Semanas após o fim do martírio, Jack (Jacob Tremblay) interpela a frase supracitada à mãe. Espantada pelo pedido, Joy (Brie Larson) acata-o mesmo que receosa, a fim de romper as últimas amarras psicológicas que a rememoravam do lugar. Jack, por outro lado, vê o retorno ao Quarto como algo muito além da amargura de sua mãe. Para ele, o Quarto sempre simbolizou a fantasia, despreocupação e acalento materno que lhe fora contrariado diante do enfrentamento para com o mundo real. Dessa forma, retornar é deparar-se com um passado mesmo que temporalmente próximo, distantemente superado.
Após ser sequestrada, mantida em cativeiro e estuprada regularmente por dois longos anos, Joy dará luz a Jack, com que conviverá por mais cinco anos em busca de, também um dia, poder enfim contemplar a luz além de sua clausura. Assim, de maneira similar a de Guido em A Vida é Bela (1997), Joy conceberá uma ilusão que ausente seu filho da crua e terrível realidade em que os dois se encontram, tornando então o Quarto a realidade tangível à sensibilidade do filho.
Para tal, o início de O Quarto de Jack (2015) revela-se cadenciado e misterioso quanto às origens da rotina ditada por Joy. Dessa forma, é interessante perceber como pouco a pouco passamos a vê-la não mais como opressora, mas como mais uma oprimida. Contemplando-nos então com uma introdução de ritmo vivaz, tem-se não só a atenção do espectador junto aos desdobramentos narrativos, como também uma complacência e empatia pela situação ferrenha das protagonistas. Assim, em pouco mais de quinze minutos de projeção, já estamos tão absortos no universo do filme, que o clímax da fuga facilmente nos arrebata algumas lágrimas.
No entanto, o efeito só seria possível com atuações centrais que fizessem jus à complexidade do tema abordado. E aqui, é quase covarde como Larson e Tremblay nos contemplam com performances primorosas e extremamente sensíveis. Desse modo, se por um lado a alternância entre o olhar vazio e deteriorado do cárcere e o sorriso tímido e solidário ao filho, conferem a Joy um sofrimento velado e angustiante, Tremblay encarnará Jack com uma ingenuidade espontânea da sinceridade de suas perguntas e uma esperança reconfortante de seu tom de voz, contrapondo integralmente a personalidade da mãe e dinamizando a convivência da relação e os conflitos do filme.
Talvez até mais do que a já esplêndida Larson, Tremblay desponta como uma das atuações mais consistentes da temporada (podendo facilmente ter pleiteado uma das vagas da Academia) não só pela sensibilidade com que apresenta seu personagem, mas principalmente pela forma como suas características, aliadas a um perspicaz trabalho de direção, contagiam largamente o tom do filme. Assim, a partir da inocência dos olhos de uma criança, o espectador é exposto a uma visão curiosa e minimalista de objetos e sensações vistas como banais a nosso olhar já habituado. Não à toa, postando-se pelo ponto de vista de Jack, Abrahamson consegue captar a singeleza de móveis, mudanças de clima e meras percepções da realidade, sem que para isso tenha que recair ao costumeiro melodrama. E vale aqui ressaltar a estupenda cena da fuga em que um laborioso trabalho de foco, som dissonante, câmera lenta e enquadramentos fechados consegue transpor visualmente todo o choque e nervosismo de Jack.
Abrahamson é ainda cuidadoso junto ao seu diretor de fotografia Danny Cohen ao estabelecer uma lógica de enquadramentos que dialogue com a claustrofobia experimentada pelas protagonistas. Desse modo, é fascinante observar como os iniciais quadros quase que sempre em primeiro plano ("close") vão se abrindo conforme os dois escapam e são jogados ao mundo, de forma a melhor valorizar o corpo das personagens como um todo do que os antes recortes cinematográficos feitos dele. Até que por fim, a cena final mantenha uma câmera fixa enquanto os dois caminham ao longe, denotando imagética e metaforicamente, a superação da desgraça transcorrida.
Conduzido ainda por uma trilha evocativa, mas nunca exagerada de cordas (incluindo o piano), O Quarto de Jack deixa parte da tensão e ritmo de sua primeira metade, optando por desenvolver a repercussão midiática e familiar das consequências psicológicas, tanto degradantes (Joy) quanto recém-descobertas (Jack) das duas protagonistas. Mesmo que numa segunda metade mais arrastada, o filme consegue cadenciar bem os momentos de introspectividade e explosão emotiva, fazendo com que momentos como a da rejeição do avô (William H. Macy) em relação a Jack (por ele ser cria de um estuprador), inspirem ainda mais empatia e comoção pela vida dos dois coitados.
Dentre os diversos temas abordados em O Quarto de Jack (pressão da mídia, realidade cruel em oposição à fantasia agradável, conservadorismo de parentes), tem-se um que embora mais ameno, permeie de forma incisiva durante toda projeção: a maternidade. Quando perguntada se nunca passara pela cabeça a possibilidade de tirar a própria vida, Joy manifesta um incômodo compreensível. Percebendo isto, a repórter muito sagazmente redireciona a pergunta focando-se na importância de Jack em sua vida, o que rapidamente provoca um lindo sorriso de satisfação no rosto de Joy. Em outras palavras, durante os cinco anos de clausura, assim como Jack só conseguiu sobreviver às custas da mãe, Joy também só conseguiu sobreviver às custas do filho. E se Que Horas Ela Volta? (2015) comprovava o desconsolo de maternidades deficientes, aqui, O Quarto de Jack corrobora a força de um vínculo materno. É portanto de uma beleza indescritível que o filme acabe numa conciliação entre mãe e filho, afinal, foi da pureza e vivacidade desta relação que se sucedeu toda a motivação e conflito do filme. E que maior prazer teria uma mãe do que acompanhar o enfrentamento pelo qual uma criança passa durante seu processo de amadurecimento?
O amadurecimento de uma criança é, sem dúvida, um enfrentamento sutil e demorado. No entanto, monumental se visto diante da amplitude de informações, experiências e sensações que este grande quarto chamado mundo presenteia todo dia a cada um de seus residentes.
Considerado por muitos a grande obra-prima de Tim Burton, Edward Mãos de Tesoura (1990) estabelece desde sua abertura o tom que tornou Burton um dos diretores mais prolíficos do final da década de 80 e início de 90. Embalado pela enigmática e evocativa trilha sonora de Danny Elfman, transitamos por suntuosas portas e extravagantes máquinas que, diante de sua monocromia e lugubridade, ostentam uma adoração quase que sublime pelo surreal. Desse modo, quando somos obrigados a ouvir a história de uma frágil senhora em seu típico ambiente familiar, o choque entre as estéticas é algo inesperado que, no entanto, se mostrará bastante recorrente durante o decorrer da projeção.
Ao se deparar com um retraído e excêntrico jovem portando tesouras no lugar das mãos, Peg Boggs (Dianne Wiest) decide solidariamente hospedá-lo em sua residência, suscitando uma série de ocorrências que mudarão a rotina da vizinhança como nunca antes. O que a uma primeira impressão poderia se mostrar como uma premissa falível e enfadonha, Burton consegue inspirar dinamicidade e sensibilidade, desenvolvendo tanto um protagonista imprevisível e inovativo (passando de jardineiro, cabeleireiro de cães e mulheres até, por fim, escultor de gelo), quanto temas que examinam mazelas sociais como a solidão e a exclusão.
Assim como em Bettlejuice (1988) e Batman (1989), Burton demora-se em takes aéreos e movimentações de câmera obtusas (como no momento em que Peg sobe as escadas da mansão) que, dialogando com a estética do expressionismo alemão, realçam ainda mais o surrealismo de seus filmes. Por outro lado, embora didático, Burton também funcionalmente estabelece uma lógica visual maniqueísta no contraste entre a felicidade (colorida) da vizinhança e a solidão (monocromática) de Edward (Johnny Depp), distinguindo-o dos já esotéricos moradores pela sua condição ainda mais inusitada. E para isso, a figurinista Colleen Atwood é ainda detalhista na concepção de uma vestimenta metálica e fúnebre que, juntamente ao cabelo desengonçado, ao semblante sempre machucado e, especialmente, aos maneirismos ingênuos de Depp (como os olhares condescendentes e o andar introvertido), retratam uma criatura inicialmente atroz, mas interiormente melancólica e miserável (como a boa e velha Criatura de Frankenstein).
Johnny Depp que aqui mais uma vez incorpora um de seus famosos (e extravagantes) personagens, interpreta-o sem grandes estouros, de forma convincente e funcional. Assim como Winona Ryder, que também encarna operativamente Kim como mais uma de suas inofensivas mocinhas (Drácula de Bram Stoker (1992), A Época da Inocência (1993), e de certa forma até Bettlejuice, para citar alguns). Infelizmente, à exceção deles, a maioria das demais personagens revelam-se como caricaturas ambulantes que, mesmo que agindo assim, acabem consequentemente inspirando ainda mais empatia por Edward, enfraquecem a riqueza e naturalidade do universo do filme.
Problema de naturalidade este que se estende também a alguns segmentos da trama, que, por se mostrarem saídas narrativas desleixadas e preguiçosas, acabam por tornar o tom excêntrico de Burton em situações tediosamente genéricas e familiares. Para mencionar alguns exemplos, o filme utiliza a fórmula batida de gags inoportunas que constantemente interrompem uma revelação importante (como Edward tomando choque ou deparando-se com alguém sem conseguir assim declamar seu amor por Kim), a artificial ferramenta de sumir com todos os figurantes para, após uma descoberta importante, surgir com todos de uma vez só (como na cena em que Jim (Anthony Michael Hall) esbarra com Edward sozinho na rua, seguido em frações de segundos por todos os demais vizinhos) e o típico conflito final arranjado, em que o universo do filme parece se resumir somente às personagens principais (ou vai me explicar como Kim e Jim conseguiram subir a estradinha até a mansão antes de toda a multidão a qual eles inicialmente estavam juntos). Assim, detalhes como estes podem até soar inicialmente irrisórios. No entanto, mesmo que subconscientemente, esse exagero e genericidade na realização de cenas particulares, acabam quebrando a verossimilhança até então estabelecida no tom e universo do filme.
Devido a esta discrepância no tom, os flashbacks incumbidos em contar o arco de Edward com seu Inventor (Vincent Price) acabam soando artificiais, visto que toda a bizarrice da "fábrica" é imediatamente seguida por socialites e seus problemas canis, revesando-se assim sucessivamente. Não só isso, como estes flashbacks mostram-se, mesmo que minimamente operativos à criação de empatia por Edward, extremamente anti-climáticos e dispensáveis, uma vez que toda informação apresentada neles já nos é resumida desde o início do filme (basicamente, o Inventor morre antes de conseguir finalizar as mãos de Edward. Algo que já sabemos desde as primeiras falas de Edward).
Sinto por conta do elencado que Burton poderia muito bem ter evitado o exagero do clima familiar, descendo a mão ainda mais em suas excentricidades, sem que para isso, tivesse de abdicar de memoráveis personagens e uma linda história de amor (vide A Noiva Cadáver (2005)). Não digo, no entanto, que Edward Mãos de Tesoura não tenha um memorável protagonista ou uma linda história de amor, afinal, a cena em que Kim dança sob o gelo é não só a sedimentação da química do casal, como também uma dos momentos do cinema mais sublimes da década de 90. O que quero dizer (mais uma vez) é que o tom e universo tão bem fundamentados em suas duas obras anteriores e até em momentos específicos deste filme são aqui muito inconstantes, prejudicando uma imersão totalmente plena que poderíamos ter junto a obra.
Mesmo assim, Edward Mãos de Tesoura é franco em sua mensagem e estudo de personagem: estará o problema nas abominações que nos cerceiam, ou no cerco que impomos a elas?
Após assistirem a partida de futebol pela qual tinham fugido escondidas, o tio das cinco garotas (Ayberk Pekcan) decide instalar barras por toda a casa a fim de as manterem longe do mundo exterior. E é sutil (porém ácido) como o primeiro comentário acerca da decisão do tio não se refere à religião ou a elas próprias, mas sim "E depois vieram os homens...". Dessa forma, mesmo que a religião impere fortemente nas tradições e costumes de uma sociedade como a turca, vê-se que a questão central recai na verdade sobre o famigerado machismo. Machismo este resguardado por leis sagradas que ditam e limitam somente a liberdade das mulheres em sociedades ditas democráticas (afinal, por que os garotos também não são repreendidos por terem "garotas esfregando as coxas em seus ombros"?). Cinco Graças (2015) retrata então a jornada por libertação e autonomia de cinco garotas, que, decorrente tanto de machismos ostensivos quanto daqueles velados, podia ser muito bem a história de quaisquer outras deste planeta.
Estabelecendo um ritmo de crescente tensão, Cinco Graças encadeia as cenas de forma tão natural que seus 90 minutos de filme correm de maneira quase que imperceptível. Sendo assim, é gratificante observar como cada novo elemento, motivação ou personagem dinamizam as relações do filme, contemplando um enredo que, inicialmente de vários núcleos, fecha-se na proposta central da obra. Para citar alguns desses momentos, constatamos que a despedida inicial e o endereço da professora em Istambul se mostrarão essenciais para os planos de fuga de Lale (Günes Sensoy), assim como sua amizade crescente com o entregador Yasin (Burak Yigit). E por fim, temos ainda a inversão das antes enclausuradoras barras como forma de proteção ao casamento indesejado.
Junto à maravilhosa coesão narrativa, Deniz Gamze Ergüven concebe ainda não só um tema de extrema relevância, como também o apresenta num universo de ricas e genuínas personagens que, por consequência, tornam a obra final muito mais poderosa e imersiva ao espectador. Desse modo, mesmo que diante de uma mesma realidade, Lale, Nur (Doga Zeynep Doguslu), Ece (Elit Iscan), Selma (Tugba Sunguroglu) e Sonay (Ilayda Akdogan) possuem personalidades muito diferentes entre si. E até mais interessante do que estas diferenças, é notar o impacto que cada irmã que deixa a casa infligi sobre as que ficaram. Por conta desse cuidado em desenvolver as personagens, conseguimos acompanhar didática, mas nunca artificialmente, as motivações de Lale pela busca de uma vida melhor do que as de suas irmãs. E para tal, Ergüven e Sensoy são primorosas na composição de uma Lale que foge da imagem de garota intrinsecamente segura de si e desprendida de sua realidade, compondo a partir de suas inconformações, inocência e fragilidades (como no lindo e significativo abraço final) uma personagem por quem tenhamos muita empatia de se ver empoderar e desafiar as conjunturas que a cerceiam.
Cuidado este também observado na sutileza com que Ergüven emprega a direção e roteiro do filme. Sempre evitando cenas expositivas, sutilmente descobrimos que o conservador tio estupra esporadicamente uma de suas sobrinhas, que Nur se enoja dos doces que lhe são oferecidos após o suicídio da irmã, por se lembrar tanto da falecida como também da associação destes com o seu futuro e forçado casamento, e que mesmo quando à parte das tradições nacionais, os homens podem ser tão machistas quanto, por simplesmente se acharem superiores às mulheres, como na cena em que Ece convida um transeunte para dentro do carro. Preferindo sugerir a mostrar, Cinco Graças consegue ser muito mais incisivo e claustrofóbico do que muitos dos espalhafatosos atuais filmes de terror. Assim, o filme é também respeitoso em trazer a cena do suicídio sem qualquer trilha sonora (que é intimista na medida certa durante o resto da projeção), deixando com que o peso da cena deixe se levar pela tensão criada até aquele momento.
A talvez única ruim cena seja aquela em que as garotas assistem dentro do estádio ao jogo de futebol. Sendo nitidamente filmada dentro de um estúdio, o problema da cena não está em seu tom ou em sua incoerência/descartabilidade perante o resto da obra, mas simplesmente na falta de orçamento que os obrigou a filmá-la da forma descrita. Mesmo assim, este pequeno infortúnio é totalmente ofuscado pela leveza e dinamicidade com que a câmera se movimenta, transitando pelos ambientes e seguindo as personagens com o mínimo de cortes possível, como se o espectador fosse de fato a sexta irmã.
Empregando um ritmo invejável a diversas produções americanas de muito mais cacique, Cinco Graças nos apresenta uma luta crescente e irrefreável que deve não ser somente pleiteada por todas as mulheres, mas por qualquer ser humano desse globo. E cabe aqui mais uma das diversas sutilezas que perpassam o filme: a maior luta da humanidade (mulheres e homens) sempre foi a demanda por liberdade. Liberdade esta geralmente representada imageticamente através da figura de um cavalo livre. E felizmente Mustang (título do filme), acima de um carro, é uma raça de cavalo.
Assim que ultrapassa a inspeção, Eilis (Saoirse Ronan), acompanhada por uma câmera lenta e uma trilha melosa, cruza a porta de entrada dos EUA sem mais ninguém ao seu lado (mesmo que em um recinto repleto de inúmeros outros imigrantes), sendo por fim fustigada aos fundos por uma luz cegante. O que em boas mãos poderia evidenciar todo o intimismo e peso dramático do princípio de uma nova realidade, perde-se neste Brooklyn (2015) em um exagero de sentimentalismo que, consequentemente, nos repele de qualquer empatia que poderíamos ter para com a protagonista. O problema, no entanto, vai além, uma vez que este melodrama exacerbado mostra-se muito mais recorrente ao longo de todo o filme, do que meramente pontual em determinadas cenas.
Sem perspectivas de futuro, a jovem Eilis deixa a Irlanda em busca do tão almejado sonho americano. Lá, após um conturbado período de abandono e saudosismo, Eilis rapidamente se fixa, arranjando um emprego e um namorado. No entanto, após ser obrigada a retornar à terra natal devido a súbita morte de sua irmã querida, Eilis verá sua realidade irlandesa abraçar tudo aquilo que só era antes possível na América: um emprego e um namorado. Dividida entre os dois mundos, caberá então a Eilis, a autonomia de escolha e decisão sempre pretendida com relação ao seu futuro.
Não há como negar a carisma com que Saoirse Ronan compõe sua personagem. Apresentando-se inicialmente com um olhar ingênuo e passivo, é interessante contrastar as duas viagens de barco e perceber como na segunda, Ronan já se mostra bem mais altiva e confiante do que da primeira vez. E cabe aqui ressaltar a ajuda do excelente trabalho de figurino como acentuador desta transformação: trazendo modelos paulatinamente mais sóbrios e delineados, seu armário de roupas dialoga perfeitamente com o processo de amadurecimento que Eilis perpassa durante a projeção. Entretanto, relegada à melodramática direção de John Crowley, Ronan acaba por vezes encarnando o esteriótipo de garota angelical, tornando enfadonha tanto a personagem quanto a narrativa que a circunda. Compondo ainda o universo de Brooklyn, temos as típicas "irmãs" malvadas, os irretocáveis pretendentes amorosos e a inconsolável mãe. Mais uma vez, esteriótipos. Nenhuma destas personagens excede o que se espera delas, tornando assim a experiência artificial e tediosa.
Acrescida à péssima (e melodramática) direção, temos também um anti-climático (e melodramático) roteiro que, após apresentar as sofridas conquistas de Eilis, não dá ao espectador o tempo para sequer digerir e valorizar os esforços da protagonista pela estabilidade tanto almejada, anunciando repentinamente a morte da irmã. Recurso este que embora preguiçoso (afinal, gerar conflitos a partir da morte inesperada de alguém próximo é, sem dúvidas, uma das coisas mais batidas do cinema), mostra-se interessante para o dilema de Eilis, uma vez que ela não possui um vínculo incorruptível para com nenhum dos dois países, gerando assim a dúvida do suposto retorno que permeará o resto do filme. No entanto, os sentimentos que poderiam muito bem terem sido despertados vagarosamente no coração de Eilis (e do espectador), surgem a partir de outra preguiçosa solução narrativa: tendo ciência do marido italiano, a antiga patroa irlandesa de Eilis é revivida abruptamente pelo roteiro para jogar toda a verdade na cara da protagonista, fazendo com que ela então tome a iniciativa de retornar aos EUA. Disso, a impressão que se tem é a de que Eilis não retorna por conta do amor pelo marido italiano como o filme tenta fazer parecer, mas sim porque ela teme uma reprovação de seus conhecidos irlandeses. Dessa forma, tanto a ida à Irlanda, quanto a volta aos EUA apresentam-se como motivações narrativas desleixadas que, em maior análise, tornam o mais importante conflito do filme - a quem, pessoa ou país, Eilis pertence? - descartável.
Além de quase nunca fugir da tradicional montagem de planos e contra-planos, Crowley ainda por vezes excede a dosagem de cortes entre estes, tornando cenas como as da sala de jantar da anfitriã americana de Eilis extremamente cansativas de se acompanhar. E por fim, se já não bastasse as caricatas personagens, a melosa trilha sonora e a excessivamente iluminada fotografia, Brooklyn ainda nos presenteia com o grand-finale: um voice-over de superação e um quadro final congelado. Que melodrama!
"(...) with Russell describing the movie as “a fable that lives somewhere between, you know, ‘Citizen Kane,’ ‘The Godfather’ and ‘It’s A Wonderful Life.”
Atualmente, não há diretor mais superestimado em Hollywood do que David O. Russell. Após ser aclamado gênio com o apenas bom O Lado Bom da Vida (2012), Russell manteve a aprovação com o péssimo Trapaça (2013), perdurando uma vez mais com este desastroso Joy: O Nome do Sucesso (2015).
Joy Mangano (Jennifer Lawrence) é uma mulher divorciada que após ver a deterioração de todo seu idealismo em uma vida servil e desiludida, decide reavivar sua criatividade inerente para trilhar um futuro independente e próspero. A partir desta sinopse, tem-se a concepção de uma história de relevância muito atual, visto que a superação envolve também uma busca por autonomia feminina diante do mundo machista em que vivemos - como a própria auspiciosa mensagem inicial, "inspirado em verdadeiras histórias de mulheres corajosas", parece nos sublinhar. O problema decorre do fato deste processo de engajamento ser seriamente prejudicado por um mundo que parece não só irreal, como também subjugado à Joy, ou melhor dizendo, à Jennifer Lawrence...
Não me entendam mal, J.Law é uma maravilhosa atriz, mas em Joy, Russell parece preferir brindá-la com mais uma estatueta dourada do que simplesmente se preocupar em contar uma boa história. Apresentando apressadamente todas as personagens através de um voice-over da defunta coadjuvante da coadjuvante avó de Joy (Diane Ladd), o filme oferece marionetes que, sem um pingo de presença ou motivação, são relegadas à figura de Joy. Afinal, mesmo que isso tenha acontecido de fato na vida real, a artificialidade com que personagens como Jackie (Dascha Polanco), Trudy (Isabella Rossellini) e Peggy (Elisabeth Röhm) simplesmente surgem para ora ajudarem, ora hostilizarem a protagonista é impressionantemente absurda.
Artificialidade esta que provém substancialmente do deficiente roteiro, contaminando como supracitado não só as personagens, mas também a coesão das cenas. Como, sem nunca ter lidado uma sequer vez com negócios, Trudy, Rudy (Robert DeNiro) ou até mesmo, Neil (Bradley Cooper) acatam tudo o que Joy propõe? Se por anos sua vida sempre fora miserável como visto no início do filme, por que só após um (ordinário e excessivamente didático) sonho Joy acorda para vida? Realmente o melhor vendedor da maior empresa de varejistas do país nem sequer se familiarizou com o produto antes de anunciá-lo? Como Joy conseguiu interromper a reunião dos manda-chuvas da empresa, sendo que na vez anterior ela tinha ficado sentada junto ao ex-marido (Edgar Ramirez) sem nem ao menos conseguir entrar no prédio? Ah, conta outra que no banheiro tinha uma portinha secreta que levava diretamente para a linha de montagem da fábrica? Como é possível perceber, Joy possui muitas (mas muitas) incongruências narrativas.
Se tudo isso já não bastasse, Russell ainda se mostra extremamente ineficaz quanto ao jogo de câmeras: ao impor viciados cortes de planos e contra-planos de closes das personagens, qualquer mínimo peso dramático que poderia ser concebido às cenas, dá lugar a uma claustrofobia desnecessária que nos afasta ainda mais da trama. Além disso, a trilha sonora aparece diversas vezes mal empregada, sumindo de forma tão repentina e aleatória que sentimos até mesmo um certo estranhamento (durante a projeção, recordo-me de que a mesma música de Alabama Shakes é cortada em dois momentos diferentes do filme de forma tão descuidada, que eu acabei me perdendo por alguns segundos até retornar ao filme).
Personagens, narrativa, aspectos técnicos... Bom, acho que Russell já errou a mão em tudo que ele poderia ter errad.. Mas é claro que não, tem ainda o tema: o feminismo, o engajamento social da mulher. Mas Russell, até nisso?! Ou melhor dizendo, principalmente nisso? Se desconsideramos tudo o que eu dissera sobre J.Law, minha única outra hipótese para todas as personagens acatarem o que Joy diz é a sua petulância. A petulância que faz uma pessoa atirar com uma arma a fim de proteger seu capital. Mas ao meu ver, petulância é algo totalmente diferente de independência. O feminismo é a busca pela equidade dos gêneros, é a desmistificação da mulher submissa e controlável; mas não a petulância. Quando Joy acaba o filme independente e próspera como a sinopse presumia, tem-se a sensação de que a mensagem feminista fora triunfantemente transmitida. Mas peguemos o último e mais vulnerável momento de Joy: após declarar falência, quais são as palavras derradeiras de Rudy à filha? "Eu a fiz pensar que ela era mais do que era na verdade”. É...
A partir daí, para sairmos do filme com uma sensação boa de superação, o "maravilhoso" roteiro nos concebe uma série de documentos e revelações ex-machinas nunca antes notados pelo advogado, podendo assim, findar a obra positivamente. No entanto, se pararmos para analisar mais friamente essa conclusão, podemos observar que este final súbito e artificial, acaba fazendo com que as conquistas de Joy não pareçam ter decorrido de sua independência, mas sim de um lance de sorte. Mas né, "não" tem problema, como dito, Joy era muito menos do que a faziam pensar que era mesmo...
Como redenção, Russell pelo menos nos contempla com um acerto: Joy com certeza está entre Cidadão Kane ou Poderoso Chefão; mas achatado e ofuscado bem no meio deles.
Não há como se referir a Steven Spielberg sem acabar abordando a própria história do cinema. Revolucionando o dito "cinema de entretenimento" com pérolas como Tubarão (1975), Caçadores da Arca Perdida (1981), E.T. - O Extraterrestre (1982) e Jurassic Park (1993), Spielberg empregou histórias emocionantes e cadenciadas com um ritmo primoroso durante boa parte de sua filmografia. Até mesmo quando tentava se embrenhar por temas mais dramáticos, Spielberg nos proporcionava por vezes um A Lista de Schindler (1993) ou O Resgate do Soldado Ryan (1998). No entanto, talvez tentando ao fim de sua carreira consolidar-se como um "diretor sério", Spielberg vem, desde o melodramático Cavalo de Guerra (2011), apresentando enfadonhas obras, filme após filme. Eis então, Ponte dos Espiões (2015).
Após ser intimado a defender um espião soviético, o advogado de seguros James B. Donovan (Tom Hanks) passa a permear um embate entre a ética de trabalho e o juramento de lealdade à nação, sendo posteriormente de vital importância para a negociação de prisioneiros capturados no território soviético. Assim, não é difícil depreender que a "ponte" do título refere-se exatamente ao trabalho de Donovan como vínculo apaziguador de duas nações à beira de um cataclismo global.
Para tal, era importante que Ponte dos Espiões tivesse um protagonista forte e determinado, e sem dúvida nenhuma, a persistência de Tom Hanks é extraordinária; o problema é que ela é extraordinária até demais. Se pegarmos a primeira conversa de Donovan, fica claro que suas ações não eram de fato tão humanitárias como o filme dá a entender durante o resto da projeção. Afinal, Donovan era o que via as indenizações como um único incidente, ao invés de quatro como indicado pelo número de vítimas do ocorrido. Como então um sujeito tão pragmático e calculista viria sem nenhum desenvolvimento de personagem a se tornar no indivíduo altruísta do fim do filme? Sem contar ainda que sua bondade é tão exagerada, que o acaba tornando unidimensional e, consequentemente, desinteressante demais para o suportarmos como protagonista.
