Filmes de princesas sempre salvaram o pescoço - e o bolso - de Walt Disney quando este andava mal das pernas financeiramente. Foi assim no começo do estúdio com "Branca de Neve", na retomada das animações após a 2ª Guerra com "Cinderela" e, aqui, enquanto ele estava se chafurdando em dívidas para criar o seu primeiro parque temático, o que lhe deu um alento financeiro foi "A Bela Adormecida". E dessa trinca, "A Bela Adormecida" pode talvez não ser o filme mais emblemático, mas é certamente o que tem a animação melhor dirigida - ter sido feito posteriormente no tempo, e com as técnicas mais bem desenvolvidas também ajuda. É também o que tem a antagonista mais interessante e um desfecho envolvente. Mas a trama demora a engrenar, perde tempo com digressões desnecessárias, e a pouca presença da protagonista - limitada, obviamente, pela trama - faz com que ela perca em carisma. Na trilha sonora, Tchaikovsky, o que traz uma sofisticação erudita a uma animação puramente infantil.
Uma ilha solitária entre os roteiros ruins da Marvel após a fase Thanos. "Guardiões da Galáxia vol. 3" vale muito por oferecer um desfecho satisfatório para os arcos de alguns personagens e, principalmente, por se aprofundar mais na dramática história de origem de Rocket Racoon, e o seu desenlace no confronto contra o Alto Evolucionário convence e entretém. Os efeitos especiais são muito bons, e a seleção de músicas, como de praxe, é excelente. Por outro lado, o humor meio boboca da Marvel permanece, e a introdução do tão esperado Adam Warlock nesse universo é decepcionante - nos quadrinhos, o personagem bate de frente com Thanos, mas aqui é apenas um adolescente perdido no caos. No mais, uma duração excessivamente longa sem necessidade.
Típico filme feito para o vilão brilhar. E, de fato, depois de "O Diabo Veste Prada", Miranda Priestly facilmente entra em uma galeria dos 'monstros memoráveis do cinema', muito por conta da atuação impecavelmente gélida de Meryl Streep, fria como uma rocha de gelo. Mas casa também com a personagem o carisma inerente da atriz e, assim, há um certo prazer divertido e sádico em vê-la em cena torturando psicologicamente seus funcionários, fazendo com que estes sempre busquem uma aprovação inalcançável. Anne Hathaway, em comparação, é uma atriz bem mais limitada e que costumeiramente acaba fazendo sempre o mesmo personagem. Mas ela segura bem a dobradinha e convence na sua obsessão crescente de tentar satisfazer a chefe, sem perceber que isso a está transformando em uma workaholic tanto quanto, ou igual a outra. No mais, a estrutura de roteiro da personagem que é convidada a entrar em um mundo, é seduzida por ele e depois se decepciona ao conhecer suas mesquinharias internas, é clichê e batido. Funciona, ao menos, enquanto sessão da tarde despretensiosa
Suspense que tentou obter algum sucesso na época do seu lançamento junto a essa galera crédula que se impressiona com besteiras como numerologia, misticismo, horóscopo e outras coisas do tipo que não passam de mera coincidência. De fato, as associações aleatórias que o filme joga para o espectador para convencê-lo de que 23 é o "número do caos", são cálculos improvisados e forçados envolvendo qualquer coisa, e a mesma técnica poderia ser utilizada para criar a falsa sensação de mistério com relação a qualquer outro número. Mas o que esperar de um roteiro que usa 'Topsy Kreets' como pseudônimo de um personagem? ('Top Secrets?' risos...). Para completar, o plot twist ao final não satisfaz, seja por não sobreviver a uma análise do filme em retrospecto, seja por apenas reciclar o mesmo desfecho batido que meia dúzia de thrillers já haviam feito antes dele. Mas reconheço que Jim Carrey, ao menos, se esforça para convencer como um ator sério sendo perturbado por uma crise de paranoia crescente. No mais, eu não preciso assistir a esse filme 23 vezes para perceber o quanto ele é apenas uma enorme bobagem.
Intrincado e complexo, mas profundamente sedutor. "A Criada", longa-metragem coreano dirigido por Park Chan-Wook (o mesmo cineasta do também chocante "Oldboy"), é um jogo racional de mentiras e manipulações que se equilibra no fio de uma navalha de perigo, morte e sedução. Se sustenta muito por conta do seu ótimo roteiro, com as posições dos personagens se invertendo entre si, e os fragmentos de informação se complementando em um mosaico que, ao final, se mostra muito bem encaixado. É o tipo de obra que não dá para se debruçar muito por conta do risco de spoilers, mas basta dizer que é um thriller sem furos capaz de deixar o espectador desorientado em vários pontos, com doses bem equilibradas de romance e erotismo e um discurso de empatia feminina e sororidade fortíssimo. É quase um "A Malvada" revisitado e des/reconstruído para o discurso feminista do Século XXI. Atuações competentes de Ha Jung-Woo, Kim Min Hee e Kim Tae-ri reforçam a qualidade da produção.
Genérico até não poder mais, e tão mais do mesmo quanto todas as versões possíveis do Kang no multiverso. "Quantumania", o terceiro filme do Homem-Formiga, é um filme que não impressiona e não chama a atenção em nenhum aspecto, em que pese ser o longa-metragem que, em tese, introduziria o principal vilão da nova fase da Marvel nos cinemas. Nesse sentido, Jonathan Majors faz um trabalho tão burocrático quanto a direção de arte que cria um Reino Quântico pouco inspirado. O roteiro é uma sucessão de clichês, ainda que devo admitir que aprecio a tentativa de desenvolver a 'Família Formiga' e dar um pouco mais de espaço para Michael Douglas e Michelle Pfeiffer, bem como fazer da relação de pai e filha entre Scott Lang e Cassie o fio dramático condutor da narrativa. Mas tudo é meio sem peso, artificial, fraco, não sustenta por muito tempo. Ademais, temos Bill Murray em uma ponta desnecessária, e, para o enfarte dos fãs hardcore dos quadrinhos, um M.O.D.O.K. absolutamente fiel no design, mas completamente diferente na história de origem (e que também soa deslocado e sem qualquer função na trama). Ao menos, o filme possui ritmo e distrai razoavelmente por duas horas. Mas é facilmente esquecível assim que se encerra.
