do modus operandis de toda uma civilização? Elliot é um dos personagens mais complexos que já vi. Uma espécie de Hamlet hiper-contemporâneo, não mais inserido no drama da alienação, mas no exato instante do êxtase da comunicação. Não só Elliot, mas todos os outros jovens personagens. É tudo sobre identidade. Sobre tornar-se aquilo que se é numa forma degradada de realidade onde a única opção até agora sempre foi simular algo que nunca existiu de verdade. Elliot, Terrry, Angela e Darlene são obrigados a existir em meio a fantasmagoria de um passado que não apenas os define, como os impossibilita (e ao mesmo tempo os impele) de ir além. Encarar esse passado de frente é o que resta. Por isso, essa primeira temporada ainda me pareceu um grande prólogo do que virá a seguir. Sim. Porque a catástrofe ainda não aconteceu (se é que irá acontecer). Foi Baudrillard que afirmou que a causa produz o efeito e que elas nunca poderiam levar outra senão a crise. Por isso, e não só por isso, aquela cena após os créditos é tão genial. "O que sempre fascinou os homens, foi o duplo milagres do aparecimento e do desaparecimento das coisas." Baudrillard estava certíssimo. E a ironia das ironias é estar tocando a música que supostamente a banda tocou antes do Titanic afundar. É tudo sobre isso, afinal... a citação sobre a queda da Roma antiga corrobora ainda mais essa impressão. É tudo sobre aparecer e desaparecer. É daí que vem a vontade ambígua de Elliot de ao mesmo tempo salvar o mundo e querer ficar sozinho. Ansioso para a segunda temporada.
Sim. Ecos de "Clube de Luta". Uma boa pitada de "V de Vingança" do Alan Moore. Mas "Mr. Robot" é uma obra originalíssima. Fiquei impressionado com a qualidade desses dez episódios da primeira temporada. Mas não vou ficar aqui chovendo no molhado, elogiando o roteiro, fotografia, trilha sonora, elenco etc. É tudo muito bom e ponto. O mais interessante da série é discutir esse ato de implosão do sistema pelo próprio sistema. E o quem depois? O que poderá emergir da falência do modus operandis de toda uma civilização? Elliot é um dos personagens mais complexos que já vi. Uma espécie de Hamlet hiper-contemporâneo, não mais inserido no drama da alienação, mas no exato instante do êxtase da comunicação. Não só Elliot, mas todos os outros jovens personagens. É tudo sobre identidade. Sobre tornar-se aquilo que se é numa forma degradada de realidade onde a única opção até agora sempre foi simular algo que nunca existiu de verdade. Elliot, Terrry, Angela e Darlene são obrigados a existir em meio a fantasmagoria de um passado que não apenas os define, como os impossibilita (e ao mesmo tempo os impele) de ir além. Encarar esse passado de frente é o que resta. Por isso, essa primeira temporada ainda me pareceu um grande prólogo do que virá a seguir. Sim. Porque a catástrofe ainda não aconteceu (se é que irá acontecer). Foi Baudrillard que afirmou que a causa produz o efeito e que elas nunca poderiam levar outra senão a crise. Por isso, e não só por isso, aquela cena após os créditos é tão genial. "O que sempre fascinou os homens, foi o duplo milagre do aparecimento e do desaparecimento das coisas." Baudrillard estava certíssimo. E a ironia das ironias é estar tocando a música que supostamente a banda tocou antes do Titanic afundar. É tudo sobre isso, afinal... a citação sobre a queda da Roma antiga corrobora ainda mais essa impressão. É tudo sobre aparecer e desaparecer. É daí que vem a vontade ambígua de Elliot de ao mesmo tempo salvar o mundo e querer ficar sozinho. Ansioso para a segunda temporada.
É impossível assistir a série "UnReal" sem pensar em todos os realities shows que você já assistiu na vida. Retratando uma emissora de tv decadente e os bastidores de um programa de reality em que um homem busca pretendentes entre várias mulheres, a série é um prato cheio para quem gosta de um bom drama e a mistura entre realidade e ficção. Temos a diretora impiedosa que busca apenas material para edição, mas que é apaixonada por um cara que parece não estar muito ai pra ela. Os produtores responsáveis por manipular e criar situações e personagens. A psicóloga que fica o dia inteiro disponível e fornecendo dicas de possíveis traumas para que os produtores tenham melhores resultados. Temos o "príncipe" bonitão que só aceita participar do programa para ganhar 15 minutinhos de fama e sair da dependência paterna. Temos as candidatas ao coração do moçoilo, cada uma com uma características especial. Tem a bulímica. A negra barraqueira. A interiorana. A virginal. A vilã. Etc. Etc. Etc. A protagonista é Rachel. Aquela que é considerada a melhor produtora do programa. Mas que teve um surto na temporada passada e agora está de volta. Quem é ela? Personagem complexa e contraditória. Assim como todos do programa. Não há santinhos. Nem vilões. Eles são produzidos conforme a vontade da audiência. Rachel tem um talento especial (ou uma doença?) consegue manipular os participantes do programa para aquilo que seja mais rentável para o programa. Apesar disso é também a mais vulnerável. Assim como todos ali. Não há julgamento rápidos. A série vai se construindo num crescendo interessantíssimo. É um jogo. Tudo e todos são manipuláveis. O tempo todo. Estou no terceiro episódio e quero assistir o restante o mais rápido possível.
ESSE OUTRO TEXTO ESCREVI NO FINAL DA TEMPORADA:
"UnReal" é uma série assustadoramente contemporânea. Diz muito sobre o estado das coisas em nossa sociedade. É tudo sobre a simulação, mas também tudo sobre a verdade. Numa dicotomia absurda. Todos mentem para todos. E todos parecem acreditar em suas próprias mentiras. Provocando uma rede de relações e intrigas mutável a cada nova cena, a cada novo lance, a cada novo episódio. Mas o mais incrível de tudo, é que algo nessa podridão parece se revelar. O quê? Era essa pergunta que me fazia assistir com entusiasmo cada novo capítulo. Ao final da temporada acredito ter encontrado uma resposta. Talvez não haja verdade, nem mentira. Apenas necessidade. Desejo. E tudo absolutamente moldado pela ocasião, pela cultura, pela sociedade. Vivenciamos a era da sociedade espetacularizada. Com a grande diferença que talvez não precisemos mais tanto assim das mídias consideradas fundamentais para o estrelato. Hoje cada um de nós virou seu próprio empresário. Nos vendemos o tempo todo. Vendemos uma imagem. E é ela que mais nos diz sobre nosso fracassos e anseios. Todos os personagens em "UnReal" apesar de conscientes do fingimento anseiam algo que ali é vendido: o amor verdadeiro. Aquele show de realidade vende o príncipe encantado, vende desejo, amor, sexo, proteção. Mas é um simulacro do nosso tempo. Todos disponíveis o tempo todo. Para o quê? Tudo já está entregue desde o começo. Não há nada disso. Pelo menos não ali. E ai que nos enganamos. Porque debaixo de toda aquele encenação os personagens que comandam o show (direção, produtores e câmeras) parecem chafurdar nessas emoções. Muito mais que o príncipe indeciso ou meninas que fazem de tudo pela atenção dele, são os donos do show que mais parecem sofrer com a ausência da possibilidade do amor. E o mais fantástico de tudo é que a gente se pega torcendo por um ou por outro. Num desejo tão ou mais infantil que o deles. Nós também queremos o conto de fadas, a mentira, a simulação. Talvez Baudrillard esteja mesmo certo e só nós reste isso. Simular. Simular.