Ademais, embora Mark Rylance até desperte certa carisma na pele de Rudolf Abel, sua personagem terá que ceder espaço a caricatas e artificiais inserções de personagens à trama, que como resultado, farão com que não tenhamos um pingo de empatia pelo dois americanos que, pelo contrário, deveríamos estar torcendo (e Deus, como Austin Stowell encarna Francis Gary Powers como o militar mais acéfalo e desestimulante do mundo!). Decorrente disto, nem a eficiente montagem entrecortando o treinamento de um espião americano com o processo judicial de um soviético, nem detalhes como os de uma classe de crianças jurando lealdade à nação sob Deus e a bandeira dos EUA, para espertamente serem cortadas a explosões de bombas atômicas que contrariariam todo o ideal de paz declamado no juramento, dispõem do mesmo peso dramático que boas interpretações acrescentariam à trama.
Por outro lado, Ponte dos Espiões redime-se minimamente com um design de produção que recria convincentemente tanto o Brooklyn e a Alemanha, como o figurino e objetos utilizados na época, de forma a nos impulsionar pelo menos visualmente aos anos 60 e à tensão da Guerra Fria. Além disso, Spielberg ainda se mostra operativo junto a parceria de longa data com o diretor de fotografia Janusz Kaminski, em conceber ambientes sempre repletos de amplas e excessivamente iluminadas janelas e corredores, dando a sensação de estarmos em um interrogatório sendo constantemente observados - como num primoroso enquadramento em que Donovan e Abel são pegos através das janelinhas da porta, enquanto a luz inquisidora aparece cegando-os por trás.
Com um material extremamente subaproveitado, Ponte dos Espiões ganharia muito se, ao invés de beatificar a índole de Donovan, tentasse abordar mais profundamente as maquinações de ambos os lados. Da forma como foi concebido, o desfecho de heroísmo e segurança nos dá a falsa impressão de que a negociação demarcava uma conciliação entre as duas potências, quando na verdade a aproximação ainda estava distante de ser sequer imaginada. Desse modo, a fabulação idealizada em Ponte dos Espiões acaba tornando risível e enfadonho os esforços recentes de Spielberg por um "cinema mais sério".
Em determinado momento de Spotlight - Segredos Revelados (2015), ouvimos um grupo de crianças cantando "O Holy Night" enquanto uma série de entrevistas de vítimas molestadas por padres são entrecortadas pela ágil montagem. No talvez momento mais tenso da projeção, somos ao fim da música apresentados ao coral de crianças católicas que performava a canção, e atemorizados como Michael Rezendes (Mark Ruffalo), associamos imediatamente todas as imagens vistas à monstruosidade que poderia infligir qualquer uma das pueris crianças sobre o palco.
Contando o verídico processo de destemidos jornalistas - Michael Rezendes (Mark Ruffalo), Walter Robinson (Michael Keaton), Sacha Pfeiffer (Rachel McAdams), Matt Carol (Brian d'Arcy James), Ben Bradlee Jr. (John Slatery) e Marty Baron (Liev Schreiber) -, numa investigação que traria à tona casos de estupro, pedofilia e negligência eclesiástica, Spotlight aparece contundente como denúncia a todo um recorrente sistema de omissões e horrores que a enorme lista de (des)créditos finais nos apresenta.
Em contrapartida à cena supracitada, Spotlight parece não se preocupar com uma montagem cinematográfica diferente da largamente vista em filmes mais tradicionais. Dessa forma, ao se restringir a longas cenas de diálogos compostas por planos e contra-planos, e esporadicamente por zoom ins e zoom outs, Spotlight faz uma escolha muito acertada em concentrar seu espectador mais na denúncia do que nos aspectos técnicos que poderiam distrair o peso do tema. Por consequência disto, cenas que quebram o ritmo estabelecido como "O Holy Night" acabam destacando-se ainda mais impactantemente ao público.
Efeito este também similar ao que acontece com as atuações. Optando sempre por reações mais íntimas - diferentemente por exemplo das de Lou Bloom em O Abutre (2014) -, o elenco oferece performances mais introspectivas que acabam, por contrapartida, soando convincentes e palpáveis às ações de um jornalista cotidiano. Do mesmo modo, momentos como os do estouro de Rezendes externam-se ainda mais impetuosos e desgostosos para com a repugnância dos dados observados. Por fim, ainda aliado ao clima convencionado, tem-se uma trilha de piano minimalista que embora nunca se destaque, mantenha uma sensação contida de permanente tensão, acabando por ser tão angustiante quanto uma vigorosa trilha como a de Mad Max: Estrada da Fúria (2015).
Finalmente, se não bastasse o formidável exame à pedofilia cometida e encobrida pela Igreja, Spotlight não só traça desdobramentos relevantes a este tema central - como o celibato eclesiástico e suas consequências psicológicas e sociais, a linha tênue entre ética de trabalho e corrupção passiva, as sequelas da impunidade e a diferenciação entre fé e instituição (em uma cena engenhosa, um ex-padre comenta friamente seus estudos acerca da pedofilia cometida por seus iguais, enquanto sabiamente distingue os dois conceitos, mantendo-se crente ao catolicismo) -, como também discute astutamente o destino e a transição de um jornalismo de pesquisa para um de entretenimento e momentaneidade (como visto no episódio em que as Torres Gêmeas são citadas), denotando consequentemente, a mudança da própria forma com que a sociedade se impõe diante da informação e do fugaz.
Assemelhando-se quase com o formato de um documentário, Spotlight reproduz como os esforços de competentes profissionais podem desmascarar antigas e obscuras práticas que só possuem, por única e direta consequência, a degradar o propósito daquilo que é mais primitivo do ser humano: a fé.
O oitavo filme de Quentin Tarantino! Yeah! Com a trilha composta por Ennio Morricone! Yeah! E Samuel L. Jackson no elenco! Yeah! Que filme! Fuck yeah!
Após capturar a misteriosa Daisy Domergue (Jennifer Jason Leigh), o caçador de recompensas John Ruth (Kurt Russell) espera levá-la a Red Rock em troca de sua recompensa. O que ele embora não esperava encontrar durante seu caminho era um bando de errantes que complexificariam todo seu traslado, e por consequência, a narrativa de Os Oito Odiados (2015).
Abrindo com uma fotografia soberba repleta de planos abertos e demorados, Tarantino contemplativamente estabelece o ritmo que nos seguirá durante o resto da projeção. Dessa forma, mesmo que se tenha uma sensação de arrasto e inércia, instaura-se também uma sobriedade e insegurança que fomentarão constantemente o suspense da trama. Suspense este que é também acentuado pelos longos monólogos e diálogos que sempre caracterizaram as personagens de Tarantino. E se em outras mãos, toda a exposição necessária para desenvolver a trama poderia soar artificial, Samuel L. Jackson consegue conduzir extensos monólogos sem que em um sequer momento nos cansemos do que está sendo dito.
Por outro lado, não há como negar que o desenvolvimento da trama prevê que acatemos cegamente à lógica do major Marquis Warren (Samuel L. Jackson). Afinal, não há como saber se de fato Minnie (Dana Gourrier) reprovava mexicanos ou se seu marido (Gene Jones) tinha o apreço pela poltrona referida. No entanto, junto à já citada ótima intenção de fala de Sam Jackson, tem-se também o fato de nenhuma das personagens ser suficientemente confiável para engolirmos suas motivações. Em outras palavras, o grande mote filme é a persuasão: todos são suspeitos até que se prove o contrário. Com isso, o vitorioso é aquele que não só consegue convencer as demais personagens, como também o espectador. E é aqui que Sam Jackson nos compra - ele pode não ser nada do que diz, mas ele sem dúvida é o mais convincente.
Ademais, mesmo que eu concorde com a desnecessária prolongação de algumas cenas, é impressionante como o ritmo empregado dialoga perfeitamente com a supracitada descrença para com as personagens. Assim, Tarantino estabelece através dos diálogos um suspense e desconfiança crescente que, a partir de um estouro pela ação, faz com que ponhamos todas nossas certezas à prova. Disto, sucede-se um novo curso para a trama e, consequentemente, novos diálogos que precederão um novo estouro, seguindo assim sucessivamente. Ainda nesta dicotomia entre suspense e ação, é também interessante ressaltar como a própria esplêndida trilha sonora de Morricone nos momentos de suspense ainda serve de acertado contraste às músicas de rock e pop que complementam as situações de ação.
É ainda divertidíssimo como após um desses estouros, Tarantino quebra a quarta parede (e a própria estrutura de capítulos que vinha desenvolvendo) e nos presenteia com uma informação hitchcockiana que nos fará desacreditar de tudo, de modo a nos impulsionar plenamente ao desenrolar da narrativa. Por fim, é também fascinante observar como Tarantino vem desenvolvendo um comentário social desde seus últimos trabalhos (Bastardos Inglórios (2009) e Django Livre (2012)), sem que para isso precise se basear unicamente em uma premissa crítica do tema, privando o espectador da fruição estética e narrativa de seus primeiros filmes.
Assim sendo, seja pela despretensiosa narrativa, pelas familiares personagens (ou vai dizer que 007 Contra Spectre (2015) não obrigou Christoph Waltz a ceder seu lugar a Tim Roth?), pela impecável trilha sonora ou pelo deleite visual, Os Oito Odiados é um ode à filmografia de Tarantino. No entanto, o ritmo compassado e a contemplação quase que sublime de seus quadros dão a impressão de que Tarantino está cada vez mais tornando seus filmes em estrondosas obras de espetáculo (observe como a concisão de Pulp Fiction (1994) vai evoluindo a partir de Kill Bill (2003-2004) ao ápice de ostentação presente neste Os Oito Odiados). Que fique claro que isto não é de forma alguma um defeito; muito pelo contrário, este despojamento e espontaneidade em trabalhar com o que fosse e da forma que quisesse são duas das características que sempre nos fizeram adorar Tarantino. Contudo, esta é só uma pequena impressão de um gigantesco admirador de Tarantino, esperando que ele não acabe sendo dominado por seu ego e criando obras que sejam mais espetáculos do que de fato filmes. E que filmes! Oui.
Depois de filmes como o arrastado Robin Hood (2010) e o abominável Conselheiro do Crime (2013), Ridley Scott parece (sutilmente) voltar à forma com o tema que sempre lhe rendeu bons resultados: o espaço-sideral.
Em solo marciano, após perder a consciência e ser deixado para trás por conta de uma tempestade de areia, Mark Watney (Matt Damon) se vê obrigado a aplicar todos seus conhecimentos científicos em prol da sobrevivência. Concomitantemente da Terra, a inteligência da NASA organiza uma arriscada missão de resgate permeada por politicagem e apelo midiático que complementarão a robustez do filme. Dessa forma, por meio de cortes paralelos contrastando o visual quente de Marte com a frieza administrativa da Terra, Perdido em Marte (2015) consegue balancear um clima de constante suspense, entrecortando oportunamente a tensão através do "timing cômico" de Damon.
Atuação esta que merece ser ressaltada, visto a importância de sua personagem para o encaminhamento do filme; afinal, se não houvesse empatia e identificação por Watney, o desenrolar do resgate se tornaria um gigantesco martírio. Felizmente, Damon consegue transpor tanto humanidade através de seus momentos de desespero, quanto esperança no sarcasmo de seus relatos, compondo assim um personagem estimulante e pelo qual gostamos de torcer. Por outro lado, excetuando Vincent Kapoor (Chiwetel Ejiofor), não senti esta mesma naturalidade das demais personagens, o que tornou meu envolvimento com as cenas da Terra exclusivamente pragmáticas e longe do peso emocional que Damon impunha ao filme. Se pegarmos Teddy Sanders (Jeff Daniels) como exemplo, a sensação é a de que ele não tinha uma determinação estabelecida, contradizendo-se em suas ações ao agir ora burocrática, ora solidariamente.
No entanto, mesmo que um tanto deficiente na composição de seus coadjuvantes, o roteiro mostra-se extremamente eficaz com os diálogos de Damon que, passando grande parte do filme relatando suas ações a uma câmera de bordo, os entrega espontaneamente sem qualquer indício de exposição. Mais do que isso, é impressionante como os elementos de tensão do roteiro ainda são acentuados pela consistente edição de Pietro Scalia (principalmente no arco final do filme), pela trilha sonora minimalista, mas de pontadas agudas de Harry Gregson-Williams e pela experiente movimentação de câmera de Scott em momentos como os de um contraponto visual em que, primeiramente vemos a câmera se afastando de Sanders com o fim da coletiva de imprensa e, logo no seguinte corte, se aproximando de Watney soterrado pela areia, como se a lógica visual nos indicasse por quem devêssemos realmente estreitar relações.
Apesar dos apurados diálogos e dos hábeis recursos estilísticos, achei o direcionamento narrativo um tanto enfadonho. Entendo que uma situação como a retratada geraria imediato solidarismo e reverência ao desamparado, mas sinto que esta dinamicidade na edição - que como dito acima, casa perfeitamente com a tensão almejada - ofusca a premissa básica do filme: a solidão de Watney. Desse modo, mesmo que com o decorrer do filme observemos uma transformação física, não há sequer um momento em que podemos questionar largamente a sanidade mental do protagonista. A ideia não é a de que ele necessariamente devesse ficar louco, mas sim de que esta experiência mexesse com ele de alguma forma - principalmente Watney sendo um homem tão expansivo e sociável como é. Em outras palavras, senti falta de momentos de silêncio e observação.
Dois aspectos que mesmo que retirassem parte do ritmo frenético do filme, recompensariam com profundidade psicológica ao personagem, tornando assim a provação ainda mais comovente. Seguindo esta lógica, o filme não só poderia se aprofundar em questionamentos filosóficos lançados ao final do filme ("único homem do planeta" ou "primeiro homem a fazer x ou y"), como também desenvolver um embate entre homem e natureza mais contundente - ao invés desta simplesmente aparecer ocasionalmente para destruir tudo e sumir sem nenhum embate posterior.
Em suma, Perdido em Marte possui um ótimo material, uma atuação central estupenda e um cuidado técnico excepcional. No entanto, se o foco do filme fosse mais o conflito interno de Watney do que a politicagem e heroísmo por trás de toda a situação, teríamos aqui uma experiência ainda mais instigante e, quiçá, angustiante do que o presenciado na aventura original. Por conta disto, não diria que o exposto fora mal-aproveitado, mas sim subaproveitado, indicando que embora ainda longe de seu vigor áureo, Scott felizmente já não se encontra mais Perdido no Limbo.
E enfim, a imensurável espera por Star Wars: O Despertar da Força (2015) chega ao fim; ou melhor dizendo, um prolífico começo? Acatando todas as (justas) críticas à Prequel Trilogy de George Lucas, J. J. Abrams retoma aos efeitos práticos, à singeleza de quadros abertos e não poluídos de efeitos e aos arcos dramáticos mais bem construídos, satisfazendo assim tanto os fãs mais nostálgicos quanto aqueles mais vanguardistas.
Após a derrocada de Darth Vader e seu Império, esta 7ª aventura choca antagonistas numa busca incessante por Luke Skywalker (Mark Hamill) e pela definição do destino da galáxia. Para isso, se os conhecidos rostos de Han Solo (Harrison Ford), Leia (Carrie Fischer) e Chewbacca (Peter Mayhem) já não despertam uma reminiscência nostálgica de aventura, será a química desenvolvida por Rey (Daisy Ridley), Finn (John Boyega) e Poe (Oscar Isaac), a responsável por, em questão de minutos, manter o público absorto pela trama do filme. E cabe aqui ressaltar as impressionantes atuações deste trio de atores na criação de empatia pelas suas personagens, e consequentemente, pelo filme. Dessa forma, se um enfadonho Hayden Christensen quase que tirava todo o peso dramático de seu personagem, será o espírito guerreiro e sonhador de Rey, a espontaneidade e fragilidade de Finn e a carisma e confiança de Poe, os motivadores por torcemos piamente pela evolução de suas características. Ao mesmo tempo, é imprescindível observar como o despropósito e imaturidade de Kylo Ren (Adam Driver) - que o conferem inicialmente um traço de humanidade e esperança -, contrastam muito mais imperiosamente à transformação dolorosa culminada com o fim trágico de Han Solo.
É interessante também observar como o contraste entre as posturas das duas gerações mostra-se em maior escala, o próprio mote do filme. Dessa forma, se por um lado Leia, que mesmo dona de si, ainda transpareça atitudes que a rebaixem sob Han Solo, Finn é agora o subjugado a Rey. No entanto, independentemente da geração, a beleza de Star Wars está justamente na busca pelo equilíbrio destas disparidades, visto que ambos só serão vitoriosos caso se unam e lutem como iguais. Por conta disto, é incrível que a aventura seja protagonizada por uma mulher Jedi e um ex-Stormtrooper negro. Pois mesmo que a "coincidência" de todos os conflitos da galáxia sejam reflexo de um grande mal-resolvido familiar, temos uma sensação multirracial/universal dos problemas, o que dialoga perfeitamente com a ideia de República e o respeito ao próximo e ao diferente difundido por ela.
Falando em República, sinto que uma das carências (digo carência e não problema, pois sem este conceito o filme é bom; com ele, ficaria ainda melhor) do filme seja justamente a despretensão política (e acrescentaria também, religiosa) tão enriquecedora aos episódios II, III e IV da franquia. Imagino eu que os próximos capítulos darão maiores explicações, mas o que é a Primeira Ordem? A forma com que ela e o General Hux (Domhnall Gleeson) são apresentados soaram caricatos demais, como se eles estivessem ali mais como representação do Mal, do que como um propósito ideológico de governo. Felizmente, Kylo Ren consegue suplantar todos esses problemas e atrair para si o peso dramático de antagonista do filme.
Seguindo ainda a ideia nostalgia/vanguarda, é evidente como O Despertar da Força repagina momentos clássicos dos filmes predecessores para situar novos conflitos. Assim, Han Solo e Kylo Ren sobre uma plataforma acima do infindável buraco remetem à icônica cena entre Darth Vader e Luke no episódio V, enquadramentos de corredor em que Han Solo aparece atirando em Stormtroopers relembram a célebre fuga pelo triturador no episódio IV, e Poe invadindo a Starkiller rememoram o corredor de X-Wings no também episódio IV.
Junto a esses detalhes, não custa nada repetir o acerto de J. J. Abrams para com o design de produção do filme. Principalmente em cenas como as do bar, em que a veracidade das criaturas é milhares de vezes mais palpável que os artificiais efeitos da Prequel Trilogy, dando-nos a sensação de realmente estarmos num universo complexo, imaginativo e excitante como o de Star Wars. Excitação esta ainda acentuada pela embora contida (se comparada com as das antigas trilogias), embalante trilha sonora de John Williams (que durante os créditos iniciais, provavelmente arrancou lágrimas dos até mais críticos do filme).
Em suma, O Despertar da Força cumpre com todas as expectativas que um bom fã/cinéfilo/curioso procuraria num filme da saga. Sim, é claro que o filme possui diversos problemas... Ou vai falar que é normal uma garota perdida no meio do nada saber falar trezentas mil línguas diferentes? Ou quem sabe esses engenheiros da Primeira Ordem não serem tão maus assim e projetarem uma wannabe Estrela da Morte com o mesmo ponto fraco de sempre? Ou então um R2-D2 ex-machina, acordando na hora certa para encaixar o mapa? Ou por fim a aparição de um Stormtrooper aleatório, gritando "Traitorrrr!" só para que o filme tivesse uma cena a mais de combate? Ok, vocês captaram...
No entanto, todos esses problemas são menores se comparados com a completude da obra. Se existe uma palavra presente em quase todos os filmes da saga (sim, estou falando de você, episódio I), essa palavra seria ritmo. Seja o ritmo preciso de cortes entre acontecimentos paralelos, o ritmo cadenciado entre a comédia e o drama, o ritmo no desenvolvimento de suspense e nos arcos narrativos das personagens, o ritmo da trilha sonora. Enfim, o ritmo! Mesmo achando que esse ritmo seja um tanto que prejudicado no segundo ato do filme, Star Wars: O Despertar da Força possui tanto um primeiro quanto um último ato soberbos, e para mim, esta é a grande realização do filme: conceber uma ficção de ritmo tão impressionante, que acaba por extensão dos limites da tela, invadindo todo o mundo com a sua magia.
Até que ponto vai a sensibilidade artificial? Sem dúvida nenhuma, esta é uma pergunta fundamental em Ex Machina: Instinto Artificial (2015). No entanto, se analisarmos a obra um pouquinho mais a fundo, uma pergunta muito mais pertinente a se fazer seria: até que ponto vai a sensibilidade humana?
Após ganhar um inesperado concurso de sua empresa, o jovem programador Caleb (Domhnall Gleeson) é convidado a avaliar por uma semana um protótipo de inteligência artificial desenvolvido pelo seu chefe, Nathan Bateman (Oscar Isaac). Contudo, conforme os experimentos prosseguem, Caleb passa a ser seduzido por Ava, a robô com I.A., não sabendo a quem confiar a verdade.
Antes mesmo da discussão entre criador e criação, uma rápida, embora notável informação que possa passar despercebida situa-se no próprio título do filme: Ex Machina. A mais imediata relação dá-se pela passagem de Ava de máquina a ser humano, ou seja, ex-máquina (como em ex-namorado). Por outro lado, esse termo logo nos remete ao conceito de Deus Ex Machina, em que uma sequência de eventos inverossímeis inesperadamente conflui a uma solução. Neste caso, para entendermos como este conceito se encaixa na trama, basta adentrarmos brevemente nas discussões filosóficas do filme: existe coincidência mais inexplicável do que o surgimento da vida? Ou você nunca parou para pensar como zilhões de moléculas acabaram por se aglutinar formando o indivíduo que está lendo isso agora? Ou talvez a corrida que o seu espermatozoide teve que vencer para que seus olhos pudessem transcorrer essas linhas? Ou até mesmo a convergência de fatores que acabaram por formar o planeta e o computador à sua frente? A vida é uma grande coincidência. Gerar vida então é uma obra de deus; e Nathan burla isso como se fosse o próprio.
Dentre os inúmeros questionamentos que Ex Machina propõe (quão fantoches de uma entidade maior não somos? O que nos identifica como seres humanos? Será que já convivemos cotidianamente com I.A. e não nos damos conta disto?), o talvez maior trunfo do filme seja posicioná-los em prol da intimidade de suas personagens (e cabe aqui ressaltar as estupendas perfomances do trio), ao contrário do que muitos filmes fazem ao universalizá-los como preocupações de toda uma sociedade. Dessa forma, é poderosíssimo observar como cada indagação parece ter ainda mais força ao cercar os princípios particulares de Caleb, forçando-o a se relacionar sentimental e cegamente ao desdobrar dos acontecimentos. Possivelmente por isto, o filme trate a óbvia causa dos apagões e da identidade de Kyoko (Sonoya Mizuno) como revelações surpreendentes ao personagem, dando ao espectador a sensação de previsibilidade sobre tudo que está vendo. Entretanto, imagino poder classificar a trama sob várias camadas de dominação. Desse modo, temos Caleb subjugado ao olhar de Nathan, que por sua vez está subjugado ao olhar do espectador, e que por fim, encontra-se submisso ao poder de Ava. Por conta disto, é só quando a ingenuidade do público se equivale à sujeição de Caleb e Nathan pela I.A., que passamos a nos surpreender com o jogo manipulativo que cerceava toda a trama.
Por fim, a abordagem dada à I.A. é ainda realçada na sexualidade fatal de Ava, conferindo um balanço de humanidade que alterna-se entre a doçura controlada e o perigo iminente. É através desta dicotomia moral que Ex Machina nos concebe o momento mais singelo de todo o filme: o vestir da pele seguido da fuga à liberdade.
Se já não bastasse toda a complexidade temática, Alex Garland ainda nos brinda com um cuidado técnico que não só serve como fruição estética, mas também como reforço das ideias apresentadas. Assim sendo, mesmo com uma grande quantidade de cortes, Ex Machina estabelece seu ritmo prolongado e sóbrio, através de um jogo de câmeras quase que unicamente composto de planos e contra-planos de diálogo, proporcionando assim uma visão austera e dominadora similar a de um olhar divino dos fatos. Essa visão onisciente ainda é reforçada pela centralização das personagens nos quadros, responsáveis juntos aos ambientes claustrofóbicos em criarem uma sensação de submissão e (como já discutido) antecipação das ações das personagens. Contudo, Garland espertamente quebra com a lógica no exato momento em que Caleb observa Ava trajando a camada de pele. Como se magnetizado pelo que vê, Caleb consegue finalmente fugir visualmente do olhar inquisidor que o seguiu durante todo o filme, posiciando-se no canto esquerdo da tela. No entanto, Garland é ainda mais sagaz ao desfazer a falsa impressão de triunfo, rimando a traição de Ava com o aprisionamento visual de Caleb pelo batente da porta.
Ao dividir os encontros de Caleb e Ava em 7 sessões/dias, Ex Machina remete automaticamente à criação católica, prenunciando a singularidade tecnológica que a humanidade eventualmente alcançará. Na lógica cristã, Deus criou o mundo e tudo que há nele, incluindo o homem. O que se vê ao decorrer da evolução natural é a ação destrutiva do homem sobre o planeta, e assim sendo, sobre deus. Seguindo então o processo evolutivo, chegará o momento em que a máquina também destruirá o homem. Fica então a pergunta: até que ponto vai a sensibilidade humana (para resistir a tal desfecho)?
"Não é apenas muito volume. Isso é coisa de qualidade" - Ted Sarandos, chefe de conteúdo da Netflix, justificando a duplicação de suas produções originais.
Se por "qualidade", Sarandos referia-se à "piadas" que quando não racistas (tanto em relação ao negro quanto ao índio) ou machistas, apresentavam um Mark Twain rapper, um burro propulsor de fezes, ou até mesmo este exato animal realizando uma boquete, temos então uma nova definição de "qualidade".
A "nova" empreitada de Adam Sandler reúne seis meio-irmãos (Schneider, Lautner, Garcia, Crews, Wilson e o próprio Sandler) em busca de 50 mil dólares e o reconhecimento paterno. Utilizando-se de um plano de fundo dos típicos faroestes, The Ridiculous 6 (2015) perde-se completamente nas figuras caricatas e acéfalas que permeiam toda a trama. Não basta observarmos que o personagem de Crews seja negro, precisamos de um diálogo imbecil (e recorrente) que reitere isto. Não basta constatarmos que o personagem de Lautner não bata bem da cabeça, precisamos de um contínuo semblante pateta que nos lembre disto. No entanto, este didatismo torna-se ainda pior quando não cumpre a sua proposta, como visto na fisionomia inexpressiva de Sandler ao tentar mimetizar um vigilante misterioso ou na imbecilidade das ações de Susannah (Whitney Cummings) na composição de uma frustrada índia independente.
Dessa forma, sem nos identificar ou acreditar nas pretensões de nossos heróis, torna-se infinitamente mais difícil achar graça das piadas proferidas/vistas. Até mesmo aquelas que se mostram de fato divertidas (como aquela em que John Turturro define indiscriminadamente as regras do beisebol ou uma outra em que um embaraçado Schneider trava exibindo o sinal de socorro) acabam sendo encobertas pela criancice e futilidade das demais. No talvez esforço de "redimir todo este constrangimento", The Ridiculous 6 tenta ainda se mostrar profundo e inesperado ao revelar a real índole de Frank Stockburn (Nick Nolte). Entretanto, esta reviravolta é não só precária e enfadonha como também risível em sua tentativa de exaltação e dramatização do (inexistente) heroísmo de nossos protagonistas.
