1 - As pessoas se encantam com as belíssimas cenas de amor e sexo entre o Roy e o Nathan (talvez as mais belas já filmadas) e isso as leva a pensar que esse filme é um romance gay. Mas não é. O tema central do filme, o que o define enquanto obra artística, é a questão do abuso sexual do filho pelo pai.
2 - Vocês têm ideia do que é ser abusado sexualmente pela pessoa da qual a gente só espera proteção e carinho filial? É enlouquecedor. E é por isso que a questão do abuso está presente em todas as cenas capitais do filme.
3 - A cena dos dois dentro da caminhonete, na chuva, é triste demais. Nathan é um rapaz inocente e supostamente inexperiente, mas quando o clima com o amigo, esquenta, ele "cavalga" o pênis do amigo, o que é uma coisa que uma pessoa inocente jamais faria, e o que causa a repulsa de Roy. Se ele fez isso com o namorado, é porque ele já tinha feito isso (ou obrigado a fazer) com outra pessoa, e é aí que fica claro o abuso anterior.
4 - Depois, aparecem cenas que deixam claro, com todas as letras, o abuso que ele sofria pelo pai, e mais adiante temos as polêmicas cenas finais, que parece que deram um nó na cabeça dos espectadores.
5 - Em primeiro lugar, entenda: se você só consegue assistir histórias com narrativa clássica, com começo, meio e fim, esse filme não é pra você. E o curioso é que o diretor prega uma peça no espectador, porque ele faz um filme com narrativa clássica do começo até quase o fim, mas ele quebra a narrativa depois da cena da descoberta do romance dos dois, e o que temos a partir daí é uma narrativa de sonho, onde ele não explica direito o que está acontecendo e na prática coloca dois finais no filme, praticamente pedindo para cada espectador escolher o seu.
6 - Então não é verdade que o final seja ruim; ele apenas destoa do restante do filme (mas não muito). Na verdade, eu achei o final ótimo, profundo e cheio de metáforas. Sim, porque a minha teoria é que a cena em que os amigos descobrem que o Roy e Nathan têm um romance é a última cena "real" do filme. A partir daí, o que temos é um sonho do Nathan, um sonho confuso e contraditório, mas perfeitamente compatível com a mente de uma pessoa tão machucada psicologicamente como a dele.
7 - Por que o Burke estupra e mata o Nathan nesse "sonho"? Vejam que que havia uma atração física clara entre o Burke e o Nathan em todas as cenas em que eles aparecem juntos. Quem leu o livro diz que isso é ainda mais claro nele. A relação da vítima do abuso sexual com o abuso não é uma coisa "preto-no-branco". Existe uma repulsa, mas em muitos casos existe um fascínio por ele. Por isso, acho razoável imaginar que uma mente tão machucada como a do Nathan fantasiava sobre estupro, sobre a própria morte, mas também tinha um espaço na sua mente para uma fantasia romântica do amor do Roy. No final, tudo isso se misturou no mesmo sonho.
8 - Uma pista que o diretor deixa de que tudo aquilo é o sonho é o fato do Burke não ser preso nem sofrer qualquer tipo de sanção por estuprar e matar o amigo. Gente, isso jamais aconteceria nos Estados Unidos, no caso da vitima ser um respeitável rapaz branco como é o Nathan.
9 - Enfim, o diretor (e o autor do livro também, ao qual o filme é bem fiel) aposta na inteligência do espectador. Aposta de que ele saberá pescar as pistas que ele vai colocando na história, e montar sem muito drama o quebra-cabeça do final aberto do filme. Pode ser que cada espectador tenha uma teoria diferente sobre o filme, mas isso não é um problema, e é isso que torna os finais abertos tão ricos.
Bem, como é impossível fazer um comentário profundo sobre esse filme sem contá-lo inteiro, até a última cena, o meu comentário abaixo vai todo dentro da tag spoiler.
Este filme é um drama mas é também um thriller. E ele é sensacional nos dois gêneros. A cena quase no início, quando o protagonista Daniel é enganado e inúmeros rapazes entram em seu apartamento para se divertir e roubar, é tão longa e tão tensa, que eu não tive coragem de vê-la até o final, e pulei a parte final dela (eu vi pelo streaming do My French Film Festival). A princípio, a reação dele àquela invasão é incompreensível. Penso que seria fácil pra ele sair do apartamento e chamar a polícia. Mas ele fica lá, e até confraterniza com os rapazes, meio apalermado. A princípio, eu pensei que o motivo disso fosse que ele é um cara tão depravado que somente a presença e a alegria daqueles rapazes tão bonitos já o excitasse, mesmo que ele não pudesse transar com eles e eles fossem roubá-lo. Mas as atitudes posteriores dele mostraram que não, e o motivo eu acho que foi simplesmente ele ter ficado em choque com invasão tão inusual ou então sentiu pena dos rapazes, que eram estrangeiros sem visto e seriam presos e deportados se ele chamasse a polícia.
E depois aparece o Marek, um rapaz que se eu tivesse que definir com um único conceito, eu diria que é alguém que tem uma tristeza infinita dentro de si. Vende seu corpo mas talvez não seja nem gay. Chega, tira a roupa e se entrega, sem dor, sem entusiasmo, sem prazer, sem nada. Depois pega o dinheiro e vai embora, sem uma palavra. Como se ligar emocionalmente a alguém assim? Mas Daniel se ligou, talvez porque ele fosse um garoto muito lindo, mas eu acho que o motivo foi justamente a tristeza que ele demonstrava. Daniel viu naquele rapaz a chance de cultivar uma relação e tentar curá-lo de sua tristeza.