Terceiro filme da trilogia da Ucrânia, de Aleksandr Dovjenko, "Terra" mantém a narrativa quase que de fluxo livre de seus antecessores. O objetivo, acima de tudo, é fazer a propaganda positiva da reforma agrária promovida pela União Soviética e a coletivização dos campos. Mas no meio do tom árido e questionável de suas intenções, Dovjenko encontra espaço para a poesia. As cenas dos campos, das flores, das frutas e da chuva trazem uma aura naturalista e idílica ao filme. Apresenta algumas coisas bastante ousadas para a época, como um nu completo de uma atriz ainda na década de 30, e o próprio ataque - fortíssimo, considerando o discurso incisivo - à instituição da Igreja e de suas crenças. E cria um paralelo belo entre morte e vida, resultando na reflexão de todos nós como frutos da terra. Ainda assim, "Terra", bem como seus colegas, sofre pela pouca empatia que provoca para com seus personagens, e a trama excessivamente episódica não conquista.
Segundo filme da trilogia da Ucrânia, de Aleksandr Dovjenko, "Arsenal" mostra a sua força no poder imagético. As imagens moldando o poder imperioso da fome e da guerra. Inquestionável que se diga que Dovjenko era um exímio compositor de imagens evocativas fortíssimas. Daí a sua importância para um cinema que era, sobretudo, feito para fazer propaganda do regime soviético. Por outro lado, vindo dessa mesma vertente, "Arsenal" é um filme árido em termos de narrativa, já que tudo se presta aqui a passar uma mensagem de justificação política. Fácil entender seu poder como propaganda, e mesmo sua beleza estética quanto às imagens, mas difícil enquanto entretenimento e pouco instiga uma revisitada.
Possui seus atributos dentro do nicho de terror independente latino-americano. "La Casa Muda" é filmado praticamente todo em plano-sequência, possui alguns momentos pontuais inspirados e um clima inquietante que funciona relativamente. Mas iria mentir se não dissesse que seus 86 minutos soam longos demais para uma história genérica que poderia caber em um curta. A atriz Florencia Colucci se esforça para conseguir segurar a trama - ou a falta de uma - e os 'jump scares' são vergonhosos em sua previsibilidade óbvia. Faz referências visuais a outros filmes de terror de 'casas velhas e empoeiradas no meio do nada' - lembrei em mais de um momento de "O Massacre da Serra Elétrica", de 1974 - mas sem chamar atenção para elas enquanto referências. No geral, razoável apenas.
Marcado pela ausência trágica de Chadwick Boseman, "Pantera Negra - Wakanda Para Sempre" tinha um desafio difícil pela frente: conseguir segurar a franquia sem o seu carismático protagonista e ao mesmo tempo que se prestasse como uma homenagem. A homenagem em si é até bonitinha, mas é inegável que o filme ressente a todo momento a falta de Chadwick. E nem me refiro ao tema do luto, que acaba sendo o principal elemento motivador das escolhas dos personagens no decorrer da trama, mas sim em aspectos técnicos que prejudicam o próprio filme enquanto filme mesmo. Letitia Wright - que funcionava bem como alívio cômico no primeiro longa - é fraquíssima como atriz dramática e não consegue segurar os extensos 161 minutos que a trama exige dela como herdeira do legado. A menina não é carismática o suficiente para tanto. Ainda que sejam melhores atrizes do que ela, Angela Bassett, Danai Gurira e Lupita Nyong'o estão limitadas em suas meras funções de apoio. A introdução de 'Coração de Ferro' serve apenas como escada para a personagem ser melhor aproveitada em algum outro filme mais para frente (algo corriqueiro que a Marvel vem fazendo desde a sua Fase 1). E Tenoch Huerta vive um Namor insípido enquanto ameaça e decepcionante se comparado a sua contraparte nos quadrinhos. A produção é desnecessariamente inchada, e poderia ter vários - muitos - minutos a menos. O filme ganha um pouco mais de fôlego quando da batalha final, mesmo que os efeitos especiais deixem a desejar - o fundo de CGI fica bem evidente. Enfim, uma tentativa de fazer um grande 'in memoriam', mas sabotado pelo seu próprio conteúdo inconsistente.
Primeiro filme da chamada "Trilogia da Ucrânia" de Aleksandr Dovjenko, "A Montanha do Tesouro" possui algo que instiga, mas também algo que afasta. A sobreposição de imagens remetendo as lendas medievais ucranianas fascina pelo tom mítico e misterioso que assume. Mas a colagem com o tom de propaganda do mundo contemporâneo à época de sua produção - algo inerente a uma produção soviética - força um pouco a simpatia. Ao final, o terceiro ato, que apresenta os habitantes do mundo capitalista quase como figuras monstruosas e sádicas soa absurdamente caricatural e maniqueísta. A narrativa confusa entre seus vários episódios também desanima uma possível revisitada.
Determinação e superação. "O Menino que Descobriu o Vento" é mais uma típica história de um protagonista que, baseado em fatos reais, vence as suas adversidades e limitações a ponto de modificar o meio em que vive e inspirando outros ao seu redor. Por si só, a história real de William Kamkwamba já merece respeito e admiração. O longa-metragem por sua vez, corria o sério risco de se tornar clichê e batido, o "filme de coach", se não fosse a surpreendente maturidade na direção estreante de Chiwetel Ejiofor, que traz uma humanidade para a obra que nos envolve e nos instiga. Da estética amarelada da fotografia remetendo à fome desesperadora dos personagens, à sensibilidade com que ele trata de questões familiares reagindo a um contexto social, econômico, político e ambiental, "O Menino que Descobriu o Vento" em tudo lembra o filme de um diretor experiente. E Ejiofor brilha não só na direção, mas também em sua performance dentro de cena, já que compõe os vários dilemas do personagem de Trywell com uma complexidade honesta, e sempre sujeita à compreensão do espectador mesmo em seus momentos mais 'vilanescos'. Já o protagonista, Maxwell Simba, possui um trabalho de atuação, em tese, mais fácil, mas isso não retira a qualidade de seu trabalho, se revelando, também, uma ótima aquisição. Surpresa e satisfação, afinal, é o que resume "O Menino que Descobriu o Vento".