Se tivéssemos que apontar uma "qualidade" em The Ridiculous 6, certamente nomearíamos a direção de fotografia do filme, uma vez que determinados enquadramentos juntos à paleta de cores acabam por remeter instantaneamente à conhecida plasticidade de um faroeste. Por outro lado, notamos a completa inaptidão de Frank Coraci em estabelecer comicidade através da linguagem visual, dado que as tiradas do filme focam quase que integralmente nas performances dos atores, atestando assim o tom genérico e esquecível da obra. Em vias disto, temos essencialmente uma beleza artificial, já que de que adianta contemplarmos uma estética de "qualidade" se o conteúdo é desprezível e preocupado em preencher "volume" de mercado?
Em seus quase 10 minutos iniciais, Drive (2011) consegue nos impulsionar para o universo da trama de uma forma tão incisiva, que nem mesmo o laconismo do protagonista ou o ritmo da mise-en-scène nos afasta subsequentemente; muito pelo contrário, elementos estes servem para incorporar ainda mais frescor à experiência sensorial proporcionada pelo filme (compare como a perseguição inicial tomada quase sempre pelo interior do carro nos causa muito mais apreensão do que um segundo momento com os habituais e rápidos cortes do cinema hollywoodiano).
Acompanhando o incógnito dublê automobilístico/mecânico/piloto de fuga (Ryan Gosling) durante suas notívagas viagens, vamos sendo apresentados a todo um submundo no sentido literal e metafórico da palavra, visto que o distanciamento e insipidez de tudo que o permeia quase que justifica seus modos solitários e sucintos. Por outro lado, seja por amor, por afeto, ou por simples noção de pertencimento, vemos uma excêntrica sobrevida nas figuras que Irene (Carey Mulligan) e Benicio (Kaden Leos) despertam em nosso Motorista. Esta expressão é ainda mais acentuada na impotência e fragilidade com que Irene se apresenta: mãe aos 18 anos e mulher de um presidiário (Oscar Isaac), Irene é muito mais do que ingênua, é alienada. A sensação causada pelo filme é a de que todos os indivíduos ao seu redor preferem abstê-la de preocupações para assim poupá-la do mundo sofrível e cru em que vivemos. Por conta disto, o Piloto não só estabelece um raro vínculo afetivo, como se incumbe de preservar a também rara beleza presente na garota.
O problema surge quando Standard (ou em tradução livre, padrão, denotando o caráter genérico da personagem) compreensivelmente não se dá conta disto, demonstrando um tom de ironia e afronta até mesmo quando o Piloto se dispõe a ajudá-lo (perceba que a história contada a Benicio de como os pais se conheceram esconde uma "demarcação de território" contra qualquer interesse amoroso que o Piloto poderia vir a nutrir). No entanto, se não bastasse os sutis trejeitos (olhar baixo e o contrair do maxilar) de Gosling quando interpelado sobre o assunto, Drive ainda nos bombardeia com discretas fotografias de pai e filho conflituando com o Piloto pelo mesmo enquadramento (o momento mais escancarado ocorre na primeira vez em que o Piloto adentra o apartamento da família. Enquanto Standard e o filho aparecem em uma fotografia no mesmo plano de Irene, vemos um diminuto Piloto pego pelo reflexo do espelho. Esta ideia recorrente funciona como uma assombração durante todo o filme: Standard é uma constante lembrança de que o Piloto não pertence ao núcleo familiar).
Contudo, esse conflito imagético mostra sua maior sutileza (e expressividade) logo após Standard ser recebido com uma grande festa de boas-vindas e se deparar com o Motorista ao corredor. Perceba como cada corte ocupa-se de enquadrar espertamente um único personagem; através de uma linha vertical dividindo os dois lados do quadro, observamos Irene sempre situada ao lado direito dessa linha, enquanto Standard e o Motorista disputam o esquerdo. Dessa forma, a construção visual não só estabelece uma dinamicidade à cena como também reforça esteticamente o conflito narrativo. A partir desta análise, somos então capazes de significar o fim da cena: pressionado pela ofensiva de Standard, o Motorista sairá do quadro pelo lado direito, dando absoluto domínio do conflito ao primeiro homem, que poderá assim retornar ao canto esquerdo da tela.
Se já não bastasse esta maravilhosa rima visual, esta cena ainda resume um outro inteligente elemento: a composição sonora como expressão das sensações de Irene e do Motorista. Com uma rica trilha eletrônica, Drive estabelece durante toda sua duração dois temas principais; temas de apreensão/tensão e temas de amor/afeto. O primeiro é largamente utilizado nas cenas de assalto, perseguição e assassinato na segunda metade do filme. Já o segundo, aparece fortemente na metade inicial em que o Motorista se aproxima de Irene. Nesta cena em específico, perceba como um tema de amor/afeto no apartamento do Motorista começa diegético (aquele que faz parte da realidade do filme, já que ouvimos o som da festa abafado pelas paredes) e vai se tornando lentamente não-diegético (aquele que a personagem não ouve, visto que agora o som no apartamento do Motorista aparece tão vibrante quanto o da festa). Criando um paralelo às sensações de Irene e do Motorista, podemos entender que os dois nutrem um sentimento pelo outro que só será sanado (voltando ao som diegético) quando ambos se veem juntos no corredor. A partir deste olhar (ou no caso, ouvir) apurado, conseguimos incorporar muito mais profundidade às expressões de atuação e enredo que costumamos perceber. Dessa forma, se numa banal cena como esta conseguimos extrair tantos elementos estéticos, imagine numa de grande peso emocional... Que tal darmos uma olhadinha na cena do elevador?
Assim que entramos no elevador, somos transpostos a enquadramentos fechados e claustrofóbicos da situação. Junto a um tímido tema de apreensão/tensão, observamos o coldre e a arma do agressor. De repente, somos cortados a um plano mais aberto que vai rapidamente se aproximando do casal conforme as luzes diminuem e um tema de amor/afeto cresce. Os enquadramentos fechados que antes remetiam à tensão agora esboçam intimidade. Da mesma forma com que surgiu, tudo se anuvia, e transitamos num piscar de olhos da plena ternura à feroz violência. Veja como em um primeiro momento, vemos o Motorista entrecortado ou de costas, adotando assim o ponto de vista de Irene. Repare também que não ouvimos qualquer tipo de tema; não há tensão, não há amor, a fúria tomara conta do Motorista. Terminado o serviço, Irene foge rapidamente da cena do crime e começamos a ouvir um tema de apreensão/tensão. Desta simples escolha sonora, podemos depreender que o Motorista não se sente apreensivo com a morte, mas sim com a impressão que seu ato causara em Irene, denotando o forte sentimentalismo enrustido em seus modos. Sentimentalismo ainda amplamente reforçado durante o filme pelo jogo de vermelhos nas cenas de desejo e carinho (como visto nos recorrentes trajes que Irene veste desde os créditos iniciais, nas luzes noturnas que enchem o rosto do Motorista imerso em devaneios pela garota ou nos frequentes avisos de saída/"EXIT", resultados dos esforços de fuga do apartamento/núcleo familiar por parte de Irene junto ao Motorista) e verdes nas de solidão do Motorista (como visto nas paredes de sua casa, nos papeis de parede que costumam preencher seu enquadramento na casa de Irene e nas árvores que circundam mãe e filho quando vistos do apartamento do Motorista).
Deixando os aspectos técnicos um pouco de lado, é necessário ressaltar a importância desta cena para o desenrolar das ações do protagonista. Sempre evitando o prestígio social e a ganância monetária, o Motorista tentava até então achar uma saída diplomática para os infortúnios que o marido de Irene trouxera. Sem o menor pingo de auto-preservação, a sua única aparente motivação restringia-se em manter a integridade física e psicológica da família vizinha. Para tal, vendo-se diante de um rua sem saída, o Motorista decidirá pela violência. E assim como na cena do elevador, temos mais uma dicotomia amor X violência. Neste universo frio em que pessoas dignas de amor como Irene e Benicio vivem, a única forma de perpetuação deste bem decorre do uso da violência. Nosso Motorista é então uma espécie de vigilante sem caráter (que é assim como Macunaíma, sem identidade e maniqueísmos) que precisou se modelar à ruindade do mundo para manter o resquício de bondade das pessoas (não à toa Irene é tão idealizada como é). Nosso Motorista é então a rã que carrega às costas (representado pelo grande escorpião dourado bordado em sua jaqueta) toda a maldade humana, sucumbindo junto a ela na forma de violência e solidão. E é justamente por conta disto que o Motorista se afasta de Irene ao fim do filme; porque sua natureza perturbaria a beleza intocável desta família. E infelizmente, Irene não se dá conta disto, concebendo o momento mais triste do filme: enquanto Irene avança sob os corredores vermelhos trajando também vermelho em busca de nosso Motorista, ele foge em noite envolvido por luzes esverdeadas...
Após esperar uma longa fila de alpinistas atravessar uma pontezinha improvisada, o irascível Beck Weathers (Josh Brolin) decide iniciar a travessia de seu grupo. Se já não bastasse a longa espera, Beck ainda tem o azar de cruzar a ponte no exato momento em que um desmoronamento abala as estruturas da construção. Numa cena muito bem cadenciada por cortes ligeiros e pontuais, temos toda a tensão sentida por esses aventureiros da neve. Enquadrando-o por exemplo sobre a devassidão do precipício e a imensidão do céu, podemos observar toda a insignificância do homem perante a natureza colossal do Monte Evereste. Uma cena maravilhosa! De fato, uma mesmo, porque em 2h30min de filme, sinto dizer que este tenha sido o único momento memorável de Evereste (2015).
Não há como negar a plasticidade impecável do filme; quadros abertos dando toda a dimensão da provação, ou movimentações de câmera sempre leves e de baixo para cima denotando um tom imperioso à montanha. No entanto, a duração do filme não só torna a experiência cansativa como também dá uma má impressão de reciclagem de imagens; a sensação que fica é a de que não conseguimos identificar momentos pontuais da obra, mas sim "aquela cena em que tinha muita neve", ou "aquele momento em que a montanha estava gigantesca", o que é basicamente todo o filme.
Por conta disto, não se desenvolve um bom ritmo do filme, tornando a experiência sensorial chapada e sem vida. O problema é que o prejuízo de ritmo é ainda acentuado por uma confusão de foco narrativo. Até chegarmos aos 2/3 de filme, não é possível identificar do que o filme se trata: política X individualidade ("que grupo e qual jornalista chegará ao cume primeiro?"), homem X natureza ("o homem conseguirá adentrar ambiente tão inóspito e sair intacto disto?"), homem X homem ("o que cada um dos alpinistas quer provar a si mesmo ou conhecidos com toda essa provação?"). Todos esses enfoques parecem se entrecruzar em questionamentos vazios e sem peso narrativo (pegue por exemplo a cena extremamente artificial em que Jon Krakauer (Michael Kelly) pergunta a cada um dos companheiros o motivo da empreitada. Agora pegue a cena anterior e seguinte a este momento. Elas não só não têm nada a ver com essa tentativa de sentimentalismo, como também aparecem desconexas da desenvolvimento narrativo que vinha se construindo até então), perdendo-se em diversos momentos para um embebedamento voyeurista das imagens.
Quando o filme enfim decide-se pelo melodrama-catástrofe (o que não significa algo ruim. Vide O Impossível (2012)), estoura um outro problema até então invisível (já que o próprio filme não se decidia no que mostrar), mas sempre presente: a força expressiva das personagens. Repare que digo personagens e não atores, visto que aqui temos um elenco de primeira linha: Jake Gyllenhaal, Keira Knightley, Michael Kelly, Sam Worthington, Emily Watson e Robin Wright. Mas o que todos estes atores têm em comum? Senão descartáveis, todos eles são pobres e desinteressantes à proposta do filme, de modo que o espectador não tenha meios de sentir empatia pela dor e sofrimento passados por cada um deles ao final do filme (pegando o meu próprio caso, eu torcia para que Jake Gyllenhaal não morresse pelo fato de ele ser O Jake Gyllenhaal, e não porque ele era um Scoot Fischer da vida). Observando as demais personagens ainda vemos Sam Worthington como aquele namorado insistente na mesma semana de fim de namoro, Keira Knightley como aquela amiga que te liga ocasionalmente para nos lembrar de que ela ainda existe e Michael Kelly como o amigo que não liga para você, mas que finge ligar. Em suma, não há peso dramático, e mesmo Jason Clarke e Josh Brolin que parecem se destacar levemente de maioria, acabam tendo que dividir os minutos de filme com subtramas desinteressantes, tornando suas próprias tramas fragmentadas e sem ritmo emocional.
Por fim, se a duração de Evereste acaba tornando as belas imagens do filme saturadas, tem-se um efeito parecido com a trilha sonora. Mais uma vez, assim como a plasticidade do filme, a trilha sonora também é estupenda, mas ela aparece tanto que ela acaba se tornando banal. Com toda a adversidade natural, o que seria de Evereste se o diretor prezasse por cenas em que só se ouvisse o barulho dos ventos, da neve, da respiração e andar dos alpinistas, do som do roçar das jaquetas, enfim, dos sons naturais. Se esta escolha fosse feita, não só teríamos uma imersão ainda mais poderosa às condições extremas de sobrevivência que o filme nos propõe, como a trilha sonora também apareceria muito mais contundente e dramática à completude da obra.
Evereste possui tudo que um melodrama-catástrofe deveria ter; só que de forma desconjuntada e aleatória. Seja pelo excesso estilístico, pela superficialidade caricatural ou pela incoesão narrativa, Evereste mostra-se uma montagem de recortes de sucesso embebido de um elenco renomado que, assim que atinge o cume de sua "tensão", pende ao genérico.
Ao receber um telefonema de sua filha, a doméstica Val (Regina Casé) abre a janela do quarto dos fundos na tentativa de "se sentir mais em casa", de se desvencilhar da condição submissiva em que se encontra. No entanto, o que aparenta ser uma inicial aproximação identitária com a filha, mostra-se uma prisão psicológica extremamente profunda no corte seguinte - num primeiro plano, é possível ver barras que a aprisionam tanto quanto as janelas antes fechadas.
Numa sutil composição visual, temos toda a angústia sofrida pela personagem: buscando melhores condições de vida para sua filha, Val muda-se para São Paulo na esperança de juntar dinheiro suficiente para arcar com os gastos daquela. Sempre postergando o retorno à sua terra natal, Val verá todas suas perspectivas e ambições viradas ao avesso quando deste telefonema. O que vemos então na cena supracitada é um reflexo da conturbada consciência de Val enquanto doméstica, mulher, mas acima de tudo, mãe.
Balanceando drama e humor na medida certa, Anna Muylaert consegue subjetivar a dor e alegria das diversas personagens do filme através do minimalismo da movimentação de câmera e da sensibilidade com que apresenta a narrativa. Dessa forma, é lindo observar como o slow-motion de Jéssica (Camila Márdila) na piscina, um simples travelling no corredor ou um foco no olhar apaixonado de Carlos (Lourenço Mutarelli) conseguem acentuar ainda mais o peso emocional e mordaz das respectivas cenas. Vale ressaltar também a força interpretativa de Camila Márdila e principalmente Regina Casé na composição de esteriótipos eficazes e complexos, tornando todo o desenvolvimento ainda mais verossímil.
A esta altura, não é novidade a ninguém a repercussão internacional que Que Horas Ela Volta? (2015) vem fazendo. No entanto, é muito interessante perceber como a primeira impressão de estrangeiros das mais diversas nacionalidades sempre reincide na inconformação com que o Brasil trata suas domésticas. Isso mostra que mesmo um país diversificado e moderno como o nosso ainda está longe de alcançar a perfeição. Por outro lado, o filme também não recai ao fácil maniqueísmo de patrões maldosos e domésticas injustiçadas. Sim, é claro que isso existe em certo nível, mas de forma muito mais bem trabalhada. A afronta de Jéssica, por exemplo, pode muito bem ser interpretada como uma prepotência jovial, como a própria Val ressalta. Assim como Bárbara (Karine Teles) também emprega sensibilidade quando demonstra a importância de Val à casa e ao seu filho. Por conta disto, é evidente que exista um conflito de classes, só não da forma casual e genérica recorrente; o que é muito positivo!
O que talvez não se mostre tão aparente como o conflito entre classes seja o âmago de toda mãe: a maternidade (The Second Mother / Una Segunda Madre / Une Seconde Mère nos títulos internacionais). Desde o primeiro encontro entre Jéssica e Val, vemos que essa última tem uma conexão muito mais forte com Fabinho (Michel Joelsas) do que com a própria filha (não é à toa que Jéssica chamará sua mãe por Val até o fim do filme). Se expandirmos esta análise às outras personagens femininas, veremos que todas elas terão o mesmo problema: Bárbara se sente ignorada por Fabinho tanto após se acidentar como quando apoia o filho depois do vestibular. Da mesma forma, Jéssica abandona o filho, da mesma forma que Val no passado, a fim de ascender socialmente. Em suma, o que podemos constatar é o conflito pessoal como expressão tão singela de humanidade quanto as imagens da fotografia; uma sutileza.
E é justamente a falta de sutileza o maior problema da conclusão do filme. Até chegarmos ao fim da história, tínhamos uma composição vagarosa e incisiva de Val. Cada novo passo era dado em conformidade com o anterior. Não quero dizer com isso que a decisão final da protagonista tenha sido infundada ou abrupta, afinal foram 13 anos de separação, mas sim que o filme tenha retratado de uma forma muito repentina. Se tivéssemos talvez mais 5 minutos de desenvolvimento, teríamos muito mais informações sobre a perspectiva de Val em relação à filha e à nova vida. Pareceu-me que Val decidira juntar-se à filha para simplesmente cuidar do filho desta, quebrando todo o vínculo de maternidade zelosamente construído ao decorrer do filme. Por maior que tenha sido a valorização do amor materno, a brevidade da cena acaba eliminando toda a profundidade emocional que poderíamos ter tido. Em outras palavras, o problema não é o que foi mostrado, mas sim como foi mostrado.
Que Horas Ela Volta? apresenta-se como um retrato cadenciado, incisivo e relevante de todo um momento social presente no Brasil. Mas mais do que suas críticas estruturais, Anna Muylaert consegue dar sensibilidade e beleza à maternidade e vínculos familiares tão recorrentes ao redor do mundo, denotando um caráter muito mais mundial do que o tema inicialmente se propunha.
Como uma grande homenagem ao majestoso Halloween de 78, Corrente do Mal (2015) também transita fortemente sobre os temas da descoberta e repressão sexual. Contando a história de Jay (Maika Monroe), uma garota que após uma despretensiosa transa começa a ser seguida por uma "entidade maligna", o filme consegue através da ideia de 'corrente', criar uma metáfora às DSTs e os consequentes distúrbios psicológicos causados pela contração destas. Dessa forma, é muito interessante perceber como as câmeras tremidas e desfocadas transcendem o cuidado técnico a fim de remeterem a um fraquejo proveniente das DSTs. No entanto, mais do que esta já sólida metáfora, há uma outra ainda mais poderosa.
Antes de perder a consciência e acordar amarrada pelo suposto ficante (Jake Weary), Jay filosofa sobre como sempre quis viver plenamente, viajando, transando e curtindo a vida. Mais adiante saberemos que esta não é de fato a primeira vez em que ela transa ou viaja com amigos. No entanto, Jay começa a tomar consciência da efemeridade de sua juventude, e em escala maior, da transição à vida adulta. Visto deste modo, a coisa ('It') pode significar o medo e a insegurança que todo jovem começa a ter após determinado momento. Não é à toa os pais terem sumido de todo o filme; a independência e liberdade tão almejadas por cada um de nós quebra também a redoma protetora de nossos pais. Afinal, Jay e seus amigos são agora a redoma de si mesmos, os novos adultos.
Confesso que talvez por conta desta condução temática, o filme não tenha de fato me aterrorizado em quesitos apelativos (o que passa longe de ser algo negativo). O terror aqui presente está muito mais no suspense psicológico criado, na forma como a paranoia transita no movimento de cada indivíduo em direção à câmera (uma estratégia embora não danosa, um tanto repetitiva com o desenrolar do filme). David Robert Mitchell também consegue acentuar o mistério através de longas tomadas de câmera fixa, enquanto o giro cria a espacialidade do local e a tensão de um encontro inesperado. Empregando enquadramentos mais fechados (com 'closes' no rosto ou em objetos) quando Jay está em fuga ou perigo iminente e outros mais abertos quando a calmaria reincide em desconfiança, Mitchell ainda se beneficia da esplendorosa trilha sintetizada de Rich Vreeland para pontuar a tensão e insanidade de cada novo movimento de Jay.
Por outro lado, o mesmo não se pode dizer da mal pontuada trilha de transição de cenas, responsável por uma artificialidade na construção coesiva dos cortes. Descompasso também desnecessário em algumas 'jump-scares', como a da bola de basquete na janela ou a da parede do armário tombando na casa abandonada (Mitchell, no entanto, acerta em cheio naquela em que um gigantesco homem aparece parado atrás de Yara (Olivia Luccardi)). Mas o, sem dúvida, maior problema de Corrente do Mal aparece em seu final ausente da emoção e tensão presente até então, não concluindo nem a metáfora do amadurecimento/DSTs, nem a sobrenaturalidade do ocorrido. Em outras palavras, a força narrativa do filme se esvai num final comedido e impotente, tornando a visível aflição de Jay desmotivante.
Com uma direção técnica estupenda, ótimas metáforas e um elenco eficiente, Corrente do Mal transpira frescor inovativo e tensão psicológica. E mesmo que possua um final desinteressante (e repetitivo) a tudo que acontecera, apresenta-se como uma obra de terror muito acima das vistas costumeiramente.
Utilizando-se de dourados e vermelhos pulsantes, e um figurino de encher os olhos, O Fantasma da Ópera (2004) mostra-se um filme esteticamente impecável, sendo infelizmente, deficiente em todo o resto.
Alternando a decadência do século XIX com a pomposidade do XX, podemos supor de antemão que uma terrível história acometera o teatro. Se na monocromia do primeiro, sofremos juntamente com o desenrolar do senhor cadeirante, no segundo somos bombardeados por uma gama de desinteressantes e expositivas tramas e personagens. Em outras palavras, enquanto o filme alonga-se em verbalizar a profundidade e carinho de laços passados de Christine (Emmy Rossum) com Raoul (Patrick Wilson, numa atuação sem nenhuma humanidade), ou com o próprio Fantasma (Gerard Butler), não vemos nenhuma expressão dessa química quando os mesmos se encontram juntos fisicamente. Isso não só torna o filme artificial como também dificulta o despertar de empatia para com as personagens.
Problema este ainda piorado por convenções narrativas inverossímeis, como a da figura esporádica de Madame Giry (Miranda Richardson) (aparecendo, por exemplo, misteriosamente para salvar Raoul e, posteriormente, sumir do mesmo modo), ou da cena do primeiro beijo entre Christine e Raoul (numa mudança de tom incongruente após fugirem desvairados do enforcamento de Buquet (Kevin McNally) - artificialidade também presente na guinada de tom após a aparição do Fantasma no (estupendo) baile).
Não vou nem entrar na discussão das pontadas de guitarra e de sintetizantes da música-tema, já que para um filme de tamanho orçamento, e mais, um musical, existe um problema ainda mais desastroso: a mixagem de som. Sem contar as diversas vezes em que a voz está dessincronizada com a personagem que está de costas, o meu maior desconforto se volta para o primeiro encontro entre Christine e o Fantasma. Logo no início da cena, a forte imposição vocal do Fantasma é rudemente alterada pela leveza de Christine através de um corte sonoro horroroso. Não bastando, no prosseguimento da ação, ouvimos Christine cantando, enquanto sua imagem refletida no espelho se mantém imutável! Quando então Christine começa a ser levada pelo Fantasma, não só seu rosto não denota nenhuma expressão, como a música-tema destoa totalmente das construções arcaicas que vemos (desculpem-me, mas não me contive). Dessa forma, uma das cenas que esperávamos encontrar maior peso emocional, é totalmente destruída pelo seu desleixo sonoro.
Tenho pena dessa versão de O Fantasma da Ópera, porque debaixo de toda essa monstruosidade de erros, sinto uma possibilidade narrativa muito forte emanando do conceito da obra. Se pegarmos por exemplo o Fantasma ou a própria ópera, já veremos duas entidades misteriosas e perturbadoras. No entanto, é o triângulo amoroso que dá força e profundidade a toda narrativa. Portanto, a partir do momento em que o maior poder da obra perde-se na leviandade de suas personagens, entendemos o porquê da incongruência e ruindade do filme.
Pegando carona no sucesso de Psicose (1960), Demência 13 (1963) e diversos outros "drive-in" (filmes de baixo orçamento direcionados a jovens amigos e/ou namorados) tentaram estrategicamente dar um fôlego extra ao suspense de Hitchcock.
Vendo-se com recursos financeiros disponíveis após concluir, sob encomenda do lendário Roger Corman, um rápido The Young Racers (1963), um jovem universitário chamado Francis Ford Coppola viu a oportunidade de realizar seu primeiro filme. Tendo uma feliz ideia para uma das cenas do filme, Coppola consegue convencer Corman a filmar com a mesma equipe e restante do montante de The Young Racers. Após passar a noite escrevendo o restante do roteiro, Coppola contacta um produtor britânico para um acréscimo no orçamento do filme em troca dos direitos de exibição na Inglaterra. Estava então formada, as condições necessárias para que Coppola pudesse finalmente experimentar e aprender a dirigir.
Na trama, após perder o marido num ataque fulminante, Louise (Luana Anders) decidirá viver junto à família dele para obter parte de sua herança. O que Louise não esperava era ter que aguentar um ritual em memória da filha mais nova que ressurgiria com eventos macabros da família.
Embora possua uma soberba música-tema e alguns cuidados estéticos bem interessantes para uma primeira experiência, como uma iluminação funcional e atuante (principalmente no ocultamento do assassino) ou uma movimentação de câmera instigante na criação de suspense (no segundo assassinato), são definitivamente os problemas que se destacam. Com isso, temos diálogos por vezes muito expositivos ("mas é preciso tomar cuidado com os seus irmãos... principalmente o mais velho, Richard" quando Louise escreve a carta em nome de John), um final apressado e explicativo demais, personagens ralos e sem força presencial, e como disse acima, um material reciclado de Psicose, fazendo com que consequentemente não sintamos um frescor ou um clima diferente, mas sim uma tentativa de capturar bons momentos do original e transformá-lo em um produto lucrativo.
Sendo uma clara cria de Psicose, Demência 13 não deve ser de maneira alguma defendida pelo nome de Coppola. O modus operandi do filme é claramente carente e escasso, mas nada disso deve modificar o julgamento do filme. No entanto, Demência 13 deve ser lembrado assim como Quem Bate à Minha Porta? (1967) ou Good Times (1967) como primeiro, mas fundamental passo, para que toda uma nova geração de Coppolas, Scorseses ou Friedkins pudessem revolucionar drasticamente uma decadente Hollywood.
Entre altos e baixos, Star Wars: Episódio III - A Vingança dos Sith (2005) marca o fim de uma das mais prolíficas sagas já feitas no cinema. Dentre carismáticos personagens (Jar Jar Binks (Ahmed Best) consolida-se como o personagem mais inútil de toda os tempos), estilosas naves (embora eu ainda prefira uma X-Wing ou uma Millenium Falcon) e um gigantesco emaranhado político, concluímos por fim as origens do famigerado Darth Vader/Anakin Skywalker (Hayden Christensen).
Assim como seu predecessor, A Vingança de Sith inicia-se com uma grande sequência de ação utilizada também como artifício de caracterização (ou no caso de uma trilogia, desenvolvimento) de personagem. Tendo um universo já mais bem fundamentado, é justificável que a caracterização das relações das protagonistas (Anakin/Obi-Wan (Ewan McGregor) e Anakin/Amidala (Natalie Portman)) não seja tão forte quanto a do quinto filme. No entanto, é possível perceber como um Anakin mais maduro (semblante e trajes mais escuros) ainda pende entre seus momentos de obediência e rebeldia. Da mesma forma, vemos como a chama de paixão tornou-se gradualmente numa relação de respeito mútuo, consideração e companheirismo. Ao mesmo tempo que os pilares da amizade (Obi-Wan) e da família (Amidala) são solidificados, Chanceler Palpatine/Darth Sidious (Ian McDiarmid) aproxima-se de Anakin a fim de modificá-lo psicologicamente para o Lado Negro da Força.
