SPOILER DETECTED!!! (Este será possivelmente o maior texto que você já viu no Filmow. Tenha fé... ops, não foi uma boa escolha de palavras :P)
É impressionante ver como os filmes (e agora as séries) da Marvel evoluem. É certo que filmes como Homem-Aranha (2002) e Homem de Ferro (2008) tenham sido revoluções na indústria cinematográfica do último século. No entanto, muitos dos heróis transpostos ao cinema tinham pouca coisa além de testosterona e cenas de ação empolgantes (incluindo Os Vingadores (2012) - ainda não tive a oportunidade de ver o segundo). Esta concepção foi mudando desde que a série Cavaleiro das Trevas (2005-2012) chegou aos cinemas, abrindo espaço para profundidade de temas e espaços. Independentemente da qualidade dos filmes da Marvel no decorrer desta última década, uma coisa é fato: ela soube aprender sobre os erros e otimizar os acertos. Se todo este processo não puder ser resumido em Guardiões da Galáxia (2014), ele com certeza poderá ser lapidado com Demolidor (2015). Enredo amarrado, (quase todas as) personagens muito bem desenvolvidas, cenas de ação estupendas e profundidade de temas.
Eu acredito que a primeira impressão que muitos terão com o decorrer dos episódios é a de que Matthew Murdock (Charlie Cox) não é o protagonista; e ao meu ver ele não é mesmo. Em diversos episódios temos tramas e subtramas contando ou passado (e aqui outro ponto forte: a edição é muito bem cadenciada, revelando informações somente quando necessário, de forma fluida e em transições certeiras), ou esquemas de outras personagens que deixam Matthew em segundo plano. Isso é muito interessante porque, primeiramente, nos faz nos importarmos com o futuro de cada personagem, assim como indica que a trama não é sobre Demolidor, mas sim sobre uma cidade, em que coisas humanas acontecem. A série não tenta endeusar ou monopolizar Demolidor, assim como por exemplo, Vingadores faz com o Homem de Ferro ou o Capitão América. Sabemos o necessário de Matthew, conhecendo o resto do meio, já que a história decorre das relações das personagens e não unicamente da personagem principal. E aqui a série acerta em cheio em trazer vários protagonistas e coadjuvantes tão marcantes como protagonistas: Karen Page (Deborah Ann Woll) e sua obstinação fervorosa, mas inocente, Foggy Nelson (Elden Henson) com seu companheirismo latente por reconhecimento, Ben Urich (Vondie Curtis-Hall) dividido entre a família e o dever com a cidade, ao mesmo tempo que vive sobre a glória do passado e a desilusão do presente, Vincent D'Onofrio (Wilson Fisk) e seu sanguinarismo e delicadeza, os diversos outros inimigos (James Wesley (Toby Leonard Moore), Leland Owlsley (Bob Gunton), Madame Gao (Wai Ching Ho), Nobu (Peter Shinkoda) e os irmãos Ranshakov (Gideon Emery e Nikolai Nikolaeff)). Cada um tem seu momento de brilho. Cada um tem algo diferente a acrescentar a história. E essa riqueza que transforma a série em algo muito mais vivo, mais humano: a complexidade da vida.
Nessa breve caracterização de personagens, acredito que algo tenha ficado bem claro: a dicotomia. Mas uma dicotomia muito maior que um simples bom e mal, uma dicotomia pessoal. Cada personagem sofre uma crise identitária, pautando-se no balanço (sabendo a profissão de Nelson e Murdock, é interessante perceber que todas as personagens passam por um juízo interno) para seguir adiante. O balanço é somente um dos temas constantes do filme. Temos a moral/ética, religião, imigração, corrupção. Mas vamos por partes...
BALANÇO Começando pelo óbvio de Matthew ser um advogado de manhã, e um justiceiro de noite, a série é movida pelo balanço das ações. A partir do momento em que uma personagem tenda a fazer algo muito desregrado do estável, ela acaba passando por uma crise, ou no pior dos casos, uma morte (Assim que Ben Urich decide tomar partido contra as ações de Fisk, sabendo que poderia consequentemente perder sua mulher, ele é assassinado. Logo após tentar decidir matar, Foggy descobre o disfarce de Matthew e os dois entram em uma crise. Quando Vladimir decide ir contra todo o esquema em que estava, ele acaba não só saindo derrotado, como perdendo toda sua força. As duas forças orientais da série tem análises muito interessantes quanto a este tema. Ao ver Nobu morto e todo o sistema de heroína ir aos ares, a Yakuza e Madame Gao, respectivamente, decidem sumir do mapa, encontrando o balanço das forças para que assim não sofra mais perdas. Mas é sem dúvida a figura de Fisk a mais interessante. Ao mesmo tempo em que ele comanda a maior gama de relações, Fisk se mostra um homem sensível emocionalmente, não conseguindo lidar bem com seu passado, ou mesmo com mulheres. Esta dicotomia juntamente com a de Matthew (seguir a lei ou ir contra ela. Matar ou salvar), fazem deles perfeitos antagonistas.