Com exceção das cenas espaciais mais bem caprichadas, "Jornada nas Estrelas - Insurreição" poderia passar por um episódio estendido da série de TV. A direção de Jonathan Frakes é insípida e o roteiro fraco sobre a disputa por um planeta que seria uma espécie de 'Fonte da Juventude' da galáxia é pouco envolvente. Arrisca um comentário político aqui e ali sobre a relocação de povos entre fronteiras geográficas, mas o faz de forma tímida, sem se aprofundar nas questões político, ético e sociais. A título de exemplo a própria série de TV trabalha as mesmas questões em episódios específicos de modo bem mais incisivo - em especial a derivada "Deep Space Nine" que é quase toda sobre isso. No geral, um dos filmes mais fracos e esquecíveis de Star Trek.
Na teoria muitas das escolhas feitas pelo roteiro de "Hook - A Volta do Capitão Gancho" deveriam funcionar. A forma como o filme brinca com a mitologia do Peter Pan durante todo o seu primeiro ato é engenhosa e original. Mas é quando o personagem vai para a 'encantadora' Terra do Nunca que o longa desaba. Excessivo e exagerado, Spielberg pesa a mão na produção e constrói um filme inchado, rico em detalhes, mas pobre em carisma. A trama não envolve e o personagens não são empáticos, por mais que Robin Williams e Dustin Hoffman se esforcem nesse sentido - especialmente esse último, que visivelmente está se divertindo horrores no papel de Capitão Gancho. Os Meninos Perdidos são apenas chatos e Julia Roberts como Sininho, por sua vez, é puro suco de vergonha alheia. No final, resta uma obra saturada, que cansa fácil e dificilmente sobrevive a uma revisitada.
Os bastidores da produção de um show da Broadway, "Rua 42" é um típico musical da Era de Ouro com suas dinâmicas amorosas pouco envolventes sendo compensadas por um espetacular ato final. Nesse ponto, é interessante ver a sofisticação com que o filme se liberta das amarras da linguagem teatral para se assumir enquanto Cinema, fazendo coisas que seriam impensáveis em um palco de espetáculo. E muito por conta dessa irreverência inovadora na direção - ainda estamos falando de um filme do início da década de 30 - que o longa garante um charme nos últimos minutos que faz você querer continuar assistindo mesmo quando ele se encerra. Por outro lado, como dito, o 'quadrado amoroso' secundário e as sub-tramas dramáticas inconsistentes enfraquecem um pouco o resultado final. Como curiosidade, conta com uma Ginger Rogers novata, ainda sem ter feito seus principais filmes, em um papel que é quase uma figurante, uma sombra da protagonista Ruby Keeler. Essa sim, hoje esquecida.
É... não deu. Não vou me estender muito, mas a julgar pelos comentários abaixo só posso concluir o quanto a memória afetiva pode ser algo poderoso e enganoso. Não achei graça em nenhuma das piadas, os protagonistas não possuem empatia, o personagem de John Matshikiza é profundamente irritante, e a questão racial é abordada de forma rasa até mesmo para os padrões de uma comédia estúpida. Merece algum crédito ínfimo pela paródia bem intencionada que faz da família real britânica, mas só. No mais, constrangimento alheio é o que define essa comédia africana.
"Não importa o que é ou quem começou com isto: eu sou contra!", essa estrofe da canção de Groucho Marx que abre "Os Gênios da Pelota", sintetiza completamente o sentido do humor da trupe formada por ele e pelos seus irmãos Zeppo, Harpo e Chico durante a década de 30. A comédia dos irmãos Marx é uma comédia de sátira às instituições, a anarquia vindo para constranger completamente as entidades de alta classe repletas de pompa e circunstância. Seja um hotel cinco estrelas, um concerto de ópera, um centro militar, ou, aqui no caso, uma universidade. "Horse Feathers", no título original, é um dos filmes mais enxutos da trupe justamente por não perder tempo com tramas de romance paralelas bobas, e justamente por isso ganha muitos pontos a seu favor. As esquetes mal costuradas entre si estão lá apenas para funcionarem por si próprias, o que de certa forma não atrapalha, já que a ideia do humor deles envolve justamente o caos e a confusão. Como já verificado em outros filmes, é nítida a sua influência em comediantes futuros como Os Trapalhões, Looney Tunes e Chaves (vindo daqui, inclusive, a piada da melancia dada a um professor).
David Fincher já havia se provado com "Seven", seu filme imediatamente anterior, quando fez "The Game", que confirma a sua assinatura para thrillers tensos, frios e racionais e, agora, com uma certa pontinha no absurdo (quase que preparando um pouco o terreno para "Clube da Luta"). O roteiro ainda chama a atenção, ainda que seu desfecho soe hoje meio previsível - e eu, particularmente, tenha certos problemas com a forma com que o último plot twist é construído. Mas isso não chega a estragar o que vem antes. De certa forma, o filme é uma espécie de versão moderna, policialesca e mais sádica de 'A Christmas Carol', já que o personagem de Michael Douglas é uma versão contemporânea de um egocêntrico e mesquinho Ebnezer Scrooge que é forçado a entrar em uma jornada de desconstrução de sua imagem, sua arrogância e sua avareza. O ator, aliás, manda muito bem no papel, durante as várias fases do personagem, da supremacia absoluta passando pela paranoia até chegar na humilhação e na vulnerabilidade completa. Uma trama conspiratória envolvente que ainda funciona e eletriza de forma satisfatória.
Primeiro filme dos irmãos Marx, trupe de comediantes que faziam relativo sucesso no teatro de vaudeville norte-americano e que, ali pelas décadas de 30 e 40 realizaram cerca de uma dúzia de longas-metragens. Nesse primeiro filme, a origem teatral dos artistas está bem evidenciada, seja pelo roteiro que pouco explora os meandros da 'história', seja pela produção visivelmente de baixo orçamento. Ainda assim, o filme alcança algumas gags ótimas e bastante inovadoras para o período como o jogo de esconde-esconde dos personagens entre quartos contíguos de um hotel - basicamente um 'split screen' no cinema ainda no final da década de 20. Fica bastante latente a influência que tiveram no gênero da comédia, seu estilo de humor anárquico e absurdo remetendo, para nós, diretamente aos tempos áureos dos nossos conterrâneos "Os Trapalhões". Todavia, o longa-metragem peca ao apostar em números musicais completamente aleatórios e descartáveis, uma fragilidade típica dos primeiros anos do cinema sonoro.