Diante de tamanha articulação narrativa, a horrível atuação de Hayden Christensen (sua atuação no filme anterior funcionara bem, pois com um cenário menos complexo, o que se pedia dele era justamente uma cabeça confusa pontuada por leves estouros) mostra-se ineficiente para explanar a complexidade de Anakin neste fatídico episódio (ao ser nomeado Conselheiro Jedi por Palpatine, Anakin responde: "Estou espantado!", com a expressão menos espantada possível. Em outro momento, Palpatine diz: "Pediram pra você me espionar, não foi?" ao que Anakin responde "Eu não sei... Não sei o que dizer." Não entendi se a pausa que ele faz olhando para o nada é para fingir que não sabe, ou se era confirmar o que o Palpatine lhe perguntara sem dizer em francas palavras), tornando sua transformação consequentemente menos verossimilhante.
Por outro lado, conforme seu plano se sucede, Ian McDiarmid emprega profundidade e calculismo em frases cada vez mais ritmadas, manipulando, mas sempre procurando estar a favor das decisões de Anakin. Sendo assim, tudo que os Jedis lhe negam, ele o concede. Tudo que o bem torna intangível, o mal lhe possibilita, tornando a seguinte pergunta muito válida: o que diferencia um Jedi de um Sith? (essa, Anakin mesmo responde) Enquanto os Jedis empregam seu poder pelo bem da sociedade, os Sith o utilizam para o bem próprio. Mas dessa forma, quando ele mata Dooku (Christopher Lee) ele não está pensando no bem da sociedade? Quando ele procura o Lado Negro para salvar Amidala, ele não está pensando na própria Amidala? E se Anakin não podia matar Dooku, por que Obi-Wan poderia matar Grievous (Matthew Wood) e Windu (Samuel L. Jackson) matar Sidious? A resposta está na motivação. Diferentemente de Obi-Wan e Windu, Anakin mata Dooku por raiva. É por não se dar conta desta diferença que Anakin vitimiza Sidious, e não Windu no exato momento anterior de sua completa transformação. Da mesma forma, o lindo amor que vimos florescer no filme anterior fará com que Anakin trespasse o limiar do sentir e busque o controle pela vida e morte de cada indivíduo. Em suma, por Anakin ser o prometido, o mais bem dotado e sensível, ele acaba ignorando o valor mais importante de um Jedi, o balanço, fazendo com que o declive seja brutalmente maior. É por conta disto que ao entrar para o Lado Negro da Força, todas as suas inicialmente boas pretensões, acabam sendo consumidas pelo domínio, controle, mal.
Com uma montagem muito eficaz nas cenas de ação, e principalmente no contraponto entre o nascimento de Luke/Leia com o de Darth Vader, Lucas emprega uma vivacidade e dinâmica importante para o tumulto político-psicológico do filme. Efeito este, contido em parte pela saturação de efeitos especiais tão característicos e tão daninhos a esta trilogia (ao final do filme, a qualidade dos efeitos melhora. Por que? Porque o que vemos é tudo material! De verdade! As paredes da nave, as mesas de comando, assim como feito na trilogia original. Por que não ter mantido assim?).
Findando a trilogia com a mesma profundidade de personagens e temas característica da primeira trilogia, este terceiro episódio sofre com efeitos especiais excessivos e com um ator principal quase inexpressivo. Podendo também dar mais espaço e força à grande Amidala do segundo filme, Star Wars: Episódio III - A Vingança dos Sith funciona bem em seus momentos de ação e drama, devido principalmente a uma excelente montagem e presença de personagens. E que a Força esteja contigo, Luke, porque Anakin, ou melhor, Darth Vader vem bombando por aí!
Após uma desastrosa retomada de franquia com Star Wars: Episódio I - A Ameaça Fantasma (1999), George Lucas parece ter recebido muito bem as críticas, tentando assim saná-las para que se pudesse sentir novamente a força e frescor de tempos remotos.
Com um prólogo excessivamente ágil e confuso, A Ameaça Fantasma sofria principalmente com a caracterização de suas personagens, visto que era difícil entender as motivações, ou mesmo acreditar no poder de Qui-Gon, Obi-Wan (Ewan McGregor) e da Rainha Amidala (Natalie Portman). Utilizando-se também de uma dinâmica inicial pulsante, Star Wars: Episódio II - Ataque dos Clones (2002) já nos prontifica numa excitante perseguição, sem se esquecer de apresentar a relação entre Obi-Wan e Anakin Skywalker (Hayden Christensen), expressa em breves tiradas e diálogos. Por conta disto, entendemos que Obi-Wan porta-se como um precavido e paternal mentor, enquanto Anakin denota uma vivacidade jovial e rebelde para com todas as formalidades e cuidados de seu mestre. Do mesmo modo, temos uma dinâmica amorosa entre Anakin e Amidala construída de uma forma crescente e vagarosa, transbordando perfeitamente as emoções dos dois (acentuada por uma impressionante montagem alternada entre a brancura e rigidez de Kamino com o calor e beleza de Naboo).
Adentrando mais nesta relação, é interessante como o quase sempre inexpressivo semblante de Hayden acaba se tornando primordial para acreditarmos no amor proibido com a Senadora. Outro detalhe interessante situa-se no contraste da retórica Jedi com as ações de Anakin: se os Jedis são sempre ensinados a sentir e a seguir seus instintos, Anakin não estaria errado em desenvolver uma paixão com Amidala. Afinal, existe maior expressão do sentir do que amar? Por outro lado, assim como um amor proibido desvirtuaria as ações políticas de Amidala (decidindo ao final do filme em agir ao invés de encontrar uma saída diplomática), a explosão das sensações acabará desestabilizando a Força em Anakin, tornando-o mais vulnerável a ser possuído pelo Lado Negro da Força. Vendo os resultados da vingança pela morte da mãe e sabendo que Obi-Wan e Anakin (tornando-se Darth Vader) estariam presentes na trilogia original, senti ao decorrer de todo o filme, um real perigo de Amidala morrer, e não só esse lindo amor sumir, como Anakin ensandecer e se render totalmente as forças do mal.
Toda esta fúria é também expressa de forma esplendorosa nos aspectos técnicos da cena em que Anakin retorna com sua mãe morta: conforme sentimos a raiva tomar conta de si, vamos tendo uma progressão de enquadramentos cada vez mais próximos e articulados de forma a engrandecer a dor e ódio de Anakin. Sendo assim, enquadramentos distantes o tornam diminuto em sua chegada, quadros mais próximos ainda o diminuem agachado na oficina, e por fim, uma câmera vinda de baixo o aumenta no momento do sepultamento de sua mãe e juramento de que nunca mais falhará. Da mesma forma, podemos ouvir uma crescente Marcha Imperial ao fundo, antecipando o mal que ele viria a se tornar.
Se já não bastasse uma contagiante e profunda caracterização das protagonistas, Ataque dos Clones ainda cerceia toda a trama com atuações proeminentes de R2-D2 (Kenny Baker)/C-3PO (Anthony Daniels), Windu (Samuel L. Jackson)/Yoda (Frank Oz)/Jedis e da Família Fett (Temuera Morrison e Daniel Logan), retomando todo o vigor que essas personagens uma vez tiveram na trilogia original e dando dimensão ao maravilhoso montagem e ritmo (momentos alternados de explosão e calmaria) de ação (Obi-Wan avisa do perigo aos Jedis e é em seguida capturado/Anakin e Amidala invadem então Geonosis e são também capturados/Obi-Wan, Anakin e Amidala conseguem evitar serem rapidamente mortos, mas acabam cercados/Jedis chegam e começa a luta/luta de Anakin, Obi-Wan e Yoda contra Dooku/batalha campal e tropas de Dooku fogem).
Por fim, com uma ilusória vitória, vemos como Palpatine (Ian McDiarmid) ou Darth Sidious (o filme pode não assegurar com palavras que ele seja de fato Sidious, mas a Marcha Imperial quando vemos sua imagem consolida todas as suspeitas) articula um gigantesco emaranhado político, por um lado controlando a República junto ao seu novo exército de clones, e de outro, detendo todas as forças opositoras, podendo facilmente emergir com o poderoso Império da trilogia original.
Com um desenvolvimento de personagens e conflitos muito mais poderoso e amarrado do que no quarto filme, um cenário político complexo, cenas de ação empolgantes e diversas referências à trilogia original (Estrela da Morte, braço robótico de Anakin e a ascensão de Boba Fett), Star Wars: Episódio II - Ataque dos Clones acaba pecando mais uma vez nos visuais extremamente artificiais, que mesmo que façam sentido em momentos específicos (perseguição entre o emaranhado de linhas de naves no início do filme justifica os planos de fundo sempre repletos de veículos), acabem tirando uma parcela da emoção do filme. Erro, no entanto, muito distante da atrocidade que A Ameaça Fantasma havia sido. Graças a Força!
Com um latente universo e cativantes personagens, George Lucas consolidou uma nova definição de sucesso, aquela em que a ficção transcende a tela e invade a vida real com os mais variados produtos, jogos e efervescência. Por conta disto, não é surpresa para ninguém, que uma hora ou outra, todo este universo seria mais uma vez transposto ao formato visual que o solidificou na cultura pop ao fim da década de 70. O que ninguém imaginava é que este mundo voltasse de uma forma tão insalubre e banal como este quarto filme.
O maior problema de Star Wars: Episódio I - A Ameaça Fantasma (1999) não é nem o excessivo uso de efeitos especiais (um já gigantesco problema que comentarei mais a frente), mas a falta de empatia que as personagens inspiram durante quase todo o filme, tendo como causa principal a bagunçada e demasiadamente ágil abertura do filme (o que é muito engraçado, já que o maior problema do primeiro terço dos dois últimos filmes da trilogia original (embora o resto dos respectivos filmes consigam se recuperar muito bem dali em diante) é justamente um prólogo excessivamente longo e desnecessário para o desenrolar da narrativa). Dessa forma, em pouco mais de 30 minutos, mal conhecemos Qui-Gon (Liam Neeson) e Obi-Wan (Ewan McGregor), e já somos obrigados a arrebanhar Jar Jar Binks (Ahmed Best), Padmé e a Rainha Amidala (Nicole Portman), R2-D2 (Kenny Baker) e Anakin (Jake Lloyd) em introduções que parecem ter como único intuito juntar todas as personagens principais de uma vez o mais rápido possível. Com o desleixo nas apresentações, nossa empatia pende aos personagens da antiga trilogia (R2-D2, C3PO (Anthony Daniels), ou mesmo ao planeta Tatooine) em detrimento dos novos e seus conflitos, nos fazendo, por exemplo, duvidar da força e poder dos dois Jedis (em vários momentos, eles sentem que algo está errado, ou que algo deve ser feito, mas não acreditando neles, a imersão na trama e o enlace dos acontecimentos acaba sendo prejudicado).
Não desenvolvendo uma forte união entre as personagens, os diálogos entre eles tornam-se frágeis, recorrendo constantemente a diálogos altamente expositivos. Um diálogo em específico entre Darth Sidious e Darth Maul (Ray Park) realmente me irritou: "Tatooine tem pouca população. Se estiver tudo certo, serão encontrados. Primeiro os Jedis. Será fácil levar a rainha para assinar o tratado em Naboo." - Darth Sidious "Enfim nos revelaremos aos Jedis. Enfim, teremos nossa vingança." - Darth Maul. (Se o filme precisa ter uma cena como esta, ou a maldade de nossos vilões é duvidosa ou o filme quer ter certeza absoluta de que o espectador entendeu que os vilões estavam querendo capturar a rainha e, consequentemente descartar os Jedis. Avá!).
Ao meio do filme, A Ameaça Fantasma altera seu foco para o desenvolvimento do jovem Anakin - o que é de fato instigante imaginar como aquele menino fofo e inocente acabaria se tornando Darth Vader. O problema é que com esta escolha, chegamos ao meio do filme sem conhecer direito nenhuma das demais personagens, como Jar Jar Binks, Padmé (que diz ter um carinho extremo por Anakin, mas que não é consideravelmente expresso de forma visual em nenhum momento do filme), e principalmente Obi-Wan, sem contar que Darth Maul mostra-se praticamente inexpressivo, para não falar ridículo, ao esperar toda a ação acontecer para finalmente decidir agir (não consigo conceber a velocidade com que Darth Maul localiza seus alvos dentre milhões de sistemas estelares e a dificuldade de achá-los dentro de um pouco populoso planeta).
Por fim, não é difícil perceber como Lucas e sua equipe utiliza-se de efeitos especiais de uma forma incabivelmente mais excessiva do que a primeira trilogia, deixando a tela muitas vezes poluída (cidades inteiramente computadorizadas, veículos em filas infindáveis ao céu, criaturas, exércitos e campos de batalha irreais). Não há como negar que a montagem da cena de ação final do filme seja dinâmica e tão digna quanto a dos filmes anteriores. No entanto, o problema reside na sensação de estarmos dentro de um grande jogo de videogame ao invés de uma obra cinematográfica, tornando todo o combate irreal e confuso.
Com personagens e motivações desinteressantes, conflitos desordenados e uma estética visual suja e excessivamente computadorizada, Star Wars: Episódio I - A Ameaça Fantasma estabelece-se num patamar estrondosamente inferior ao da primeira trilogia. Torçamos então para que a força se recupere nas próximas aventuras!
Não há como negar que Indiana Jones e o Reino da Caveira de Cristal (2008) extrapole diversas vezes o limite do aceitável (Indy (Harrison Ford) escapando de uma explosão nuclear em uma geladeira, seres humanos sendo carregados para dentro de formigueiros por formigas, Mutt (Shia LaBeouf) mimetizando uma corda com uma cobra e depois pulando junto a macacos em cipós). No entanto, se formos considerar o material de base da franquia (revistas pulp do final do século XIX até meados do século XX), veremos que muitas dessas cenas eram, na verdade, extremamente comuns (não é difícil relacionar Mutt aos cipós com Tarzan, ou mesmo transpor a paranoia nazista à comunista). Dessa forma, pode-se afirmar que este quarto filme não se distancia dos outros três, ou mesmo da grande parte dos filmes dos anos 80; o público foi quem mudou (compare um filme do Stallone ou do Chuck Norris com a franquia Bourne (2002-12)). Esta mudança de perspectiva traz tanto consequências positivas quanto negativas ao cinema de ação: tornando as sequências mais humanas e verossimilhantes, o público consegue se colocar mais facilmente no lugar da protagonista e entender a dificuldade de determinada cena. Por outro lado, tornar as sequências cada vez mais racionais tira o invólucro de escapismo do cinema. O mais interessante disto tudo é que atualmente vivemos essas duas perspectivas simultaneamente. Em outras palavras, ao mesmo tempo que vivemos o período de ascensão dos filmes de super-heróis, temos a sobriedade de aventuras calcadas no realismo.
Deixando esta análise mais geral de lado, vamos ao filme. Situando-se no final da década de 50, quando o fascismo mundial já havia sido destronado, e a bipolaridade ideológica entre os EUA e a União Soviética começava a se fortalecer, reencontramos um Indy muito mais senil, embora tão vigoroso quanto a dos filmes predecessores. Através de uma composição de época simpática, podemos ver traços característicos como a do surgimento de uma juventude rebelde (com expressão máxima em Mutt), desenvolvimento de uma tecnologia nuclear e paranoia com seres extraterrestres, dando um frescor às realidades dos outros filmes.
Tentando renovar o êxito das relações familiares do terceiro filme, O Reino da Caveira de Cristal desenvolve um enlace interessante com a carismática Marion (Karen Allen). No entanto, diferentemente de seu predecessor, tal construção tem muito mais função de alívio cômico e tensão sexual do que peso narrativo, desenvolvendo um conflito de gerações muito aquém do possível. Dessa forma, a força da trama situa-se integralmente no conflito entre Indy e Irina (Cate Blanchett, numa atuação de bastante presença nos breves momentos em que aparece). Embora caricata em sua maldade, é interessante perceber que embora seja a personagem mais calculista e racional (repare no cabelo estritamente separado), ela seja também a que mais acredite no misticismo e paranormalidade, tornando-a muito mais complexa e tempestuosa para a conclusão do filme.
Mas antes da conclusão, gostaria de comentar sobre a ação propriamente dita do filme, e infelizmente a comento um pouco desiludido. Parece que todos os maravilhosos efeitos práticos dos demais filmes tenham sido totalmente descartados por efeitos especiais irreais. É claro que os outros filmes também tenham seus momentos de computação gráfica, mas eles não são a maioria que nem aqui. Quase nunca temos um fundo verdadeiro ou uma montagem dinâmica como a do primeiro ou segundo filme. Talvez o único momento em que haja esta montagem seja na perseguição de carros pela floresta, em que a caveira passando da posse de um para outro lembre a esplendorosa abertura do segundo filme, mas nada muito memorável. Um outro problema da ação é a de adicionar momentos com nativos aleatórios que da mesma forma que aparecem, desaparecem sem nenhuma explicação que não a de simplesmente adicionar mais uma sequência de ação (compare com Kazim tentando proteger o Santo Graal no terceiro filme).
Indy: Nazca Indians used to bind their infants' head with rope to elongate the skull like that. Mutt: Why? Indy: Honor the gods. Mutt: No, no. God's head is not like that, man. Indy: Depends on who your god is.
Se existe algo que a franquia Indiana Jones sempre ensinou por baixo de toda as excitantes cenas de ação e românticos beijos de amor foi o respeito às culturas e religiões, independentemente de sua origem. O final do terceiro filme é extremamente característico nesse ponto, mas O Reino da Caveira de Cristal traz mais uma vez subentendido na paranoia comunista e extraterrestre, um belo exemplo de respeito cultural. O misticismo nesse filme começa muito antes da sequência final (como é quase hábito nos filmes predecessores), aparecendo tanto na figura caduca de Ox (John Hurt) quanto no bom clima de mistério na tumba de Francisco de Orellana. Essa mesma ideia é reforçada no final trágico de cada uma das antagonistas motivadas pelo desejo e controle desde o primeiro filme. É por conta disto que a frase de Irina ("I want to know everything") é muito forte. Sendo humanos, nós estamos muito aquém das forças supremas que regem o Universo (seja lá qual for a crença), e por isso, não somos capazes de possuir toda a força/poder/conhecimento do mundo. Ganância e respeito são, portanto, vitais para o entendimento do filme. Não é à toa que Indy nunca conseguiu levar nenhuma de suas descobertas a um museu. Sendo sagradas em sua conjuntura, elas devem então permanecer dentro de sua conjuntura. Eis aqui o exemplo máximo de respeito à cultura: se estas peças ficassem em um museu, elas não seriam objetos de adoração, mas sim de estudo. Sendo assim, manter a peça na sua própria conjuntura perpetua o ciclo de respeito, assim como este quarto filme faz com a franquia Indiana Jones.
Homem-Formiga (2015) é uma justa tentativa de ampliar o universo Marvel a temas e realidades cinematográficas diferentes das do carro-chefe da companhia. No entanto, ao tentar transformar uma boa ideia num material mais facilmente digestível ao grande público, o filme acaba se tornando subaproveitado e banalizado. Não há como negar que o 'timing' humorístico da Marvel seja extremamente apurado e que Paul Rudd consiga dar bastante frescor e emoção a Scott Lang, mas o ambiente e personagens (com exceção à relação entre Hank Pym (Michael Douglas) e Hope (Evangeline Lilly)) que o rodeiam tornam a experiência fraca e inconsistente.
O mais interessante é que o maior problema de Homem-Formiga é justamente o maior acerto de Guardiões da Galáxia (2014): a imprevisibilidade. Para um filme em que tudo é previamente calculado, dando até mesmo um tom formulaico à trama (como Hank Pym ter dado condições a Scott de invadir sua casa, ou simplesmente por ele ter ouvidos e olhos por toda a cidade com seus insetos), momentos em que tudo venha a se resolver inesperadamente soam incabíveis à anterior racionalidade. Dessa forma, cenas como a que Darren Cross (Corey Stoll) invade a casa de Hank Pym sem este perceber, ou a que tiros contra uma nuvem de insetos acertarem justamente Scott, ou até mesmo a que Scott decide "dar um olá" para o Falcão (Anthony Mackie) (sem contar que Scott invade a S.H.I.E.L.D. fugindo sem nenhuma consequência futura, como se os Vingadores tivessem simplesmente ignorado um ataque a sua base) soam desproporcionais a sobriedade da narrativa (Scott até poderia agir instintivamente, já que, assim como os Guardiões da Galáxia, ele não possuía a experiência necessária de trabalhos mais rebuscados. No entanto, sendo encabeçado pelo precavido Hank Pym, esta justificativa torna-se indesculpável).
Um outro grande problema se encontra na caracterização dos antagonistas do filme: Paxton (Bobby Cannavale) e a polícia, e Darren. Paxton age como um palhaço ao final do filme, não se decidindo o que fazer (quer impedir Hank Pym de entrar no prédio, recuperar o carro de polícia, prender Scott Lang ou salvar as pessoas do prédio em explosão? A resposta é que eles querem fazer tudo, e não conseguem fazer nada direito). Darren, por sua vez, é apresentado como um prolífico cientista que atordoado com a falta de tratamento e sinceridade de seu mentor, torna-se um sujeito frio e ganancioso. Considerando que Scott e seus comparsas eram ladrões, Darren acaba sendo exagerado para ser retratado como o real vilão da história. O problema é que isto o torna uma caricatura artificial e desinteressante à narrativa (a caricatura não precisa ser algo necessariamente ruim, veja Indiana Jones e os Caçadores da Arca Perdida (1981) por exemplo, mas ela precisa ser verossímil as pretensões da personagem e do filme -> Darren é uma artimanha feita a fim de tornar Scott e seus comparsas mais bonzinhos. Ponto).
Indo em contrapartida à caracterização de personagens e desenvolvimento de narrativa, os efeitos especiais mostram-se bem interessantes (valendo o 3D!), e mais do que isso, em favor da trama. Preferindo sempre quadros abertos ao Scott diminuir em tamanho, o filme consegue dar uma dimensão estrondosa do novo mundo da protagonista, nos impulsionando dentro de cada virada e queda. Além disso, é natural que o filme evitasse câmeras tremidas para que conseguíssemos ver Scott e sua infimidade em ação. Talvez a maior inconsistência das cenas de ação seja Darren saber utilizar a Jaqueta Amarela tão bem como Scott, sem ao menos treinar uma única vez, mas essa é um problema menor em relação aos demais supracitados.
Com um material subaproveitado e por vezes, desarticulado demais, Homem-Formiga é engraçado e empolgante visualmente, mas está longe de alcançar a magnitude e frescor criativo que Guardiões da Galáxia e a série Demolidor (2015) atingiram pouco tempo antes. No entanto, ele é, sem dúvida, um fôlego a uma experimentação inovativa dentro do universo dos super-heróis.
Bebendo de uma dinâmica de ação incessante e um balanço entre o misticismo e os fatos arqueológicos, Indiana Jones e os Caçadores da Arca Perdida (1981) revigorava todo o universo 'pulp', trazendo o carismático Harrison Ford na pele de Indiana Jones. Três anos mais tarde, embora ainda se focasse brevemente no caráter místico da narrativa, Indiana Jones e o Templo da Perdição destacava-se pelo seu primoroso ritmo de ação. Indiana Jones e a Última Cruzada (1989) pende totalmente para o lado contrário da balança. Ausente em seus momentos de ação memoráveis (perderíamos a conta se fizéssemos o mesmo nos dois primeiros filmes), esta terceira obra funda-se através de um ritmo lento e cadenciado que enaltece o balanço do tom por vezes factual, por vezes místico, mas sempre misterioso.
A primeira consequência desta abordagem é explicitamente expressa nas personagens do filme. Mesmo possuindo seus divertidíssimos momentos de alívio cômico (como quando Indy descobre que dormira com a mesma mulher que o pai ou quando justifica a "expulsão" do nazista por este não ter lhe entregado a passagem), as personagens possuem uma complexidade psicológica muito maior que a dos filmes predecessores (compare a periculosidade de Elsa (Alison Doody) com a de Willie, ou até mesmo, com a de Marion). E o filme se utilizará sabiamente do principal conflito ideológico (Indy com seu pai, o Dr. Henry Jones (Sean Connery)), para desenvolver o balanço de temas supracitado.
Logo no início do filme, Indy deixará claro que a tarefa de um arqueólogo resume-se muito mais na coleta de fatos do que na certeza de verdades. E tratando-se de verdades, é pontual a comparação com a fé. Para alguém que crê em algo, tudo que possa parecer balela a segundos olhos, apresenta-se como a única e legítima verdade. Não é à toa que Henry reprime seu filho ao blasfemar o nome de Deus em vão. Esse conflito ainda vai além quando consideramos a diferença de idade entre os dois Jones. Uma conversa em particular entre Indy e Donovan (Julian Glover) ilustra este conflito perfeitamente: "Vida eterna! A dádiva da juventude a quem beber do cálice. É uma boa história de ninar!" - Donovan "É o sonho de todos os idosos." - Indy "É o sonho de todo homem. Inclusive seu pai se não me engano." O que nos leva diretamente à maravilhosa cena final do filme.
Enquanto Indy atravessa as três provações antes de alcançar o Cavaleiro (Robert Eddison), constatamos que a resposta para cada mistério espiritual ditado no diário de Henry mostra-se de fruto mundano. No entanto, se deixarmos a tensão que camufla a cena, perceberemos que o que parece perfeitamente racional para Indy, apresenta-se totalmente em caráter de fé para Henry (somos constantemente cortados em zoom para Henry, sem contar a luz branca quase santificadora atrás dele). A cada nova provação, a armadilha torna-se mais complicada em se racionalizar, assim como a fé de Henry cresce, levando-nos finalmente à câmara e seu Cavaleiro (também com uma luz branca). O que a franquia guarda por baixo de seus tiroteios, escavações, beijos românticos e cobras é algo muito belo: a força da fé. E quando digo isso, não me refiro especificamente na fé cristã (muito porque o segundo filme aborda uma cultura e crença totalmente contrária a dos outros dois filmes), mas a fé em geral. Não podemos racionalizar a fé, pois ela não é um fato, é sim uma verdade. A verdade não precisa ser buscada, ela só precisa ser acreditada. O que a franquia Indiana Jones busca retratar de uma forma bem alegórica é o respeito à fé alheia. Não é à toa que Indy nunca consegue levar a relíquia para o museu (seja no primeiro filme, em que a Arca é levada para um depósito secreto, ou no começo de sua jornada, em que ele não consegue manter a cruz consigo). Pois lá, ela se tornaria um fato. A verdade precisa nascer e morrer com cada um, e deve ser portanto, resguardada do olhar factual.
A partir desta ótica, mesmo não detendo uma montagem e tensão tão instigantes quanto ao dos demais filmes, Indiana Jones e a Última Cruzada consegue significar toda a aventura do filme, tornando Indiana Jones uma das melhores franquias do cinema.
O Quarto de Jack
4.4 3,3K Assista AgoraSPOILER DETECTED!!!
"Can we go back to the Room?"
Semanas após o fim do martírio, Jack (Jacob Tremblay) interpela a frase supracitada à mãe. Espantada pelo pedido, Joy (Brie Larson) acata-o mesmo que receosa, a fim de romper as últimas amarras psicológicas que a rememoravam do lugar. Jack, por outro lado, vê o retorno ao Quarto como algo muito além da amargura de sua mãe. Para ele, o Quarto sempre simbolizou a fantasia, despreocupação e acalento materno que lhe fora contrariado diante do enfrentamento para com o mundo real. Dessa forma, retornar é deparar-se com um passado mesmo que temporalmente próximo, distantemente superado.
Após ser sequestrada, mantida em cativeiro e estuprada regularmente por dois longos anos, Joy dará luz a Jack, com que conviverá por mais cinco anos em busca de, também um dia, poder enfim contemplar a luz além de sua clausura. Assim, de maneira similar a de Guido em A Vida é Bela (1997), Joy conceberá uma ilusão que ausente seu filho da crua e terrível realidade em que os dois se encontram, tornando então o Quarto a realidade tangível à sensibilidade do filho.