"O que nos preocupa, o que nos atormenta é essa antecipação de todos os resultados, a disponibilidade de todos os signos, de todas as formas, de todos os desejos. Que fazer então? Isso é o estado de simulação, aquele em que só podemos repetir todas as cenas porque elas já aconteceram — real ou virtualmente. É o estado da utopia realizada, de todas as utopias realizadas, em que é preciso paradoxalmente continuar a viver como se elas não o estivessem. Mas, já que o estão e já que não podemos ter a esperança de realizá-las, só nos resta hiper-realizá-las numa simulação indefinida. Vivemos na reprodução indefinida de ideais, de fantasmas, de imagens, de sonhos que doravante ficaram para trás e que, no entanto, devemos reproduzir numa espécie de indiferença fatal."
Transparent (1ª Temporada)
4.4 121 Assista Agora"Somos apenas um monte de corpos..."
Estou profundamente tocado por tudo que vi e ouvi. Essa série é uma montanha-russa de sensações. É ousada. Não tem medo de tocar em temas polêmicos, mas sempre o fazendo de maneira sensível. Impossível não amar Maura. Impossível não sofrer com sua transição. Impossível não torcer e se divertir com ela. Mas "Transparent" é mais que uma série sobre um homem que assume sua transexualidade tardiamente. Esse até pode ser o mote principal, mas é muito mais. Retrata com rara precisão essa fluidez sexual tão contemporânea. Essa possibilidade absurdamente atual de se exercer nossa sexualidade de maneira plena, sem as amarras de outrora. Lógico que ainda é tudo muito confuso. Lógico que tudo ainda é extremamente complicado. Mas tudo é mostrado de maneira tão delicada que enternece até o coração do espectador mais durão. Quem somos nós longe de toda essa construção sociocultural que nos enfiaram goela abaixo desde sempre? Será possível algum dia nos encontrarmos conosco mesmo sem tanta dor, sem tanto sofrimento? Dai que "Transparent" é uma tentativa. Uma dolorosa e engraçada tentativa. E não vacila em explicitar nossos preconceitos e nossas pequenas vicissitudes. Será que chegará algum momento em que poderemos nos olhar com olhos verdadeiros humanos e romper com toda essa segregação?
O Caminho (1ª Temporada)
3.9 35“Às vezes, só a mentira salva.” Lá pelas tantas em “A Hora da Estrela”, Clarice Lispector solta essa frase que bem resume a vida humana na terra. Lembrei dessa frase de Clarice na maioria do tempo em que assisti “The Path”. A série do canal HuLu tem uma densidade psicológica assustadora a gente se pega preso naquele universo tão bem retratado pelos autores, diretores e elenco. Como humanos sentimos medo, pq a vida nos ultrapassa. Necessitamos de acreditar. Mas em quê? Qualquer coisa que nos justifique. Qualquer coisa que nos dê esperança de dias melhores, de uma vida melhor. É aqui que entra a ficção. É aqui que entra a crença. Isso nos “estabiliza”. Ao comprarmos essas histórias, ganhamos importância, tornamo-nos especiais, diferentes, queridos. Ganhamos um “futuro”. Ganhamos o Reino dos Céus. Mas como garantir que essa fé dure? Como manter todo um sistema ficcional de pé? É preciso mitos, divindades, mandamentos e um líder. E acima de tudo, é preciso inventar o oposto disso tudo. Somente a invenção do Inferno justificaria a existência de um Céu. É preciso que se tema a perda da fé. É preciso que se tema tudo. Só aquele que tem medo pode acreditar em qualquer coisa. E é aqui que entra os ambiciosos. É aqui que entra a miséria humana. “The Path” é uma série assustadora por mostrar o humano diante da possibilidade da inexistência daquilo que sempre se acreditou. Como abrir mão disso tudo? O que colocar no lugar? Não é muito mais fácil viver uma vida onde a responsabilidade pelas tristezas e alegrias é sempre do outro. Nunca nossa. É tentador, não é? Daí que “The Path” esmiúça as conseqüências de se escolher algo, de se tornar maduro, adulto e responsável pelo seu próprio destino. É um “Mito da Caverna” contemporâneo. Recomendo!
Utopia (1ª Temporada)
4.4 113“Tem um futuro chegando onde milhões de pessoas nascerão na pobreza e nós nos mataremos em uma guerra por água, comida, petróleo. Isso é o que está chegando, talvez ainda em nosso tempo. A Rede é o inimigo, mas e se o inimigo estiver certo?"
CARALHO! Que série é essa? "Utopia" é uma produção britânica de seis episódios que nos apresenta uma teoria da conspiração um tanto quanto complexa e ao mesmo tempo extremamente viciante. Misturando referências que vão desde "Fausto" de Goethe a "Alice no País das Maravilhas". Tudo muito sutil, bem construído e genial. O ponto de partida é a existência de uma Graphic Novel chamada "The Utopia Experiments" escrita por um cientista que foi considerado louco e internado num hospício. A primeira edição foi publicada e é venerada por fãs num fórum de internet. É lá que um homem posta que possui a segunda edição dessa história, que nunca foi publicada. Ele marca um encontro com alguns membros do grupo e.... a história começa.
A graphic novel é uma denúncia sobre o plano de extermínio de grande parte da população mundial. O plano, e não é qualquer plano (e não se preocupe que não revelarei aqui) envolve vários departamentos do governo e conta com a colaboração da esfera do conhecimento medicinal e científico. E é aqui que os interesses se colidem. Todos querem o manuscrito. E cada um possui sua própria motivação. E mesmo quando agem em grupos não é possível confiar em ninguém.
O roteiro é genial, trabalhado de maneira a não deixar nenhuma ponta solta e cheio de reviravoltas, que surpreendem e intrigam a cada capítulo, cada cena. A fotografia é uma capítulo a parte. É simplesmente deslumbrante. Acho que nunca vi tamanha beleza numa série. As cores e os ângulos de câmera remetem a estética das graphic novels. A trilha sonora é perfeita. Acompanhando e ironizando nos momentos-chave. O elenco é sensacional. Sendo impossível destacar um só desempenho.