E Marek voltou na semana seguinte, e na outra. E eles foram se vendo duas vezes por semana. Em algum momento, um sorriso do rapaz. Depois, uma demonstração genuína de prazer sexual. Mais tarde, ele conta a história da vida dele para Daniel, e também seu verdadeiro nome, que é Rouslan, e termina dizendo "eu confio em você". A relação estava fazendo bem a ambos, apesar da óbvia instabilidade desse tipo de ligação. Daniel foi inteligente na aproximação. Primeiro, pagava 50 euros por cada encontro, mas depois combinou de pagar um valor fixo por mês e que Rouslan viesse quando tivesse vontade, e por fim o convidou para morar com ele, sem pagamento mas provendo todas as necessidades dele. Essa era a única maneira de se ligar profundamente a alguém tão desconfiado (por razões óbvias) como Rouslan.
Mas tinha algo que turvava a relação deles, que era a ligação de Rouslan com a gangue que roubou o apartamento. Todos eram estrangeiros sem visto permanente na França, e moravam juntos num hotel. Uma das cenas mais importantes do filme é a que Daniel diz para Rouslan: "eu não quero que você os veja mais; eles me assustam, e também assustam você". É isso mesmo. Rouslan tinha muito medo deles, especialmente do russo Boss, chefe da gangue. E porque ele continuava com eles? Porque eles eram a única família que ele tinha. Uma família autoritária, abusiva e violenta, mas ainda assim uma família. Mas ele ganhava coisas bonitas de Daniel, e os amigos começaram a perceber, e vai contra os códigos da gangue um membro ter muito mais do que os outros.
O desfecho violento do caso era mais que óbvio, mas felizmente Daniel teve o sangue frio de fazer tudo certo e salvar Rouslan dos rapazes e talvez até mesmo da morte. Nesse trecho do filme, o meu destaque vai para a interpretação maravilhosa da Edéa Darcque como a funcionária do hotel que tem que interagir com todos os lados. Ela já é uma mulher linda, mas no filme ela se mostra com uma altivez e dignidade impressionantes, numa situação dificílima, onde ela era obrigada a relativizar certas coisas em nome da segurança e tranquilidade de todos. Quando a polícia chega para prender os rapazes, me cortou o coração que eles tenham prendido também outros estrangeiros que moravam no hotel, asiáticos a maioria, pessoas tranquilas que não tinham nada a ver com a violência denunciada.
E por fim, chegamos à cena final, que é a da audiência judicial de adoção de Rouslan por Daniel. Sim, o francês não quer que ele seja seu amante ou marido, mas sim que seja seu filho. Concordamos que isso é um baita plot twist, não é? Mas nem tanto. Se a gente observar com calma as cenas do filme, vai ver que ele já estava se afastando sexualmente dele. Não queria mais transar, prepara um quarto para Rouslan dormir sozinho... Isso inclusive é motivo de pânico para o garoto, que interpreta isso como o prenúncio de um rompimento. Mas não; a coisa é que Daniel não queria mais transar com ele, mas cuidar dele. E isso é atitude de pai, e não de amante. É claro que as cenas em si não são tão claras assim, mas a cena final joga uma nova luz e um novo entendimento sobre elas. Uma pessoa muito querida minha achou esse final bizarro, mas eu não, achei normal e até muito bonito. Bizarro seria o contrário, se eles tivessem começado a relação como pai e filho e terminado como amantes. E foi esse final tão invulgar que tornou esse filme um drama digno de nota.
Ou seja, o filme é uma mistura de drama e thriller muito bem feita. As cenas de sexo são bonitas e de bom gosto, mas saiba: é sexo gay, então não recomendo passar o filme com a família reunida. O único defeito do filme é que ele é muito longo; se tivesse 20 ou 30 minutos a menos, seria perfeito (a cena da invasão eu cortaria pela metade).
Em primeiro lugar, eu queria dizer que quando tocou "Caravan", com orquestra completa de jazz no Carnagie Hall, eu chorei, de tão lindo que foi.
Mas o filme é uma farsa.
É MENTIRA que Charlie Parker tenha se tornado Bird depois que atiraram um prato nele. Essa história nem está nas biografias dele. Em uma entrevista, o próprio Parker disse que quando era adolescente ficou 3 ou 4 anos praticando o sax 15 horas por dia. Foi isso que o tornou um dos maiores saxofonistas da história: o amor extremado à música e o desejo firme de se tornar um grande intérprete.
Também é MENTIRA que seja um bom método de ensino aplicar xingamentos homofóbicos aos alunos ou obrigá-los a continuar tocando mesmo com as mãos sangrando. E a deslealdade! Afagar o ego do aluno em particular para depois massacrá-lo em público. Isso não cria bons músicos. Isso cria maníacos, como o ex-aluno que teve um brilho efêmero e depois... (bem, quem viu o filme sabe o que aconteceu com ele)
Rigor extremo na avaliação sim. Praticar até quase a exaustão, também sim. Mas o que é mostrado no filme NÃO! E o mais irritante é que o diretor do filme concorda com os métodos do louco. É como se ele quisesse dizer que hoje em dia não existe gente que seja "macho o suficiente" para se tornar músico de alto nível, o que é uma noção totalmente retrógrada tanto do ponto de vista comportamental como do próprio ponto de vista artístico, afinal temos inúmeros exemplos de grandes músicos que não tinham muita técnica.
A história do filme é tão curtinha e os personagens (com exceção dos dois protagonistas) tão mal construídos, que não é dado devido destaque à Nicole, que no meu roteiro ideal pra esse filme seria o grande amor da vida do Andrew. Ele gosta dela, mas prefere o estrelato a que a música pode levá-lo. Sim, porque ele não ama a música; ele ama o reconhecimento público que a música pode dar pra ele. Isso fica claríssimo na conversa com os primos. Um deles estava super feliz porque tinha acertado um lançamento de não sei quantas jardas, e o sr. azedo diz em seguida: "mas o seu time é da terceira divisão". Ou seja, o futebol fazia o primo dele feliz, mas como ele não era o melhor dos melhores, não prestava.