Para tal, o início de O Quarto de Jack (2015) revela-se cadenciado e misterioso quanto às origens da rotina ditada por Joy. Dessa forma, é interessante perceber como pouco a pouco passamos a vê-la não mais como opressora, mas como mais uma oprimida. Contemplando-nos então com uma introdução de ritmo vivaz, tem-se não só a atenção do espectador junto aos desdobramentos narrativos, como também uma complacência e empatia pela situação ferrenha das protagonistas. Assim, em pouco mais de quinze minutos de projeção, já estamos tão absortos no universo do filme, que o clímax da fuga facilmente nos arrebata algumas lágrimas.
No entanto, o efeito só seria possível com atuações centrais que fizessem jus à complexidade do tema abordado. E aqui, é quase covarde como Larson e Tremblay nos contemplam com performances primorosas e extremamente sensíveis. Desse modo, se por um lado a alternância entre o olhar vazio e deteriorado do cárcere e o sorriso tímido e solidário ao filho, conferem a Joy um sofrimento velado e angustiante, Tremblay encarnará Jack com uma ingenuidade espontânea da sinceridade de suas perguntas e uma esperança reconfortante de seu tom de voz, contrapondo integralmente a personalidade da mãe e dinamizando a convivência da relação e os conflitos do filme.
Talvez até mais do que a já esplêndida Larson, Tremblay desponta como uma das atuações mais consistentes da temporada (podendo facilmente ter pleiteado uma das vagas da Academia) não só pela sensibilidade com que apresenta seu personagem, mas principalmente pela forma como suas características, aliadas a um perspicaz trabalho de direção, contagiam largamente o tom do filme. Assim, a partir da inocência dos olhos de uma criança, o espectador é exposto a uma visão curiosa e minimalista de objetos e sensações vistas como banais a nosso olhar já habituado. Não à toa, postando-se pelo ponto de vista de Jack, Abrahamson consegue captar a singeleza de móveis, mudanças de clima e meras percepções da realidade, sem que para isso tenha que recair ao costumeiro melodrama. E vale aqui ressaltar a estupenda cena da fuga em que um laborioso trabalho de foco, som dissonante, câmera lenta e enquadramentos fechados consegue transpor visualmente todo o choque e nervosismo de Jack.
Abrahamson é ainda cuidadoso junto ao seu diretor de fotografia Danny Cohen ao estabelecer uma lógica de enquadramentos que dialogue com a claustrofobia experimentada pelas protagonistas. Desse modo, é fascinante observar como os iniciais quadros quase que sempre em primeiro plano ("close") vão se abrindo conforme os dois escapam e são jogados ao mundo, de forma a melhor valorizar o corpo das personagens como um todo do que os antes recortes cinematográficos feitos dele. Até que por fim, a cena final mantenha uma câmera fixa enquanto os dois caminham ao longe, denotando imagética e metaforicamente, a superação da desgraça transcorrida.
Conduzido ainda por uma trilha evocativa, mas nunca exagerada de cordas (incluindo o piano), O Quarto de Jack deixa parte da tensão e ritmo de sua primeira metade, optando por desenvolver a repercussão midiática e familiar das consequências psicológicas, tanto degradantes (Joy) quanto recém-descobertas (Jack) das duas protagonistas. Mesmo que numa segunda metade mais arrastada, o filme consegue cadenciar bem os momentos de introspectividade e explosão emotiva, fazendo com que momentos como a da rejeição do avô (William H. Macy) em relação a Jack (por ele ser cria de um estuprador), inspirem ainda mais empatia e comoção pela vida dos dois coitados.
Dentre os diversos temas abordados em O Quarto de Jack (pressão da mídia, realidade cruel em oposição à fantasia agradável, conservadorismo de parentes), tem-se um que embora mais ameno, permeie de forma incisiva durante toda projeção: a maternidade. Quando perguntada se nunca passara pela cabeça a possibilidade de tirar a própria vida, Joy manifesta um incômodo compreensível. Percebendo isto, a repórter muito sagazmente redireciona a pergunta focando-se na importância de Jack em sua vida, o que rapidamente provoca um lindo sorriso de satisfação no rosto de Joy. Em outras palavras, durante os cinco anos de clausura, assim como Jack só conseguiu sobreviver às custas da mãe, Joy também só conseguiu sobreviver às custas do filho. E se Que Horas Ela Volta? (2015) comprovava o desconsolo de maternidades deficientes, aqui, O Quarto de Jack corrobora a força de um vínculo materno. É portanto de uma beleza indescritível que o filme acabe numa conciliação entre mãe e filho, afinal, foi da pureza e vivacidade desta relação que se sucedeu toda a motivação e conflito do filme. E que maior prazer teria uma mãe do que acompanhar o enfrentamento pelo qual uma criança passa durante seu processo de amadurecimento?
O amadurecimento de uma criança é, sem dúvida, um enfrentamento sutil e demorado. No entanto, monumental se visto diante da amplitude de informações, experiências e sensações que este grande quarto chamado mundo presenteia todo dia a cada um de seus residentes.
Edward Mãos de Tesoura
4.2 3,0K Assista AgoraSPOILER DETECTED!!!
Considerado por muitos a grande obra-prima de Tim Burton, Edward Mãos de Tesoura (1990) estabelece desde sua abertura o tom que tornou Burton um dos diretores mais prolíficos do final da década de 80 e início de 90. Embalado pela enigmática e evocativa trilha sonora de Danny Elfman, transitamos por suntuosas portas e extravagantes máquinas que, diante de sua monocromia e lugubridade, ostentam uma adoração quase que sublime pelo surreal. Desse modo, quando somos obrigados a ouvir a história de uma frágil senhora em seu típico ambiente familiar, o choque entre as estéticas é algo inesperado que, no entanto, se mostrará bastante recorrente durante o decorrer da projeção.
Ao se deparar com um retraído e excêntrico jovem portando tesouras no lugar das mãos, Peg Boggs (Dianne Wiest) decide solidariamente hospedá-lo em sua residência, suscitando uma série de ocorrências que mudarão a rotina da vizinhança como nunca antes. O que a uma primeira impressão poderia se mostrar como uma premissa falível e enfadonha, Burton consegue inspirar dinamicidade e sensibilidade, desenvolvendo tanto um protagonista imprevisível e inovativo (passando de jardineiro, cabeleireiro de cães e mulheres até, por fim, escultor de gelo), quanto temas que examinam mazelas sociais como a solidão e a exclusão.
Assim como em Bettlejuice (1988) e Batman (1989), Burton demora-se em takes aéreos e movimentações de câmera obtusas (como no momento em que Peg sobe as escadas da mansão) que, dialogando com a estética do expressionismo alemão, realçam ainda mais o surrealismo de seus filmes. Por outro lado, embora didático, Burton também funcionalmente estabelece uma lógica visual maniqueísta no contraste entre a felicidade (colorida) da vizinhança e a solidão (monocromática) de Edward (Johnny Depp), distinguindo-o dos já esotéricos moradores pela sua condição ainda mais inusitada. E para isso, a figurinista Colleen Atwood é ainda detalhista na concepção de uma vestimenta metálica e fúnebre que, juntamente ao cabelo desengonçado, ao semblante sempre machucado e, especialmente, aos maneirismos ingênuos de Depp (como os olhares condescendentes e o andar introvertido), retratam uma criatura inicialmente atroz, mas interiormente melancólica e miserável (como a boa e velha Criatura de Frankenstein).
Johnny Depp que aqui mais uma vez incorpora um de seus famosos (e extravagantes) personagens, interpreta-o sem grandes estouros, de forma convincente e funcional. Assim como Winona Ryder, que também encarna operativamente Kim como mais uma de suas inofensivas mocinhas (Drácula de Bram Stoker (1992), A Época da Inocência (1993), e de certa forma até Bettlejuice, para citar alguns). Infelizmente, à exceção deles, a maioria das demais personagens revelam-se como caricaturas ambulantes que, mesmo que agindo assim, acabem consequentemente inspirando ainda mais empatia por Edward, enfraquecem a riqueza e naturalidade do universo do filme.
Problema de naturalidade este que se estende também a alguns segmentos da trama, que, por se mostrarem saídas narrativas desleixadas e preguiçosas, acabam por tornar o tom excêntrico de Burton em situações tediosamente genéricas e familiares. Para mencionar alguns exemplos, o filme utiliza a fórmula batida de gags inoportunas que constantemente interrompem uma revelação importante (como Edward tomando choque ou deparando-se com alguém sem conseguir assim declamar seu amor por Kim), a artificial ferramenta de sumir com todos os figurantes para, após uma descoberta importante, surgir com todos de uma vez só (como na cena em que Jim (Anthony Michael Hall) esbarra com Edward sozinho na rua, seguido em frações de segundos por todos os demais vizinhos) e o típico conflito final arranjado, em que o universo do filme parece se resumir somente às personagens principais (ou vai me explicar como Kim e Jim conseguiram subir a estradinha até a mansão antes de toda a multidão a qual eles inicialmente estavam juntos). Assim, detalhes como estes podem até soar inicialmente irrisórios. No entanto, mesmo que subconscientemente, esse exagero e genericidade na realização de cenas particulares, acabam quebrando a verossimilhança até então estabelecida no tom e universo do filme.
Devido a esta discrepância no tom, os flashbacks incumbidos em contar o arco de Edward com seu Inventor (Vincent Price) acabam soando artificiais, visto que toda a bizarrice da "fábrica" é imediatamente seguida por socialites e seus problemas canis, revesando-se assim sucessivamente. Não só isso, como estes flashbacks mostram-se, mesmo que minimamente operativos à criação de empatia por Edward, extremamente anti-climáticos e dispensáveis, uma vez que toda informação apresentada neles já nos é resumida desde o início do filme (basicamente, o Inventor morre antes de conseguir finalizar as mãos de Edward. Algo que já sabemos desde as primeiras falas de Edward).
Sinto por conta do elencado que Burton poderia muito bem ter evitado o exagero do clima familiar, descendo a mão ainda mais em suas excentricidades, sem que para isso, tivesse de abdicar de memoráveis personagens e uma linda história de amor (vide A Noiva Cadáver (2005)). Não digo, no entanto, que Edward Mãos de Tesoura não tenha um memorável protagonista ou uma linda história de amor, afinal, a cena em que Kim dança sob o gelo é não só a sedimentação da química do casal, como também uma dos momentos do cinema mais sublimes da década de 90. O que quero dizer (mais uma vez) é que o tom e universo tão bem fundamentados em suas duas obras anteriores e até em momentos específicos deste filme são aqui muito inconstantes, prejudicando uma imersão totalmente plena que poderíamos ter junto a obra.
Mesmo assim, Edward Mãos de Tesoura é franco em sua mensagem e estudo de personagem: estará o problema nas abominações que nos cerceiam, ou no cerco que impomos a elas?
Cinco Graças
4.3 329 Assista AgoraSPOILER DETECTED!!!
Após assistirem a partida de futebol pela qual tinham fugido escondidas, o tio das cinco garotas (Ayberk Pekcan) decide instalar barras por toda a casa a fim de as manterem longe do mundo exterior. E é sutil (porém ácido) como o primeiro comentário acerca da decisão do tio não se refere à religião ou a elas próprias, mas sim "E depois vieram os homens...". Dessa forma, mesmo que a religião impere fortemente nas tradições e costumes de uma sociedade como a turca, vê-se que a questão central recai na verdade sobre o famigerado machismo. Machismo este resguardado por leis sagradas que ditam e limitam somente a liberdade das mulheres em sociedades ditas democráticas (afinal, por que os garotos também não são repreendidos por terem "garotas esfregando as coxas em seus ombros"?). Cinco Graças (2015) retrata então a jornada por libertação e autonomia de cinco garotas, que, decorrente tanto de machismos ostensivos quanto daqueles velados, podia ser muito bem a história de quaisquer outras deste planeta.
Estabelecendo um ritmo de crescente tensão, Cinco Graças encadeia as cenas de forma tão natural que seus 90 minutos de filme correm de maneira quase que imperceptível. Sendo assim, é gratificante observar como cada novo elemento, motivação ou personagem dinamizam as relações do filme, contemplando um enredo que, inicialmente de vários núcleos, fecha-se na proposta central da obra. Para citar alguns desses momentos, constatamos que a despedida inicial e o endereço da professora em Istambul se mostrarão essenciais para os planos de fuga de Lale (Günes Sensoy), assim como sua amizade crescente com o entregador Yasin (Burak Yigit). E por fim, temos ainda a inversão das antes enclausuradoras barras como forma de proteção ao casamento indesejado.
Junto à maravilhosa coesão narrativa, Deniz Gamze Ergüven concebe ainda não só um tema de extrema relevância, como também o apresenta num universo de ricas e genuínas personagens que, por consequência, tornam a obra final muito mais poderosa e imersiva ao espectador. Desse modo, mesmo que diante de uma mesma realidade, Lale, Nur (Doga Zeynep Doguslu), Ece (Elit Iscan), Selma (Tugba Sunguroglu) e Sonay (Ilayda Akdogan) possuem personalidades muito diferentes entre si. E até mais interessante do que estas diferenças, é notar o impacto que cada irmã que deixa a casa infligi sobre as que ficaram. Por conta desse cuidado em desenvolver as personagens, conseguimos acompanhar didática, mas nunca artificialmente, as motivações de Lale pela busca de uma vida melhor do que as de suas irmãs. E para tal, Ergüven e Sensoy são primorosas na composição de uma Lale que foge da imagem de garota intrinsecamente segura de si e desprendida de sua realidade, compondo a partir de suas inconformações, inocência e fragilidades (como no lindo e significativo abraço final) uma personagem por quem tenhamos muita empatia de se ver empoderar e desafiar as conjunturas que a cerceiam.
Cuidado este também observado na sutileza com que Ergüven emprega a direção e roteiro do filme. Sempre evitando cenas expositivas, sutilmente descobrimos que o conservador tio estupra esporadicamente uma de suas sobrinhas, que Nur se enoja dos doces que lhe são oferecidos após o suicídio da irmã, por se lembrar tanto da falecida como também da associação destes com o seu futuro e forçado casamento, e que mesmo quando à parte das tradições nacionais, os homens podem ser tão machistas quanto, por simplesmente se acharem superiores às mulheres, como na cena em que Ece convida um transeunte para dentro do carro. Preferindo sugerir a mostrar, Cinco Graças consegue ser muito mais incisivo e claustrofóbico do que muitos dos espalhafatosos atuais filmes de terror. Assim, o filme é também respeitoso em trazer a cena do suicídio sem qualquer trilha sonora (que é intimista na medida certa durante o resto da projeção), deixando com que o peso da cena deixe se levar pela tensão criada até aquele momento.
A talvez única ruim cena seja aquela em que as garotas assistem dentro do estádio ao jogo de futebol. Sendo nitidamente filmada dentro de um estúdio, o problema da cena não está em seu tom ou em sua incoerência/descartabilidade perante o resto da obra, mas simplesmente na falta de orçamento que os obrigou a filmá-la da forma descrita. Mesmo assim, este pequeno infortúnio é totalmente ofuscado pela leveza e dinamicidade com que a câmera se movimenta, transitando pelos ambientes e seguindo as personagens com o mínimo de cortes possível, como se o espectador fosse de fato a sexta irmã.
Empregando um ritmo invejável a diversas produções americanas de muito mais cacique, Cinco Graças nos apresenta uma luta crescente e irrefreável que deve não ser somente pleiteada por todas as mulheres, mas por qualquer ser humano desse globo. E cabe aqui mais uma das diversas sutilezas que perpassam o filme: a maior luta da humanidade (mulheres e homens) sempre foi a demanda por liberdade. Liberdade esta geralmente representada imageticamente através da figura de um cavalo livre. E felizmente Mustang (título do filme), acima de um carro, é uma raça de cavalo.
Brooklin
3.8 1,1KSPOILER DETECTED!!!
Assim que ultrapassa a inspeção, Eilis (Saoirse Ronan), acompanhada por uma câmera lenta e uma trilha melosa, cruza a porta de entrada dos EUA sem mais ninguém ao seu lado (mesmo que em um recinto repleto de inúmeros outros imigrantes), sendo por fim fustigada aos fundos por uma luz cegante. O que em boas mãos poderia evidenciar todo o intimismo e peso dramático do princípio de uma nova realidade, perde-se neste Brooklyn (2015) em um exagero de sentimentalismo que, consequentemente, nos repele de qualquer empatia que poderíamos ter para com a protagonista. O problema, no entanto, vai além, uma vez que este melodrama exacerbado mostra-se muito mais recorrente ao longo de todo o filme, do que meramente pontual em determinadas cenas.
Sem perspectivas de futuro, a jovem Eilis deixa a Irlanda em busca do tão almejado sonho americano. Lá, após um conturbado período de abandono e saudosismo, Eilis rapidamente se fixa, arranjando um emprego e um namorado. No entanto, após ser obrigada a retornar à terra natal devido a súbita morte de sua irmã querida, Eilis verá sua realidade irlandesa abraçar tudo aquilo que só era antes possível na América: um emprego e um namorado. Dividida entre os dois mundos, caberá então a Eilis, a autonomia de escolha e decisão sempre pretendida com relação ao seu futuro.
Não há como negar a carisma com que Saoirse Ronan compõe sua personagem. Apresentando-se inicialmente com um olhar ingênuo e passivo, é interessante contrastar as duas viagens de barco e perceber como na segunda, Ronan já se mostra bem mais altiva e confiante do que da primeira vez. E cabe aqui ressaltar a ajuda do excelente trabalho de figurino como acentuador desta transformação: trazendo modelos paulatinamente mais sóbrios e delineados, seu armário de roupas dialoga perfeitamente com o processo de amadurecimento que Eilis perpassa durante a projeção. Entretanto, relegada à melodramática direção de John Crowley, Ronan acaba por vezes encarnando o esteriótipo de garota angelical, tornando enfadonha tanto a personagem quanto a narrativa que a circunda. Compondo ainda o universo de Brooklyn, temos as típicas "irmãs" malvadas, os irretocáveis pretendentes amorosos e a inconsolável mãe. Mais uma vez, esteriótipos. Nenhuma destas personagens excede o que se espera delas, tornando assim a experiência artificial e tediosa.
Acrescida à péssima (e melodramática) direção, temos também um anti-climático (e melodramático) roteiro que, após apresentar as sofridas conquistas de Eilis, não dá ao espectador o tempo para sequer digerir e valorizar os esforços da protagonista pela estabilidade tanto almejada, anunciando repentinamente a morte da irmã. Recurso este que embora preguiçoso (afinal, gerar conflitos a partir da morte inesperada de alguém próximo é, sem dúvidas, uma das coisas mais batidas do cinema), mostra-se interessante para o dilema de Eilis, uma vez que ela não possui um vínculo incorruptível para com nenhum dos dois países, gerando assim a dúvida do suposto retorno que permeará o resto do filme. No entanto, os sentimentos que poderiam muito bem terem sido despertados vagarosamente no coração de Eilis (e do espectador), surgem a partir de outra preguiçosa solução narrativa: tendo ciência do marido italiano, a antiga patroa irlandesa de Eilis é revivida abruptamente pelo roteiro para jogar toda a verdade na cara da protagonista, fazendo com que ela então tome a iniciativa de retornar aos EUA. Disso, a impressão que se tem é a de que Eilis não retorna por conta do amor pelo marido italiano como o filme tenta fazer parecer, mas sim porque ela teme uma reprovação de seus conhecidos irlandeses. Dessa forma, tanto a ida à Irlanda, quanto a volta aos EUA apresentam-se como motivações narrativas desleixadas que, em maior análise, tornam o mais importante conflito do filme - a quem, pessoa ou país, Eilis pertence? - descartável.
Além de quase nunca fugir da tradicional montagem de planos e contra-planos, Crowley ainda por vezes excede a dosagem de cortes entre estes, tornando cenas como as da sala de jantar da anfitriã americana de Eilis extremamente cansativas de se acompanhar. E por fim, se já não bastasse as caricatas personagens, a melosa trilha sonora e a excessivamente iluminada fotografia, Brooklyn ainda nos presenteia com o grand-finale: um voice-over de superação e um quadro final congelado. Que melodrama!
Joy: O Nome do Sucesso
3.4 778 Assista AgoraSPOILER DETECTED!!!
"(...) with Russell describing the movie as “a fable that lives somewhere between, you know, ‘Citizen Kane,’ ‘The Godfather’ and ‘It’s A Wonderful Life.”
Atualmente, não há diretor mais superestimado em Hollywood do que David O. Russell. Após ser aclamado gênio com o apenas bom O Lado Bom da Vida (2012), Russell manteve a aprovação com o péssimo Trapaça (2013), perdurando uma vez mais com este desastroso Joy: O Nome do Sucesso (2015).
Joy Mangano (Jennifer Lawrence) é uma mulher divorciada que após ver a deterioração de todo seu idealismo em uma vida servil e desiludida, decide reavivar sua criatividade inerente para trilhar um futuro independente e próspero. A partir desta sinopse, tem-se a concepção de uma história de relevância muito atual, visto que a superação envolve também uma busca por autonomia feminina diante do mundo machista em que vivemos - como a própria auspiciosa mensagem inicial, "inspirado em verdadeiras histórias de mulheres corajosas", parece nos sublinhar. O problema decorre do fato deste processo de engajamento ser seriamente prejudicado por um mundo que parece não só irreal, como também subjugado à Joy, ou melhor dizendo, à Jennifer Lawrence...
Não me entendam mal, J.Law é uma maravilhosa atriz, mas em Joy, Russell parece preferir brindá-la com mais uma estatueta dourada do que simplesmente se preocupar em contar uma boa história. Apresentando apressadamente todas as personagens através de um voice-over da defunta coadjuvante da coadjuvante avó de Joy (Diane Ladd), o filme oferece marionetes que, sem um pingo de presença ou motivação, são relegadas à figura de Joy. Afinal, mesmo que isso tenha acontecido de fato na vida real, a artificialidade com que personagens como Jackie (Dascha Polanco), Trudy (Isabella Rossellini) e Peggy (Elisabeth Röhm) simplesmente surgem para ora ajudarem, ora hostilizarem a protagonista é impressionantemente absurda.
Artificialidade esta que provém substancialmente do deficiente roteiro, contaminando como supracitado não só as personagens, mas também a coesão das cenas. Como, sem nunca ter lidado uma sequer vez com negócios, Trudy, Rudy (Robert DeNiro) ou até mesmo, Neil (Bradley Cooper) acatam tudo o que Joy propõe? Se por anos sua vida sempre fora miserável como visto no início do filme, por que só após um (ordinário e excessivamente didático) sonho Joy acorda para vida? Realmente o melhor vendedor da maior empresa de varejistas do país nem sequer se familiarizou com o produto antes de anunciá-lo? Como Joy conseguiu interromper a reunião dos manda-chuvas da empresa, sendo que na vez anterior ela tinha ficado sentada junto ao ex-marido (Edgar Ramirez) sem nem ao menos conseguir entrar no prédio? Ah, conta outra que no banheiro tinha uma portinha secreta que levava diretamente para a linha de montagem da fábrica? Como é possível perceber, Joy possui muitas (mas muitas) incongruências narrativas.
Se tudo isso já não bastasse, Russell ainda se mostra extremamente ineficaz quanto ao jogo de câmeras: ao impor viciados cortes de planos e contra-planos de closes das personagens, qualquer mínimo peso dramático que poderia ser concebido às cenas, dá lugar a uma claustrofobia desnecessária que nos afasta ainda mais da trama. Além disso, a trilha sonora aparece diversas vezes mal empregada, sumindo de forma tão repentina e aleatória que sentimos até mesmo um certo estranhamento (durante a projeção, recordo-me de que a mesma música de Alabama Shakes é cortada em dois momentos diferentes do filme de forma tão descuidada, que eu acabei me perdendo por alguns segundos até retornar ao filme).
Personagens, narrativa, aspectos técnicos... Bom, acho que Russell já errou a mão em tudo que ele poderia ter errad.. Mas é claro que não, tem ainda o tema: o feminismo, o engajamento social da mulher. Mas Russell, até nisso?! Ou melhor dizendo, principalmente nisso? Se desconsideramos tudo o que eu dissera sobre J.Law, minha única outra hipótese para todas as personagens acatarem o que Joy diz é a sua petulância. A petulância que faz uma pessoa atirar com uma arma a fim de proteger seu capital. Mas ao meu ver, petulância é algo totalmente diferente de independência. O feminismo é a busca pela equidade dos gêneros, é a desmistificação da mulher submissa e controlável; mas não a petulância. Quando Joy acaba o filme independente e próspera como a sinopse presumia, tem-se a sensação de que a mensagem feminista fora triunfantemente transmitida. Mas peguemos o último e mais vulnerável momento de Joy: após declarar falência, quais são as palavras derradeiras de Rudy à filha? "Eu a fiz pensar que ela era mais do que era na verdade”. É...
A partir daí, para sairmos do filme com uma sensação boa de superação, o "maravilhoso" roteiro nos concebe uma série de documentos e revelações ex-machinas nunca antes notados pelo advogado, podendo assim, findar a obra positivamente. No entanto, se pararmos para analisar mais friamente essa conclusão, podemos observar que este final súbito e artificial, acaba fazendo com que as conquistas de Joy não pareçam ter decorrido de sua independência, mas sim de um lance de sorte. Mas né, "não" tem problema, como dito, Joy era muito menos do que a faziam pensar que era mesmo...
Como redenção, Russell pelo menos nos contempla com um acerto: Joy com certeza está entre Cidadão Kane ou Poderoso Chefão; mas achatado e ofuscado bem no meio deles.
Ponte dos Espiões
3.7 694Não há como se referir a Steven Spielberg sem acabar abordando a própria história do cinema. Revolucionando o dito "cinema de entretenimento" com pérolas como Tubarão (1975), Caçadores da Arca Perdida (1981), E.T. - O Extraterrestre (1982) e Jurassic Park (1993), Spielberg empregou histórias emocionantes e cadenciadas com um ritmo primoroso durante boa parte de sua filmografia. Até mesmo quando tentava se embrenhar por temas mais dramáticos, Spielberg nos proporcionava por vezes um A Lista de Schindler (1993) ou O Resgate do Soldado Ryan (1998). No entanto, talvez tentando ao fim de sua carreira consolidar-se como um "diretor sério", Spielberg vem, desde o melodramático Cavalo de Guerra (2011), apresentando enfadonhas obras, filme após filme. Eis então, Ponte dos Espiões (2015).
Após ser intimado a defender um espião soviético, o advogado de seguros James B. Donovan (Tom Hanks) passa a permear um embate entre a ética de trabalho e o juramento de lealdade à nação, sendo posteriormente de vital importância para a negociação de prisioneiros capturados no território soviético. Assim, não é difícil depreender que a "ponte" do título refere-se exatamente ao trabalho de Donovan como vínculo apaziguador de duas nações à beira de um cataclismo global.
Para tal, era importante que Ponte dos Espiões tivesse um protagonista forte e determinado, e sem dúvida nenhuma, a persistência de Tom Hanks é extraordinária; o problema é que ela é extraordinária até demais. Se pegarmos a primeira conversa de Donovan, fica claro que suas ações não eram de fato tão humanitárias como o filme dá a entender durante o resto da projeção. Afinal, Donovan era o que via as indenizações como um único incidente, ao invés de quatro como indicado pelo número de vítimas do ocorrido. Como então um sujeito tão pragmático e calculista viria sem nenhum desenvolvimento de personagem a se tornar no indivíduo altruísta do fim do filme? Sem contar ainda que sua bondade é tão exagerada, que o acaba tornando unidimensional e, consequentemente, desinteressante demais para o suportarmos como protagonista.
Ademais, embora Mark Rylance até desperte certa carisma na pele de Rudolf Abel, sua personagem terá que ceder espaço a caricatas e artificiais inserções de personagens à trama, que como resultado, farão com que não tenhamos um pingo de empatia pelo dois americanos que, pelo contrário, deveríamos estar torcendo (e Deus, como Austin Stowell encarna Francis Gary Powers como o militar mais acéfalo e desestimulante do mundo!). Decorrente disto, nem a eficiente montagem entrecortando o treinamento de um espião americano com o processo judicial de um soviético, nem detalhes como os de uma classe de crianças jurando lealdade à nação sob Deus e a bandeira dos EUA, para espertamente serem cortadas a explosões de bombas atômicas que contrariariam todo o ideal de paz declamado no juramento, dispõem do mesmo peso dramático que boas interpretações acrescentariam à trama.