Todo o desenvolvimento da série é extremamente violento. São várias mortes, torturas (física e psicológica) e tudo é mostrado explicitamente. Mas com total sentido dentro do enredo. O elenco conta com duas crianças que participam da história central e pelo que acabei lendo na internet, isso causou uma grande polêmica quando a série foi lançada em 2013.
O mais perturbador nem é isso. Mas, todos os questionamentos absurdamente atuais levantados pelo enredo. Sim. E a série nos coloca o tempo todo diante de uma questão: até onde se pode ir pelo se acredita? E aqui a série ganha contornos de "Crime e Castigo" de Dostoiévski (inclusive uma das crianças da série está fazendo um trabalho sobre o livro). Esse estado de angústia psicológica permeia quase todos os personagens. E é também o mesmo estado que ficamos ao assisti-los. Porque por mais que saibamos que aquilo é ficcional, ao mesmo tempo, algo em nós também diz que pode muito bem ser real. Todas as pistas estão aí. É só juntar as peças do quebra-cabeça!!!!!
Rectify (3ª Temporada)
4.5 30"Às vezes eu gostaria de caminhar até o portão da frente e pedir para eles deixarem que eu volte. De volta para minha caixa. Meu casulo. (...) Mas não hoje. Hoje, eu quero ir à praia. Quero sentir a areia nos dedos e olhar o céu infinito."
A trajetória de Daniel Holden nessas três temporadas de "Rectify" sempre foi a do homem em eterno conflito, consigo mesmo e com os outros. Mesmo em liberdade, sempre esteve preso na sua própria mente. Quase 20 anos presos, condenado a morte, apenas esperando, esperando, fizeram um tremendo estrago na cabeça do personagem. Nele e nos seus familiares. Não deve ser fácil conviver com a certeza de sua própria morte ou de alguém querido e de repente, tudo mudar. Se "Rectify" é uma série sobre crimes, culpas e castigos, sua maior beleza reside no perdão. Sobretudo, perdoar-se a si mesmo. Nessa terceira temporada há um desamparo ainda maior. Não há certezas. De nada. Tudo se mostra líquido demais. Casamentos, filhos, amores e também ódios, se mostram ineficientes quando olhados por outros e variados ângulos. Conhecer o passado de alguém, suas vivências e dores, pode revelar um modus operandis danoso, difícil de ser rompido na dura e difícil missão de se manter vivo dia após dia. Tanto a fragilidade quanto a força podem esconder traços emocionais que passam despercebidos na correria diária. Os silêncios, os espaços vazios são a personificação dos estados emocionais desses personagens. Todos perdidos. Dolorosamente perdidos. Solitários. Pois o humano é só. Mas é na tentativa do encontro com o outro que reside a beleza da existência. E nessa terceira temporada vemos Daniel e todos os outros personagens em movimento. Não qualquer movimento, mas em direção a si mesmos, ao encontro com a verdade sem as idealizações de outrora. Todos os personagens se confrontam consigo mesmos. E esse processo é muito doloroso, mas também belo. Não sei o que esperar dessa quarta temporada. Aliás, sei sim, mas tenho medo de estar idealizando as coisas. Tomara que não.
Rectify (2ª Temporada)
4.4 44Acabei de assistir a segunda temporada de "Rectify" e estou cada vez mais maravilhado com a profundidade dessa série. Cada diálogo, cada tomada, cada personagem propõem quase que um universo inteiro em si. A temporada dessa vez em 10 episódios e não mais 6 como a primeira propiciou uma abertura maior em relação ao que pensam/agem os demais personagens. Apesar de tudo ainda gravitar em torno de Daniel conhecemos outras camadas da personalidade de cada habitante daquela cidade. Um interessante componente abarca todos: A CULPA. Ou ausência de. E uma extremada necessidade de salvação. A relação Daniel e Tawney é a personificação máxima desse sentimento. Mas quem salva quem? Ambos parecem se salvar numa troca afetiva que até então desconheciam. O modo como a série encaminhou a amizade particular desses dois foi extremamente eficiente desembocando num belíssimo penúltimo episódio. É estranho. Mas torço por esses dois como se eles fossem meus velhos conhecidos. A química e o talento dos dois atores são dignos de reverência. Estou completamente apaixonado pelo trabalho da atriz Adelaide Clemens. Sua difícil personagem poderia cair num clichê bobo se fosse interpretado por outra atriz de talento inferior. Mas com ela no comando isso não acontece. Tawney é palpável, de carne e osso. E a trajetória da personagem nesses dez episódios é também de libertação assim como a primeira temporada foi sobre a libertação de Daniel. Aparentemente os dois estão libertos, mas há algo que os puxa para um passado triste. A impossibilidade da alegria sem a culpa (do que?) revela o caráter estoico dos personagens. Mas há algo maior, além, que perturba esses dois: a necessidade da beleza. Sim. A beleza salvará o mundo. A necessidade de acreditar que a vida pode e dever ser maior e melhor do que a angustiadamente vivida demonstra a inocência deles. O mais triste é que não há lugar para os inocentes no mundo. Talvez esse seja o maior crime que eles possam cometer. Ansioso para começar a terceira temporada.
Rectify (1ª Temporada)
4.3 83"- O que era real para você, Daniel?
- O tempo entre os segundos... e meus livros, e meu amigo. E agora que estou nesse mundo, onde tudo é marcado por horas ou datas, me sinto num estado de constante espera. Não tenho certeza do que estou esperando, e nem se é uma boa sensação. Mas no caso de uma inevitável chuva, ou de trovões, graças a você, Tawney, eu tenho certeza do que esperar, e estou ansioso por isso."
Acabei de assistir a primeira temporada de "Rectify" e só posso afirmar: QUE SÉRIE BELA! QUE SÉRIE DOLORIDA! E esse final, gente, como lidar? Já tô eu aqui querendo começar a segunda temporada imediatamente. Daniel é um dos personagens mais complexos que já vi. Ele não é uma coisa nem outra. Ele é fora, marginalizado, um pária. Alguém que busca desesperadamente uma (im)possível redenção. Todos o julgam, mesmo que a Justiça diga que ele não é culpado. Ele parece culpado. Ele passou 19 anos no corredor da morte condenado pelo estupro e assassinato de sua ex-namorada. Ela tinha 16 anos. Ele, 19 anos. Ele foi preso e condenado, mas novas provas o inocentam. 19 anos se passaram. O mundo mudou muito. A série é sobre isso. Sobre a jornada de liberdade desse personagem. Nada é fácil. A população não acredita em sua inocência, seus familiares não sabem como agir com ele, a imprensa o persegue e Daniel não se reconhece nesse novo mundo. O tom da série é minimalista e melancólico. E tudo se desenvolve de maneira bastante lenta. Pois o que acompanhamos é o olhar de Daniel, esse protagonista calado, introvertido e extremamente complexo. Dois outros personagem me chamaram a atenção nessa primeira temporada: Amantha, a irmã que lutou pela sua libertação e Tawney, a esposa de seu meio-irmão que Daniel nem sequer conhecia. Ambas representam a força das figuras femininas, cada uma a sua maneira. Amantha é esquentada e não leva desaforo pra casa. Tawney é aparentemente frágil, mas é a única que consegue desenvolver uma conexão real com Daniel. As cenas dos dois juntos são as melhores. E estou ansioso para ver como a segunda temporada irá retratar o relacionamentos deles. Como já disse, o final dessa primeira temporada é de cortar o coração.