MORAL/ÉTICA É moral matar alguém mal pelo bem maior? Vamos mudar um pouco a pergunta: é moral eliminar alguns inconvenientes para um "better world"? O que eu quero dizer com isso é que a linha entre o bem e o mal é muito tênue (tema fortíssimo em The Dark Knight (2008)). Em nenhum momento sabemos o que esse melhor mundo de Fisk quer dizer, e o conhecendo como vimos, não podemos dizer ao certo se Fisk não queria influência e poder para agir futuramente de uma forma melhor (A Lista de Schindler (1993)). Fisk diz que não matou o pai pela mãe, mas por ele mesmo. A justificativa modela o que é ético? Os fins justificam o meio? Se for assim, não há porque o Demolidor não matar os malvados. Mas disso entramos num outro problema. O que é mal? Dependendo do ponto de vista, Fisk pode ser as duas coisas, se não Vanessa (Ayelet Zurer) não o seguiria (ela fica com Fisk, pois embora mal aos olhos da sociedade, ele foi o único homem que a tratou bem). As relações são muito mais complexas do que uma simples definição de quem é mal ou não. E são todas as perguntas que fazem Demolidor mais interessante. Pois se por um lado ele pode tomar todo o tempo do mundo em análises minuciosas dos fatos, de outro, uma fração de segundos pode custar uma vida. Julgar é algo muito mais complicado, e por vezes, egoísta do que possa parecer.
RELIGIÃO Se não bastasse a moral de Matthew ainda temos este outro fator complicante. A relação de nosso protagonista com a religião é de longa data, como a série nos mostra após o assassinato de seu pai. Uma informação a mais é que nos quadrinhos, a mãe (que provavelmente será citada nas próximas temporadas) os abandonou, tornando-se freira. Levando este histórico aos dias adultos, Matthew como Demolidor já travará embates entre seus atos e o que prega a religião. Na figura do padre Lantom (Peter McRobbie), personalizamos todas as suas reflexões, mostrando que embora durão, Matthew é tão sensível quanto Fisk (mais uma vez uma proximidade psicológica). Fisk também passara por um infância difícil. No entanto, seu amadurecimento o levou ao extremo oposto de Matthew: repleto de "discípulos" e de feitio calmo quando não incomodado, Fisk aparecerá a maioria das vezes em ambientes claros, ou sob feixes brancos. Fisk é quase como um Deus na Terra ao prometer um futuro melhor. Por outro lado, Matthew, começando pelo fato de ser cego, andando nas sombras, descrevendo o mundo como seu inferno particular ("mundo em chamas", no mesmo episódio em que os russos são incinerados), sob clarões de luzes amarelos, verdes e vermelhos. Esta é perfeita caracterização de personagem entre a dicotomia do Cristo e do Anti-Cristo. No entanto, é Matthew quem acredita na Igreja.
Esse retrato é muito interessante pois não estampa diretamente o papel benfeitor de Demolidor. Toda esta caracterização cria um personagem em sua completude, com todos os traços dicotômicos dos seres humanos. O interessante é perceber como estas imagems iniciais dos dois protagonistas vão ruindo, tendo seu ápice curiosamente quando Fisk cita uma passagem da Bíblia e Matthew veste a fantasia de demônio. Quando temos a inversão dos papeis, com Matthew sendo o mocinho e Fisk o malvado, o físico parece contradizer mais ainda tudo que havíamos imaginado. E a religião/crença é assim mesma; o que pode não significar nada para um é tudo para o outro, e não como questionar. O homem é contraditório, mas a crença é plena.
No entanto, esta crença é muitas vezes questionada, quando vamos nos aprofundando por exemplo na figura passada de um padre cético. Mas é numa curta frase de Madame Gao, quando Matthew destrona com o sistema de heroína que temos o ponto máximo desse questionamento: "Eles têm fé", referindo-se aos trabalhadores (escravos) cegos. Sob condições extenuantes, os chineses não só trabalham, traficam como também dão sua vida pelo bem maior. A frase de Madame Gao não é nem um pouco ingênua, já que podemos ver atualmente o efeito do radicalismo e da intolerância religiosa. A crença é algo tão poderoso que pode mudar todos os princípios de um homem, tornando-o cego para o mundo afora (e nada mais incrível que esta metáfora: os chineses são cegos, tão cegos quanto a fé que os mantém sob o controle de Gao).
IMIGRAÇÃO Vemos russos, chineses, japoneses, latinos, citações a italianos. O mundo tornou-se mais internacional e globalizado. Nada mais justo que o crime vire mais internacionalizado. O interessante é que estas diferenças étnicas servem além de caricaturas (russos insensíveis e brucutus ou japoneses ninjas), como intensificadores das tensões internas que causará a ruptura. Por outro lado, indica como a humanidade em geral possui maldade e corrupção.