Por outro lado, Ponte dos Espiões redime-se minimamente com um design de produção que recria convincentemente tanto o Brooklyn e a Alemanha, como o figurino e objetos utilizados na época, de forma a nos impulsionar pelo menos visualmente aos anos 60 e à tensão da Guerra Fria. Além disso, Spielberg ainda se mostra operativo junto a parceria de longa data com o diretor de fotografia Janusz Kaminski, em conceber ambientes sempre repletos de amplas e excessivamente iluminadas janelas e corredores, dando a sensação de estarmos em um interrogatório sendo constantemente observados - como num primoroso enquadramento em que Donovan e Abel são pegos através das janelinhas da porta, enquanto a luz inquisidora aparece cegando-os por trás.
Com um material extremamente subaproveitado, Ponte dos Espiões ganharia muito se, ao invés de beatificar a índole de Donovan, tentasse abordar mais profundamente as maquinações de ambos os lados. Da forma como foi concebido, o desfecho de heroísmo e segurança nos dá a falsa impressão de que a negociação demarcava uma conciliação entre as duas potências, quando na verdade a aproximação ainda estava distante de ser sequer imaginada. Desse modo, a fabulação idealizada em Ponte dos Espiões acaba tornando risível e enfadonho os esforços recentes de Spielberg por um "cinema mais sério".
Spotlight - Segredos Revelados
4.1 1,7K Assista AgoraSPOILER DETECTED!!!
Em determinado momento de Spotlight - Segredos Revelados (2015), ouvimos um grupo de crianças cantando "O Holy Night" enquanto uma série de entrevistas de vítimas molestadas por padres são entrecortadas pela ágil montagem. No talvez momento mais tenso da projeção, somos ao fim da música apresentados ao coral de crianças católicas que performava a canção, e atemorizados como Michael Rezendes (Mark Ruffalo), associamos imediatamente todas as imagens vistas à monstruosidade que poderia infligir qualquer uma das pueris crianças sobre o palco.
Contando o verídico processo de destemidos jornalistas - Michael Rezendes (Mark Ruffalo), Walter Robinson (Michael Keaton), Sacha Pfeiffer (Rachel McAdams), Matt Carol (Brian d'Arcy James), Ben Bradlee Jr. (John Slatery) e Marty Baron (Liev Schreiber) -, numa investigação que traria à tona casos de estupro, pedofilia e negligência eclesiástica, Spotlight aparece contundente como denúncia a todo um recorrente sistema de omissões e horrores que a enorme lista de (des)créditos finais nos apresenta.
Em contrapartida à cena supracitada, Spotlight parece não se preocupar com uma montagem cinematográfica diferente da largamente vista em filmes mais tradicionais. Dessa forma, ao se restringir a longas cenas de diálogos compostas por planos e contra-planos, e esporadicamente por zoom ins e zoom outs, Spotlight faz uma escolha muito acertada em concentrar seu espectador mais na denúncia do que nos aspectos técnicos que poderiam distrair o peso do tema. Por consequência disto, cenas que quebram o ritmo estabelecido como "O Holy Night" acabam destacando-se ainda mais impactantemente ao público.
Efeito este também similar ao que acontece com as atuações. Optando sempre por reações mais íntimas - diferentemente por exemplo das de Lou Bloom em O Abutre (2014) -, o elenco oferece performances mais introspectivas que acabam, por contrapartida, soando convincentes e palpáveis às ações de um jornalista cotidiano. Do mesmo modo, momentos como os do estouro de Rezendes externam-se ainda mais impetuosos e desgostosos para com a repugnância dos dados observados. Por fim, ainda aliado ao clima convencionado, tem-se uma trilha de piano minimalista que embora nunca se destaque, mantenha uma sensação contida de permanente tensão, acabando por ser tão angustiante quanto uma vigorosa trilha como a de Mad Max: Estrada da Fúria (2015).
Finalmente, se não bastasse o formidável exame à pedofilia cometida e encobrida pela Igreja, Spotlight não só traça desdobramentos relevantes a este tema central - como o celibato eclesiástico e suas consequências psicológicas e sociais, a linha tênue entre ética de trabalho e corrupção passiva, as sequelas da impunidade e a diferenciação entre fé e instituição (em uma cena engenhosa, um ex-padre comenta friamente seus estudos acerca da pedofilia cometida por seus iguais, enquanto sabiamente distingue os dois conceitos, mantendo-se crente ao catolicismo) -, como também discute astutamente o destino e a transição de um jornalismo de pesquisa para um de entretenimento e momentaneidade (como visto no episódio em que as Torres Gêmeas são citadas), denotando consequentemente, a mudança da própria forma com que a sociedade se impõe diante da informação e do fugaz.
Assemelhando-se quase com o formato de um documentário, Spotlight reproduz como os esforços de competentes profissionais podem desmascarar antigas e obscuras práticas que só possuem, por única e direta consequência, a degradar o propósito daquilo que é mais primitivo do ser humano: a fé.
Os Oito Odiados
4.1 2,4K Assista AgoraSPOILER DETECTED!!!
O oitavo filme de Quentin Tarantino! Yeah! Com a trilha composta por Ennio Morricone! Yeah! E Samuel L. Jackson no elenco! Yeah! Que filme! Fuck yeah!
Após capturar a misteriosa Daisy Domergue (Jennifer Jason Leigh), o caçador de recompensas John Ruth (Kurt Russell) espera levá-la a Red Rock em troca de sua recompensa. O que ele embora não esperava encontrar durante seu caminho era um bando de errantes que complexificariam todo seu traslado, e por consequência, a narrativa de Os Oito Odiados (2015).
Abrindo com uma fotografia soberba repleta de planos abertos e demorados, Tarantino contemplativamente estabelece o ritmo que nos seguirá durante o resto da projeção. Dessa forma, mesmo que se tenha uma sensação de arrasto e inércia, instaura-se também uma sobriedade e insegurança que fomentarão constantemente o suspense da trama. Suspense este que é também acentuado pelos longos monólogos e diálogos que sempre caracterizaram as personagens de Tarantino. E se em outras mãos, toda a exposição necessária para desenvolver a trama poderia soar artificial, Samuel L. Jackson consegue conduzir extensos monólogos sem que em um sequer momento nos cansemos do que está sendo dito.
Por outro lado, não há como negar que o desenvolvimento da trama prevê que acatemos cegamente à lógica do major Marquis Warren (Samuel L. Jackson). Afinal, não há como saber se de fato Minnie (Dana Gourrier) reprovava mexicanos ou se seu marido (Gene Jones) tinha o apreço pela poltrona referida. No entanto, junto à já citada ótima intenção de fala de Sam Jackson, tem-se também o fato de nenhuma das personagens ser suficientemente confiável para engolirmos suas motivações. Em outras palavras, o grande mote filme é a persuasão: todos são suspeitos até que se prove o contrário. Com isso, o vitorioso é aquele que não só consegue convencer as demais personagens, como também o espectador. E é aqui que Sam Jackson nos compra - ele pode não ser nada do que diz, mas ele sem dúvida é o mais convincente.
Ademais, mesmo que eu concorde com a desnecessária prolongação de algumas cenas, é impressionante como o ritmo empregado dialoga perfeitamente com a supracitada descrença para com as personagens. Assim, Tarantino estabelece através dos diálogos um suspense e desconfiança crescente que, a partir de um estouro pela ação, faz com que ponhamos todas nossas certezas à prova. Disto, sucede-se um novo curso para a trama e, consequentemente, novos diálogos que precederão um novo estouro, seguindo assim sucessivamente. Ainda nesta dicotomia entre suspense e ação, é também interessante ressaltar como a própria esplêndida trilha sonora de Morricone nos momentos de suspense ainda serve de acertado contraste às músicas de rock e pop que complementam as situações de ação.
É ainda divertidíssimo como após um desses estouros, Tarantino quebra a quarta parede (e a própria estrutura de capítulos que vinha desenvolvendo) e nos presenteia com uma informação hitchcockiana que nos fará desacreditar de tudo, de modo a nos impulsionar plenamente ao desenrolar da narrativa. Por fim, é também fascinante observar como Tarantino vem desenvolvendo um comentário social desde seus últimos trabalhos (Bastardos Inglórios (2009) e Django Livre (2012)), sem que para isso precise se basear unicamente em uma premissa crítica do tema, privando o espectador da fruição estética e narrativa de seus primeiros filmes.
Assim sendo, seja pela despretensiosa narrativa, pelas familiares personagens (ou vai dizer que 007 Contra Spectre (2015) não obrigou Christoph Waltz a ceder seu lugar a Tim Roth?), pela impecável trilha sonora ou pelo deleite visual, Os Oito Odiados é um ode à filmografia de Tarantino. No entanto, o ritmo compassado e a contemplação quase que sublime de seus quadros dão a impressão de que Tarantino está cada vez mais tornando seus filmes em estrondosas obras de espetáculo (observe como a concisão de Pulp Fiction (1994) vai evoluindo a partir de Kill Bill (2003-2004) ao ápice de ostentação presente neste Os Oito Odiados). Que fique claro que isto não é de forma alguma um defeito; muito pelo contrário, este despojamento e espontaneidade em trabalhar com o que fosse e da forma que quisesse são duas das características que sempre nos fizeram adorar Tarantino. Contudo, esta é só uma pequena impressão de um gigantesco admirador de Tarantino, esperando que ele não acabe sendo dominado por seu ego e criando obras que sejam mais espetáculos do que de fato filmes. E que filmes! Oui.
Perdido em Marte
4.0 2,3K Assista AgoraSPOILER DETECTED!!!
Depois de filmes como o arrastado Robin Hood (2010) e o abominável Conselheiro do Crime (2013), Ridley Scott parece (sutilmente) voltar à forma com o tema que sempre lhe rendeu bons resultados: o espaço-sideral.
Em solo marciano, após perder a consciência e ser deixado para trás por conta de uma tempestade de areia, Mark Watney (Matt Damon) se vê obrigado a aplicar todos seus conhecimentos científicos em prol da sobrevivência. Concomitantemente da Terra, a inteligência da NASA organiza uma arriscada missão de resgate permeada por politicagem e apelo midiático que complementarão a robustez do filme. Dessa forma, por meio de cortes paralelos contrastando o visual quente de Marte com a frieza administrativa da Terra, Perdido em Marte (2015) consegue balancear um clima de constante suspense, entrecortando oportunamente a tensão através do "timing cômico" de Damon.
Atuação esta que merece ser ressaltada, visto a importância de sua personagem para o encaminhamento do filme; afinal, se não houvesse empatia e identificação por Watney, o desenrolar do resgate se tornaria um gigantesco martírio. Felizmente, Damon consegue transpor tanto humanidade através de seus momentos de desespero, quanto esperança no sarcasmo de seus relatos, compondo assim um personagem estimulante e pelo qual gostamos de torcer. Por outro lado, excetuando Vincent Kapoor (Chiwetel Ejiofor), não senti esta mesma naturalidade das demais personagens, o que tornou meu envolvimento com as cenas da Terra exclusivamente pragmáticas e longe do peso emocional que Damon impunha ao filme. Se pegarmos Teddy Sanders (Jeff Daniels) como exemplo, a sensação é a de que ele não tinha uma determinação estabelecida, contradizendo-se em suas ações ao agir ora burocrática, ora solidariamente.
No entanto, mesmo que um tanto deficiente na composição de seus coadjuvantes, o roteiro mostra-se extremamente eficaz com os diálogos de Damon que, passando grande parte do filme relatando suas ações a uma câmera de bordo, os entrega espontaneamente sem qualquer indício de exposição. Mais do que isso, é impressionante como os elementos de tensão do roteiro ainda são acentuados pela consistente edição de Pietro Scalia (principalmente no arco final do filme), pela trilha sonora minimalista, mas de pontadas agudas de Harry Gregson-Williams e pela experiente movimentação de câmera de Scott em momentos como os de um contraponto visual em que, primeiramente vemos a câmera se afastando de Sanders com o fim da coletiva de imprensa e, logo no seguinte corte, se aproximando de Watney soterrado pela areia, como se a lógica visual nos indicasse por quem devêssemos realmente estreitar relações.
Apesar dos apurados diálogos e dos hábeis recursos estilísticos, achei o direcionamento narrativo um tanto enfadonho. Entendo que uma situação como a retratada geraria imediato solidarismo e reverência ao desamparado, mas sinto que esta dinamicidade na edição - que como dito acima, casa perfeitamente com a tensão almejada - ofusca a premissa básica do filme: a solidão de Watney. Desse modo, mesmo que com o decorrer do filme observemos uma transformação física, não há sequer um momento em que podemos questionar largamente a sanidade mental do protagonista. A ideia não é a de que ele necessariamente devesse ficar louco, mas sim de que esta experiência mexesse com ele de alguma forma - principalmente Watney sendo um homem tão expansivo e sociável como é. Em outras palavras, senti falta de momentos de silêncio e observação.
Dois aspectos que mesmo que retirassem parte do ritmo frenético do filme, recompensariam com profundidade psicológica ao personagem, tornando assim a provação ainda mais comovente. Seguindo esta lógica, o filme não só poderia se aprofundar em questionamentos filosóficos lançados ao final do filme ("único homem do planeta" ou "primeiro homem a fazer x ou y"), como também desenvolver um embate entre homem e natureza mais contundente - ao invés desta simplesmente aparecer ocasionalmente para destruir tudo e sumir sem nenhum embate posterior.
Em suma, Perdido em Marte possui um ótimo material, uma atuação central estupenda e um cuidado técnico excepcional. No entanto, se o foco do filme fosse mais o conflito interno de Watney do que a politicagem e heroísmo por trás de toda a situação, teríamos aqui uma experiência ainda mais instigante e, quiçá, angustiante do que o presenciado na aventura original. Por conta disto, não diria que o exposto fora mal-aproveitado, mas sim subaproveitado, indicando que embora ainda longe de seu vigor áureo, Scott felizmente já não se encontra mais Perdido no Limbo.
Star Wars, Episódio VII: O Despertar da Força
4.3 3,1K Assista AgoraSPOILER DETECTED!!!
E enfim, a imensurável espera por Star Wars: O Despertar da Força (2015) chega ao fim; ou melhor dizendo, um prolífico começo? Acatando todas as (justas) críticas à Prequel Trilogy de George Lucas, J. J. Abrams retoma aos efeitos práticos, à singeleza de quadros abertos e não poluídos de efeitos e aos arcos dramáticos mais bem construídos, satisfazendo assim tanto os fãs mais nostálgicos quanto aqueles mais vanguardistas.
Após a derrocada de Darth Vader e seu Império, esta 7ª aventura choca antagonistas numa busca incessante por Luke Skywalker (Mark Hamill) e pela definição do destino da galáxia. Para isso, se os conhecidos rostos de Han Solo (Harrison Ford), Leia (Carrie Fischer) e Chewbacca (Peter Mayhem) já não despertam uma reminiscência nostálgica de aventura, será a química desenvolvida por Rey (Daisy Ridley), Finn (John Boyega) e Poe (Oscar Isaac), a responsável por, em questão de minutos, manter o público absorto pela trama do filme. E cabe aqui ressaltar as impressionantes atuações deste trio de atores na criação de empatia pelas suas personagens, e consequentemente, pelo filme. Dessa forma, se um enfadonho Hayden Christensen quase que tirava todo o peso dramático de seu personagem, será o espírito guerreiro e sonhador de Rey, a espontaneidade e fragilidade de Finn e a carisma e confiança de Poe, os motivadores por torcemos piamente pela evolução de suas características. Ao mesmo tempo, é imprescindível observar como o despropósito e imaturidade de Kylo Ren (Adam Driver) - que o conferem inicialmente um traço de humanidade e esperança -, contrastam muito mais imperiosamente à transformação dolorosa culminada com o fim trágico de Han Solo.
É interessante também observar como o contraste entre as posturas das duas gerações mostra-se em maior escala, o próprio mote do filme. Dessa forma, se por um lado Leia, que mesmo dona de si, ainda transpareça atitudes que a rebaixem sob Han Solo, Finn é agora o subjugado a Rey. No entanto, independentemente da geração, a beleza de Star Wars está justamente na busca pelo equilíbrio destas disparidades, visto que ambos só serão vitoriosos caso se unam e lutem como iguais. Por conta disto, é incrível que a aventura seja protagonizada por uma mulher Jedi e um ex-Stormtrooper negro. Pois mesmo que a "coincidência" de todos os conflitos da galáxia sejam reflexo de um grande mal-resolvido familiar, temos uma sensação multirracial/universal dos problemas, o que dialoga perfeitamente com a ideia de República e o respeito ao próximo e ao diferente difundido por ela.
Falando em República, sinto que uma das carências (digo carência e não problema, pois sem este conceito o filme é bom; com ele, ficaria ainda melhor) do filme seja justamente a despretensão política (e acrescentaria também, religiosa) tão enriquecedora aos episódios II, III e IV da franquia. Imagino eu que os próximos capítulos darão maiores explicações, mas o que é a Primeira Ordem? A forma com que ela e o General Hux (Domhnall Gleeson) são apresentados soaram caricatos demais, como se eles estivessem ali mais como representação do Mal, do que como um propósito ideológico de governo. Felizmente, Kylo Ren consegue suplantar todos esses problemas e atrair para si o peso dramático de antagonista do filme.
Seguindo ainda a ideia nostalgia/vanguarda, é evidente como O Despertar da Força repagina momentos clássicos dos filmes predecessores para situar novos conflitos. Assim, Han Solo e Kylo Ren sobre uma plataforma acima do infindável buraco remetem à icônica cena entre Darth Vader e Luke no episódio V, enquadramentos de corredor em que Han Solo aparece atirando em Stormtroopers relembram a célebre fuga pelo triturador no episódio IV, e Poe invadindo a Starkiller rememoram o corredor de X-Wings no também episódio IV.
Junto a esses detalhes, não custa nada repetir o acerto de J. J. Abrams para com o design de produção do filme. Principalmente em cenas como as do bar, em que a veracidade das criaturas é milhares de vezes mais palpável que os artificiais efeitos da Prequel Trilogy, dando-nos a sensação de realmente estarmos num universo complexo, imaginativo e excitante como o de Star Wars. Excitação esta ainda acentuada pela embora contida (se comparada com as das antigas trilogias), embalante trilha sonora de John Williams (que durante os créditos iniciais, provavelmente arrancou lágrimas dos até mais críticos do filme).
Em suma, O Despertar da Força cumpre com todas as expectativas que um bom fã/cinéfilo/curioso procuraria num filme da saga. Sim, é claro que o filme possui diversos problemas... Ou vai falar que é normal uma garota perdida no meio do nada saber falar trezentas mil línguas diferentes? Ou quem sabe esses engenheiros da Primeira Ordem não serem tão maus assim e projetarem uma wannabe Estrela da Morte com o mesmo ponto fraco de sempre? Ou então um R2-D2 ex-machina, acordando na hora certa para encaixar o mapa? Ou por fim a aparição de um Stormtrooper aleatório, gritando "Traitorrrr!" só para que o filme tivesse uma cena a mais de combate? Ok, vocês captaram...
No entanto, todos esses problemas são menores se comparados com a completude da obra. Se existe uma palavra presente em quase todos os filmes da saga (sim, estou falando de você, episódio I), essa palavra seria ritmo. Seja o ritmo preciso de cortes entre acontecimentos paralelos, o ritmo cadenciado entre a comédia e o drama, o ritmo no desenvolvimento de suspense e nos arcos narrativos das personagens, o ritmo da trilha sonora. Enfim, o ritmo! Mesmo achando que esse ritmo seja um tanto que prejudicado no segundo ato do filme, Star Wars: O Despertar da Força possui tanto um primeiro quanto um último ato soberbos, e para mim, esta é a grande realização do filme: conceber uma ficção de ritmo tão impressionante, que acaba por extensão dos limites da tela, invadindo todo o mundo com a sua magia.
Que o ritm... Força esteja contigo, Star Wars!
Ex Machina: Instinto Artificial
3.9 2,0K Assista AgoraSPOILER DETECTED!!!
Até que ponto vai a sensibilidade artificial? Sem dúvida nenhuma, esta é uma pergunta fundamental em Ex Machina: Instinto Artificial (2015). No entanto, se analisarmos a obra um pouquinho mais a fundo, uma pergunta muito mais pertinente a se fazer seria: até que ponto vai a sensibilidade humana?
Após ganhar um inesperado concurso de sua empresa, o jovem programador Caleb (Domhnall Gleeson) é convidado a avaliar por uma semana um protótipo de inteligência artificial desenvolvido pelo seu chefe, Nathan Bateman (Oscar Isaac). Contudo, conforme os experimentos prosseguem, Caleb passa a ser seduzido por Ava, a robô com I.A., não sabendo a quem confiar a verdade.
Antes mesmo da discussão entre criador e criação, uma rápida, embora notável informação que possa passar despercebida situa-se no próprio título do filme: Ex Machina. A mais imediata relação dá-se pela passagem de Ava de máquina a ser humano, ou seja, ex-máquina (como em ex-namorado). Por outro lado, esse termo logo nos remete ao conceito de Deus Ex Machina, em que uma sequência de eventos inverossímeis inesperadamente conflui a uma solução. Neste caso, para entendermos como este conceito se encaixa na trama, basta adentrarmos brevemente nas discussões filosóficas do filme: existe coincidência mais inexplicável do que o surgimento da vida? Ou você nunca parou para pensar como zilhões de moléculas acabaram por se aglutinar formando o indivíduo que está lendo isso agora? Ou talvez a corrida que o seu espermatozoide teve que vencer para que seus olhos pudessem transcorrer essas linhas? Ou até mesmo a convergência de fatores que acabaram por formar o planeta e o computador à sua frente? A vida é uma grande coincidência. Gerar vida então é uma obra de deus; e Nathan burla isso como se fosse o próprio.
Dentre os inúmeros questionamentos que Ex Machina propõe (quão fantoches de uma entidade maior não somos? O que nos identifica como seres humanos? Será que já convivemos cotidianamente com I.A. e não nos damos conta disto?), o talvez maior trunfo do filme seja posicioná-los em prol da intimidade de suas personagens (e cabe aqui ressaltar as estupendas perfomances do trio), ao contrário do que muitos filmes fazem ao universalizá-los como preocupações de toda uma sociedade. Dessa forma, é poderosíssimo observar como cada indagação parece ter ainda mais força ao cercar os princípios particulares de Caleb, forçando-o a se relacionar sentimental e cegamente ao desdobrar dos acontecimentos. Possivelmente por isto, o filme trate a óbvia causa dos apagões e da identidade de Kyoko (Sonoya Mizuno) como revelações surpreendentes ao personagem, dando ao espectador a sensação de previsibilidade sobre tudo que está vendo. Entretanto, imagino poder classificar a trama sob várias camadas de dominação. Desse modo, temos Caleb subjugado ao olhar de Nathan, que por sua vez está subjugado ao olhar do espectador, e que por fim, encontra-se submisso ao poder de Ava. Por conta disto, é só quando a ingenuidade do público se equivale à sujeição de Caleb e Nathan pela I.A., que passamos a nos surpreender com o jogo manipulativo que cerceava toda a trama.
Por fim, a abordagem dada à I.A. é ainda realçada na sexualidade fatal de Ava, conferindo um balanço de humanidade que alterna-se entre a doçura controlada e o perigo iminente. É através desta dicotomia moral que Ex Machina nos concebe o momento mais singelo de todo o filme: o vestir da pele seguido da fuga à liberdade.
Se já não bastasse toda a complexidade temática, Alex Garland ainda nos brinda com um cuidado técnico que não só serve como fruição estética, mas também como reforço das ideias apresentadas. Assim sendo, mesmo com uma grande quantidade de cortes, Ex Machina estabelece seu ritmo prolongado e sóbrio, através de um jogo de câmeras quase que unicamente composto de planos e contra-planos de diálogo, proporcionando assim uma visão austera e dominadora similar a de um olhar divino dos fatos. Essa visão onisciente ainda é reforçada pela centralização das personagens nos quadros, responsáveis juntos aos ambientes claustrofóbicos em criarem uma sensação de submissão e (como já discutido) antecipação das ações das personagens. Contudo, Garland espertamente quebra com a lógica no exato momento em que Caleb observa Ava trajando a camada de pele. Como se magnetizado pelo que vê, Caleb consegue finalmente fugir visualmente do olhar inquisidor que o seguiu durante todo o filme, posiciando-se no canto esquerdo da tela. No entanto, Garland é ainda mais sagaz ao desfazer a falsa impressão de triunfo, rimando a traição de Ava com o aprisionamento visual de Caleb pelo batente da porta.
Ao dividir os encontros de Caleb e Ava em 7 sessões/dias, Ex Machina remete automaticamente à criação católica, prenunciando a singularidade tecnológica que a humanidade eventualmente alcançará. Na lógica cristã, Deus criou o mundo e tudo que há nele, incluindo o homem. O que se vê ao decorrer da evolução natural é a ação destrutiva do homem sobre o planeta, e assim sendo, sobre deus. Seguindo então o processo evolutivo, chegará o momento em que a máquina também destruirá o homem. Fica então a pergunta: até que ponto vai a sensibilidade humana (para resistir a tal desfecho)?
Os Seis Ridículos
2.5 458 Assista AgoraSPOILER DETECTED!!!
"Não é apenas muito volume. Isso é coisa de qualidade" - Ted Sarandos, chefe de conteúdo da Netflix, justificando a duplicação de suas produções originais.
Se por "qualidade", Sarandos referia-se à "piadas" que quando não racistas (tanto em relação ao negro quanto ao índio) ou machistas, apresentavam um Mark Twain rapper, um burro propulsor de fezes, ou até mesmo este exato animal realizando uma boquete, temos então uma nova definição de "qualidade".
A "nova" empreitada de Adam Sandler reúne seis meio-irmãos (Schneider, Lautner, Garcia, Crews, Wilson e o próprio Sandler) em busca de 50 mil dólares e o reconhecimento paterno. Utilizando-se de um plano de fundo dos típicos faroestes, The Ridiculous 6 (2015) perde-se completamente nas figuras caricatas e acéfalas que permeiam toda a trama. Não basta observarmos que o personagem de Crews seja negro, precisamos de um diálogo imbecil (e recorrente) que reitere isto. Não basta constatarmos que o personagem de Lautner não bata bem da cabeça, precisamos de um contínuo semblante pateta que nos lembre disto. No entanto, este didatismo torna-se ainda pior quando não cumpre a sua proposta, como visto na fisionomia inexpressiva de Sandler ao tentar mimetizar um vigilante misterioso ou na imbecilidade das ações de Susannah (Whitney Cummings) na composição de uma frustrada índia independente.
Dessa forma, sem nos identificar ou acreditar nas pretensões de nossos heróis, torna-se infinitamente mais difícil achar graça das piadas proferidas/vistas. Até mesmo aquelas que se mostram de fato divertidas (como aquela em que John Turturro define indiscriminadamente as regras do beisebol ou uma outra em que um embaraçado Schneider trava exibindo o sinal de socorro) acabam sendo encobertas pela criancice e futilidade das demais. No talvez esforço de "redimir todo este constrangimento", The Ridiculous 6 tenta ainda se mostrar profundo e inesperado ao revelar a real índole de Frank Stockburn (Nick Nolte). Entretanto, esta reviravolta é não só precária e enfadonha como também risível em sua tentativa de exaltação e dramatização do (inexistente) heroísmo de nossos protagonistas.