Billions (1ª Temporada)
4.2 71 Assista AgoraO episódio piloto da série "Billions" mostra um duelo de titãs entre dois homens poderosos e egoícos vividos com brilhantismo por Damian Lewis e Paul Giamatti. É como um jogo de gato e rato moderno. Chuck Rhoades é um Procurador que se gaba de nunca ter sofrido uma derrota em toda sua carreira. Bobby Axelrod é um bilionário dono de uma empresa, reconhecido e adorado por seus gestos de caridade (doou uma fortuna aos bombeiros e custeia os estudos dos filhos dos amigos que morreram no atentado terrorista de 11/09, no qual foi um sobrevivente). Chuck recebe uma denúncia de que Axelrod pratica atos ilícitos em sua empresa, mas fica em dúvida se deve investigá-lo pq não quer sofrer uma possível derrota, já que o suposto corrupto é adorado pelo povo. Tudo muda de figura, quando Axelrod decide comprar uma casa de praia avaliada em mais de 60 milhões de dólares. O jogo começa e a maneira como tanto o roteiro e a direção enchaminham as coisas é muito impressionante. É um jogo de xadrez, muito minimalista e o mais curioso é o que está no subtexto; a velha cultura americana do vencedor e do perdedor fazendo os estragos característicos. O mais interessante é que as personalidades desses dois protagonistas são muito contraditórias e complexas. Nada é o que parece ser. E tudo se complica ainda mais quando descobrimos que a mulher de Chuck é uma espécie de braço direto de Axelrod. Wendy é a psicóloga motivacional da empresa e atende funcionários que não está rendendo tanto. Pra mim, até agora, ela é a personagem mais fascinante da trama, pq transita entre os dois protagonistas, além de ser uma espécie de dominatrix com o marido. Sim. O tal procurador é adepto de BDSM. E a série abre com uma cena ousada dessa prática sexual entre os dois. Além disso, outro fato interessante é que tanto Chuck Rhoades quanto Axelrod são adeptos da prática da meditação antes de reuniões importantes, e usam aplicativos em seus respectivos celulares para contar o tempo. A trilha sonora não acompanha o clima de disputa, o que é um alívio, tornando-se uma ruptura contemporânea ao já desgastado clima de séries ou filmes do gênero. Enfim, a série promete e eu quero acompanhar os próximos episódios.
The Affair: Infidelidade (2ª Temporada)
4.3 82 Assista AgoraDepois de me sentir um pouco orfão com o fim da segunda temporada da maravilhosa série "The Leftovers", comecei a ver a segunda temporada da igualmente maravilhosa "The Affair". Incrível a capacidade desses roteiristas de melhorar o que já era bom. "The Affair" sempre se caracterizou como uma série sobre o desejo, suas possibilidades e consequências. E aqui nessa segunda temporada isso se amplia já que agora foram incorporadas outras duas versões, além de Alison e Noah temos também Cole e Hellen. O mais assustador é ver como a série capta o essencial de cada personalidade e nos coloca em pleno olho do furação. Não há onde se segurar. Toda versão é apenas isso; uma versão. Incrível o trabalho de todo o elenco principal, concebendo não apenas um, mas quatro possibilidades de personagem. Ruth Wilson,que ganhou o Globo de Ouro desse ano por esse papel, constrói essas várias facetas de uma mesma Alison de uma maneira excepcional. Impossível não se emocionar com sua performance minimalista e dolorida. É o grande destaque da série, assim como o roteiro que brinca o tempo com a paralaxe.
The Leftovers (2ª Temporada)
4.5 422 Assista AgoraTEM SPOILER, SE NÃO VIU O ÚLTIMO EPISÓDIO, NÃO LEIA!
É tudo sobre o amor. Sobre a capacidade humana de seguir. Mesmo não sabendo nada de nada. Somos uns perdidos. Jogados ao léu. Obrigados a existir em meio a tantas coisas. É tudo sobre a verdade. Não como conceito. Mas como prática. Somos ensinados a mentir. Suportar. Esconder nossas dores e fracassos. Mentir que está tudo bem mesmo quando não está. É preciso fazer um movimento hercúleo em direção a si mesmo. É preciso saber que se há um mal, ele se esconde na negação de si mesmo e do outro. Duas famílias. Uma aparente perfeita. A outra, em frangalhos, toda desunida. A primeira varreu toda a mentira para debaixo do tapete numa simulação de amor. Ao contrário da outra, que ao longo dos episódios foi aprendendo a colocar luz sobre seus fantasmas e conseqüências. Uma família totalmente disfuncional. Unida não pelo laço sanguíneo, mas sobretudo pelo afeto. A jornada dos Garvey's (e agregados) é sobre o milagre diário do amor. Já os Murphy's são o mundo inteiro.
Meg é o princípio de realidade num mundo todo ele falso. Meg numa jogada de mestre mostra o quanto somos reféns da mentira e da manipulação. O quanto somos presas fáceis. Meg como afirmei numa crítica anterior é uma espécie de Jesus Cristo hiper – contemporâneo:
"Não penseis que vim trazer paz a Terra; não vim trazer-lhe paz, mas espada; porque vim separar o homem contra seu pai, e a filha contra sua mãe, e a nora contra sua sogra; e os inimigos do homem serão os seus mesmos domésticos." (Mateus, X: 34-36).
“porque de hoje em diante haverá, numa mesma casa, cinco pessoas divididas, três contra duas e duas contra três. Estarão divididas: o pai contra o filho, e o filho contra seu pai; a mãe contra a filha, e a filha contra a mãe; a sogra contra sua nora, e a nora contra sua sogra." (Lucas, XII: 51-53)
Ela assim como Jesus tem a missão de separar para juntar. Sim, no final das contas, a família é tudo. Mas qual família? A de sangue ou aquela que nasce do amor? Meg é o remédio, mas como todo remédio tem seus efeitos colaterais. Daí que toda a história dos Remanescentes Culpados é genial. Não há a possibilidade de paz sem o luto. Era preciso senti-lo. Era preciso fazer silêncio. Mas Meg foi além. Revolucionou tudo ao expor simulação de Miracle. Não havia milagre nenhum ali. As perdas nunca são só físicas. Existe um certo Messianismo em Meg. Sua mensagem é dúbia, mas nesse último episódio ficou absolutamente clara. Não sei exatamente porque mas me peguei pensando na história daquelas duas mulheres que foram até o Rei Salomão disputando a maternidade de um bebê. O Rei deu a solução: Cortem a criança ao meio e cada uma delas ficaria com uma metade da criança. Mas vejam bem, a solução do impasse não estava ai. Mas em outro lugar. Estaria com aquela que aceitasse abrir mão da sua razão para poupar a vida do bebê. Essa era a verdadeira mãe. É isso. A verdadeira sabedoria nunca é certinha. Nunca é 2 + 2 = 4. Não. Meg sempre foi aquela que deu mais trabalho para aceitar as coisas nos Remanescentes Culpados. Sempre foi a mais zombeteira. E sua liderança depois que Patti morreu foi algo bastante natural. Mas o que Meg queria no final das contas? Queria separar para só então juntar. Mas Meg é também a serpente. Seu veneno é o autoconhecimento.
