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Infelizmente, Fuga de Nova York não me cativou, mas sempre me impressiona a capacidade do John Carpenter de conseguir imprimir sua voz em obras que, superficialmente, são bastante convencionais. Para um diretor que já declarou que seu pensamento político é "inconsistente", se há algo de constante na sua filmografia, é justamente sua visão de mundo: o desdém pela autoridade, pelas farsas políticas de manutenção do status quo e pela instrumentalização da vida humana. Não são filmes particularmente sutis -- e não é de sutileza que eu falo quando digo que existe algo além da superfície no trabalho dele --, mas são filmes desavergonhadamente políticos e que confrontam as convenções ideológicas vigentes. E isso se aplica tanto a Halloween, mais lembrado como molde do subgênero slasher para as cópias vazias que tentaram replicar o seu sucesso, quanto a Eles Vivem, conhecido e celebrado por seu teor político. Também nunca lhe falta o cinismo, que sem surpresa deve vir não só da visão autocrítica sobre suas contradições ideológicas, mas também de um pessimismo inevitável à oposição a um sistema de dominação tão maior que o poder de um indivíduo e tão mais forte que uma multidão desmobilizada e submissa.
Assim, em Fuga de Nova York, o cenário pode até ser distópico e o rumo da história pode até ser agridoce, mas a postura antissistema do Snake não só não é subvertida, como é expressamente validada. E Carpenter faz isso sem nunca indicá-lo como um justiceiro moralista que promete limpar a sujeira do mundo, traço dos filmes que promovem a ideologia do excepcionalismo americano e são marco do cinema oitentista do país. Ao contrário, Carpenter, que sempre foi um diretor de filosofia antiautoritária, mas trabalhando numa indústria cinematográfica elitista, asfixiante e que faz dobradinha como instrumento de propaganda imperialista, faz o improvável: promove o subversivo usando como fachada a aparência dos filmes hipermasculinos que promoviam idolatria à máquina de guerra e à violência estatal. Mesmo em seus filmes (na minha opinião) menores, é um feito nada menos que genial.
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Para algumas histórias, a realidade basta. How to Have Sex traça seu caminho de forma naturalista, passando por temas que com alguma frequência tendem ao grosseiro e sensacionalista: alguns, próprios da juventude e da exposição a situações de novas idealizações e expectativas socioculturais; outros, muito particulares à experiência feminina nesse período da vida. De abordagem sutil, mas sempre precisa, inclusive no estabelecimento das dinâmicas entre personagens nos momentos iniciais, de descontração, é o longa de estreia da Molly Manning Walker na direção e uma das surpresas de 2023.
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"Vamos nos sentar no sofá e escutar um pouco de música?"
Os filmes do Kaurismäki têm as falas mais românticas que já se ouviu no cinema.