Eu devia ter dado uma nota até mais baixa pra esse filme, especialmente pelos inúmeros solos de bateria que tem nele (Que coisa chata! Ninguém gosta de solo de bateria! Só os bateristas). Mas então veio "Caravan", e essa canção como que purificou o filme de seus pecados. Penso até mesmo em comprar o Blu-ray quando sair, para ouvir e ver todos os dias essa interpretação magnifica.
Que filme bonito, hein? Roteiro muito bem escrito e redondinho, atuações excelentes de todos os atores, e um cuidado extremo com a produção. Não parece filme feito para a TV. Achei o diretor criativo, especialmente no uso do desfoque para destacar certos momentos. Também adorei o modo como ele insere a música incidental no filme. A cena do beijo (que tem no poster do filme), onde ele filma sem mostrar o rosto dos atores, é uma coisa linda. Por outro lado, é também uma direção bem convencional, e é só por isso que eu não dou um 10 para o filme. É um filme com narrativa clássica ao extremo, e que exatamente por isso agrada a quase todo mundo. Poderia passar em horário nobre na TV aberta brasileira, se nós não tivéssemos programadores tão estúpidos e preconceituosos como nós temos. A história é aquela clássica sobre o "coming out": um rapaz se descobre diferente e luta contra si mesmo, antes de se aceitar como é. Nota 9/10.
Esse filme conta a história de três pessoas extraordinárias.
A primeira é a rainha Caroline, a mulher mais linda da Dinamarca. Grande pianista, grande leitora, grande mãe, e grande amante também. A mulher pela qual qualquer um de nós se apaixonaria imediatamente.
O segundo é o médico real, Johan. Um homem lindo, másculo, forte, decidido. Um homem muito à frente do seu tempo, filho de umas das figuras mais conservadoras do país mas ainda assim um fantástico divulgador e realizador das idéias iluministas. Também é um médico genial, como mostra a vitoriosa imunização contra a varíola do príncipe do país.
E o terceiro é... bem, será que podemos chamar o rei Christian de extraordinário? Inseguro, debochado, infiel... Mas também alguém que conseguiu ser um déspota esclarecido* por um bom tempo. Na verdade ele não é uma má pessoa. Ele só quer, como disse ao seu médico, beber até cair, freqüentar prostitutas bonitas e brigar por diversão. Ele é aquele cara que todos temos um igual na nossa turma de amigos, e gostamos deles, porque são divertidos e nos fazem rir. O problema é que esse tipo de pessoa é totalmente inadequado à grave função de rei. Ele é um homem ainda mais bonito do que o Dr. Johan e é um amante das artes da interpretação.
Aliás, a questão da arte e dos livros tem importância capital nas relações mostradas no filme. Caroline tem uma grande expectativa em relaçao a Christian, com quem casou por procuração, porque disseram a ela que ele era um amante das artes. Christian contratou Johan porque achou bonito ele recitar Shakespeare na conversa (mas desde que ele não fale que "há algo de podre no reino da Dinamarca"). Caroline notou Johan pela primeira vez por causa da sua extensa biblioteca e por causa de um determinado livro de Rousseau.
E que filme lindo! Fotografia, trilha incidental, figurinos, roteiro, tudo se encaixa maravilhosamente. O filme é um pouco longo, mas não cansa; é a história que precisa ser contada com cuidado e sem pressa. Não existe nenhuma cena gratuita ou dispensável no filme todo. Logo na primeira cena, a gente já sabe que vai haver alguma tragédia, porque a rainha está bem triste escrevendo para seus filhos. Eu pensei que o diretor tinha "contado o final" logo no início para deixar a surpresa de lado e poder contar a história com calma. Ledo engano. O filme tem uma sucessão de twists na segunda metade de deixar qualquer um zonzo.
Eu confesso que nunca tinha ouvido falar do Rei Christian VII da Dinamarca antes de ver esse filme. Pretendo pesquisar sobre ele, mas mesmo que haja muita falsificação histórica (coisa que é praticamente certa num filme que trata de um tempo tão remoto), isso não irá tirar o brilho do filme pra mim. "Cruzada" ("Kingdon of Heaven") foi um filme cheio de licenças históricas mas que as usou com um propósito bastante razoável: afirmar a igualdade dos homens e ser um libelo contra a guerra. Objetivos bastante nobres e semelhantes podem ter motivado as eventuais imprecisões históricas de "O Amante da Rainha".
Normalmente eu costumo separar alguma cena particularmente tocante dos filmes que eu resenho. Nesse aqui vou separar duas.
A primeira é a cena em que Caroline não aceita o convite de Johan para montar. Ele logo vê porque ela não gosta: é porque ela é instigada na condição de mulher a usar a sela lateral, onde as duas pernas ficam juntas para um lado do cavalo (é uma posição aceitável para "a moral e os bons costumes"). Ele a leva para cavalgar na "posição de homem", com uma perna de cada lado do lombo do animal. Faz isso não porque a rainha seja homem ou seja mulher, mas porque ela é uma pessoa, um ser humano, que obviamente fica encantada com o velocidade e a adrenalina proporcionada pelo alazão lindo que ela tem.
A segunda é o momento em que Johan está sendo acossado pelos homens simples da Dinamarca. Ele diz várias vezes "Eu sou igual a vocês", "Eu sou igual a vocês", mas não é ouvido. Ele é um estrangeiro, e o povo acha que ele traiu o rei e fornicou com a rainha. Eles não percebem que ele é sim igual a eles, que é um homem do povo, e que todas as decisões que ele tomou foi pensando nesse povo mas também no seu próprio amor. Eles fazem isso porque foram enganados a vida toda pela igreja filha da puta do país (desculpem o pleonasmo). Esse é mais um dos crimes bárbaros cometidos por essa entidade nefasta.
Nota 10/10. Um dos filmes mais bonitos que eu vi na minha vida.