A vida é uma aprendizagem. Sim. Lembrei de Clarice Lispector no livro “Uma Aprendizagem ou O Livro dos Prazeres”:
”De Ulisses ela aprendera a ter coragem de ter fé – muita coragem, fé em quê? Na própria fé, que a fé pode ser um grande susto, pode significar cair no abismo, Lóri tinha medo de cair no abismo e segurava-se numa das mãos de Ulissses enquanto a outra mão de Ulisses empurrava-a para o abismo - em breve ela teria que soltar a mão menos forte do que a que a empurrava, e cair, a vida não é de se brincar porque em pleno dia se morre. A mais premente necessidade de um ser humano era tornar-se um ser Humano.”
Não seria essa a trajetória de Kevin? E de todos os outros. E de nós todos?
" - Eu quero a vida. Quero esses sobressaltos e trevas, eu quero a vida."
{ "O Museu do Romance da Eterna" - Macedonio Fernández, pág 209 }
The Leftovers (2ª Temporada)
4.5 422 Assista AgoraAcredito que cada vez mais "The Leftovers" vem seguindo um caminho bastante coerente. Esse 9° episódio da 2° segunda temporada realçou o caráter realista (pra mim) e pessimista (para muitos): Não há explicação. Precisamos falar sobre Meg. Quem é ela? Antes de mais nada, ela é a mulher a quem a experiência do luto foi negada. Sua mãe morreu na véspera do sumiço de milhares de pessoas. Seu luto foi considerado algo menor, foi invalidado. A dúvida sobre o paradeiro daqueles que sumiram seria mais dolorido que a concretude da morte de alguém? Não seria a mesma coisa? Afinal, qual a diferença? O que sabemos realmente a respeito do destino dos nossos mortos? As explicações são inúmeras. As religiões estão ai para isso. Para responder aquilo que é impossível de ser respondido pela compreensão humana. "The Leftovers" sempre se destacou por sua jornada extremamente sensível no que diz respeito à sensação desestabilizadora diante da perda. Não a aceitamos. Não fomos preparados para ela. E muito menos somos preparados para aceitar o mistério. Queremos respostas. Daí que viramos presas fáceis de toda sorte de charlatões. Por isso precisamos de Meg. Por isso esperamos por Meg. Ela é resposta. A única possível. Ela é o princípio de realidade num mundo todo ele falso. Qual a resposta de Meg? Ela é o lembrete vivo da iminência da morte para todos. Mas além disso, ela quer deter a responsabilidade sobre o acontecimento. Ela quer ser a terrorista. A culpada. Sim. Uma espécie contemporânea de Jesus Cristo. Talvez somente isso responda à histeria de respostas daqueles personagens todos.
Esse trecho abaixo do Jean Baudrillard, sociólogo francês, é a materialização do que acontece com os personagens da série e também com o desespero por respostas dos seus telespectadores.
“Todos nós somos reféns. Atualmente todos nós servimos de argumento de uma dissuasão. Reféns objetivos: respondemos coletivamente por alguma coisa, mas o quê? Uma espécie de predestinação falsa, cuja manipulação não conseguimos mais descobrir, mas sabemos que a balança de nossa morte não está mais em nossas mãos, e que de agora em diante estamos num estado de suspense e de exceção permanente, cujo símbolo é o nuclear. Reféns objetivos de uma divindade aterradora, não sabemos mais nem mesmo de que acontecimento, de que acidente, dependerá a última manipulação.”
“The Leftovers” pra mim é sobre isso. Seríamos todos reféns e terroristas. Manipulamos e somos manipulados através de sentimentos, desejos, sofrimento e morte. O que nos resta? Recorro novamente ao Baudrillard. Estamos num estado de exibição pura e simples. Onde desaparecemos antes de estarmos mortos. Congelados num estado de desaparecimento.
Ansioso pela season finale!!!
Black Mirror (2ª Temporada)
4.4 753 Assista Agora"Não somos nem espectadores nem atores, mas voyeurs sem ilusão."
Mais uma vez recorro a Baudrillard para descrever minha experiência diante de um episódio de "Black Mirror". Sim. "Urso Branco" é simplesmente genial. A pura tradução desse estado de hiper-realidade, dessa produção incessante de imagens numa sociedade totalmente letárgica. Onde a suposta culpa é entretenimento para muitos e fonte de renda para alguns poucos.
Mas vamos a história: Uma mulher aparentemente sem memória é perseguida por um homem mascarado. As pessoas nas ruas vêem a perseguição, mas nada fazem. Apenas filmam com seus celulares ultra-potentes. Nessa fuga, ela encontra dois outros jovens, que ao que parece também estão sendo perseguidos. Eles além de ajudarem na fuga da mulher, também lhe explicam o que ocorreu; a humanidade teria sofrido uma espécie de lavagem cerebral através da televisão. Algo como nove entre dez pessoas foram afetadas e quem não foi afetado é perseguido por uma parcela cruel da população, enquanto os outros apenas filmam. Nessa nova sociedade como não existe lugar para a culpa, esses tipos mais cruéis podem exercer sua crueldade sem qualquer tipo de julgamento. O caos reina e todos apaticamente gravam as imagens do horror em suas câmeras de celular. Ainda segundo a explicação desses fugitivos que a garota encontrou só existiria uma saída; Destruir o centro de transmissão responsável pelo controle mental da população, o tal "Urso Branco".
O episódio que já estava genial, ganha uma virada inimaginável que faz com que tudo fique ainda mais phoda. Não vou falar sobre a reviravolta, porque não quero estragar a experiência de quem ainda não assistiu. Mas que a coisa toda é uma homenagem e atualização do "Mito de Sísifo" do Albert Camus, isso eu preciso falar. Estaríamos todos nós já vivendo não mais o inferno dos outros (como escreveu Sartre), mas o Inferno do Mesmo, da repetição?
Geração Teletubbies, que não se contenta apenas com a cena, mas com sua repetição. "De novo, de novo, de novo". Sendo capazes apenas de ver aquilo que já foi visto por outros. Sendo capazes apenas de ver atráves das lentes e telas. Perdendo todo nosso potencial criativo e humano nessa amnésia de imagens.