Décimo-quinto trabalho dirigido por Pedro Almodóvar, "Má Educação" talvez tenha um dos roteiros mais instigantes e racionais do cineasta, à medida que brinca com linhas de história dentro de linhas de história, oferecendo um quebra-cabeça repleto de pistas falsas e armadilhas dentro de armadilhas. Justamente pelo seu distanciamento de outros filmes do diretor decorrente de sua frieza nos personagens pode render um certo estranhamento à primeira vista aos seus fãs ferrenhos. Mas ele não deixa de ser um Almodóvar típico com seu toque de melodrama, seu senso de humor negro, sua falta de pudores de falar em relações sexuais que afrontam os 'bons costumes' e sua crítica ao conservadorismo religioso. Foi baseado em um conto que o Almodóvar escreveu durante a juventude, ele próprio tendo estudado em um colégio católico na infância. Sendo protagonizado por um personagem diretor de cinema, o filme ganha, assim, aspectos quase que de uma autobiografia fictícia. Gael García Bernal rouba o filme ao se entregar completamente a um personagem definido pela sua dubiedade e falta de clareza em suas intenções até o último momento. Lembra, em vários aspectos, a assinatura do cinema policial de Brian de Palma, mas com a irreverência subversiva e vibrantemente colorida de Pedro Almodóvar.
Em uma poesia visual, René Clair traça um paralelo instigante e divertido entre a prisão e a fábrica. Com um charme singular e um senso de humor ácido, "A Nós a Liberdade" é uma comédia musical que ironiza a automatização do ser humano, a linha de produção industrial, a máxima do 'trabalho como algo que liberta' em um mundo onde a 'vadiagem' pode ser considerada 'crime de prisão'. O medo do prisioneiro com relação ao guarda não é nada perto do medo do funcionário perante o capataz. Não à toa, essa obra francesa é considerada a principal influência para que Chaplin fizesse o seu "Tempos Modernos", poucos anos depois. A sincronia visual e a 'dança' das formas no filme de Clair é um deleite a parte. Perde um pouco de fôlego na segunda metade, quando aposta em uma subtrama romântica descartável. E talvez faça uma conclusão excessivamente otimista calcada na filosofia positivista de que a razão pura iria resolver todos os problemas humanos, um pensamento recorrente à época, mas que acabou datado. Seja como for, uma obra belíssima e divertida que merecia mais reconhecimento por cinéfilos nos dias de hoje.
Fluído como a necessidade humana constante de se apaixonar. "Beginners - Toda Forma de Amor" é um romance de Mike Mills que foge um pouco do convencional. Na verdade é um filme muito mais sobre descobertas, redescobertas e sobre 'se encontrar no outro'. A montagem fragmentada joga o espectador no turbilhão de memórias do protagonista - interpretado por um sempre simpático Ewan McGregor - e a dinâmica reflexiva, bem como a dobradinha do ator com um excelente Christopher Plummer, contribuem para a sensibilidade dramática do longa não recair para a melosidade piegas. Trata a questão da homossexualidade de um dos personagens com um respeito tocante através de uma abordagem ainda pouco vista. Melanie Laurent é o ponto menos interessante do filme, mas ainda assim não compromete. No todo, o longa possui conteúdo e uma certa consistência poética que o torna doce de acompanhar.
Hayao Miyazaki já havia saído da aposentadoria uma vez para fazer "Vidas ao Vento", um longa-metragem eficiente em sua proposta, mas que pouco dialogava com os outros filmes da carreira do cineasta, mais afeita á construção de universos fantásticos. Os anos se passaram e Miyazaki surpreendeu a todos com a decisão de se 'desaposentar' mais uma vez, decidindo que havia tempo para mais um último filme. E, de fato, "O Menino e a Garça" soa mais próximo de um desfecho para a assinatura do cineasta do que o seu filme anterior, tendo em vista sua proximidade bastante evidente com "A Viagem de Chihiro".
Em ambas as tramas temos crianças que saem de seus mundos para viajarem para terras fantásticas porém pouco convidativas. Se em Chihiro temos um olhar social transformado por uma máscara de fábula, aqui nesse pretenso último filme temos um olhar para um espelho. Miyazaki com suas reflexões existencialistas e espirituais sobre o próprio aspecto da vida e mortalidade. Nascimento e morte, aqui, aparecem lado a lado, e o legado de nossas responsabilidades para os nossos entes depois de nossas partidas se torna o grande tema. A família e nossos deveres para com ela - um aspecto sempre relevante em quase todos os filmes do cineasta - retorna aqui como um elemento central.
Possui a competência técnica habitual do cineasta em conceber mundos completamente mágicos, e até mesmo um toque de seu humor negro (com seus canários com sua voracidade particular), consegue arrancar alguns risos. Se narrativamente ele não se fecha por completo, ao menos sua conclusão soa satisfatória. Dessa vez provavelmente será mesmo o último longa-metragem de um diretor que já conta com 83 anos, e que olha para trás com um carinho pelo mundo que criou, com satisfação pelo trabalho realizado, mas também com uma certa melancolia por conta da consciência de ter de partir.
"Stranizza d'amuri" (ou "Fireworks", no título que recebeu em inglês) tem seus méritos cinematográficos, principalmente na bela fotografia que resgata o verão italiano de 1982. As atuações não deixam a desejar, os dois protagonistas são carismáticos e possuem química um com o outro e a história é inspirada em um caso real, o que garante pontos ao roteiro, ainda que a construção da relação dos personagens soe profundamente clichê. De fato, é mais um daqueles casos de filme de romance homossexual adolescente do tipo 'se você viu um, viu todos', e exatamente por isso que o elemento trágico, quando ocorre, não nos pega realmente de surpresa. Ainda assim, o longa-metragem merece créditos pela qualidade de sua construção e pela relevância da mensagem, que é sempre relevante.
A Bela Adormecida
3.6 454Filmes de princesas sempre salvaram o pescoço - e o bolso - de Walt Disney quando este andava mal das pernas financeiramente. Foi assim no começo do estúdio com "Branca de Neve", na retomada das animações após a 2ª Guerra com "Cinderela" e, aqui, enquanto ele estava se chafurdando em dívidas para criar o seu primeiro parque temático, o que lhe deu um alento financeiro foi "A Bela Adormecida". E dessa trinca, "A Bela Adormecida" pode talvez não ser o filme mais emblemático, mas é certamente o que tem a animação melhor dirigida - ter sido feito posteriormente no tempo, e com as técnicas mais bem desenvolvidas também ajuda. É também o que tem a antagonista mais interessante e um desfecho envolvente. Mas a trama demora a engrenar, perde tempo com digressões desnecessárias, e a pouca presença da protagonista - limitada, obviamente, pela trama - faz com que ela perca em carisma. Na trilha sonora, Tchaikovsky, o que traz uma sofisticação erudita a uma animação puramente infantil.