* Gente, vejam nos livros de história ou na wikipédia o que é um "déspota esclarecido".
Não se enganem. Esse filme é um drama, mas é também um épico. Um épico monumental sobre o preconceito e a intolerância. Ele conta a história de Voichita (a lindíssima Cosmina Stratan), uma moça criada num orfanato que decide se tornar freira e morar num convento da Igreja Ortodoxa na Romênia. Mas seus planos parecem abalados pela chegada de Alina (Cristina Flutur), sua colega de orfanato, que volta da Alemanha para convencê-la a sair com ela do país. Logo na primeira cena entre as duas fica claro que o que as une não é só uma grande amizade, mas sim um desejo que é afetivo e carnal, que no entanto é tratado de modo muito sutil pelo diretor Cristian Mungiu, a ponto de o amor que as une não ser explicitado em nenhum momento.
No entanto, essa paixão implícita é tratada como sintoma de muitos outros pecados pelo padre, pela madre e pelas colegas de convento de Voichita, o que deixa clara a tarefa impossível de se estabelecer um relacionamento (qualquer um) num lugar tão atrasado como esse. Uma das cenas mais impressionantes é a que Alina recebe ajuda das freiras para a confissão, e elas repassam os itens de um livrinho com um monte de pecados estúpidos inventados pela Igreja, e a moça se sente compelida a marcar praticamente todos. O drama evolui para acontecimentos absurdos que incluem uma cruz (!) e um quase exorcismo (!!).
O diretor Cristian Mungiu se mostra muito criativo na narrativa da história; em vários momentos ele mostra somente pedaços da cena, fazendo com que o espectador tenha que adivinhar (ou inventar mentalmente) o resto. Ele também optou por não mostrar a Romênia moderna (que só aparece em detalhes como o padre falando ao celular), ainda que a história se passe no tempo presente.
Se você é um religioso ignorante, o filme não irá lhe afetar, pois provavelmente você continuará achando que é normal exorcizar uma pessoa apenas porque não se consegue entender o que ela sente. Se você é um religioso consciente, cuidado: esse filme poderá abalar a sua fé. Já eu, que sou ateu, vibrei com a cena que mostra uma possibilidade real de punição pelos crimes inomináveis cometidos pelos prepostos da Igreja. Nota 9/10 (e só não leva um 10 porque o filme é muito longo e cansativo em alguns momentos).
Para quem não assistiu esse filme na 36ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, e quer assistir, saiba que eu disponibilizei hoje as legendas para esse filme em inglês e alemão. As cópias boas que tem desse filme na internet são do grupo CHD (em alta definição) e do ArtSubs. Na semana que vem eu vou disponibilizar a legenda em português do Brasil para ele.
Um "Bonnie e Clyde" moderno e muito pirado, mas também um filme triste e angustiante (há uma cena no meio que dá vontade de pular). Chris (Pierre Perrier), o protagonista, tem óbvios problemas sexuais, já que ele flerta com todos os homens que aparecem em seu caminho, mas ao mesmo tempo tem sentimentos altamente destrutivos em relação a eles. Aurore (Lizzie Brocheré) é uma moça altamente influenciável (perfeita a definição aí abaixo do Rogério Moreira). A se destacar a trilha sonora matadora. Aqui está ela completa (essa informação não está ainda no IMDb):
Fortune - "Bully" Eli "Paperboy" Reed - "Come and get it" Eli "Paperboy" Reed - "Name calling" Adam Kesher - "Blue purple" Fortune - "Under the sun" Electric Light Orchestra - "Showdown" Devo - "Mongoloid" The Maccabees - "No kind words" Adam Kesher - "Hundred years later" Shout Out Louds - "Fall hard" Devo - "Sloppy (I saw my baby gettin')" Poni Hoax - "The paper bride"
Escrevo ainda sob o impacto do filme, que eu vi ontem à noite. Imagens oníricas, atuações ótimas (de atores amadores!) e uma trilha sonora matadora. A cena onde o protagonista se encontra com os avós é uma cena antológica: em poucos segundos, o diretor consegue demonstrar todo o abismo que pode existir entre gerações que falam línguas diferentes (no caso, literalmente) e têm perspectivas totalmente distintas de ver o mundo.
Alguns críticos disseram que o Esmir Filho usa uma "estética emo" nesse filme. Não sei se concordo com essa definição, mas se ela for verdadeira, precisamos bater palmas pra ele, pois ele teria conseguido transformar um ser mitológico (o emo), odiado em todos os fóruns da internet, em alguém crível, alguém parecido com gente que a gente conhece ou até com a gente mesmo, em resumo, alguém... profundamente humano.
Por outro lado, é um filme difícil de ver. O diretor nos deixa cegos desde o início, e embora o filme tenha só um fiozinho de história, saber dessa história só lá pro meio do filme nos faz perder muito da compreensão da primeira metade dele (e é por isso que eu pretendo ver o filme de novo nos próximos dias). Os personagens não têm nome, e nada é muito explicado. Com essa dificuldade de leitura do filme, e também a falta de qualquer ator profissional nele, não surpreende que ele tenha sido um fracasso retumbante de bilheteria (menos de 8 mil espectadores). Por outro lado, ele teve um impacto tremendo na crítica, o que pode ser medido pelo número de textos (imenso) e também pela opinião geral (bastante favorável). Espero que ele consiga catalizar essa boa impressão para ter uma estrutura melhor nos próximos longas-metragens dele.
Eu não conheço os curtas do Esmir (com exceção do "Tapa na Pantera"), mas depois e ter visto esse filme, devo buscá-los.
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Garoto dos Sonhos
3.3 113Meu comentário vai inteiro dentro da tag spoiler:
1 - As pessoas se encantam com as belíssimas cenas de amor e sexo entre o Roy e o Nathan (talvez as mais belas já filmadas) e isso as leva a pensar que esse filme é um romance gay. Mas não é. O tema central do filme, o que o define enquanto obra artística, é a questão do abuso sexual do filho pelo pai.