Geração de "Grandes Irmãos" como na distopia imaginada por Orwell e transmutada em reality show. Espécie contemporânea de exorcismo diário.
Triste!
Mas a genialidade dos responsáveis pela criação de "Urso Branco" é a de mostrar o estado das coisas em nossa atualidade. E posso falar, sem o risco de errar. Estamos diante de uma obra-prima.
Black Mirror (1ª Temporada)
4.4 1,3K Assista AgoraAcabei de ver o 2° episódio da 1° temporada de "Black Mirror" intitulado "15 milhões de méritos" e posso afirmar sem medo de cometer um engano:
Atualmente o que melhor se produz em dramaturgia está nas séries. É incrível o que esses autores contemporâneos estão fazendo. Este episódio é assustador, sobretudo, pq é uma hipérbole dos nossos dias. É um olhar cínico sobre a possibilidade de um futuro desenhado pela agonia do presente. Está tudo lá. O desespero pelo corpo perfeito (personificado brilhantemente pela bicicleta ergométrica que os humanos tem que andar todos os dias enquanto assistem programas numa tela na sua frente. As pedaladas geram pontos, esses pontos geram energia responsáveis por manter as luzes acesas do grande show), a corrida pela fama, o escárnio e rejeição de quem não consegue ser famoso ou magro, a revolução cibernética que faz parte de todos os aspectos da vida, desde atos simples como levantar, escovar os dentes, se alimentar ou ter prazer sexual, tudo é mediado por telas e aplicativos. Não há lugar para a realidade. Ela foi extinta. No seu lugar, temos telas, telas, telas e mais telas. Transformando todos numa espécie bizarra de avatar de si mesmo. Não há espaço para o pensamento crítico, pois o que interessa aqui é consumir e alcançar a fama. É assustador. Tenho que repetir. Até mesmo o amor e o lampejo da inocência foram transformados em mercadoria, em show. Já não é mais nem "me olhem, eu existo", mas "me consumam, eu não existo mais." Não há saída possível. Até mesmo a revolta é necessária como uma pílula semanal. A rebeldia também faz parte do show. O consumo compra tudo e todos. Essa é sua sedução. E todos querem ser seduzidos. O objeto de consumo se confunde com o desejo, aprisionando o indivíduo de forma que já não é mais possível estabelecer uma um ponto de vista crítico sobre algo. O mau gosto reina. Tudo o que resta é compartilhar desse objeto/desejo com todos os outros na mesma situação. Vou ter que repertir pela terceira vez; É ASSUSTADOR.
The Leftovers (2ª Temporada)
4.5 422 Assista Agora“Primeiro saiba quem você é, depois vista-se de acordo”.
GENIAL! Qual outro palavra é possível para descrever a série "The Leftovers" e sobretudo, essa segunda temporada e no caso específico desse oitavo episódio que acabei de assistir? Não. Existiriam muitas palavras. O que Damon Lindelof faz aqui é uma obra de arte daquelas que geram estados de espírito absolutamente novos. Sim. E toda grande obra é espiritual. E sim, a espiritualidade é um estado de espírito. E é exatamente isso que acompanhamos nesse oitavo episódio. Toda a jornada humana num mundo totalmente amendrontado, perdido, carente, em busca de alguma possível resposta, de uma quase impossível redenção. A mais pura representação de um estado mental contemporâneo. É um episódio belíssimo. Dolorido. Profundo. Não somos somente aquilo que pensamos ser. Somos, sobretudo, como nos enxergamos. Somos nossas emoções, sentimentos, pensamentos. Somos moldados por essas experiências de afeto e pela lembranças dessas experiências. (Não é a toa que a infância é definitiva para os estudos de toda a psicanálise. Estaria tudo lá? Ou elas seriam forjadas pelo social?) Essas experiências também podem se transformar em fantasmas, fazendo com que busquemos repeti-las para encontrar alguma espécie de conforto ou um lugar no mundo que seja nosso. Daí, que "The Leftovers" nos fala desde o seu primeiro episódio sobre a experiência do abandono, daquilo que não tem explicação, sobre afeto e culpa. Kevin e Patty tão diferentes e tão próximos. Somos todos assim. Humanos e Singulares. Será da capacidade de ouvir o outro que brotará a redenção desses dois. Sabemos a verdade, mas a mascaramos. Esse é o nosso aprendizado. Minta. Mascare. Finja. Nunca diga a verdade. Não demonstre afeto. Você irá sofrer. Somos criancinhas assustadas num mundo todo feito contra nós. E nós criamos esse mundo. E não nos damos conta disso. Encalacramo-nos a nós próprios nesse mundo. Nesse estado mental. É preciso tomar consciência disso. É preciso mergulhar nesse poço. É preciso falar. Reconhecer nossa falibilidade. Só assim podemos nos livrar dessa fantasmagoria. O que Damon Lindelof faz é esquizoanálise pura. Ele nos mostra como a vida na terra está entorpecida, como estamos apegados a uma suposta identidade que é fraudada pelo social, como temos medo e como isso nos faz buscar constantemente conforto e respostas. Estamos sempre preocupados em interpretar as coisas, pessoas e nos esquecemos de sentir. E ali, naquele poço, que é toda a vida humana até aqui, Kevin verdadeiramente ouve Patty, e Patty fala, pela primeira vez ela se enxerga como verdadeiramente é. E de alguma forma, eles se conectam, se libertam. E é aqui que Damon Lindelof prova sua genialidade. Diferentemente de seus personagens que buscam respostas nas várias ideologias, crenças, partidos, relacionamentos, ele não nos oferece nada disso. Mas uma outra coisa, a mais poderosa de todas: a invenção. INVENTE-SE A SI MESMO!!!!
Black Mirror (1ª Temporada)
4.4 1,3K Assista Agora"O poder simbólico é sempre superior ao das armas e do dinheiro."