Guardiões da Galáxia: Vol. 3
4.2 803 Assista AgoraUma ilha solitária entre os roteiros ruins da Marvel após a fase Thanos. "Guardiões da Galáxia vol. 3" vale muito por oferecer um desfecho satisfatório para os arcos de alguns personagens e, principalmente, por se aprofundar mais na dramática história de origem de Rocket Racoon, e o seu desenlace no confronto contra o Alto Evolucionário convence e entretém. Os efeitos especiais são muito bons, e a seleção de músicas, como de praxe, é excelente. Por outro lado, o humor meio boboca da Marvel permanece, e a introdução do tão esperado Adam Warlock nesse universo é decepcionante - nos quadrinhos, o personagem bate de frente com Thanos, mas aqui é apenas um adolescente perdido no caos. No mais, uma duração excessivamente longa sem necessidade.
O Diabo Veste Prada
3.8 2,4K Assista AgoraTípico filme feito para o vilão brilhar. E, de fato, depois de "O Diabo Veste Prada", Miranda Priestly facilmente entra em uma galeria dos 'monstros memoráveis do cinema', muito por conta da atuação impecavelmente gélida de Meryl Streep, fria como uma rocha de gelo. Mas casa também com a personagem o carisma inerente da atriz e, assim, há um certo prazer divertido e sádico em vê-la em cena torturando psicologicamente seus funcionários, fazendo com que estes sempre busquem uma aprovação inalcançável. Anne Hathaway, em comparação, é uma atriz bem mais limitada e que costumeiramente acaba fazendo sempre o mesmo personagem. Mas ela segura bem a dobradinha e convence na sua obsessão crescente de tentar satisfazer a chefe, sem perceber que isso a está transformando em uma workaholic tanto quanto, ou igual a outra. No mais, a estrutura de roteiro da personagem que é convidada a entrar em um mundo, é seduzida por ele e depois se decepciona ao conhecer suas mesquinharias internas, é clichê e batido. Funciona, ao menos, enquanto sessão da tarde despretensiosa
Número 23
3.4 1,7K Assista AgoraSuspense que tentou obter algum sucesso na época do seu lançamento junto a essa galera crédula que se impressiona com besteiras como numerologia, misticismo, horóscopo e outras coisas do tipo que não passam de mera coincidência. De fato, as associações aleatórias que o filme joga para o espectador para convencê-lo de que 23 é o "número do caos", são cálculos improvisados e forçados envolvendo qualquer coisa, e a mesma técnica poderia ser utilizada para criar a falsa sensação de mistério com relação a qualquer outro número. Mas o que esperar de um roteiro que usa 'Topsy Kreets' como pseudônimo de um personagem? ('Top Secrets?' risos...). Para completar, o plot twist ao final não satisfaz, seja por não sobreviver a uma análise do filme em retrospecto, seja por apenas reciclar o mesmo desfecho batido que meia dúzia de thrillers já haviam feito antes dele. Mas reconheço que Jim Carrey, ao menos, se esforça para convencer como um ator sério sendo perturbado por uma crise de paranoia crescente. No mais, eu não preciso assistir a esse filme 23 vezes para perceber o quanto ele é apenas uma enorme bobagem.
A Criada
4.4 1,3K Assista AgoraIntrincado e complexo, mas profundamente sedutor. "A Criada", longa-metragem coreano dirigido por Park Chan-Wook (o mesmo cineasta do também chocante "Oldboy"), é um jogo racional de mentiras e manipulações que se equilibra no fio de uma navalha de perigo, morte e sedução. Se sustenta muito por conta do seu ótimo roteiro, com as posições dos personagens se invertendo entre si, e os fragmentos de informação se complementando em um mosaico que, ao final, se mostra muito bem encaixado. É o tipo de obra que não dá para se debruçar muito por conta do risco de spoilers, mas basta dizer que é um thriller sem furos capaz de deixar o espectador desorientado em vários pontos, com doses bem equilibradas de romance e erotismo e um discurso de empatia feminina e sororidade fortíssimo. É quase um "A Malvada" revisitado e des/reconstruído para o discurso feminista do Século XXI. Atuações competentes de Ha Jung-Woo, Kim Min Hee e Kim Tae-ri reforçam a qualidade da produção.
Homem-Formiga e a Vespa: Quantumania
2.8 517 Assista AgoraGenérico até não poder mais, e tão mais do mesmo quanto todas as versões possíveis do Kang no multiverso. "Quantumania", o terceiro filme do Homem-Formiga, é um filme que não impressiona e não chama a atenção em nenhum aspecto, em que pese ser o longa-metragem que, em tese, introduziria o principal vilão da nova fase da Marvel nos cinemas. Nesse sentido, Jonathan Majors faz um trabalho tão burocrático quanto a direção de arte que cria um Reino Quântico pouco inspirado. O roteiro é uma sucessão de clichês, ainda que devo admitir que aprecio a tentativa de desenvolver a 'Família Formiga' e dar um pouco mais de espaço para Michael Douglas e Michelle Pfeiffer, bem como fazer da relação de pai e filha entre Scott Lang e Cassie o fio dramático condutor da narrativa. Mas tudo é meio sem peso, artificial, fraco, não sustenta por muito tempo. Ademais, temos Bill Murray em uma ponta desnecessária, e, para o enfarte dos fãs hardcore dos quadrinhos, um M.O.D.O.K. absolutamente fiel no design, mas completamente diferente na história de origem (e que também soa deslocado e sem qualquer função na trama). Ao menos, o filme possui ritmo e distrai razoavelmente por duas horas. Mas é facilmente esquecível assim que se encerra.