2 - Vocês têm ideia do que é ser abusado sexualmente pela pessoa da qual a gente só espera proteção e carinho filial? É enlouquecedor. E é por isso que a questão do abuso está presente em todas as cenas capitais do filme.
3 - A cena dos dois dentro da caminhonete, na chuva, é triste demais. Nathan é um rapaz inocente e supostamente inexperiente, mas quando o clima com o amigo, esquenta, ele "cavalga" o pênis do amigo, o que é uma coisa que uma pessoa inocente jamais faria, e o que causa a repulsa de Roy. Se ele fez isso com o namorado, é porque ele já tinha feito isso (ou obrigado a fazer) com outra pessoa, e é aí que fica claro o abuso anterior.
4 - Depois, aparecem cenas que deixam claro, com todas as letras, o abuso que ele sofria pelo pai, e mais adiante temos as polêmicas cenas finais, que parece que deram um nó na cabeça dos espectadores.
5 - Em primeiro lugar, entenda: se você só consegue assistir histórias com narrativa clássica, com começo, meio e fim, esse filme não é pra você. E o curioso é que o diretor prega uma peça no espectador, porque ele faz um filme com narrativa clássica do começo até quase o fim, mas ele quebra a narrativa depois da cena da descoberta do romance dos dois, e o que temos a partir daí é uma narrativa de sonho, onde ele não explica direito o que está acontecendo e na prática coloca dois finais no filme, praticamente pedindo para cada espectador escolher o seu.
6 - Então não é verdade que o final seja ruim; ele apenas destoa do restante do filme (mas não muito). Na verdade, eu achei o final ótimo, profundo e cheio de metáforas. Sim, porque a minha teoria é que a cena em que os amigos descobrem que o Roy e Nathan têm um romance é a última cena "real" do filme. A partir daí, o que temos é um sonho do Nathan, um sonho confuso e contraditório, mas perfeitamente compatível com a mente de uma pessoa tão machucada psicologicamente como a dele.
7 - Por que o Burke estupra e mata o Nathan nesse "sonho"? Vejam que que havia uma atração física clara entre o Burke e o Nathan em todas as cenas em que eles aparecem juntos. Quem leu o livro diz que isso é ainda mais claro nele. A relação da vítima do abuso sexual com o abuso não é uma coisa "preto-no-branco". Existe uma repulsa, mas em muitos casos existe um fascínio por ele. Por isso, acho razoável imaginar que uma mente tão machucada como a do Nathan fantasiava sobre estupro, sobre a própria morte, mas também tinha um espaço na sua mente para uma fantasia romântica do amor do Roy. No final, tudo isso se misturou no mesmo sonho.
8 - Uma pista que o diretor deixa de que tudo aquilo é o sonho é o fato do Burke não ser preso nem sofrer qualquer tipo de sanção por estuprar e matar o amigo. Gente, isso jamais aconteceria nos Estados Unidos, no caso da vitima ser um respeitável rapaz branco como é o Nathan.
9 - Enfim, o diretor (e o autor do livro também, ao qual o filme é bem fiel) aposta na inteligência do espectador. Aposta de que ele saberá pescar as pistas que ele vai colocando na história, e montar sem muito drama o quebra-cabeça do final aberto do filme. Pode ser que cada espectador tenha uma teoria diferente sobre o filme, mas isso não é um problema, e é isso que torna os finais abertos tão ricos.
Garotos do Leste
3.5 52 Assista AgoraBem, como é impossível fazer um comentário profundo sobre esse filme sem contá-lo inteiro, até a última cena, o meu comentário abaixo vai todo dentro da tag spoiler.
Este filme é um drama mas é também um thriller. E ele é sensacional nos dois gêneros. A cena quase no início, quando o protagonista Daniel é enganado e inúmeros rapazes entram em seu apartamento para se divertir e roubar, é tão longa e tão tensa, que eu não tive coragem de vê-la até o final, e pulei a parte final dela (eu vi pelo streaming do My French Film Festival). A princípio, a reação dele àquela invasão é incompreensível. Penso que seria fácil pra ele sair do apartamento e chamar a polícia. Mas ele fica lá, e até confraterniza com os rapazes, meio apalermado. A princípio, eu pensei que o motivo disso fosse que ele é um cara tão depravado que somente a presença e a alegria daqueles rapazes tão bonitos já o excitasse, mesmo que ele não pudesse transar com eles e eles fossem roubá-lo. Mas as atitudes posteriores dele mostraram que não, e o motivo eu acho que foi simplesmente ele ter ficado em choque com invasão tão inusual ou então sentiu pena dos rapazes, que eram estrangeiros sem visto e seriam presos e deportados se ele chamasse a polícia.
E depois aparece o Marek, um rapaz que se eu tivesse que definir com um único conceito, eu diria que é alguém que tem uma tristeza infinita dentro de si. Vende seu corpo mas talvez não seja nem gay. Chega, tira a roupa e se entrega, sem dor, sem entusiasmo, sem prazer, sem nada. Depois pega o dinheiro e vai embora, sem uma palavra. Como se ligar emocionalmente a alguém assim? Mas Daniel se ligou, talvez porque ele fosse um garoto muito lindo, mas eu acho que o motivo foi justamente a tristeza que ele demonstrava. Daniel viu naquele rapaz a chance de cultivar uma relação e tentar curá-lo de sua tristeza.