Acabei de assistir ao 1° episódio da 1° temporada de "Black Mirror" e me peguei pensando muito no Jean Baudrillard, sociólogo francês, que escreveu essa frase que postei acima. O episódio nos fala sobre essa espécie de poder simbólico encarnado na humilhação de um primeiro ministro (e todo o país) diante do sequestro da Princesa e do surreal pedido de resgate: se quiserem que ela não seja morta, o primeiro ministro deverá fazer sexo com uma porca em transmissão aberta para todo o mundo. Num primeiro momento, eles pensam se tratar de uma brincadeira de mau gosto, mas o vídeo da garota amarrada lendo o seu pedido de resgate é postado no youtube e milhões de pessoas já acessaram seu conteúdo. As redes sociais e elas são citadas sem nenhum pudor (twitter, facebook) estão em polvorosa, as televisões alimentam com notícias e pesquisas de opinião do tipo "o primeiro ministro deve fazer ou não o que eles pedem?". Eles quem? Nenhum grupo terrorista assume a ação. A tensão só aumenta quando um novo vídeo é postada e um dedo da garota é enviado para um canal de televisão. As pesquisas de opinião pública que antes indicavam que o primeiro ministro não deveria aceitar o pedido mudam drasticamente, mais de 80% do público acredita que ele fazer sexo com a porca ao vivo e salvar a vida da Princesa. O mundo para diante da televisão. Todos ligados e conectados comentando tudo em tempo real. A genialidade da série reside nessa crítica de uma encenação absolutamente paródica do desaparecimento do real, onde nos tornamos telas, dispositivos simuladores (como afirmava Baudrillard). Sim. As redes sociais seriam as responsáveis por alimentar os indivíduos de informações inúteis onde "nem a massa tem opinião, nem a informação a informa: ambas continuam se alimentando monstruosamente - a velocidade de rotação da informação aumentando o peso das massas em vez de sua tomada de consciência." Baudrillard é um gênio e um visionário, pois escreveu isso na década de 90 e é de uma atualidade impressionante. A série só contemporiza esse mal estar de uma civilização já degradada e desiludida através de um roteiro brilhante e atuações excepcionais. Ao final, sobra crítica até para a arte contemporânea. E se tudo não passou de um happening????
The Leftovers (2ª Temporada)
4.5 422 Assista AgoraConfesso que fiquei puto quando vi que trocaram a abertura mais que perfeita na segunda temporada da série "The Leftovers", tanto que nem assisti ao episódio na semana passada. Mas hoje vi os dois primeiros episódios dessa nova temporada e tô de cara. Incrível a capacidade dos autores de criarem um trama tão intricada e ao mesmo tempo tão simples. É tudo sobre ausência. É tudo sobre a capacidade de seguir adiante. O prólogo dessa temporada remonta ao começo do universo e nos mostra que a história é feita de perdas. Que é assim, e sempre será assim. Até quando? Não se sabe. A cena se adequa com perfeição com o final da primeira temporada. O símbolo do bebê abandonado também se manifesta aqui. É o ciclo da vida. Incrível também como os criadores conseguem fazer dois episódios de um mesmo acontecimento, só mudando a perspectiva, de uma família para a outra. É uma puta habilidade narrativa. É prazeroso acompanhar esse movimento pq nos mostra que tudo, absolutamente tudo, é uma questão de ponto de vista. Gostei também da maneira como os personagens que já conhecíamos foram sendo inseridos dentro de um contexto novo. Parecia outra série. Outra coisa. Mas, de repente, não mais que de repente, estavam lá nossos personagens tão queridos. E quando entra aquele pianinho melancólico que conhecemos tão bem cheguei a ficar arrepiado com a capacidade criativa de todos os envolvidos na execução dessa obra. Emocionante!
The Leftovers (1ª Temporada)
4.2 583 Assista AgoraSim. Como é maravilhoso o sentimento de "não entender". É libertador. Procurar não entender é justamente aquilo que os personagens da série menos conseguem. Também pudera, a premissa é bastante misteriosa e cruel. Um belo dia (14 de outubro), sem mais nem menos (será?) 2% da população mundial desaparece. O prólogo é simplesmente genial. Não há perda de tempo com explicações ou teorias. É assim. Aconteceu e pronto. Passam-se três anos e os personagens que perderam entes queridos não conseguem esquecer o ocorrido. Há um peso no olhar e nas costas desses personagens. Uma espécie de mal estar palpável paira em todos os lugares. Impossível não lembrar da tragédia de 11 de setembro e de tudo que se sucedeu após a queda das Torres Gêmeas. Mas a série vai além. Misturando religião (alguns acreditam na ideia de arrebatamento bíblico), ciência e psicanálise. O que aconteceu? Quem são essas pessoas que desapareceram? E sobretudo, por quais motivos? Mas o que mais me interessou é que o foco aqui, está mais na concretude da solidão e desamparo dos personagens que ficaram do que numa trama de suspense bobo. Interessa aqui os deixados pra trás. Interessa aqui a culpa e a melancolia de não se entender direito o que se sente, o que aconteceu. E é aqui que entram os Remanescentes Culpados, um grupo que se veste de branco, só se comunica através de papel e caneta e fuma muito. Eles são os responsáveis por não deixar que os sumidos sejam esquecidos. Suas armas, apenas a presença física e o silêncio. A perturbação acontece dentro, na cabeça e não fora. Pra mim, (e novamente pode ser que eu esteja errado, visto que ainda vi só um episódio) tudo é apenas uma metáfora. Daí que a série é menos sobre o sobrenatural e mais sobre o desamparo humano diante da violência de uma perda. Seja ela materializada na morte física, ou na ausência de uma pessoa que antes fizera parte de nossas vidas e agora sumiu... Sim. É muito triste. E muito dolorido. E a gente tem que se seguir em frente... Enfim... gostei muitíssimo.
Mr. Robot (1ª Temporada)
4.5 1,0KSim. Ecos de "Clube de Luta". Uma boa pitada de "V de Vingança" do Alan Moore. Mas "Mr. Robot" é uma obra originalíssima. É impressionante a qualidade destes dez episódios da primeira temporada. Mas não vou ficar aqui chovendo no molhado, elogiando o roteiro, fotografia, trilha sonora, elenco etc. É tudo muito bom e ponto. O mais interessante da série é discutir esse ato de implosão do sistema pelo próprio sistema. E o quem depois? O que poderá emergir da falência do modus operandis de toda uma civilização? Elliot é um dos personagens mais complexos que já vi. Uma espécie de Hamlet hiper-contemporâneo, não mais inserido no drama da alienação, mas no exato instante do êxtase da comunicação. Não só Elliot, mas todos os outros jovens personagens. É tudo sobre identidade. Sobre tornar-se aquilo que se é numa forma degradada de realidade onde a única opção até agora sempre foi simular algo que nunca existiu de verdade. Elliot, Terrry, Angela e Darlene são obrigados a existir em meio a fantasmagoria de um passado que não apenas os define, como os impossibilita (e ao mesmo tempo os impele) de ir além. Encarar esse passado de frente é o que resta. Por isso, essa primeira temporada ainda me pareceu um grande prólogo do que virá a seguir. Sim. Porque a catástrofe ainda não aconteceu (se é que irá acontecer). Foi Baudrillard que afirmou que a causa produz o efeito e que elas nunca poderiam levar outra senão a crise. Por isso, e não só por isso, aquela cena após os créditos é tão genial. "O que sempre fascinou os homens, foi o duplo milagres do aparecimento e do desaparecimento das coisas." Baudrillard estava certíssimo. E a ironia das ironias é estar tocando a música que supostamente a banda tocou antes do Titanic afundar. É tudo sobre isso, afinal... a citação sobre a queda da Roma antiga corrobora ainda mais essa impressão. É tudo sobre aparecer e desaparecer. É daí que vem a vontade ambígua de Elliot de ao mesmo tempo salvar o mundo e querer ficar sozinho. Ansioso para a segunda temporada.