Se tivéssemos que apontar uma "qualidade" em The Ridiculous 6, certamente nomearíamos a direção de fotografia do filme, uma vez que determinados enquadramentos juntos à paleta de cores acabam por remeter instantaneamente à conhecida plasticidade de um faroeste. Por outro lado, notamos a completa inaptidão de Frank Coraci em estabelecer comicidade através da linguagem visual, dado que as tiradas do filme focam quase que integralmente nas performances dos atores, atestando assim o tom genérico e esquecível da obra. Em vias disto, temos essencialmente uma beleza artificial, já que de que adianta contemplarmos uma estética de "qualidade" se o conteúdo é desprezível e preocupado em preencher "volume" de mercado?
Drive
3.9 3,5K Assista AgoraSPOILER DETECTED!!!
Em seus quase 10 minutos iniciais, Drive (2011) consegue nos impulsionar para o universo da trama de uma forma tão incisiva, que nem mesmo o laconismo do protagonista ou o ritmo da mise-en-scène nos afasta subsequentemente; muito pelo contrário, elementos estes servem para incorporar ainda mais frescor à experiência sensorial proporcionada pelo filme (compare como a perseguição inicial tomada quase sempre pelo interior do carro nos causa muito mais apreensão do que um segundo momento com os habituais e rápidos cortes do cinema hollywoodiano).
Acompanhando o incógnito dublê automobilístico/mecânico/piloto de fuga (Ryan Gosling) durante suas notívagas viagens, vamos sendo apresentados a todo um submundo no sentido literal e metafórico da palavra, visto que o distanciamento e insipidez de tudo que o permeia quase que justifica seus modos solitários e sucintos. Por outro lado, seja por amor, por afeto, ou por simples noção de pertencimento, vemos uma excêntrica sobrevida nas figuras que Irene (Carey Mulligan) e Benicio (Kaden Leos) despertam em nosso Motorista. Esta expressão é ainda mais acentuada na impotência e fragilidade com que Irene se apresenta: mãe aos 18 anos e mulher de um presidiário (Oscar Isaac), Irene é muito mais do que ingênua, é alienada. A sensação causada pelo filme é a de que todos os indivíduos ao seu redor preferem abstê-la de preocupações para assim poupá-la do mundo sofrível e cru em que vivemos. Por conta disto, o Piloto não só estabelece um raro vínculo afetivo, como se incumbe de preservar a também rara beleza presente na garota.
O problema surge quando Standard (ou em tradução livre, padrão, denotando o caráter genérico da personagem) compreensivelmente não se dá conta disto, demonstrando um tom de ironia e afronta até mesmo quando o Piloto se dispõe a ajudá-lo (perceba que a história contada a Benicio de como os pais se conheceram esconde uma "demarcação de território" contra qualquer interesse amoroso que o Piloto poderia vir a nutrir). No entanto, se não bastasse os sutis trejeitos (olhar baixo e o contrair do maxilar) de Gosling quando interpelado sobre o assunto, Drive ainda nos bombardeia com discretas fotografias de pai e filho conflituando com o Piloto pelo mesmo enquadramento (o momento mais escancarado ocorre na primeira vez em que o Piloto adentra o apartamento da família. Enquanto Standard e o filho aparecem em uma fotografia no mesmo plano de Irene, vemos um diminuto Piloto pego pelo reflexo do espelho. Esta ideia recorrente funciona como uma assombração durante todo o filme: Standard é uma constante lembrança de que o Piloto não pertence ao núcleo familiar).
Contudo, esse conflito imagético mostra sua maior sutileza (e expressividade) logo após Standard ser recebido com uma grande festa de boas-vindas e se deparar com o Motorista ao corredor. Perceba como cada corte ocupa-se de enquadrar espertamente um único personagem; através de uma linha vertical dividindo os dois lados do quadro, observamos Irene sempre situada ao lado direito dessa linha, enquanto Standard e o Motorista disputam o esquerdo. Dessa forma, a construção visual não só estabelece uma dinamicidade à cena como também reforça esteticamente o conflito narrativo. A partir desta análise, somos então capazes de significar o fim da cena: pressionado pela ofensiva de Standard, o Motorista sairá do quadro pelo lado direito, dando absoluto domínio do conflito ao primeiro homem, que poderá assim retornar ao canto esquerdo da tela.
Se já não bastasse esta maravilhosa rima visual, esta cena ainda resume um outro inteligente elemento: a composição sonora como expressão das sensações de Irene e do Motorista. Com uma rica trilha eletrônica, Drive estabelece durante toda sua duração dois temas principais; temas de apreensão/tensão e temas de amor/afeto. O primeiro é largamente utilizado nas cenas de assalto, perseguição e assassinato na segunda metade do filme. Já o segundo, aparece fortemente na metade inicial em que o Motorista se aproxima de Irene. Nesta cena em específico, perceba como um tema de amor/afeto no apartamento do Motorista começa diegético (aquele que faz parte da realidade do filme, já que ouvimos o som da festa abafado pelas paredes) e vai se tornando lentamente não-diegético (aquele que a personagem não ouve, visto que agora o som no apartamento do Motorista aparece tão vibrante quanto o da festa). Criando um paralelo às sensações de Irene e do Motorista, podemos entender que os dois nutrem um sentimento pelo outro que só será sanado (voltando ao som diegético) quando ambos se veem juntos no corredor. A partir deste olhar (ou no caso, ouvir) apurado, conseguimos incorporar muito mais profundidade às expressões de atuação e enredo que costumamos perceber. Dessa forma, se numa banal cena como esta conseguimos extrair tantos elementos estéticos, imagine numa de grande peso emocional... Que tal darmos uma olhadinha na cena do elevador?
Assim que entramos no elevador, somos transpostos a enquadramentos fechados e claustrofóbicos da situação. Junto a um tímido tema de apreensão/tensão, observamos o coldre e a arma do agressor. De repente, somos cortados a um plano mais aberto que vai rapidamente se aproximando do casal conforme as luzes diminuem e um tema de amor/afeto cresce. Os enquadramentos fechados que antes remetiam à tensão agora esboçam intimidade. Da mesma forma com que surgiu, tudo se anuvia, e transitamos num piscar de olhos da plena ternura à feroz violência. Veja como em um primeiro momento, vemos o Motorista entrecortado ou de costas, adotando assim o ponto de vista de Irene. Repare também que não ouvimos qualquer tipo de tema; não há tensão, não há amor, a fúria tomara conta do Motorista. Terminado o serviço, Irene foge rapidamente da cena do crime e começamos a ouvir um tema de apreensão/tensão. Desta simples escolha sonora, podemos depreender que o Motorista não se sente apreensivo com a morte, mas sim com a impressão que seu ato causara em Irene, denotando o forte sentimentalismo enrustido em seus modos. Sentimentalismo ainda amplamente reforçado durante o filme pelo jogo de vermelhos nas cenas de desejo e carinho (como visto nos recorrentes trajes que Irene veste desde os créditos iniciais, nas luzes noturnas que enchem o rosto do Motorista imerso em devaneios pela garota ou nos frequentes avisos de saída/"EXIT", resultados dos esforços de fuga do apartamento/núcleo familiar por parte de Irene junto ao Motorista) e verdes nas de solidão do Motorista (como visto nas paredes de sua casa, nos papeis de parede que costumam preencher seu enquadramento na casa de Irene e nas árvores que circundam mãe e filho quando vistos do apartamento do Motorista).
Deixando os aspectos técnicos um pouco de lado, é necessário ressaltar a importância desta cena para o desenrolar das ações do protagonista. Sempre evitando o prestígio social e a ganância monetária, o Motorista tentava até então achar uma saída diplomática para os infortúnios que o marido de Irene trouxera. Sem o menor pingo de auto-preservação, a sua única aparente motivação restringia-se em manter a integridade física e psicológica da família vizinha. Para tal, vendo-se diante de um rua sem saída, o Motorista decidirá pela violência. E assim como na cena do elevador, temos mais uma dicotomia amor X violência. Neste universo frio em que pessoas dignas de amor como Irene e Benicio vivem, a única forma de perpetuação deste bem decorre do uso da violência. Nosso Motorista é então uma espécie de vigilante sem caráter (que é assim como Macunaíma, sem identidade e maniqueísmos) que precisou se modelar à ruindade do mundo para manter o resquício de bondade das pessoas (não à toa Irene é tão idealizada como é). Nosso Motorista é então a rã que carrega às costas (representado pelo grande escorpião dourado bordado em sua jaqueta) toda a maldade humana, sucumbindo junto a ela na forma de violência e solidão. E é justamente por conta disto que o Motorista se afasta de Irene ao fim do filme; porque sua natureza perturbaria a beleza intocável desta família. E infelizmente, Irene não se dá conta disto, concebendo o momento mais triste do filme: enquanto Irene avança sob os corredores vermelhos trajando também vermelho em busca de nosso Motorista, ele foge em noite envolvido por luzes esverdeadas...
Evereste
3.3 550 Assista AgoraSPOILER DETECTED!!!
Após esperar uma longa fila de alpinistas atravessar uma pontezinha improvisada, o irascível Beck Weathers (Josh Brolin) decide iniciar a travessia de seu grupo. Se já não bastasse a longa espera, Beck ainda tem o azar de cruzar a ponte no exato momento em que um desmoronamento abala as estruturas da construção. Numa cena muito bem cadenciada por cortes ligeiros e pontuais, temos toda a tensão sentida por esses aventureiros da neve. Enquadrando-o por exemplo sobre a devassidão do precipício e a imensidão do céu, podemos observar toda a insignificância do homem perante a natureza colossal do Monte Evereste. Uma cena maravilhosa! De fato, uma mesmo, porque em 2h30min de filme, sinto dizer que este tenha sido o único momento memorável de Evereste (2015).
Não há como negar a plasticidade impecável do filme; quadros abertos dando toda a dimensão da provação, ou movimentações de câmera sempre leves e de baixo para cima denotando um tom imperioso à montanha. No entanto, a duração do filme não só torna a experiência cansativa como também dá uma má impressão de reciclagem de imagens; a sensação que fica é a de que não conseguimos identificar momentos pontuais da obra, mas sim "aquela cena em que tinha muita neve", ou "aquele momento em que a montanha estava gigantesca", o que é basicamente todo o filme.
Por conta disto, não se desenvolve um bom ritmo do filme, tornando a experiência sensorial chapada e sem vida. O problema é que o prejuízo de ritmo é ainda acentuado por uma confusão de foco narrativo. Até chegarmos aos 2/3 de filme, não é possível identificar do que o filme se trata: política X individualidade ("que grupo e qual jornalista chegará ao cume primeiro?"), homem X natureza ("o homem conseguirá adentrar ambiente tão inóspito e sair intacto disto?"), homem X homem ("o que cada um dos alpinistas quer provar a si mesmo ou conhecidos com toda essa provação?"). Todos esses enfoques parecem se entrecruzar em questionamentos vazios e sem peso narrativo (pegue por exemplo a cena extremamente artificial em que Jon Krakauer (Michael Kelly) pergunta a cada um dos companheiros o motivo da empreitada. Agora pegue a cena anterior e seguinte a este momento. Elas não só não têm nada a ver com essa tentativa de sentimentalismo, como também aparecem desconexas da desenvolvimento narrativo que vinha se construindo até então), perdendo-se em diversos momentos para um embebedamento voyeurista das imagens.
Quando o filme enfim decide-se pelo melodrama-catástrofe (o que não significa algo ruim. Vide O Impossível (2012)), estoura um outro problema até então invisível (já que o próprio filme não se decidia no que mostrar), mas sempre presente: a força expressiva das personagens. Repare que digo personagens e não atores, visto que aqui temos um elenco de primeira linha: Jake Gyllenhaal, Keira Knightley, Michael Kelly, Sam Worthington, Emily Watson e Robin Wright. Mas o que todos estes atores têm em comum? Senão descartáveis, todos eles são pobres e desinteressantes à proposta do filme, de modo que o espectador não tenha meios de sentir empatia pela dor e sofrimento passados por cada um deles ao final do filme (pegando o meu próprio caso, eu torcia para que Jake Gyllenhaal não morresse pelo fato de ele ser O Jake Gyllenhaal, e não porque ele era um Scoot Fischer da vida). Observando as demais personagens ainda vemos Sam Worthington como aquele namorado insistente na mesma semana de fim de namoro, Keira Knightley como aquela amiga que te liga ocasionalmente para nos lembrar de que ela ainda existe e Michael Kelly como o amigo que não liga para você, mas que finge ligar. Em suma, não há peso dramático, e mesmo Jason Clarke e Josh Brolin que parecem se destacar levemente de maioria, acabam tendo que dividir os minutos de filme com subtramas desinteressantes, tornando suas próprias tramas fragmentadas e sem ritmo emocional.
Por fim, se a duração de Evereste acaba tornando as belas imagens do filme saturadas, tem-se um efeito parecido com a trilha sonora. Mais uma vez, assim como a plasticidade do filme, a trilha sonora também é estupenda, mas ela aparece tanto que ela acaba se tornando banal. Com toda a adversidade natural, o que seria de Evereste se o diretor prezasse por cenas em que só se ouvisse o barulho dos ventos, da neve, da respiração e andar dos alpinistas, do som do roçar das jaquetas, enfim, dos sons naturais. Se esta escolha fosse feita, não só teríamos uma imersão ainda mais poderosa às condições extremas de sobrevivência que o filme nos propõe, como a trilha sonora também apareceria muito mais contundente e dramática à completude da obra.
Evereste possui tudo que um melodrama-catástrofe deveria ter; só que de forma desconjuntada e aleatória. Seja pelo excesso estilístico, pela superficialidade caricatural ou pela incoesão narrativa, Evereste mostra-se uma montagem de recortes de sucesso embebido de um elenco renomado que, assim que atinge o cume de sua "tensão", pende ao genérico.
Que Horas Ela Volta?
4.3 3,0K Assista AgoraSPOILER DETECTED!!!
Ao receber um telefonema de sua filha, a doméstica Val (Regina Casé) abre a janela do quarto dos fundos na tentativa de "se sentir mais em casa", de se desvencilhar da condição submissiva em que se encontra. No entanto, o que aparenta ser uma inicial aproximação identitária com a filha, mostra-se uma prisão psicológica extremamente profunda no corte seguinte - num primeiro plano, é possível ver barras que a aprisionam tanto quanto as janelas antes fechadas.
Numa sutil composição visual, temos toda a angústia sofrida pela personagem: buscando melhores condições de vida para sua filha, Val muda-se para São Paulo na esperança de juntar dinheiro suficiente para arcar com os gastos daquela. Sempre postergando o retorno à sua terra natal, Val verá todas suas perspectivas e ambições viradas ao avesso quando deste telefonema. O que vemos então na cena supracitada é um reflexo da conturbada consciência de Val enquanto doméstica, mulher, mas acima de tudo, mãe.
Balanceando drama e humor na medida certa, Anna Muylaert consegue subjetivar a dor e alegria das diversas personagens do filme através do minimalismo da movimentação de câmera e da sensibilidade com que apresenta a narrativa. Dessa forma, é lindo observar como o slow-motion de Jéssica (Camila Márdila) na piscina, um simples travelling no corredor ou um foco no olhar apaixonado de Carlos (Lourenço Mutarelli) conseguem acentuar ainda mais o peso emocional e mordaz das respectivas cenas. Vale ressaltar também a força interpretativa de Camila Márdila e principalmente Regina Casé na composição de esteriótipos eficazes e complexos, tornando todo o desenvolvimento ainda mais verossímil.
A esta altura, não é novidade a ninguém a repercussão internacional que Que Horas Ela Volta? (2015) vem fazendo. No entanto, é muito interessante perceber como a primeira impressão de estrangeiros das mais diversas nacionalidades sempre reincide na inconformação com que o Brasil trata suas domésticas. Isso mostra que mesmo um país diversificado e moderno como o nosso ainda está longe de alcançar a perfeição. Por outro lado, o filme também não recai ao fácil maniqueísmo de patrões maldosos e domésticas injustiçadas. Sim, é claro que isso existe em certo nível, mas de forma muito mais bem trabalhada. A afronta de Jéssica, por exemplo, pode muito bem ser interpretada como uma prepotência jovial, como a própria Val ressalta. Assim como Bárbara (Karine Teles) também emprega sensibilidade quando demonstra a importância de Val à casa e ao seu filho. Por conta disto, é evidente que exista um conflito de classes, só não da forma casual e genérica recorrente; o que é muito positivo!
O que talvez não se mostre tão aparente como o conflito entre classes seja o âmago de toda mãe: a maternidade (The Second Mother / Una Segunda Madre / Une Seconde Mère nos títulos internacionais). Desde o primeiro encontro entre Jéssica e Val, vemos que essa última tem uma conexão muito mais forte com Fabinho (Michel Joelsas) do que com a própria filha (não é à toa que Jéssica chamará sua mãe por Val até o fim do filme). Se expandirmos esta análise às outras personagens femininas, veremos que todas elas terão o mesmo problema: Bárbara se sente ignorada por Fabinho tanto após se acidentar como quando apoia o filho depois do vestibular. Da mesma forma, Jéssica abandona o filho, da mesma forma que Val no passado, a fim de ascender socialmente. Em suma, o que podemos constatar é o conflito pessoal como expressão tão singela de humanidade quanto as imagens da fotografia; uma sutileza.
E é justamente a falta de sutileza o maior problema da conclusão do filme. Até chegarmos ao fim da história, tínhamos uma composição vagarosa e incisiva de Val. Cada novo passo era dado em conformidade com o anterior. Não quero dizer com isso que a decisão final da protagonista tenha sido infundada ou abrupta, afinal foram 13 anos de separação, mas sim que o filme tenha retratado de uma forma muito repentina. Se tivéssemos talvez mais 5 minutos de desenvolvimento, teríamos muito mais informações sobre a perspectiva de Val em relação à filha e à nova vida. Pareceu-me que Val decidira juntar-se à filha para simplesmente cuidar do filho desta, quebrando todo o vínculo de maternidade zelosamente construído ao decorrer do filme. Por maior que tenha sido a valorização do amor materno, a brevidade da cena acaba eliminando toda a profundidade emocional que poderíamos ter tido. Em outras palavras, o problema não é o que foi mostrado, mas sim como foi mostrado.
Que Horas Ela Volta? apresenta-se como um retrato cadenciado, incisivo e relevante de todo um momento social presente no Brasil. Mas mais do que suas críticas estruturais, Anna Muylaert consegue dar sensibilidade e beleza à maternidade e vínculos familiares tão recorrentes ao redor do mundo, denotando um caráter muito mais mundial do que o tema inicialmente se propunha.
Corrente do Mal
3.2 1,8K Assista AgoraSPOILER DETECTED!!!
Como uma grande homenagem ao majestoso Halloween de 78, Corrente do Mal (2015) também transita fortemente sobre os temas da descoberta e repressão sexual. Contando a história de Jay (Maika Monroe), uma garota que após uma despretensiosa transa começa a ser seguida por uma "entidade maligna", o filme consegue através da ideia de 'corrente', criar uma metáfora às DSTs e os consequentes distúrbios psicológicos causados pela contração destas. Dessa forma, é muito interessante perceber como as câmeras tremidas e desfocadas transcendem o cuidado técnico a fim de remeterem a um fraquejo proveniente das DSTs. No entanto, mais do que esta já sólida metáfora, há uma outra ainda mais poderosa.
Antes de perder a consciência e acordar amarrada pelo suposto ficante (Jake Weary), Jay filosofa sobre como sempre quis viver plenamente, viajando, transando e curtindo a vida. Mais adiante saberemos que esta não é de fato a primeira vez em que ela transa ou viaja com amigos. No entanto, Jay começa a tomar consciência da efemeridade de sua juventude, e em escala maior, da transição à vida adulta. Visto deste modo, a coisa ('It') pode significar o medo e a insegurança que todo jovem começa a ter após determinado momento. Não é à toa os pais terem sumido de todo o filme; a independência e liberdade tão almejadas por cada um de nós quebra também a redoma protetora de nossos pais. Afinal, Jay e seus amigos são agora a redoma de si mesmos, os novos adultos.
Confesso que talvez por conta desta condução temática, o filme não tenha de fato me aterrorizado em quesitos apelativos (o que passa longe de ser algo negativo). O terror aqui presente está muito mais no suspense psicológico criado, na forma como a paranoia transita no movimento de cada indivíduo em direção à câmera (uma estratégia embora não danosa, um tanto repetitiva com o desenrolar do filme). David Robert Mitchell também consegue acentuar o mistério através de longas tomadas de câmera fixa, enquanto o giro cria a espacialidade do local e a tensão de um encontro inesperado. Empregando enquadramentos mais fechados (com 'closes' no rosto ou em objetos) quando Jay está em fuga ou perigo iminente e outros mais abertos quando a calmaria reincide em desconfiança, Mitchell ainda se beneficia da esplendorosa trilha sintetizada de Rich Vreeland para pontuar a tensão e insanidade de cada novo movimento de Jay.
Por outro lado, o mesmo não se pode dizer da mal pontuada trilha de transição de cenas, responsável por uma artificialidade na construção coesiva dos cortes. Descompasso também desnecessário em algumas 'jump-scares', como a da bola de basquete na janela ou a da parede do armário tombando na casa abandonada (Mitchell, no entanto, acerta em cheio naquela em que um gigantesco homem aparece parado atrás de Yara (Olivia Luccardi)). Mas o, sem dúvida, maior problema de Corrente do Mal aparece em seu final ausente da emoção e tensão presente até então, não concluindo nem a metáfora do amadurecimento/DSTs, nem a sobrenaturalidade do ocorrido. Em outras palavras, a força narrativa do filme se esvai num final comedido e impotente, tornando a visível aflição de Jay desmotivante.
Com uma direção técnica estupenda, ótimas metáforas e um elenco eficiente, Corrente do Mal transpira frescor inovativo e tensão psicológica. E mesmo que possua um final desinteressante (e repetitivo) a tudo que acontecera, apresenta-se como uma obra de terror muito acima das vistas costumeiramente.
O Fantasma da Ópera
4.0 853 Assista AgoraUtilizando-se de dourados e vermelhos pulsantes, e um figurino de encher os olhos, O Fantasma da Ópera (2004) mostra-se um filme esteticamente impecável, sendo infelizmente, deficiente em todo o resto.
Alternando a decadência do século XIX com a pomposidade do XX, podemos supor de antemão que uma terrível história acometera o teatro. Se na monocromia do primeiro, sofremos juntamente com o desenrolar do senhor cadeirante, no segundo somos bombardeados por uma gama de desinteressantes e expositivas tramas e personagens. Em outras palavras, enquanto o filme alonga-se em verbalizar a profundidade e carinho de laços passados de Christine (Emmy Rossum) com Raoul (Patrick Wilson, numa atuação sem nenhuma humanidade), ou com o próprio Fantasma (Gerard Butler), não vemos nenhuma expressão dessa química quando os mesmos se encontram juntos fisicamente. Isso não só torna o filme artificial como também dificulta o despertar de empatia para com as personagens.
Problema este ainda piorado por convenções narrativas inverossímeis, como a da figura esporádica de Madame Giry (Miranda Richardson) (aparecendo, por exemplo, misteriosamente para salvar Raoul e, posteriormente, sumir do mesmo modo), ou da cena do primeiro beijo entre Christine e Raoul (numa mudança de tom incongruente após fugirem desvairados do enforcamento de Buquet (Kevin McNally) - artificialidade também presente na guinada de tom após a aparição do Fantasma no (estupendo) baile).
Não vou nem entrar na discussão das pontadas de guitarra e de sintetizantes da música-tema, já que para um filme de tamanho orçamento, e mais, um musical, existe um problema ainda mais desastroso: a mixagem de som. Sem contar as diversas vezes em que a voz está dessincronizada com a personagem que está de costas, o meu maior desconforto se volta para o primeiro encontro entre Christine e o Fantasma. Logo no início da cena, a forte imposição vocal do Fantasma é rudemente alterada pela leveza de Christine através de um corte sonoro horroroso. Não bastando, no prosseguimento da ação, ouvimos Christine cantando, enquanto sua imagem refletida no espelho se mantém imutável! Quando então Christine começa a ser levada pelo Fantasma, não só seu rosto não denota nenhuma expressão, como a música-tema destoa totalmente das construções arcaicas que vemos (desculpem-me, mas não me contive). Dessa forma, uma das cenas que esperávamos encontrar maior peso emocional, é totalmente destruída pelo seu desleixo sonoro.
Tenho pena dessa versão de O Fantasma da Ópera, porque debaixo de toda essa monstruosidade de erros, sinto uma possibilidade narrativa muito forte emanando do conceito da obra. Se pegarmos por exemplo o Fantasma ou a própria ópera, já veremos duas entidades misteriosas e perturbadoras. No entanto, é o triângulo amoroso que dá força e profundidade a toda narrativa. Portanto, a partir do momento em que o maior poder da obra perde-se na leviandade de suas personagens, entendemos o porquê da incongruência e ruindade do filme.
Demência 13
3.2 46 Assista AgoraPegando carona no sucesso de Psicose (1960), Demência 13 (1963) e diversos outros "drive-in" (filmes de baixo orçamento direcionados a jovens amigos e/ou namorados) tentaram estrategicamente dar um fôlego extra ao suspense de Hitchcock.
Vendo-se com recursos financeiros disponíveis após concluir, sob encomenda do lendário Roger Corman, um rápido The Young Racers (1963), um jovem universitário chamado Francis Ford Coppola viu a oportunidade de realizar seu primeiro filme. Tendo uma feliz ideia para uma das cenas do filme, Coppola consegue convencer Corman a filmar com a mesma equipe e restante do montante de The Young Racers. Após passar a noite escrevendo o restante do roteiro, Coppola contacta um produtor britânico para um acréscimo no orçamento do filme em troca dos direitos de exibição na Inglaterra. Estava então formada, as condições necessárias para que Coppola pudesse finalmente experimentar e aprender a dirigir.
Na trama, após perder o marido num ataque fulminante, Louise (Luana Anders) decidirá viver junto à família dele para obter parte de sua herança. O que Louise não esperava era ter que aguentar um ritual em memória da filha mais nova que ressurgiria com eventos macabros da família.
Embora possua uma soberba música-tema e alguns cuidados estéticos bem interessantes para uma primeira experiência, como uma iluminação funcional e atuante (principalmente no ocultamento do assassino) ou uma movimentação de câmera instigante na criação de suspense (no segundo assassinato), são definitivamente os problemas que se destacam. Com isso, temos diálogos por vezes muito expositivos ("mas é preciso tomar cuidado com os seus irmãos... principalmente o mais velho, Richard" quando Louise escreve a carta em nome de John), um final apressado e explicativo demais, personagens ralos e sem força presencial, e como disse acima, um material reciclado de Psicose, fazendo com que consequentemente não sintamos um frescor ou um clima diferente, mas sim uma tentativa de capturar bons momentos do original e transformá-lo em um produto lucrativo.
Sendo uma clara cria de Psicose, Demência 13 não deve ser de maneira alguma defendida pelo nome de Coppola. O modus operandi do filme é claramente carente e escasso, mas nada disso deve modificar o julgamento do filme. No entanto, Demência 13 deve ser lembrado assim como Quem Bate à Minha Porta? (1967) ou Good Times (1967) como primeiro, mas fundamental passo, para que toda uma nova geração de Coppolas, Scorseses ou Friedkins pudessem revolucionar drasticamente uma decadente Hollywood.
Star Wars, Episódio III: A Vingança dos Sith
4.1 1,1K Assista AgoraSPOILER DETECTED!!!
Entre altos e baixos, Star Wars: Episódio III - A Vingança dos Sith (2005) marca o fim de uma das mais prolíficas sagas já feitas no cinema. Dentre carismáticos personagens (Jar Jar Binks (Ahmed Best) consolida-se como o personagem mais inútil de toda os tempos), estilosas naves (embora eu ainda prefira uma X-Wing ou uma Millenium Falcon) e um gigantesco emaranhado político, concluímos por fim as origens do famigerado Darth Vader/Anakin Skywalker (Hayden Christensen).