E Marek voltou na semana seguinte, e na outra. E eles foram se vendo duas vezes por semana. Em algum momento, um sorriso do rapaz. Depois, uma demonstração genuína de prazer sexual. Mais tarde, ele conta a história da vida dele para Daniel, e também seu verdadeiro nome, que é Rouslan, e termina dizendo "eu confio em você". A relação estava fazendo bem a ambos, apesar da óbvia instabilidade desse tipo de ligação. Daniel foi inteligente na aproximação. Primeiro, pagava 50 euros por cada encontro, mas depois combinou de pagar um valor fixo por mês e que Rouslan viesse quando tivesse vontade, e por fim o convidou para morar com ele, sem pagamento mas provendo todas as necessidades dele. Essa era a única maneira de se ligar profundamente a alguém tão desconfiado (por razões óbvias) como Rouslan.
Mas tinha algo que turvava a relação deles, que era a ligação de Rouslan com a gangue que roubou o apartamento. Todos eram estrangeiros sem visto permanente na França, e moravam juntos num hotel. Uma das cenas mais importantes do filme é a que Daniel diz para Rouslan: "eu não quero que você os veja mais; eles me assustam, e também assustam você". É isso mesmo. Rouslan tinha muito medo deles, especialmente do russo Boss, chefe da gangue. E porque ele continuava com eles? Porque eles eram a única família que ele tinha. Uma família autoritária, abusiva e violenta, mas ainda assim uma família. Mas ele ganhava coisas bonitas de Daniel, e os amigos começaram a perceber, e vai contra os códigos da gangue um membro ter muito mais do que os outros.
O desfecho violento do caso era mais que óbvio, mas felizmente Daniel teve o sangue frio de fazer tudo certo e salvar Rouslan dos rapazes e talvez até mesmo da morte. Nesse trecho do filme, o meu destaque vai para a interpretação maravilhosa da Edéa Darcque como a funcionária do hotel que tem que interagir com todos os lados. Ela já é uma mulher linda, mas no filme ela se mostra com uma altivez e dignidade impressionantes, numa situação dificílima, onde ela era obrigada a relativizar certas coisas em nome da segurança e tranquilidade de todos. Quando a polícia chega para prender os rapazes, me cortou o coração que eles tenham prendido também outros estrangeiros que moravam no hotel, asiáticos a maioria, pessoas tranquilas que não tinham nada a ver com a violência denunciada.
E por fim, chegamos à cena final, que é a da audiência judicial de adoção de Rouslan por Daniel. Sim, o francês não quer que ele seja seu amante ou marido, mas sim que seja seu filho. Concordamos que isso é um baita plot twist, não é? Mas nem tanto. Se a gente observar com calma as cenas do filme, vai ver que ele já estava se afastando sexualmente dele. Não queria mais transar, prepara um quarto para Rouslan dormir sozinho... Isso inclusive é motivo de pânico para o garoto, que interpreta isso como o prenúncio de um rompimento. Mas não; a coisa é que Daniel não queria mais transar com ele, mas cuidar dele. E isso é atitude de pai, e não de amante. É claro que as cenas em si não são tão claras assim, mas a cena final joga uma nova luz e um novo entendimento sobre elas. Uma pessoa muito querida minha achou esse final bizarro, mas eu não, achei normal e até muito bonito. Bizarro seria o contrário, se eles tivessem começado a relação como pai e filho e terminado como amantes. E foi esse final tão invulgar que tornou esse filme um drama digno de nota.
Ou seja, o filme é uma mistura de drama e thriller muito bem feita. As cenas de sexo são bonitas e de bom gosto, mas saiba: é sexo gay, então não recomendo passar o filme com a família reunida. O único defeito do filme é que ele é muito longo; se tivesse 20 ou 30 minutos a menos, seria perfeito (a cena da invasão eu cortaria pela metade).
Nota 9/10.
Whiplash: Em Busca da Perfeição
4.4 4,1K Assista AgoraEm primeiro lugar, eu queria dizer que quando tocou "Caravan", com orquestra completa de jazz no Carnagie Hall, eu chorei, de tão lindo que foi.
Mas o filme é uma farsa.
É MENTIRA que Charlie Parker tenha se tornado Bird depois que atiraram um prato nele. Essa história nem está nas biografias dele. Em uma entrevista, o próprio Parker disse que quando era adolescente ficou 3 ou 4 anos praticando o sax 15 horas por dia. Foi isso que o tornou um dos maiores saxofonistas da história: o amor extremado à música e o desejo firme de se tornar um grande intérprete.
Também é MENTIRA que seja um bom método de ensino aplicar xingamentos homofóbicos aos alunos ou obrigá-los a continuar tocando mesmo com as mãos sangrando. E a deslealdade! Afagar o ego do aluno em particular para depois massacrá-lo em público. Isso não cria bons músicos. Isso cria maníacos, como o ex-aluno que teve um brilho efêmero e depois... (bem, quem viu o filme sabe o que aconteceu com ele)
Rigor extremo na avaliação sim. Praticar até quase a exaustão, também sim. Mas o que é mostrado no filme NÃO! E o mais irritante é que o diretor do filme concorda com os métodos do louco. É como se ele quisesse dizer que hoje em dia não existe gente que seja "macho o suficiente" para se tornar músico de alto nível, o que é uma noção totalmente retrógrada tanto do ponto de vista comportamental como do próprio ponto de vista artístico, afinal temos inúmeros exemplos de grandes músicos que não tinham muita técnica.
A história do filme é tão curtinha e os personagens (com exceção dos dois protagonistas) tão mal construídos, que não é dado devido destaque à Nicole, que no meu roteiro ideal pra esse filme seria o grande amor da vida do Andrew. Ele gosta dela, mas prefere o estrelato a que a música pode levá-lo. Sim, porque ele não ama a música; ele ama o reconhecimento público que a música pode dar pra ele. Isso fica claríssimo na conversa com os primos. Um deles estava super feliz porque tinha acertado um lançamento de não sei quantas jardas, e o sr. azedo diz em seguida: "mas o seu time é da terceira divisão". Ou seja, o futebol fazia o primo dele feliz, mas como ele não era o melhor dos melhores, não prestava.