Terra
3.9 29 Assista AgoraTerceiro filme da trilogia da Ucrânia, de Aleksandr Dovjenko, "Terra" mantém a narrativa quase que de fluxo livre de seus antecessores. O objetivo, acima de tudo, é fazer a propaganda positiva da reforma agrária promovida pela União Soviética e a coletivização dos campos. Mas no meio do tom árido e questionável de suas intenções, Dovjenko encontra espaço para a poesia. As cenas dos campos, das flores, das frutas e da chuva trazem uma aura naturalista e idílica ao filme. Apresenta algumas coisas bastante ousadas para a época, como um nu completo de uma atriz ainda na década de 30, e o próprio ataque - fortíssimo, considerando o discurso incisivo - à instituição da Igreja e de suas crenças. E cria um paralelo belo entre morte e vida, resultando na reflexão de todos nós como frutos da terra. Ainda assim, "Terra", bem como seus colegas, sofre pela pouca empatia que provoca para com seus personagens, e a trama excessivamente episódica não conquista.
Arsenal
3.8 13 Assista AgoraSegundo filme da trilogia da Ucrânia, de Aleksandr Dovjenko, "Arsenal" mostra a sua força no poder imagético. As imagens moldando o poder imperioso da fome e da guerra. Inquestionável que se diga que Dovjenko era um exímio compositor de imagens evocativas fortíssimas. Daí a sua importância para um cinema que era, sobretudo, feito para fazer propaganda do regime soviético. Por outro lado, vindo dessa mesma vertente, "Arsenal" é um filme árido em termos de narrativa, já que tudo se presta aqui a passar uma mensagem de justificação política. Fácil entender seu poder como propaganda, e mesmo sua beleza estética quanto às imagens, mas difícil enquanto entretenimento e pouco instiga uma revisitada.
A Casa
2.6 496Possui seus atributos dentro do nicho de terror independente latino-americano. "La Casa Muda" é filmado praticamente todo em plano-sequência, possui alguns momentos pontuais inspirados e um clima inquietante que funciona relativamente. Mas iria mentir se não dissesse que seus 86 minutos soam longos demais para uma história genérica que poderia caber em um curta. A atriz Florencia Colucci se esforça para conseguir segurar a trama - ou a falta de uma - e os 'jump scares' são vergonhosos em sua previsibilidade óbvia. Faz referências visuais a outros filmes de terror de 'casas velhas e empoeiradas no meio do nada' - lembrei em mais de um momento de "O Massacre da Serra Elétrica", de 1974 - mas sem chamar atenção para elas enquanto referências. No geral, razoável apenas.
Pantera Negra: Wakanda Para Sempre
3.5 799 Assista AgoraMarcado pela ausência trágica de Chadwick Boseman, "Pantera Negra - Wakanda Para Sempre" tinha um desafio difícil pela frente: conseguir segurar a franquia sem o seu carismático protagonista e ao mesmo tempo que se prestasse como uma homenagem. A homenagem em si é até bonitinha, mas é inegável que o filme ressente a todo momento a falta de Chadwick. E nem me refiro ao tema do luto, que acaba sendo o principal elemento motivador das escolhas dos personagens no decorrer da trama, mas sim em aspectos técnicos que prejudicam o próprio filme enquanto filme mesmo. Letitia Wright - que funcionava bem como alívio cômico no primeiro longa - é fraquíssima como atriz dramática e não consegue segurar os extensos 161 minutos que a trama exige dela como herdeira do legado. A menina não é carismática o suficiente para tanto. Ainda que sejam melhores atrizes do que ela, Angela Bassett, Danai Gurira e Lupita Nyong'o estão limitadas em suas meras funções de apoio. A introdução de 'Coração de Ferro' serve apenas como escada para a personagem ser melhor aproveitada em algum outro filme mais para frente (algo corriqueiro que a Marvel vem fazendo desde a sua Fase 1). E Tenoch Huerta vive um Namor insípido enquanto ameaça e decepcionante se comparado a sua contraparte nos quadrinhos. A produção é desnecessariamente inchada, e poderia ter vários - muitos - minutos a menos. O filme ganha um pouco mais de fôlego quando da batalha final, mesmo que os efeitos especiais deixem a desejar - o fundo de CGI fica bem evidente. Enfim, uma tentativa de fazer um grande 'in memoriam', mas sabotado pelo seu próprio conteúdo inconsistente.
A Montanha Do Tesouro
3.7 4Primeiro filme da chamada "Trilogia da Ucrânia" de Aleksandr Dovjenko, "A Montanha do Tesouro" possui algo que instiga, mas também algo que afasta. A sobreposição de imagens remetendo as lendas medievais ucranianas fascina pelo tom mítico e misterioso que assume. Mas a colagem com o tom de propaganda do mundo contemporâneo à época de sua produção - algo inerente a uma produção soviética - força um pouco a simpatia. Ao final, o terceiro ato, que apresenta os habitantes do mundo capitalista quase como figuras monstruosas e sádicas soa absurdamente caricatural e maniqueísta. A narrativa confusa entre seus vários episódios também desanima uma possível revisitada.
O Menino que Descobriu o Vento
4.3 741Determinação e superação. "O Menino que Descobriu o Vento" é mais uma típica história de um protagonista que, baseado em fatos reais, vence as suas adversidades e limitações a ponto de modificar o meio em que vive e inspirando outros ao seu redor. Por si só, a história real de William Kamkwamba já merece respeito e admiração. O longa-metragem por sua vez, corria o sério risco de se tornar clichê e batido, o "filme de coach", se não fosse a surpreendente maturidade na direção estreante de Chiwetel Ejiofor, que traz uma humanidade para a obra que nos envolve e nos instiga. Da estética amarelada da fotografia remetendo à fome desesperadora dos personagens, à sensibilidade com que ele trata de questões familiares reagindo a um contexto social, econômico, político e ambiental, "O Menino que Descobriu o Vento" em tudo lembra o filme de um diretor experiente. E Ejiofor brilha não só na direção, mas também em sua performance dentro de cena, já que compõe os vários dilemas do personagem de Trywell com uma complexidade honesta, e sempre sujeita à compreensão do espectador mesmo em seus momentos mais 'vilanescos'. Já o protagonista, Maxwell Simba, possui um trabalho de atuação, em tese, mais fácil, mas isso não retira a qualidade de seu trabalho, se revelando, também, uma ótima aquisição. Surpresa e satisfação, afinal, é o que resume "O Menino que Descobriu o Vento".