CORRUPÇÃO A sensação que tive conforme ia passando pelos episódios foi de podridão. Se tudo pode ser comprado, subornado, assassinado ou censurado, porque batalhar por uma ideia, por um produto, por uma vida digna? Acredito que a melhor dádiva da vida tenha sido as relações humanas. Por outro lado, acho que o problema do mundo seja as relações humanas. Com elas criamos civilizações, tecnologias, artes, paixões, mas também trouxemos, guerra, maldade, doenças, corrupção. Por que se manter digno então? Pela moral, ética, religião? Nada disso, não precisamos ser movidos por algo para fazer o que é certo. Assim como o amor ou a filantropia, deveríamos fazer isso porque gostamos. O problema é que num mundo altamente competitivo, concepções como estas acabam ficando em segundo plano e não uma culpa individual, mas sim da relação entre eles. É por isso que Demolidor acerta tão bem quando decide focar não no herói, mas nas relações humanas dentro de uma cidade. E nessa mesma lógica supracitada, como Fisk não faz nada porque gosta, amar acaba se tornando a tarefa mais difícil de sua vida, desestabilizando todo o sistema que havia construído.
ASPECTOS TÉCNICOS Demolidor tem sem dúvida a melhor fotografia de todos as obras da Marvel. Já citei o trabalho de luzes e cores como característica indispensável pela atmosfera da personagem e do ambiente. Mas mais do que isso, temos enquadramentos e movimentos de câmera impressionantes. No começo da série, quando Matthew ainda é desconhecido dos problemas da cidade, ou simplesmente mais fraco, temos vários enquadramentos dele parecendo estar sob amarras (temos por exemplo as tiras do ringue de boxe, estruturas de móveis, armações de janelas, todos estes fragmentos em primeiro plano como se o sufocasse). A história de Fisk com o quadro branco é também muito bem estampada no momento em que ele é preso, num enquadramento de Vanessa de vestido branco rodeada de paredes e móveis brancos, remetendo a solidão que ele sentia ao estar à frente de uma parede branca ou do quadro dela. Se todos esses detalhes passam despercebidos, são as cenas de ação que roubam cena. Sem as típicas "shaky-cams" e com lutas muito bem coreografas, presenciamos cenas de ação tão boas quanto as metáforas e temas atrás do enredo. E é claro, a cena do segundo episódio no esconderijo dos russos não poderia passar despercebida.
Através de um plano-sequência que evolui toda a técnica empregada na cena do corredor de Oldboy (2003), somos impecavelmente apresentados a todo o ambiente em que a luta passará. Sabemos o objetivo final por detalhes minuciosos na composição da porta (cor vermelha forte, e os gemidos de uma criança). Nunca deixando a tela vazia, vamos acompanhando o movimento dos capangas e dessa forma, temos a total abrangência dos locais de perigo, sendo por fim, levados ao início desse longo trajeto, com nosso herói estampado. Esta apresentação se assemelha muito com as apresentações de ambientes em jogos, por exemplo. Trazer isto para esta série dá não só um tom quadrinhesco como também prenunciador a perfeita coreografia que veremos a seguir.
ALGUNS PROBLEMINHAS Sinto até vergonha de reservar um espaço para isso, porque estes problemas passam longe de estragar mesmo que minimamente a obra, mas eles existem, fazer o que... a minha maior reclamação vem com o desenvolvimento de alguns personagens específicos: Claire Temple (Rosario Dawson) e Stick (Scott Glenson). Fiquei muito feliz sabendo que Matthew não acaba a série com Claire, pois caso isso acontecesse, o papel dela me soaria muito como o da mulher que tem como único objetivo saciar as vontades do homem. Perceba, as duas únicas coisas que Claire faz são: fazer ataduras e servir como escape amoroso. A primeira vez em que temos contato com ela, imaginei que a série reservaria sim papel amoroso a ela, mas também traria algum conflito étnico (imigrante) ou ético (como se ela fosse uma voz de autoridade assim como padre é para ele). Da mesma forma, Stick entra trazendo questões interessantes (conflito entre mestre e discípulo, saber o passado de Matthew) e acaba sumindo promissoramente, mas desaparecendo da série. Não sei quem teve a ideia de acrescentar este personagem (e o fortão cheio de marcas de ferida também), mas é claro o intuito de gerar dinheiro tentando estimular curiosidade para o prosseguimento da série. Não veria nenhum problema em fazer tudo isso a partir de "easter-eggs" que não chamassem tanta atenção, mas um episódio inteiro? Pelo menos, conhecemos várias coisas do passado de Matthew.
FINAL Tudo dá certo! Eeeeba... mas será que dá mesmo? Como é apresentada em toda a série. Combater um inimigo não solucionará os problemas do mundo, muito porque sempre haverá maldade onde há ganância, dinheiro e prestígio. "Daredevil" (a metáfora é muito mais interessante em inglês) significa audacioso, temerário. Se formos separar, teremos "dare" - ousar e "devil" - demônio. Daredevil ousará diante de todas as desavenças tentar pelo menos tornar a cidade em que ele vive, um lugar melhor a se viver. No entanto, sendo ao mesmo tempo o herói e o demônio da cidade, Daredevil terá que balancear todo o peso psicológico, moral e religioso para que a linha tênue entre o bem e o mal não se volte contra ele.