Assim como seu predecessor, A Vingança de Sith inicia-se com uma grande sequência de ação utilizada também como artifício de caracterização (ou no caso de uma trilogia, desenvolvimento) de personagem. Tendo um universo já mais bem fundamentado, é justificável que a caracterização das relações das protagonistas (Anakin/Obi-Wan (Ewan McGregor) e Anakin/Amidala (Natalie Portman)) não seja tão forte quanto a do quinto filme. No entanto, é possível perceber como um Anakin mais maduro (semblante e trajes mais escuros) ainda pende entre seus momentos de obediência e rebeldia. Da mesma forma, vemos como a chama de paixão tornou-se gradualmente numa relação de respeito mútuo, consideração e companheirismo. Ao mesmo tempo que os pilares da amizade (Obi-Wan) e da família (Amidala) são solidificados, Chanceler Palpatine/Darth Sidious (Ian McDiarmid) aproxima-se de Anakin a fim de modificá-lo psicologicamente para o Lado Negro da Força.
Diante de tamanha articulação narrativa, a horrível atuação de Hayden Christensen (sua atuação no filme anterior funcionara bem, pois com um cenário menos complexo, o que se pedia dele era justamente uma cabeça confusa pontuada por leves estouros) mostra-se ineficiente para explanar a complexidade de Anakin neste fatídico episódio (ao ser nomeado Conselheiro Jedi por Palpatine, Anakin responde: "Estou espantado!", com a expressão menos espantada possível. Em outro momento, Palpatine diz: "Pediram pra você me espionar, não foi?" ao que Anakin responde "Eu não sei... Não sei o que dizer." Não entendi se a pausa que ele faz olhando para o nada é para fingir que não sabe, ou se era confirmar o que o Palpatine lhe perguntara sem dizer em francas palavras), tornando sua transformação consequentemente menos verossimilhante.
Por outro lado, conforme seu plano se sucede, Ian McDiarmid emprega profundidade e calculismo em frases cada vez mais ritmadas, manipulando, mas sempre procurando estar a favor das decisões de Anakin. Sendo assim, tudo que os Jedis lhe negam, ele o concede. Tudo que o bem torna intangível, o mal lhe possibilita, tornando a seguinte pergunta muito válida: o que diferencia um Jedi de um Sith? (essa, Anakin mesmo responde) Enquanto os Jedis empregam seu poder pelo bem da sociedade, os Sith o utilizam para o bem próprio. Mas dessa forma, quando ele mata Dooku (Christopher Lee) ele não está pensando no bem da sociedade? Quando ele procura o Lado Negro para salvar Amidala, ele não está pensando na própria Amidala? E se Anakin não podia matar Dooku, por que Obi-Wan poderia matar Grievous (Matthew Wood) e Windu (Samuel L. Jackson) matar Sidious? A resposta está na motivação. Diferentemente de Obi-Wan e Windu, Anakin mata Dooku por raiva. É por não se dar conta desta diferença que Anakin vitimiza Sidious, e não Windu no exato momento anterior de sua completa transformação. Da mesma forma, o lindo amor que vimos florescer no filme anterior fará com que Anakin trespasse o limiar do sentir e busque o controle pela vida e morte de cada indivíduo. Em suma, por Anakin ser o prometido, o mais bem dotado e sensível, ele acaba ignorando o valor mais importante de um Jedi, o balanço, fazendo com que o declive seja brutalmente maior. É por conta disto que ao entrar para o Lado Negro da Força, todas as suas inicialmente boas pretensões, acabam sendo consumidas pelo domínio, controle, mal.
Com uma montagem muito eficaz nas cenas de ação, e principalmente no contraponto entre o nascimento de Luke/Leia com o de Darth Vader, Lucas emprega uma vivacidade e dinâmica importante para o tumulto político-psicológico do filme. Efeito este, contido em parte pela saturação de efeitos especiais tão característicos e tão daninhos a esta trilogia (ao final do filme, a qualidade dos efeitos melhora. Por que? Porque o que vemos é tudo material! De verdade! As paredes da nave, as mesas de comando, assim como feito na trilogia original. Por que não ter mantido assim?).
Findando a trilogia com a mesma profundidade de personagens e temas característica da primeira trilogia, este terceiro episódio sofre com efeitos especiais excessivos e com um ator principal quase inexpressivo. Podendo também dar mais espaço e força à grande Amidala do segundo filme, Star Wars: Episódio III - A Vingança dos Sith funciona bem em seus momentos de ação e drama, devido principalmente a uma excelente montagem e presença de personagens. E que a Força esteja contigo, Luke, porque Anakin, ou melhor, Darth Vader vem bombando por aí!
Star Wars, Episódio II: Ataque dos Clones
3.7 775 Assista AgoraSPOILER DETECTED!!!
Após uma desastrosa retomada de franquia com Star Wars: Episódio I - A Ameaça Fantasma (1999), George Lucas parece ter recebido muito bem as críticas, tentando assim saná-las para que se pudesse sentir novamente a força e frescor de tempos remotos.
Com um prólogo excessivamente ágil e confuso, A Ameaça Fantasma sofria principalmente com a caracterização de suas personagens, visto que era difícil entender as motivações, ou mesmo acreditar no poder de Qui-Gon, Obi-Wan (Ewan McGregor) e da Rainha Amidala (Natalie Portman). Utilizando-se também de uma dinâmica inicial pulsante, Star Wars: Episódio II - Ataque dos Clones (2002) já nos prontifica numa excitante perseguição, sem se esquecer de apresentar a relação entre Obi-Wan e Anakin Skywalker (Hayden Christensen), expressa em breves tiradas e diálogos. Por conta disto, entendemos que Obi-Wan porta-se como um precavido e paternal mentor, enquanto Anakin denota uma vivacidade jovial e rebelde para com todas as formalidades e cuidados de seu mestre. Do mesmo modo, temos uma dinâmica amorosa entre Anakin e Amidala construída de uma forma crescente e vagarosa, transbordando perfeitamente as emoções dos dois (acentuada por uma impressionante montagem alternada entre a brancura e rigidez de Kamino com o calor e beleza de Naboo).
Adentrando mais nesta relação, é interessante como o quase sempre inexpressivo semblante de Hayden acaba se tornando primordial para acreditarmos no amor proibido com a Senadora. Outro detalhe interessante situa-se no contraste da retórica Jedi com as ações de Anakin: se os Jedis são sempre ensinados a sentir e a seguir seus instintos, Anakin não estaria errado em desenvolver uma paixão com Amidala. Afinal, existe maior expressão do sentir do que amar? Por outro lado, assim como um amor proibido desvirtuaria as ações políticas de Amidala (decidindo ao final do filme em agir ao invés de encontrar uma saída diplomática), a explosão das sensações acabará desestabilizando a Força em Anakin, tornando-o mais vulnerável a ser possuído pelo Lado Negro da Força. Vendo os resultados da vingança pela morte da mãe e sabendo que Obi-Wan e Anakin (tornando-se Darth Vader) estariam presentes na trilogia original, senti ao decorrer de todo o filme, um real perigo de Amidala morrer, e não só esse lindo amor sumir, como Anakin ensandecer e se render totalmente as forças do mal.
Toda esta fúria é também expressa de forma esplendorosa nos aspectos técnicos da cena em que Anakin retorna com sua mãe morta: conforme sentimos a raiva tomar conta de si, vamos tendo uma progressão de enquadramentos cada vez mais próximos e articulados de forma a engrandecer a dor e ódio de Anakin. Sendo assim, enquadramentos distantes o tornam diminuto em sua chegada, quadros mais próximos ainda o diminuem agachado na oficina, e por fim, uma câmera vinda de baixo o aumenta no momento do sepultamento de sua mãe e juramento de que nunca mais falhará. Da mesma forma, podemos ouvir uma crescente Marcha Imperial ao fundo, antecipando o mal que ele viria a se tornar.
Se já não bastasse uma contagiante e profunda caracterização das protagonistas, Ataque dos Clones ainda cerceia toda a trama com atuações proeminentes de R2-D2 (Kenny Baker)/C-3PO (Anthony Daniels), Windu (Samuel L. Jackson)/Yoda (Frank Oz)/Jedis e da Família Fett (Temuera Morrison e Daniel Logan), retomando todo o vigor que essas personagens uma vez tiveram na trilogia original e dando dimensão ao maravilhoso montagem e ritmo (momentos alternados de explosão e calmaria) de ação (Obi-Wan avisa do perigo aos Jedis e é em seguida capturado/Anakin e Amidala invadem então Geonosis e são também capturados/Obi-Wan, Anakin e Amidala conseguem evitar serem rapidamente mortos, mas acabam cercados/Jedis chegam e começa a luta/luta de Anakin, Obi-Wan e Yoda contra Dooku/batalha campal e tropas de Dooku fogem).
Por fim, com uma ilusória vitória, vemos como Palpatine (Ian McDiarmid) ou Darth Sidious (o filme pode não assegurar com palavras que ele seja de fato Sidious, mas a Marcha Imperial quando vemos sua imagem consolida todas as suspeitas) articula um gigantesco emaranhado político, por um lado controlando a República junto ao seu novo exército de clones, e de outro, detendo todas as forças opositoras, podendo facilmente emergir com o poderoso Império da trilogia original.
Com um desenvolvimento de personagens e conflitos muito mais poderoso e amarrado do que no quarto filme, um cenário político complexo, cenas de ação empolgantes e diversas referências à trilogia original (Estrela da Morte, braço robótico de Anakin e a ascensão de Boba Fett), Star Wars: Episódio II - Ataque dos Clones acaba pecando mais uma vez nos visuais extremamente artificiais, que mesmo que façam sentido em momentos específicos (perseguição entre o emaranhado de linhas de naves no início do filme justifica os planos de fundo sempre repletos de veículos), acabem tirando uma parcela da emoção do filme. Erro, no entanto, muito distante da atrocidade que A Ameaça Fantasma havia sido. Graças a Força!
Star Wars, Episódio I: A Ameaça Fantasma
3.6 1,2K Assista AgoraSPOILER DETECTED!!!
Com um latente universo e cativantes personagens, George Lucas consolidou uma nova definição de sucesso, aquela em que a ficção transcende a tela e invade a vida real com os mais variados produtos, jogos e efervescência. Por conta disto, não é surpresa para ninguém, que uma hora ou outra, todo este universo seria mais uma vez transposto ao formato visual que o solidificou na cultura pop ao fim da década de 70. O que ninguém imaginava é que este mundo voltasse de uma forma tão insalubre e banal como este quarto filme.
O maior problema de Star Wars: Episódio I - A Ameaça Fantasma (1999) não é nem o excessivo uso de efeitos especiais (um já gigantesco problema que comentarei mais a frente), mas a falta de empatia que as personagens inspiram durante quase todo o filme, tendo como causa principal a bagunçada e demasiadamente ágil abertura do filme (o que é muito engraçado, já que o maior problema do primeiro terço dos dois últimos filmes da trilogia original (embora o resto dos respectivos filmes consigam se recuperar muito bem dali em diante) é justamente um prólogo excessivamente longo e desnecessário para o desenrolar da narrativa). Dessa forma, em pouco mais de 30 minutos, mal conhecemos Qui-Gon (Liam Neeson) e Obi-Wan (Ewan McGregor), e já somos obrigados a arrebanhar Jar Jar Binks (Ahmed Best), Padmé e a Rainha Amidala (Nicole Portman), R2-D2 (Kenny Baker) e Anakin (Jake Lloyd) em introduções que parecem ter como único intuito juntar todas as personagens principais de uma vez o mais rápido possível. Com o desleixo nas apresentações, nossa empatia pende aos personagens da antiga trilogia (R2-D2, C3PO (Anthony Daniels), ou mesmo ao planeta Tatooine) em detrimento dos novos e seus conflitos, nos fazendo, por exemplo, duvidar da força e poder dos dois Jedis (em vários momentos, eles sentem que algo está errado, ou que algo deve ser feito, mas não acreditando neles, a imersão na trama e o enlace dos acontecimentos acaba sendo prejudicado).
Não desenvolvendo uma forte união entre as personagens, os diálogos entre eles tornam-se frágeis, recorrendo constantemente a diálogos altamente expositivos. Um diálogo em específico entre Darth Sidious e Darth Maul (Ray Park) realmente me irritou:
"Tatooine tem pouca população. Se estiver tudo certo, serão encontrados. Primeiro os Jedis. Será fácil levar a rainha para assinar o tratado em Naboo." - Darth Sidious
"Enfim nos revelaremos aos Jedis. Enfim, teremos nossa vingança." - Darth Maul.
(Se o filme precisa ter uma cena como esta, ou a maldade de nossos vilões é duvidosa ou o filme quer ter certeza absoluta de que o espectador entendeu que os vilões estavam querendo capturar a rainha e, consequentemente descartar os Jedis. Avá!).
Ao meio do filme, A Ameaça Fantasma altera seu foco para o desenvolvimento do jovem Anakin - o que é de fato instigante imaginar como aquele menino fofo e inocente acabaria se tornando Darth Vader. O problema é que com esta escolha, chegamos ao meio do filme sem conhecer direito nenhuma das demais personagens, como Jar Jar Binks, Padmé (que diz ter um carinho extremo por Anakin, mas que não é consideravelmente expresso de forma visual em nenhum momento do filme), e principalmente Obi-Wan, sem contar que Darth Maul mostra-se praticamente inexpressivo, para não falar ridículo, ao esperar toda a ação acontecer para finalmente decidir agir (não consigo conceber a velocidade com que Darth Maul localiza seus alvos dentre milhões de sistemas estelares e a dificuldade de achá-los dentro de um pouco populoso planeta).
Por fim, não é difícil perceber como Lucas e sua equipe utiliza-se de efeitos especiais de uma forma incabivelmente mais excessiva do que a primeira trilogia, deixando a tela muitas vezes poluída (cidades inteiramente computadorizadas, veículos em filas infindáveis ao céu, criaturas, exércitos e campos de batalha irreais). Não há como negar que a montagem da cena de ação final do filme seja dinâmica e tão digna quanto a dos filmes anteriores. No entanto, o problema reside na sensação de estarmos dentro de um grande jogo de videogame ao invés de uma obra cinematográfica, tornando todo o combate irreal e confuso.
Com personagens e motivações desinteressantes, conflitos desordenados e uma estética visual suja e excessivamente computadorizada, Star Wars: Episódio I - A Ameaça Fantasma estabelece-se num patamar estrondosamente inferior ao da primeira trilogia. Torçamos então para que a força se recupere nas próximas aventuras!
Indiana Jones e o Reino da Caveira de Cristal
3.2 614 Assista AgoraNão há como negar que Indiana Jones e o Reino da Caveira de Cristal (2008) extrapole diversas vezes o limite do aceitável (Indy (Harrison Ford) escapando de uma explosão nuclear em uma geladeira, seres humanos sendo carregados para dentro de formigueiros por formigas, Mutt (Shia LaBeouf) mimetizando uma corda com uma cobra e depois pulando junto a macacos em cipós). No entanto, se formos considerar o material de base da franquia (revistas pulp do final do século XIX até meados do século XX), veremos que muitas dessas cenas eram, na verdade, extremamente comuns (não é difícil relacionar Mutt aos cipós com Tarzan, ou mesmo transpor a paranoia nazista à comunista). Dessa forma, pode-se afirmar que este quarto filme não se distancia dos outros três, ou mesmo da grande parte dos filmes dos anos 80; o público foi quem mudou (compare um filme do Stallone ou do Chuck Norris com a franquia Bourne (2002-12)). Esta mudança de perspectiva traz tanto consequências positivas quanto negativas ao cinema de ação: tornando as sequências mais humanas e verossimilhantes, o público consegue se colocar mais facilmente no lugar da protagonista e entender a dificuldade de determinada cena. Por outro lado, tornar as sequências cada vez mais racionais tira o invólucro de escapismo do cinema. O mais interessante disto tudo é que atualmente vivemos essas duas perspectivas simultaneamente. Em outras palavras, ao mesmo tempo que vivemos o período de ascensão dos filmes de super-heróis, temos a sobriedade de aventuras calcadas no realismo.
Deixando esta análise mais geral de lado, vamos ao filme. Situando-se no final da década de 50, quando o fascismo mundial já havia sido destronado, e a bipolaridade ideológica entre os EUA e a União Soviética começava a se fortalecer, reencontramos um Indy muito mais senil, embora tão vigoroso quanto a dos filmes predecessores. Através de uma composição de época simpática, podemos ver traços característicos como a do surgimento de uma juventude rebelde (com expressão máxima em Mutt), desenvolvimento de uma tecnologia nuclear e paranoia com seres extraterrestres, dando um frescor às realidades dos outros filmes.
Tentando renovar o êxito das relações familiares do terceiro filme, O Reino da Caveira de Cristal desenvolve um enlace interessante com a carismática Marion (Karen Allen). No entanto, diferentemente de seu predecessor, tal construção tem muito mais função de alívio cômico e tensão sexual do que peso narrativo, desenvolvendo um conflito de gerações muito aquém do possível. Dessa forma, a força da trama situa-se integralmente no conflito entre Indy e Irina (Cate Blanchett, numa atuação de bastante presença nos breves momentos em que aparece). Embora caricata em sua maldade, é interessante perceber que embora seja a personagem mais calculista e racional (repare no cabelo estritamente separado), ela seja também a que mais acredite no misticismo e paranormalidade, tornando-a muito mais complexa e tempestuosa para a conclusão do filme.
Mas antes da conclusão, gostaria de comentar sobre a ação propriamente dita do filme, e infelizmente a comento um pouco desiludido. Parece que todos os maravilhosos efeitos práticos dos demais filmes tenham sido totalmente descartados por efeitos especiais irreais. É claro que os outros filmes também tenham seus momentos de computação gráfica, mas eles não são a maioria que nem aqui. Quase nunca temos um fundo verdadeiro ou uma montagem dinâmica como a do primeiro ou segundo filme. Talvez o único momento em que haja esta montagem seja na perseguição de carros pela floresta, em que a caveira passando da posse de um para outro lembre a esplendorosa abertura do segundo filme, mas nada muito memorável. Um outro problema da ação é a de adicionar momentos com nativos aleatórios que da mesma forma que aparecem, desaparecem sem nenhuma explicação que não a de simplesmente adicionar mais uma sequência de ação (compare com Kazim tentando proteger o Santo Graal no terceiro filme).
Indy: Nazca Indians used to bind their infants' head with rope to elongate the skull like that.
Mutt: Why?
Indy: Honor the gods.
Mutt: No, no. God's head is not like that, man.
Indy: Depends on who your god is.
Se existe algo que a franquia Indiana Jones sempre ensinou por baixo de toda as excitantes cenas de ação e românticos beijos de amor foi o respeito às culturas e religiões, independentemente de sua origem. O final do terceiro filme é extremamente característico nesse ponto, mas O Reino da Caveira de Cristal traz mais uma vez subentendido na paranoia comunista e extraterrestre, um belo exemplo de respeito cultural. O misticismo nesse filme começa muito antes da sequência final (como é quase hábito nos filmes predecessores), aparecendo tanto na figura caduca de Ox (John Hurt) quanto no bom clima de mistério na tumba de Francisco de Orellana. Essa mesma ideia é reforçada no final trágico de cada uma das antagonistas motivadas pelo desejo e controle desde o primeiro filme. É por conta disto que a frase de Irina ("I want to know everything") é muito forte. Sendo humanos, nós estamos muito aquém das forças supremas que regem o Universo (seja lá qual for a crença), e por isso, não somos capazes de possuir toda a força/poder/conhecimento do mundo. Ganância e respeito são, portanto, vitais para o entendimento do filme. Não é à toa que Indy nunca conseguiu levar nenhuma de suas descobertas a um museu. Sendo sagradas em sua conjuntura, elas devem então permanecer dentro de sua conjuntura. Eis aqui o exemplo máximo de respeito à cultura: se estas peças ficassem em um museu, elas não seriam objetos de adoração, mas sim de estudo. Sendo assim, manter a peça na sua própria conjuntura perpetua o ciclo de respeito, assim como este quarto filme faz com a franquia Indiana Jones.
Homem-Formiga
3.7 2,0K Assista AgoraSPOILER DETECTED!!!
Homem-Formiga (2015) é uma justa tentativa de ampliar o universo Marvel a temas e realidades cinematográficas diferentes das do carro-chefe da companhia. No entanto, ao tentar transformar uma boa ideia num material mais facilmente digestível ao grande público, o filme acaba se tornando subaproveitado e banalizado. Não há como negar que o 'timing' humorístico da Marvel seja extremamente apurado e que Paul Rudd consiga dar bastante frescor e emoção a Scott Lang, mas o ambiente e personagens (com exceção à relação entre Hank Pym (Michael Douglas) e Hope (Evangeline Lilly)) que o rodeiam tornam a experiência fraca e inconsistente.
O mais interessante é que o maior problema de Homem-Formiga é justamente o maior acerto de Guardiões da Galáxia (2014): a imprevisibilidade. Para um filme em que tudo é previamente calculado, dando até mesmo um tom formulaico à trama (como Hank Pym ter dado condições a Scott de invadir sua casa, ou simplesmente por ele ter ouvidos e olhos por toda a cidade com seus insetos), momentos em que tudo venha a se resolver inesperadamente soam incabíveis à anterior racionalidade. Dessa forma, cenas como a que Darren Cross (Corey Stoll) invade a casa de Hank Pym sem este perceber, ou a que tiros contra uma nuvem de insetos acertarem justamente Scott, ou até mesmo a que Scott decide "dar um olá" para o Falcão (Anthony Mackie) (sem contar que Scott invade a S.H.I.E.L.D. fugindo sem nenhuma consequência futura, como se os Vingadores tivessem simplesmente ignorado um ataque a sua base) soam desproporcionais a sobriedade da narrativa (Scott até poderia agir instintivamente, já que, assim como os Guardiões da Galáxia, ele não possuía a experiência necessária de trabalhos mais rebuscados. No entanto, sendo encabeçado pelo precavido Hank Pym, esta justificativa torna-se indesculpável).
Um outro grande problema se encontra na caracterização dos antagonistas do filme: Paxton (Bobby Cannavale) e a polícia, e Darren. Paxton age como um palhaço ao final do filme, não se decidindo o que fazer (quer impedir Hank Pym de entrar no prédio, recuperar o carro de polícia, prender Scott Lang ou salvar as pessoas do prédio em explosão? A resposta é que eles querem fazer tudo, e não conseguem fazer nada direito). Darren, por sua vez, é apresentado como um prolífico cientista que atordoado com a falta de tratamento e sinceridade de seu mentor, torna-se um sujeito frio e ganancioso. Considerando que Scott e seus comparsas eram ladrões, Darren acaba sendo exagerado para ser retratado como o real vilão da história. O problema é que isto o torna uma caricatura artificial e desinteressante à narrativa (a caricatura não precisa ser algo necessariamente ruim, veja Indiana Jones e os Caçadores da Arca Perdida (1981) por exemplo, mas ela precisa ser verossímil as pretensões da personagem e do filme -> Darren é uma artimanha feita a fim de tornar Scott e seus comparsas mais bonzinhos. Ponto).
Indo em contrapartida à caracterização de personagens e desenvolvimento de narrativa, os efeitos especiais mostram-se bem interessantes (valendo o 3D!), e mais do que isso, em favor da trama. Preferindo sempre quadros abertos ao Scott diminuir em tamanho, o filme consegue dar uma dimensão estrondosa do novo mundo da protagonista, nos impulsionando dentro de cada virada e queda. Além disso, é natural que o filme evitasse câmeras tremidas para que conseguíssemos ver Scott e sua infimidade em ação. Talvez a maior inconsistência das cenas de ação seja Darren saber utilizar a Jaqueta Amarela tão bem como Scott, sem ao menos treinar uma única vez, mas essa é um problema menor em relação aos demais supracitados.
Com um material subaproveitado e por vezes, desarticulado demais, Homem-Formiga é engraçado e empolgante visualmente, mas está longe de alcançar a magnitude e frescor criativo que Guardiões da Galáxia e a série Demolidor (2015) atingiram pouco tempo antes. No entanto, ele é, sem dúvida, um fôlego a uma experimentação inovativa dentro do universo dos super-heróis.
Indiana Jones e a Última Cruzada
4.0 485 Assista AgoraSPOILER DETECTED!!!
Bebendo de uma dinâmica de ação incessante e um balanço entre o misticismo e os fatos arqueológicos, Indiana Jones e os Caçadores da Arca Perdida (1981) revigorava todo o universo 'pulp', trazendo o carismático Harrison Ford na pele de Indiana Jones. Três anos mais tarde, embora ainda se focasse brevemente no caráter místico da narrativa, Indiana Jones e o Templo da Perdição destacava-se pelo seu primoroso ritmo de ação. Indiana Jones e a Última Cruzada (1989) pende totalmente para o lado contrário da balança. Ausente em seus momentos de ação memoráveis (perderíamos a conta se fizéssemos o mesmo nos dois primeiros filmes), esta terceira obra funda-se através de um ritmo lento e cadenciado que enaltece o balanço do tom por vezes factual, por vezes místico, mas sempre misterioso.
A primeira consequência desta abordagem é explicitamente expressa nas personagens do filme. Mesmo possuindo seus divertidíssimos momentos de alívio cômico (como quando Indy descobre que dormira com a mesma mulher que o pai ou quando justifica a "expulsão" do nazista por este não ter lhe entregado a passagem), as personagens possuem uma complexidade psicológica muito maior que a dos filmes predecessores (compare a periculosidade de Elsa (Alison Doody) com a de Willie, ou até mesmo, com a de Marion). E o filme se utilizará sabiamente do principal conflito ideológico (Indy com seu pai, o Dr. Henry Jones (Sean Connery)), para desenvolver o balanço de temas supracitado.
Logo no início do filme, Indy deixará claro que a tarefa de um arqueólogo resume-se muito mais na coleta de fatos do que na certeza de verdades. E tratando-se de verdades, é pontual a comparação com a fé. Para alguém que crê em algo, tudo que possa parecer balela a segundos olhos, apresenta-se como a única e legítima verdade. Não é à toa que Henry reprime seu filho ao blasfemar o nome de Deus em vão. Esse conflito ainda vai além quando consideramos a diferença de idade entre os dois Jones. Uma conversa em particular entre Indy e Donovan (Julian Glover) ilustra este conflito perfeitamente:
"Vida eterna! A dádiva da juventude a quem beber do cálice. É uma boa história de ninar!" - Donovan
"É o sonho de todos os idosos." - Indy
"É o sonho de todo homem. Inclusive seu pai se não me engano."
O que nos leva diretamente à maravilhosa cena final do filme.
Enquanto Indy atravessa as três provações antes de alcançar o Cavaleiro (Robert Eddison), constatamos que a resposta para cada mistério espiritual ditado no diário de Henry mostra-se de fruto mundano. No entanto, se deixarmos a tensão que camufla a cena, perceberemos que o que parece perfeitamente racional para Indy, apresenta-se totalmente em caráter de fé para Henry (somos constantemente cortados em zoom para Henry, sem contar a luz branca quase santificadora atrás dele). A cada nova provação, a armadilha torna-se mais complicada em se racionalizar, assim como a fé de Henry cresce, levando-nos finalmente à câmara e seu Cavaleiro (também com uma luz branca). O que a franquia guarda por baixo de seus tiroteios, escavações, beijos românticos e cobras é algo muito belo: a força da fé. E quando digo isso, não me refiro especificamente na fé cristã (muito porque o segundo filme aborda uma cultura e crença totalmente contrária a dos outros dois filmes), mas a fé em geral. Não podemos racionalizar a fé, pois ela não é um fato, é sim uma verdade. A verdade não precisa ser buscada, ela só precisa ser acreditada. O que a franquia Indiana Jones busca retratar de uma forma bem alegórica é o respeito à fé alheia. Não é à toa que Indy nunca consegue levar a relíquia para o museu (seja no primeiro filme, em que a Arca é levada para um depósito secreto, ou no começo de sua jornada, em que ele não consegue manter a cruz consigo). Pois lá, ela se tornaria um fato. A verdade precisa nascer e morrer com cada um, e deve ser portanto, resguardada do olhar factual.
A partir desta ótica, mesmo não detendo uma montagem e tensão tão instigantes quanto ao dos demais filmes, Indiana Jones e a Última Cruzada consegue significar toda a aventura do filme, tornando Indiana Jones uma das melhores franquias do cinema.