Eu devia ter dado uma nota até mais baixa pra esse filme, especialmente pelos inúmeros solos de bateria que tem nele (Que coisa chata! Ninguém gosta de solo de bateria! Só os bateristas). Mas então veio "Caravan", e essa canção como que purificou o filme de seus pecados. Penso até mesmo em comprar o Blu-ray quando sair, para ouvir e ver todos os dias essa interpretação magnifica.
Garotos
3.8 604 Assista AgoraQue filme bonito, hein? Roteiro muito bem escrito e redondinho, atuações excelentes de todos os atores, e um cuidado extremo com a produção. Não parece filme feito para a TV. Achei o diretor criativo, especialmente no uso do desfoque para destacar certos momentos. Também adorei o modo como ele insere a música incidental no filme. A cena do beijo (que tem no poster do filme), onde ele filma sem mostrar o rosto dos atores, é uma coisa linda. Por outro lado, é também uma direção bem convencional, e é só por isso que eu não dou um 10 para o filme. É um filme com narrativa clássica ao extremo, e que exatamente por isso agrada a quase todo mundo. Poderia passar em horário nobre na TV aberta brasileira, se nós não tivéssemos programadores tão estúpidos e preconceituosos como nós temos. A história é aquela clássica sobre o "coming out": um rapaz se descobre diferente e luta contra si mesmo, antes de se aceitar como é. Nota 9/10.
O Amante da Rainha
4.0 365 Assista AgoraEsse filme conta a história de três pessoas extraordinárias.
A primeira é a rainha Caroline, a mulher mais linda da Dinamarca. Grande pianista, grande leitora, grande mãe, e grande amante também. A mulher pela qual qualquer um de nós se apaixonaria imediatamente.
O segundo é o médico real, Johan. Um homem lindo, másculo, forte, decidido. Um homem muito à frente do seu tempo, filho de umas das figuras mais conservadoras do país mas ainda assim um fantástico divulgador e realizador das idéias iluministas. Também é um médico genial, como mostra a vitoriosa imunização contra a varíola do príncipe do país.
E o terceiro é... bem, será que podemos chamar o rei Christian de extraordinário? Inseguro, debochado, infiel... Mas também alguém que conseguiu ser um déspota esclarecido* por um bom tempo. Na verdade ele não é uma má pessoa. Ele só quer, como disse ao seu médico, beber até cair, freqüentar prostitutas bonitas e brigar por diversão. Ele é aquele cara que todos temos um igual na nossa turma de amigos, e gostamos deles, porque são divertidos e nos fazem rir. O problema é que esse tipo de pessoa é totalmente inadequado à grave função de rei. Ele é um homem ainda mais bonito do que o Dr. Johan e é um amante das artes da interpretação.
Aliás, a questão da arte e dos livros tem importância capital nas relações mostradas no filme. Caroline tem uma grande expectativa em relaçao a Christian, com quem casou por procuração, porque disseram a ela que ele era um amante das artes. Christian contratou Johan porque achou bonito ele recitar Shakespeare na conversa (mas desde que ele não fale que "há algo de podre no reino da Dinamarca"). Caroline notou Johan pela primeira vez por causa da sua extensa biblioteca e por causa de um determinado livro de Rousseau.
E que filme lindo! Fotografia, trilha incidental, figurinos, roteiro, tudo se encaixa maravilhosamente. O filme é um pouco longo, mas não cansa; é a história que precisa ser contada com cuidado e sem pressa. Não existe nenhuma cena gratuita ou dispensável no filme todo. Logo na primeira cena, a gente já sabe que vai haver alguma tragédia, porque a rainha está bem triste escrevendo para seus filhos. Eu pensei que o diretor tinha "contado o final" logo no início para deixar a surpresa de lado e poder contar a história com calma. Ledo engano. O filme tem uma sucessão de twists na segunda metade de deixar qualquer um zonzo.
Eu confesso que nunca tinha ouvido falar do Rei Christian VII da Dinamarca antes de ver esse filme. Pretendo pesquisar sobre ele, mas mesmo que haja muita falsificação histórica (coisa que é praticamente certa num filme que trata de um tempo tão remoto), isso não irá tirar o brilho do filme pra mim. "Cruzada" ("Kingdon of Heaven") foi um filme cheio de licenças históricas mas que as usou com um propósito bastante razoável: afirmar a igualdade dos homens e ser um libelo contra a guerra. Objetivos bastante nobres e semelhantes podem ter motivado as eventuais imprecisões históricas de "O Amante da Rainha".
Normalmente eu costumo separar alguma cena particularmente tocante dos filmes que eu resenho. Nesse aqui vou separar duas.
A primeira é a cena em que Caroline não aceita o convite de Johan para montar. Ele logo vê porque ela não gosta: é porque ela é instigada na condição de mulher a usar a sela lateral, onde as duas pernas ficam juntas para um lado do cavalo (é uma posição aceitável para "a moral e os bons costumes"). Ele a leva para cavalgar na "posição de homem", com uma perna de cada lado do lombo do animal. Faz isso não porque a rainha seja homem ou seja mulher, mas porque ela é uma pessoa, um ser humano, que obviamente fica encantada com o velocidade e a adrenalina proporcionada pelo alazão lindo que ela tem.
A segunda é o momento em que Johan está sendo acossado pelos homens simples da Dinamarca. Ele diz várias vezes "Eu sou igual a vocês", "Eu sou igual a vocês", mas não é ouvido. Ele é um estrangeiro, e o povo acha que ele traiu o rei e fornicou com a rainha. Eles não percebem que ele é sim igual a eles, que é um homem do povo, e que todas as decisões que ele tomou foi pensando nesse povo mas também no seu próprio amor. Eles fazem isso porque foram enganados a vida toda pela igreja filha da puta do país (desculpem o pleonasmo). Esse é mais um dos crimes bárbaros cometidos por essa entidade nefasta.