Passou-se quase 20 anos desde que o livro de Bram Stoker, Drácula, era lançado, e mesmo com esse tempo, parece que o universo vampiresco não saía da cabeça das pessoas (de fato, ele não sai até hoje, visto que temos filmes como Crepúsculo (2008) e o mais recente Drácula: A História Nunca Contada (2014)). O filme não é de vampiros, mas à minha cabeça, até pelo menos o 4º episódio, eu tinha a pura convicção de que a gangue "Os Vampiros" possuía poderes sobrenaturais. Não sei se mais alguém teve esta sensação, ou mesmo, se isto foi feito propositalmente, mas a mim, isso esteve bem claro. O ponto é que mesmo descobrindo que o filme não se trata necessariamente de vampiros, relacionar um grupo malvado ao nome de vampiros é com certeza, um reflexo da moralidade e medo que as pessoas tinham de tal grupo naquele contexto social, já que na época floresciam alguns grupos que assim como Os Vampiros, saqueavam e matavam a população em fruto de seu próprio sucesso.
É certo que a sedimentação do cinema que conhecemos hoje ainda não estava clara, mas o divertido é perceber como algumas técnicas já vinham se desenvolvendo: vemos por exemplo o "split-screen" na cena em que Guèrande (Édouard Mathé) conversa com Mazamette (Marcel Lévesque), o uso do espelho como ferramenta necessária para o enredo (na cena em que Guèrande descobre que a sua nova empregada o estava envenenando), a separação de dois cômodos diferentes por uma parede, mas que mesmo assim, conseguimos ver ambos por fora (cena em que Satanas (Louis Leubas) vê que o garoto (Bout de Zan) abre a porta para seu pai se esconder no baú), câmera sobre charretes em perseguições (técnica que já havia sido usada no filme de Edwin S. Porter, O Grande Roubo do Trem (1903), quando os foras-da-lei estão por cima do trem), esconderijos atrás da cortina, além de uma estrutura narrativa que será recorrente mais à frente na história do cinema, com um dos investigadores mais sério (Guèrande), enquanto o outro nos dá sempre motivos de gargalhadas; motivos esses que são exacerbados pelo simples toque estético que é do Mazamette olhar frequentemente para a câmera (cena que parece nos aproximar das personagens do filme, mesmo que com um certo estranhamento, vide Curtindo a Vida Adoidado (1986)), como se quisesse sempre afirmar que naquele momento ele realmente estava realizando alguma cena cômica. Mazamette é um personagem muito agradável nesse filme, pois ele é o alívio cômico, que sempre fará o clima se amenizar diante de uma cena mais angustiante, ele também será inúmeras vezes o salvador de Guèrande em situações que já não botávamos mais fé, ou o investigador pelo acaso, aquele que está no lugar certo, na hora certa. De fato, essa estrutura será utilizada milhares de vezes posteriormente por obras como a de O Gordo e o Magro, Tintim, A Pantera Cor de Rosa ou de investigações policiais com um caráter mais cômico. Outra personagem que trará sempre um grande vivacidade a seu papel é a de Irma Vep (Musidora), que sempre enigmática e perigosa, sempre causa uma maior tensão quando em sua presença. Juntos, Mazamette e Irma Vep constroem os dois lados da moralidade perfeitamente, fazendo com que nós certamente torçamos pelo lado de Mazamette. Uma última coisa que captei no filme foi de certa forma, uma crítica que o filme dá às instituições, coisa que na época foi chamado de falta de moralidade do filme. Assumindo a interpretação da forma como quiser, as cenas são claras: vemos religião, polícia (indivíduos da gangue vestidos de pessoas desses meios. No caso da polícia até algo mais claro, já que Mazamette é perdoado diversas vezes de crimes que teria cometido, como roubo dos papeis de um caso, ou após a agressão feita a um policial), ciência (em que Venenoso, o Terceiro Grande Vampiro (Moriss) utiliza-se dos conhecimentos científico para o mal) sendo subvertidos. Sem contar que os integrantes da gangue de Os Vampiros sejam contadores, promotores, dançarinos, cientistas, ou seja, quaisquer cidadãos. Tudo isso mostra que os vilões podem ser qualquer pessoa da nossa sociedade, remetendo aquela imagem do vampiro, o sedutor que está em nosso meio, o cara que pomos toda a fé de que seja o mais puro dos homens, mas que no fundo, possua uma alma bestial. Todo este cenário, se pondo na época do lançamento do filme, me faria ter medo o suficiente de todos ao meu redor. Talvez todo este retrato das instituições, e das próprias pessoas, já que todos nós temos segredos que gostaríamos que morressem conosco, justificassem o que os críticos chamaram de amoral na época, e que se não fosse graças aos surrealistas, que sustentaram a obra até décadas seguintes, não teria conseguido chegar a nós do século XXI de uma forma estupenda como é hoje.