Mr. Robot (1ª Temporada)
4.5 1,0KSim. Ecos de "Clube de Luta". Uma boa pitada de "V de Vingança" do Alan Moore. Mas "Mr. Robot" é uma obra originalíssima. Fiquei impressionado com a qualidade desses dez episódios da primeira temporada. Mas não vou ficar aqui chovendo no molhado, elogiando o roteiro, fotografia, trilha sonora, elenco etc. É tudo muito bom e ponto. O mais interessante da série é discutir esse ato de implosão do sistema pelo próprio sistema. E o quem depois? O que poderá emergir da falência do modus operandis de toda uma civilização? Elliot é um dos personagens mais complexos que já vi. Uma espécie de Hamlet hiper-contemporâneo, não mais inserido no drama da alienação, mas no exato instante do êxtase da comunicação. Não só Elliot, mas todos os outros jovens personagens. É tudo sobre identidade. Sobre tornar-se aquilo que se é numa forma degradada de realidade onde a única opção até agora sempre foi simular algo que nunca existiu de verdade. Elliot, Terrry, Angela e Darlene são obrigados a existir em meio a fantasmagoria de um passado que não apenas os define, como os impossibilita (e ao mesmo tempo os impele) de ir além. Encarar esse passado de frente é o que resta. Por isso, essa primeira temporada ainda me pareceu um grande prólogo do que virá a seguir. Sim. Porque a catástrofe ainda não aconteceu (se é que irá acontecer). Foi Baudrillard que afirmou que a causa produz o efeito e que elas nunca poderiam levar outra senão a crise. Por isso, e não só por isso, aquela cena após os créditos é tão genial. "O que sempre fascinou os homens, foi o duplo milagre do aparecimento e do desaparecimento das coisas." Baudrillard estava certíssimo. E a ironia das ironias é estar tocando a música que supostamente a banda tocou antes do Titanic afundar. É tudo sobre isso, afinal... a citação sobre a queda da Roma antiga corrobora ainda mais essa impressão. É tudo sobre aparecer e desaparecer. É daí que vem a vontade ambígua de Elliot de ao mesmo tempo salvar o mundo e querer ficar sozinho. Ansioso para a segunda temporada.
UnREAL - Nos Bastidores de um Reality (1ª Temporada)
4.2 59É impossível assistir a série "UnReal" sem pensar em todos os realities shows que você já assistiu na vida. Retratando uma emissora de tv decadente e os bastidores de um programa de reality em que um homem busca pretendentes entre várias mulheres, a série é um prato cheio para quem gosta de um bom drama e a mistura entre realidade e ficção. Temos a diretora impiedosa que busca apenas material para edição, mas que é apaixonada por um cara que parece não estar muito ai pra ela. Os produtores responsáveis por manipular e criar situações e personagens. A psicóloga que fica o dia inteiro disponível e fornecendo dicas de possíveis traumas para que os produtores tenham melhores resultados. Temos o "príncipe" bonitão que só aceita participar do programa para ganhar 15 minutinhos de fama e sair da dependência paterna. Temos as candidatas ao coração do moçoilo, cada uma com uma características especial. Tem a bulímica. A negra barraqueira. A interiorana. A virginal. A vilã. Etc. Etc. Etc. A protagonista é Rachel. Aquela que é considerada a melhor produtora do programa. Mas que teve um surto na temporada passada e agora está de volta. Quem é ela? Personagem complexa e contraditória. Assim como todos do programa. Não há santinhos. Nem vilões. Eles são produzidos conforme a vontade da audiência. Rachel tem um talento especial (ou uma doença?) consegue manipular os participantes do programa para aquilo que seja mais rentável para o programa. Apesar disso é também a mais vulnerável. Assim como todos ali. Não há julgamento rápidos. A série vai se construindo num crescendo interessantíssimo. É um jogo. Tudo e todos são manipuláveis. O tempo todo. Estou no terceiro episódio e quero assistir o restante o mais rápido possível.
ESSE OUTRO TEXTO ESCREVI NO FINAL DA TEMPORADA:
"UnReal" é uma série assustadoramente contemporânea. Diz muito sobre o estado das coisas em nossa sociedade. É tudo sobre a simulação, mas também tudo sobre a verdade. Numa dicotomia absurda. Todos mentem para todos. E todos parecem acreditar em suas próprias mentiras. Provocando uma rede de relações e intrigas mutável a cada nova cena, a cada novo lance, a cada novo episódio. Mas o mais incrível de tudo, é que algo nessa podridão parece se revelar. O quê? Era essa pergunta que me fazia assistir com entusiasmo cada novo capítulo. Ao final da temporada acredito ter encontrado uma resposta. Talvez não haja verdade, nem mentira. Apenas necessidade. Desejo. E tudo absolutamente moldado pela ocasião, pela cultura, pela sociedade. Vivenciamos a era da sociedade espetacularizada. Com a grande diferença que talvez não precisemos mais tanto assim das mídias consideradas fundamentais para o estrelato. Hoje cada um de nós virou seu próprio empresário. Nos vendemos o tempo todo. Vendemos uma imagem. E é ela que mais nos diz sobre nosso fracassos e anseios. Todos os personagens em "UnReal" apesar de conscientes do fingimento anseiam algo que ali é vendido: o amor verdadeiro. Aquele show de realidade vende o príncipe encantado, vende desejo, amor, sexo, proteção. Mas é um simulacro do nosso tempo. Todos disponíveis o tempo todo. Para o quê? Tudo já está entregue desde o começo. Não há nada disso. Pelo menos não ali. E ai que nos enganamos. Porque debaixo de toda aquele encenação os personagens que comandam o show (direção, produtores e câmeras) parecem chafurdar nessas emoções. Muito mais que o príncipe indeciso ou meninas que fazem de tudo pela atenção dele, são os donos do show que mais parecem sofrer com a ausência da possibilidade do amor. E o mais fantástico de tudo é que a gente se pega torcendo por um ou por outro. Num desejo tão ou mais infantil que o deles. Nós também queremos o conto de fadas, a mentira, a simulação. Talvez Baudrillard esteja mesmo certo e só nós reste isso. Simular. Simular.
"O que nos preocupa, o que nos atormenta é essa antecipação de todos os resultados, a disponibilidade de todos os signos, de todas as formas, de todos os desejos. Que fazer então? Isso é o estado de simulação, aquele em que só podemos repetir todas as cenas porque elas já aconteceram — real ou virtualmente. É o estado da utopia realizada, de todas as utopias realizadas, em que é preciso paradoxalmente continuar a viver como se elas não o estivessem. Mas, já que o estão e já que não podemos ter a esperança de realizá-las, só nos resta hiper-realizá-las numa simulação indefinida. Vivemos na reprodução indefinida de ideais, de fantasmas, de imagens, de sonhos que doravante ficaram para trás e que, no entanto, devemos reproduzir numa espécie de indiferença fatal."