Jornada nas Estrelas: Insurreição
3.3 50 Assista AgoraCom exceção das cenas espaciais mais bem caprichadas, "Jornada nas Estrelas - Insurreição" poderia passar por um episódio estendido da série de TV. A direção de Jonathan Frakes é insípida e o roteiro fraco sobre a disputa por um planeta que seria uma espécie de 'Fonte da Juventude' da galáxia é pouco envolvente. Arrisca um comentário político aqui e ali sobre a relocação de povos entre fronteiras geográficas, mas o faz de forma tímida, sem se aprofundar nas questões político, ético e sociais. A título de exemplo a própria série de TV trabalha as mesmas questões em episódios específicos de modo bem mais incisivo - em especial a derivada "Deep Space Nine" que é quase toda sobre isso. No geral, um dos filmes mais fracos e esquecíveis de Star Trek.
Hook - A Volta do Capitão Gancho
3.4 282 Assista AgoraNa teoria muitas das escolhas feitas pelo roteiro de "Hook - A Volta do Capitão Gancho" deveriam funcionar. A forma como o filme brinca com a mitologia do Peter Pan durante todo o seu primeiro ato é engenhosa e original. Mas é quando o personagem vai para a 'encantadora' Terra do Nunca que o longa desaba. Excessivo e exagerado, Spielberg pesa a mão na produção e constrói um filme inchado, rico em detalhes, mas pobre em carisma. A trama não envolve e o personagens não são empáticos, por mais que Robin Williams e Dustin Hoffman se esforcem nesse sentido - especialmente esse último, que visivelmente está se divertindo horrores no papel de Capitão Gancho. Os Meninos Perdidos são apenas chatos e Julia Roberts como Sininho, por sua vez, é puro suco de vergonha alheia. No final, resta uma obra saturada, que cansa fácil e dificilmente sobrevive a uma revisitada.
Rua 42
3.8 30 Assista AgoraOs bastidores da produção de um show da Broadway, "Rua 42" é um típico musical da Era de Ouro com suas dinâmicas amorosas pouco envolventes sendo compensadas por um espetacular ato final. Nesse ponto, é interessante ver a sofisticação com que o filme se liberta das amarras da linguagem teatral para se assumir enquanto Cinema, fazendo coisas que seriam impensáveis em um palco de espetáculo. E muito por conta dessa irreverência inovadora na direção - ainda estamos falando de um filme do início da década de 30 - que o longa garante um charme nos últimos minutos que faz você querer continuar assistindo mesmo quando ele se encerra. Por outro lado, como dito, o 'quadrado amoroso' secundário e as sub-tramas dramáticas inconsistentes enfraquecem um pouco o resultado final. Como curiosidade, conta com uma Ginger Rogers novata, ainda sem ter feito seus principais filmes, em um papel que é quase uma figurante, uma sombra da protagonista Ruby Keeler. Essa sim, hoje esquecida.
Yankee Zulu
3.6 20É... não deu. Não vou me estender muito, mas a julgar pelos comentários abaixo só posso concluir o quanto a memória afetiva pode ser algo poderoso e enganoso. Não achei graça em nenhuma das piadas, os protagonistas não possuem empatia, o personagem de John Matshikiza é profundamente irritante, e a questão racial é abordada de forma rasa até mesmo para os padrões de uma comédia estúpida. Merece algum crédito ínfimo pela paródia bem intencionada que faz da família real britânica, mas só. No mais, constrangimento alheio é o que define essa comédia africana.
Os Gênios da Pelota
3.7 8"Não importa o que é ou quem começou com isto: eu sou contra!", essa estrofe da canção de Groucho Marx que abre "Os Gênios da Pelota", sintetiza completamente o sentido do humor da trupe formada por ele e pelos seus irmãos Zeppo, Harpo e Chico durante a década de 30. A comédia dos irmãos Marx é uma comédia de sátira às instituições, a anarquia vindo para constranger completamente as entidades de alta classe repletas de pompa e circunstância. Seja um hotel cinco estrelas, um concerto de ópera, um centro militar, ou, aqui no caso, uma universidade. "Horse Feathers", no título original, é um dos filmes mais enxutos da trupe justamente por não perder tempo com tramas de romance paralelas bobas, e justamente por isso ganha muitos pontos a seu favor. As esquetes mal costuradas entre si estão lá apenas para funcionarem por si próprias, o que de certa forma não atrapalha, já que a ideia do humor deles envolve justamente o caos e a confusão. Como já verificado em outros filmes, é nítida a sua influência em comediantes futuros como Os Trapalhões, Looney Tunes e Chaves (vindo daqui, inclusive, a piada da melancia dada a um professor).
Vidas em Jogo
3.8 726 Assista AgoraDavid Fincher já havia se provado com "Seven", seu filme imediatamente anterior, quando fez "The Game", que confirma a sua assinatura para thrillers tensos, frios e racionais e, agora, com uma certa pontinha no absurdo (quase que preparando um pouco o terreno para "Clube da Luta"). O roteiro ainda chama a atenção, ainda que seu desfecho soe hoje meio previsível - e eu, particularmente, tenha certos problemas com a forma com que o último plot twist é construído. Mas isso não chega a estragar o que vem antes. De certa forma, o filme é uma espécie de versão moderna, policialesca e mais sádica de 'A Christmas Carol', já que o personagem de Michael Douglas é uma versão contemporânea de um egocêntrico e mesquinho Ebnezer Scrooge que é forçado a entrar em uma jornada de desconstrução de sua imagem, sua arrogância e sua avareza. O ator, aliás, manda muito bem no papel, durante as várias fases do personagem, da supremacia absoluta passando pela paranoia até chegar na humilhação e na vulnerabilidade completa. Uma trama conspiratória envolvente que ainda funciona e eletriza de forma satisfatória.
No Hotel da Fuzarca
3.5 11Primeiro filme dos irmãos Marx, trupe de comediantes que faziam relativo sucesso no teatro de vaudeville norte-americano e que, ali pelas décadas de 30 e 40 realizaram cerca de uma dúzia de longas-metragens. Nesse primeiro filme, a origem teatral dos artistas está bem evidenciada, seja pelo roteiro que pouco explora os meandros da 'história', seja pela produção visivelmente de baixo orçamento. Ainda assim, o filme alcança algumas gags ótimas e bastante inovadoras para o período como o jogo de esconde-esconde dos personagens entre quartos contíguos de um hotel - basicamente um 'split screen' no cinema ainda no final da década de 20. Fica bastante latente a influência que tiveram no gênero da comédia, seu estilo de humor anárquico e absurdo remetendo, para nós, diretamente aos tempos áureos dos nossos conterrâneos "Os Trapalhões". Todavia, o longa-metragem peca ao apostar em números musicais completamente aleatórios e descartáveis, uma fragilidade típica dos primeiros anos do cinema sonoro.