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Demolidor (1ª Temporada)
4.4 1,5K Assista AgoraSPOILER DETECTED!!! (Este será possivelmente o maior texto que você já viu no Filmow. Tenha fé... ops, não foi uma boa escolha de palavras :P)
É impressionante ver como os filmes (e agora as séries) da Marvel evoluem. É certo que filmes como Homem-Aranha (2002) e Homem de Ferro (2008) tenham sido revoluções na indústria cinematográfica do último século. No entanto, muitos dos heróis transpostos ao cinema tinham pouca coisa além de testosterona e cenas de ação empolgantes (incluindo Os Vingadores (2012) - ainda não tive a oportunidade de ver o segundo). Esta concepção foi mudando desde que a série Cavaleiro das Trevas (2005-2012) chegou aos cinemas, abrindo espaço para profundidade de temas e espaços. Independentemente da qualidade dos filmes da Marvel no decorrer desta última década, uma coisa é fato: ela soube aprender sobre os erros e otimizar os acertos. Se todo este processo não puder ser resumido em Guardiões da Galáxia (2014), ele com certeza poderá ser lapidado com Demolidor (2015). Enredo amarrado, (quase todas as) personagens muito bem desenvolvidas, cenas de ação estupendas e profundidade de temas.
Eu acredito que a primeira impressão que muitos terão com o decorrer dos episódios é a de que Matthew Murdock (Charlie Cox) não é o protagonista; e ao meu ver ele não é mesmo. Em diversos episódios temos tramas e subtramas contando ou passado (e aqui outro ponto forte: a edição é muito bem cadenciada, revelando informações somente quando necessário, de forma fluida e em transições certeiras), ou esquemas de outras personagens que deixam Matthew em segundo plano. Isso é muito interessante porque, primeiramente, nos faz nos importarmos com o futuro de cada personagem, assim como indica que a trama não é sobre Demolidor, mas sim sobre uma cidade, em que coisas humanas acontecem. A série não tenta endeusar ou monopolizar Demolidor, assim como por exemplo, Vingadores faz com o Homem de Ferro ou o Capitão América. Sabemos o necessário de Matthew, conhecendo o resto do meio, já que a história decorre das relações das personagens e não unicamente da personagem principal. E aqui a série acerta em cheio em trazer vários protagonistas e coadjuvantes tão marcantes como protagonistas: Karen Page (Deborah Ann Woll) e sua obstinação fervorosa, mas inocente, Foggy Nelson (Elden Henson) com seu companheirismo latente por reconhecimento, Ben Urich (Vondie Curtis-Hall) dividido entre a família e o dever com a cidade, ao mesmo tempo que vive sobre a glória do passado e a desilusão do presente, Vincent D'Onofrio (Wilson Fisk) e seu sanguinarismo e delicadeza, os diversos outros inimigos (James Wesley (Toby Leonard Moore), Leland Owlsley (Bob Gunton), Madame Gao (Wai Ching Ho), Nobu (Peter Shinkoda) e os irmãos Ranshakov (Gideon Emery e Nikolai Nikolaeff)). Cada um tem seu momento de brilho. Cada um tem algo diferente a acrescentar a história. E essa riqueza que transforma a série em algo muito mais vivo, mais humano: a complexidade da vida.
Nessa breve caracterização de personagens, acredito que algo tenha ficado bem claro: a dicotomia. Mas uma dicotomia muito maior que um simples bom e mal, uma dicotomia pessoal. Cada personagem sofre uma crise identitária, pautando-se no balanço (sabendo a profissão de Nelson e Murdock, é interessante perceber que todas as personagens passam por um juízo interno) para seguir adiante. O balanço é somente um dos temas constantes do filme. Temos a moral/ética, religião, imigração, corrupção. Mas vamos por partes...
BALANÇO
Começando pelo óbvio de Matthew ser um advogado de manhã, e um justiceiro de noite, a série é movida pelo balanço das ações. A partir do momento em que uma personagem tenda a fazer algo muito desregrado do estável, ela acaba passando por uma crise, ou no pior dos casos, uma morte (Assim que Ben Urich decide tomar partido contra as ações de Fisk, sabendo que poderia consequentemente perder sua mulher, ele é assassinado. Logo após tentar decidir matar, Foggy descobre o disfarce de Matthew e os dois entram em uma crise. Quando Vladimir decide ir contra todo o esquema em que estava, ele acaba não só saindo derrotado, como perdendo toda sua força. As duas forças orientais da série tem análises muito interessantes quanto a este tema. Ao ver Nobu morto e todo o sistema de heroína ir aos ares, a Yakuza e Madame Gao, respectivamente, decidem sumir do mapa, encontrando o balanço das forças para que assim não sofra mais perdas. Mas é sem dúvida a figura de Fisk a mais interessante. Ao mesmo tempo em que ele comanda a maior gama de relações, Fisk se mostra um homem sensível emocionalmente, não conseguindo lidar bem com seu passado, ou mesmo com mulheres. Esta dicotomia juntamente com a de Matthew (seguir a lei ou ir contra ela. Matar ou salvar), fazem deles perfeitos antagonistas.