Nota 10/10. Um dos filmes mais bonitos que eu vi na minha vida.
* Gente, vejam nos livros de história ou na wikipédia o que é um "déspota esclarecido".
Além das Montanhas
3.9 117Não se enganem. Esse filme é um drama, mas é também um épico. Um épico monumental sobre o preconceito e a intolerância. Ele conta a história de Voichita (a lindíssima Cosmina Stratan), uma moça criada num orfanato que decide se tornar freira e morar num convento da Igreja Ortodoxa na Romênia. Mas seus planos parecem abalados pela chegada de Alina (Cristina Flutur), sua colega de orfanato, que volta da Alemanha para convencê-la a sair com ela do país. Logo na primeira cena entre as duas fica claro que o que as une não é só uma grande amizade, mas sim um desejo que é afetivo e carnal, que no entanto é tratado de modo muito sutil pelo diretor Cristian Mungiu, a ponto de o amor que as une não ser explicitado em nenhum momento.
No entanto, essa paixão implícita é tratada como sintoma de muitos outros pecados pelo padre, pela madre e pelas colegas de convento de Voichita, o que deixa clara a tarefa impossível de se estabelecer um relacionamento (qualquer um) num lugar tão atrasado como esse. Uma das cenas mais impressionantes é a que Alina recebe ajuda das freiras para a confissão, e elas repassam os itens de um livrinho com um monte de pecados estúpidos inventados pela Igreja, e a moça se sente compelida a marcar praticamente todos. O drama evolui para acontecimentos absurdos que incluem uma cruz (!) e um quase exorcismo (!!).
O diretor Cristian Mungiu se mostra muito criativo na narrativa da história; em vários momentos ele mostra somente pedaços da cena, fazendo com que o espectador tenha que adivinhar (ou inventar mentalmente) o resto. Ele também optou por não mostrar a Romênia moderna (que só aparece em detalhes como o padre falando ao celular), ainda que a história se passe no tempo presente.
Se você é um religioso ignorante, o filme não irá lhe afetar, pois provavelmente você continuará achando que é normal exorcizar uma pessoa apenas porque não se consegue entender o que ela sente. Se você é um religioso consciente, cuidado: esse filme poderá abalar a sua fé. Já eu, que sou ateu, vibrei com a cena que mostra uma possibilidade real de punição pelos crimes inomináveis cometidos pelos prepostos da Igreja. Nota 9/10 (e só não leva um 10 porque o filme é muito longo e cansativo em alguns momentos).
Felicidade
3.9 21Para quem não assistiu esse filme na 36ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, e quer assistir, saiba que eu disponibilizei hoje as legendas para esse filme em inglês e alemão. As cópias boas que tem desse filme na internet são do grupo CHD (em alta definição) e do ArtSubs. Na semana que vem eu vou disponibilizar a legenda em português do Brasil para ele.
O Idioma do Desejo
2.9 67Um "Bonnie e Clyde" moderno e muito pirado, mas também um filme triste e angustiante (há uma cena no meio que dá vontade de pular). Chris (Pierre Perrier), o protagonista, tem óbvios problemas sexuais, já que ele flerta com todos os homens que aparecem em seu caminho, mas ao mesmo tempo tem sentimentos altamente destrutivos em relação a eles. Aurore (Lizzie Brocheré) é uma moça altamente influenciável (perfeita a definição aí abaixo do Rogério Moreira). A se destacar a trilha sonora matadora. Aqui está ela completa (essa informação não está ainda no IMDb):
Fortune - "Bully"
Eli "Paperboy" Reed - "Come and get it"
Eli "Paperboy" Reed - "Name calling"
Adam Kesher - "Blue purple"
Fortune - "Under the sun"
Electric Light Orchestra - "Showdown"
Devo - "Mongoloid"
The Maccabees - "No kind words"
Adam Kesher - "Hundred years later"
Shout Out Louds - "Fall hard"
Devo - "Sloppy (I saw my baby gettin')"
Poni Hoax - "The paper bride"
Os Famosos e os Duendes da Morte
3.7 670 Assista AgoraPôxa, mas que filme lindo!
Escrevo ainda sob o impacto do filme, que eu vi ontem à noite. Imagens oníricas, atuações ótimas (de atores amadores!) e uma trilha sonora matadora. A cena onde o protagonista se encontra com os avós é uma cena antológica: em poucos segundos, o diretor consegue demonstrar todo o abismo que pode existir entre gerações que falam línguas diferentes (no caso, literalmente) e têm perspectivas totalmente distintas de ver o mundo.
Alguns críticos disseram que o Esmir Filho usa uma "estética emo" nesse filme. Não sei se concordo com essa definição, mas se ela for verdadeira, precisamos bater palmas pra ele, pois ele teria conseguido transformar um ser mitológico (o emo), odiado em todos os fóruns da internet, em alguém crível, alguém parecido com gente que a gente conhece ou até com a gente mesmo, em resumo, alguém... profundamente humano.
Por outro lado, é um filme difícil de ver. O diretor nos deixa cegos desde o início, e embora o filme tenha só um fiozinho de história, saber dessa história só lá pro meio do filme nos faz perder muito da compreensão da primeira metade dele (e é por isso que eu pretendo ver o filme de novo nos próximos dias). Os personagens não têm nome, e nada é muito explicado. Com essa dificuldade de leitura do filme, e também a falta de qualquer ator profissional nele, não surpreende que ele tenha sido um fracasso retumbante de bilheteria (menos de 8 mil espectadores). Por outro lado, ele teve um impacto tremendo na crítica, o que pode ser medido pelo número de textos (imenso) e também pela opinião geral (bastante favorável). Espero que ele consiga catalizar essa boa impressão para ter uma estrutura melhor nos próximos longas-metragens dele.
Eu não conheço os curtas do Esmir (com exceção do "Tapa na Pantera"), mas depois e ter visto esse filme, devo buscá-los.