Má Educação
4.2 1,1K Assista AgoraDécimo-quinto trabalho dirigido por Pedro Almodóvar, "Má Educação" talvez tenha um dos roteiros mais instigantes e racionais do cineasta, à medida que brinca com linhas de história dentro de linhas de história, oferecendo um quebra-cabeça repleto de pistas falsas e armadilhas dentro de armadilhas. Justamente pelo seu distanciamento de outros filmes do diretor decorrente de sua frieza nos personagens pode render um certo estranhamento à primeira vista aos seus fãs ferrenhos. Mas ele não deixa de ser um Almodóvar típico com seu toque de melodrama, seu senso de humor negro, sua falta de pudores de falar em relações sexuais que afrontam os 'bons costumes' e sua crítica ao conservadorismo religioso. Foi baseado em um conto que o Almodóvar escreveu durante a juventude, ele próprio tendo estudado em um colégio católico na infância. Sendo protagonizado por um personagem diretor de cinema, o filme ganha, assim, aspectos quase que de uma autobiografia fictícia. Gael García Bernal rouba o filme ao se entregar completamente a um personagem definido pela sua dubiedade e falta de clareza em suas intenções até o último momento. Lembra, em vários aspectos, a assinatura do cinema policial de Brian de Palma, mas com a irreverência subversiva e vibrantemente colorida de Pedro Almodóvar.
A Nós a Liberdade
4.1 39Em uma poesia visual, René Clair traça um paralelo instigante e divertido entre a prisão e a fábrica. Com um charme singular e um senso de humor ácido, "A Nós a Liberdade" é uma comédia musical que ironiza a automatização do ser humano, a linha de produção industrial, a máxima do 'trabalho como algo que liberta' em um mundo onde a 'vadiagem' pode ser considerada 'crime de prisão'. O medo do prisioneiro com relação ao guarda não é nada perto do medo do funcionário perante o capataz. Não à toa, essa obra francesa é considerada a principal influência para que Chaplin fizesse o seu "Tempos Modernos", poucos anos depois. A sincronia visual e a 'dança' das formas no filme de Clair é um deleite a parte. Perde um pouco de fôlego na segunda metade, quando aposta em uma subtrama romântica descartável. E talvez faça uma conclusão excessivamente otimista calcada na filosofia positivista de que a razão pura iria resolver todos os problemas humanos, um pensamento recorrente à época, mas que acabou datado. Seja como for, uma obra belíssima e divertida que merecia mais reconhecimento por cinéfilos nos dias de hoje.
Toda Forma de Amor
4.0 1,0K Assista AgoraFluído como a necessidade humana constante de se apaixonar. "Beginners - Toda Forma de Amor" é um romance de Mike Mills que foge um pouco do convencional. Na verdade é um filme muito mais sobre descobertas, redescobertas e sobre 'se encontrar no outro'. A montagem fragmentada joga o espectador no turbilhão de memórias do protagonista - interpretado por um sempre simpático Ewan McGregor - e a dinâmica reflexiva, bem como a dobradinha do ator com um excelente Christopher Plummer, contribuem para a sensibilidade dramática do longa não recair para a melosidade piegas. Trata a questão da homossexualidade de um dos personagens com um respeito tocante através de uma abordagem ainda pouco vista. Melanie Laurent é o ponto menos interessante do filme, mas ainda assim não compromete. No todo, o longa possui conteúdo e uma certa consistência poética que o torna doce de acompanhar.
O Menino e a Garça
4.0 216Hayao Miyazaki já havia saído da aposentadoria uma vez para fazer "Vidas ao Vento", um longa-metragem eficiente em sua proposta, mas que pouco dialogava com os outros filmes da carreira do cineasta, mais afeita á construção de universos fantásticos. Os anos se passaram e Miyazaki surpreendeu a todos com a decisão de se 'desaposentar' mais uma vez, decidindo que havia tempo para mais um último filme. E, de fato, "O Menino e a Garça" soa mais próximo de um desfecho para a assinatura do cineasta do que o seu filme anterior, tendo em vista sua proximidade bastante evidente com "A Viagem de Chihiro".
Em ambas as tramas temos crianças que saem de seus mundos para viajarem para terras fantásticas porém pouco convidativas. Se em Chihiro temos um olhar social transformado por uma máscara de fábula, aqui nesse pretenso último filme temos um olhar para um espelho. Miyazaki com suas reflexões existencialistas e espirituais sobre o próprio aspecto da vida e mortalidade. Nascimento e morte, aqui, aparecem lado a lado, e o legado de nossas responsabilidades para os nossos entes depois de nossas partidas se torna o grande tema. A família e nossos deveres para com ela - um aspecto sempre relevante em quase todos os filmes do cineasta - retorna aqui como um elemento central.
Possui a competência técnica habitual do cineasta em conceber mundos completamente mágicos, e até mesmo um toque de seu humor negro (com seus canários com sua voracidade particular), consegue arrancar alguns risos. Se narrativamente ele não se fecha por completo, ao menos sua conclusão soa satisfatória. Dessa vez provavelmente será mesmo o último longa-metragem de um diretor que já conta com 83 anos, e que olha para trás com um carinho pelo mundo que criou, com satisfação pelo trabalho realizado, mas também com uma certa melancolia por conta da consciência de ter de partir.
Que medo daqueles que constroem mundos com pedras tocadas pela maldade.
Fireworks
4.2 24"Stranizza d'amuri" (ou "Fireworks", no título que recebeu em inglês) tem seus méritos cinematográficos, principalmente na bela fotografia que resgata o verão italiano de 1982. As atuações não deixam a desejar, os dois protagonistas são carismáticos e possuem química um com o outro e a história é inspirada em um caso real, o que garante pontos ao roteiro, ainda que a construção da relação dos personagens soe profundamente clichê. De fato, é mais um daqueles casos de filme de romance homossexual adolescente do tipo 'se você viu um, viu todos', e exatamente por isso que o elemento trágico, quando ocorre, não nos pega realmente de surpresa. Ainda assim, o longa-metragem merece créditos pela qualidade de sua construção e pela relevância da mensagem, que é sempre relevante.