MORAL/ÉTICA
É moral matar alguém mal pelo bem maior? Vamos mudar um pouco a pergunta: é moral eliminar alguns inconvenientes para um "better world"? O que eu quero dizer com isso é que a linha entre o bem e o mal é muito tênue (tema fortíssimo em The Dark Knight (2008)). Em nenhum momento sabemos o que esse melhor mundo de Fisk quer dizer, e o conhecendo como vimos, não podemos dizer ao certo se Fisk não queria influência e poder para agir futuramente de uma forma melhor (A Lista de Schindler (1993)). Fisk diz que não matou o pai pela mãe, mas por ele mesmo. A justificativa modela o que é ético? Os fins justificam o meio? Se for assim, não há porque o Demolidor não matar os malvados. Mas disso entramos num outro problema. O que é mal? Dependendo do ponto de vista, Fisk pode ser as duas coisas, se não Vanessa (Ayelet Zurer) não o seguiria (ela fica com Fisk, pois embora mal aos olhos da sociedade, ele foi o único homem que a tratou bem). As relações são muito mais complexas do que uma simples definição de quem é mal ou não. E são todas as perguntas que fazem Demolidor mais interessante. Pois se por um lado ele pode tomar todo o tempo do mundo em análises minuciosas dos fatos, de outro, uma fração de segundos pode custar uma vida. Julgar é algo muito mais complicado, e por vezes, egoísta do que possa parecer.
RELIGIÃO
Se não bastasse a moral de Matthew ainda temos este outro fator complicante. A relação de nosso protagonista com a religião é de longa data, como a série nos mostra após o assassinato de seu pai. Uma informação a mais é que nos quadrinhos, a mãe (que provavelmente será citada nas próximas temporadas) os abandonou, tornando-se freira. Levando este histórico aos dias adultos, Matthew como Demolidor já travará embates entre seus atos e o que prega a religião. Na figura do padre Lantom (Peter McRobbie), personalizamos todas as suas reflexões, mostrando que embora durão, Matthew é tão sensível quanto Fisk (mais uma vez uma proximidade psicológica). Fisk também passara por um infância difícil. No entanto, seu amadurecimento o levou ao extremo oposto de Matthew: repleto de "discípulos" e de feitio calmo quando não incomodado, Fisk aparecerá a maioria das vezes em ambientes claros, ou sob feixes brancos. Fisk é quase como um Deus na Terra ao prometer um futuro melhor. Por outro lado, Matthew, começando pelo fato de ser cego, andando nas sombras, descrevendo o mundo como seu inferno particular ("mundo em chamas", no mesmo episódio em que os russos são incinerados), sob clarões de luzes amarelos, verdes e vermelhos. Esta é perfeita caracterização de personagem entre a dicotomia do Cristo e do Anti-Cristo. No entanto, é Matthew quem acredita na Igreja.
Esse retrato é muito interessante pois não estampa diretamente o papel benfeitor de Demolidor. Toda esta caracterização cria um personagem em sua completude, com todos os traços dicotômicos dos seres humanos. O interessante é perceber como estas imagems iniciais dos dois protagonistas vão ruindo, tendo seu ápice curiosamente quando Fisk cita uma passagem da Bíblia e Matthew veste a fantasia de demônio. Quando temos a inversão dos papeis, com Matthew sendo o mocinho e Fisk o malvado, o físico parece contradizer mais ainda tudo que havíamos imaginado. E a religião/crença é assim mesma; o que pode não significar nada para um é tudo para o outro, e não como questionar. O homem é contraditório, mas a crença é plena.
No entanto, esta crença é muitas vezes questionada, quando vamos nos aprofundando por exemplo na figura passada de um padre cético. Mas é numa curta frase de Madame Gao, quando Matthew destrona com o sistema de heroína que temos o ponto máximo desse questionamento: "Eles têm fé", referindo-se aos trabalhadores (escravos) cegos. Sob condições extenuantes, os chineses não só trabalham, traficam como também dão sua vida pelo bem maior. A frase de Madame Gao não é nem um pouco ingênua, já que podemos ver atualmente o efeito do radicalismo e da intolerância religiosa. A crença é algo tão poderoso que pode mudar todos os princípios de um homem, tornando-o cego para o mundo afora (e nada mais incrível que esta metáfora: os chineses são cegos, tão cegos quanto a fé que os mantém sob o controle de Gao).
IMIGRAÇÃO
Vemos russos, chineses, japoneses, latinos, citações a italianos. O mundo tornou-se mais internacional e globalizado. Nada mais justo que o crime vire mais internacionalizado. O interessante é que estas diferenças étnicas servem além de caricaturas (russos insensíveis e brucutus ou japoneses ninjas), como intensificadores das tensões internas que causará a ruptura. Por outro lado, indica como a humanidade em geral possui maldade e corrupção.
CORRUPÇÃO
A sensação que tive conforme ia passando pelos episódios foi de podridão. Se tudo pode ser comprado, subornado, assassinado ou censurado, porque batalhar por uma ideia, por um produto, por uma vida digna? Acredito que a melhor dádiva da vida tenha sido as relações humanas. Por outro lado, acho que o problema do mundo seja as relações humanas. Com elas criamos civilizações, tecnologias, artes, paixões, mas também trouxemos, guerra, maldade, doenças, corrupção. Por que se manter digno então? Pela moral, ética, religião? Nada disso, não precisamos ser movidos por algo para fazer o que é certo. Assim como o amor ou a filantropia, deveríamos fazer isso porque gostamos. O problema é que num mundo altamente competitivo, concepções como estas acabam ficando em segundo plano e não uma culpa individual, mas sim da relação entre eles. É por isso que Demolidor acerta tão bem quando decide focar não no herói, mas nas relações humanas dentro de uma cidade. E nessa mesma lógica supracitada, como Fisk não faz nada porque gosta, amar acaba se tornando a tarefa mais difícil de sua vida, desestabilizando todo o sistema que havia construído.
ASPECTOS TÉCNICOS
Demolidor tem sem dúvida a melhor fotografia de todos as obras da Marvel. Já citei o trabalho de luzes e cores como característica indispensável pela atmosfera da personagem e do ambiente. Mas mais do que isso, temos enquadramentos e movimentos de câmera impressionantes. No começo da série, quando Matthew ainda é desconhecido dos problemas da cidade, ou simplesmente mais fraco, temos vários enquadramentos dele parecendo estar sob amarras (temos por exemplo as tiras do ringue de boxe, estruturas de móveis, armações de janelas, todos estes fragmentos em primeiro plano como se o sufocasse). A história de Fisk com o quadro branco é também muito bem estampada no momento em que ele é preso, num enquadramento de Vanessa de vestido branco rodeada de paredes e móveis brancos, remetendo a solidão que ele sentia ao estar à frente de uma parede branca ou do quadro dela. Se todos esses detalhes passam despercebidos, são as cenas de ação que roubam cena. Sem as típicas "shaky-cams" e com lutas muito bem coreografas, presenciamos cenas de ação tão boas quanto as metáforas e temas atrás do enredo. E é claro, a cena do segundo episódio no esconderijo dos russos não poderia passar despercebida.
Através de um plano-sequência que evolui toda a técnica empregada na cena do corredor de Oldboy (2003), somos impecavelmente apresentados a todo o ambiente em que a luta passará. Sabemos o objetivo final por detalhes minuciosos na composição da porta (cor vermelha forte, e os gemidos de uma criança). Nunca deixando a tela vazia, vamos acompanhando o movimento dos capangas e dessa forma, temos a total abrangência dos locais de perigo, sendo por fim, levados ao início desse longo trajeto, com nosso herói estampado. Esta apresentação se assemelha muito com as apresentações de ambientes em jogos, por exemplo. Trazer isto para esta série dá não só um tom quadrinhesco como também prenunciador a perfeita coreografia que veremos a seguir.
ALGUNS PROBLEMINHAS
Sinto até vergonha de reservar um espaço para isso, porque estes problemas passam longe de estragar mesmo que minimamente a obra, mas eles existem, fazer o que... a minha maior reclamação vem com o desenvolvimento de alguns personagens específicos: Claire Temple (Rosario Dawson) e Stick (Scott Glenson). Fiquei muito feliz sabendo que Matthew não acaba a série com Claire, pois caso isso acontecesse, o papel dela me soaria muito como o da mulher que tem como único objetivo saciar as vontades do homem. Perceba, as duas únicas coisas que Claire faz são: fazer ataduras e servir como escape amoroso. A primeira vez em que temos contato com ela, imaginei que a série reservaria sim papel amoroso a ela, mas também traria algum conflito étnico (imigrante) ou ético (como se ela fosse uma voz de autoridade assim como padre é para ele). Da mesma forma, Stick entra trazendo questões interessantes (conflito entre mestre e discípulo, saber o passado de Matthew) e acaba sumindo promissoramente, mas desaparecendo da série. Não sei quem teve a ideia de acrescentar este personagem (e o fortão cheio de marcas de ferida também), mas é claro o intuito de gerar dinheiro tentando estimular curiosidade para o prosseguimento da série. Não veria nenhum problema em fazer tudo isso a partir de "easter-eggs" que não chamassem tanta atenção, mas um episódio inteiro? Pelo menos, conhecemos várias coisas do passado de Matthew.
FINAL
Tudo dá certo! Eeeeba... mas será que dá mesmo? Como é apresentada em toda a série. Combater um inimigo não solucionará os problemas do mundo, muito porque sempre haverá maldade onde há ganância, dinheiro e prestígio. "Daredevil" (a metáfora é muito mais interessante em inglês) significa audacioso, temerário. Se formos separar, teremos "dare" - ousar e "devil" - demônio. Daredevil ousará diante de todas as desavenças tentar pelo menos tornar a cidade em que ele vive, um lugar melhor a se viver. No entanto, sendo ao mesmo tempo o herói e o demônio da cidade, Daredevil terá que balancear todo o peso psicológico, moral e religioso para que a linha tênue entre o bem e o mal não se volte contra ele.
Os Vampiros
4.0 75SPOILER DETECTED!!!
Passou-se quase 20 anos desde que o livro de Bram Stoker, Drácula, era lançado, e mesmo com esse tempo, parece que o universo vampiresco não saía da cabeça das pessoas (de fato, ele não sai até hoje, visto que temos filmes como Crepúsculo (2008) e o mais recente Drácula: A História Nunca Contada (2014)). O filme não é de vampiros, mas à minha cabeça, até pelo menos o 4º episódio, eu tinha a pura convicção de que a gangue "Os Vampiros" possuía poderes sobrenaturais. Não sei se mais alguém teve esta sensação, ou mesmo, se isto foi feito propositalmente, mas a mim, isso esteve bem claro. O ponto é que mesmo descobrindo que o filme não se trata necessariamente de vampiros, relacionar um grupo malvado ao nome de vampiros é com certeza, um reflexo da moralidade e medo que as pessoas tinham de tal grupo naquele contexto social, já que na época floresciam alguns grupos que assim como Os Vampiros, saqueavam e matavam a população em fruto de seu próprio sucesso.
É certo que a sedimentação do cinema que conhecemos hoje ainda não estava clara, mas o divertido é perceber como algumas técnicas já vinham se desenvolvendo: vemos por exemplo o "split-screen" na cena em que Guèrande (Édouard Mathé) conversa com Mazamette (Marcel Lévesque), o uso do espelho como ferramenta necessária para o enredo (na cena em que Guèrande descobre que a sua nova empregada o estava envenenando), a separação de dois cômodos diferentes por uma parede, mas que mesmo assim, conseguimos ver ambos por fora (cena em que Satanas (Louis Leubas) vê que o garoto (Bout de Zan) abre a porta para seu pai se esconder no baú), câmera sobre charretes em perseguições (técnica que já havia sido usada no filme de Edwin S. Porter, O Grande Roubo do Trem (1903), quando os foras-da-lei estão por cima do trem), esconderijos atrás da cortina, além de uma estrutura narrativa que será recorrente mais à frente na história do cinema, com um dos investigadores mais sério (Guèrande), enquanto o outro nos dá sempre motivos de gargalhadas; motivos esses que são exacerbados pelo simples toque estético que é do Mazamette olhar frequentemente para a câmera (cena que parece nos aproximar das personagens do filme, mesmo que com um certo estranhamento, vide Curtindo a Vida Adoidado (1986)), como se quisesse sempre afirmar que naquele momento ele realmente estava realizando alguma cena cômica. Mazamette é um personagem muito agradável nesse filme, pois ele é o alívio cômico, que sempre fará o clima se amenizar diante de uma cena mais angustiante, ele também será inúmeras vezes o salvador de Guèrande em situações que já não botávamos mais fé, ou o investigador pelo acaso, aquele que está no lugar certo, na hora certa. De fato, essa estrutura será utilizada milhares de vezes posteriormente por obras como a de O Gordo e o Magro, Tintim, A Pantera Cor de Rosa ou de investigações policiais com um caráter mais cômico. Outra personagem que trará sempre um grande vivacidade a seu papel é a de Irma Vep (Musidora), que sempre enigmática e perigosa, sempre causa uma maior tensão quando em sua presença. Juntos, Mazamette e Irma Vep constroem os dois lados da moralidade perfeitamente, fazendo com que nós certamente torçamos pelo lado de Mazamette. Uma última coisa que captei no filme foi de certa forma, uma crítica que o filme dá às instituições, coisa que na época foi chamado de falta de moralidade do filme. Assumindo a interpretação da forma como quiser, as cenas são claras: vemos religião, polícia (indivíduos da gangue vestidos de pessoas desses meios. No caso da polícia até algo mais claro, já que Mazamette é perdoado diversas vezes de crimes que teria cometido, como roubo dos papeis de um caso, ou após a agressão feita a um policial), ciência (em que Venenoso, o Terceiro Grande Vampiro (Moriss) utiliza-se dos conhecimentos científico para o mal) sendo subvertidos. Sem contar que os integrantes da gangue de Os Vampiros sejam contadores, promotores, dançarinos, cientistas, ou seja, quaisquer cidadãos. Tudo isso mostra que os vilões podem ser qualquer pessoa da nossa sociedade, remetendo aquela imagem do vampiro, o sedutor que está em nosso meio, o cara que pomos toda a fé de que seja o mais puro dos homens, mas que no fundo, possua uma alma bestial. Todo este cenário, se pondo na época do lançamento do filme, me faria ter medo o suficiente de todos ao meu redor. Talvez todo este retrato das instituições, e das próprias pessoas, já que todos nós temos segredos que gostaríamos que morressem conosco, justificassem o que os críticos chamaram de amoral na época, e que se não fosse graças aos surrealistas, que sustentaram a obra até décadas seguintes, não teria conseguido chegar a nós do século XXI de uma forma estupenda como é hoje.