Bacurau se passa no futuro. Coringa, no passado. Subterfúgio interessante para tratar exatamente do nosso mundo, no presente. Não há engano: nós já estamos vivendo Bacurau e a Gotham desse Coringa de 2019 há décadas. Sufocados e abandonados nesse sistema-fornalha de desigualdade e privação, fustigados sem descanso e sem poder dar escape apenas um pouco ao excesso de pressão decorrentes da injúria e do cassetete, a bomba, sozinha, se prepara. Nos filmes, quando a coisa explode, a violência que se segue não é mensurada. Como telespectadores, temos uma experiência catártica. Bate uma emoçãozinha, um "quê" de satisfação, de realização e de vontade... Parece não haver mais bem ou mal. (Aliás, no momento exato dessas situações de resposta, deveria haver bem ou mal?). Mas também não há direção, a pergunta outrora fundamental do "e depois?". Que fazer? Repetir a dose incansavelmente? Ser exposto sem cessar às investidas da morte e da injustiça resolvendo-as na base da faca uma, duas, três, quantas vezes necessário? Não, não. Não para Bacurau. Talvez para o palhaço lunático tornado afeito ao sangue. É sintomático, como uma expressão de nosso tempo, e um alerta para todos nós, o fato de não haver direção nem perspectiva manifestas nos filmes. Onde um governante imbecil de cabelo laranja, lá no Norte do continente, e seu bajuladorzinho brasileiro vencem como ideia, abraçados à besta-fera do neoliberalismo que a tudo abocanha e mastiga, há sequer um único lampejo do "e depois?"?...
O filme me parece uma grande crítica ao "professor" de filosofia e personagem principal Abe Lucas. Seu ar pessimista lhe rende fama, mas como alertado pelos pais da aluna, sua obra é carente de conteúdo e rapidamente se quebra com uma análise mais profunda: ele ganha pelo estilo e pela retórica. Dá aulas simplistas retrucando Kant, e assim ataca a validade da filosofia, dizendo que esta e a realidade estão separadas; isso lhe dá imagem de outsider, tão benquista pela juventude. Além disso, escreve um livro de tema batido, sabendo ser batido, sobre Heidegger e o Fascismo; assim angaria mais fama sobre um público ávido por ler mais do mesmo, ou ter suas opiniões afirmadas sem necessariamente ler a obra do filósofo. No fundo, Abe Lucas (o "professor) é um fracassado. Pior que isso é esse tipo estar se proliferando por aí e claro, ficando famoso. Abe é tão "míope", ou desonestamente o é, que é leitor de Dostoiévski, mas incapaz de absorver o que, por exemplo, "Crime e Castigo" quer dizer e deturpa tudo querendo se tornar um Raskólnikov sem punição ou abertura para o bem.
Ignorância para todos os lados, a aluna também entra nessa. Quem viu saberá que a desconfiança dela sobre um traço de seu professor proveio de uma frase, escrita por Abe no livro Crime e Castigo, em referência à banalidade do mal em Hannah Arendt. Para uma pessoa intelectual, a tal frase remeteria à filósofa e pouco diria sobre outra coisa. Mas para a aluna, mais interessada na figura do professor e em sua biografia que em seus escritos (e provavelmente assim também é para com todos os outros autores) fica alarmada.
Adorei esta obra por expor fanfarrões "intelectuais" de nossa época. É uma boa ferramenta para nos mostrar contradições e nos alertar a ligar nossos sensores críticos. O filme apesar da carinha jovial e colorida, trata de temas pesados (traições, assassinatos, suicídio), o que lhe confere o exato tom do que quis passar. Muito bacana!
(Obs.: A lanterna, como emissora de luz, pode ser muito bem comparada à Razão, ao Iluminismo. E que importância ela tem no desfecho de um filme chamado Homem Irracional, não é?...)
Talvez o melhor filme sobre mitologia grega. Mesmo que não siga todas as paradas que Odisseu e sua tripulação deram ou ao menos represente o tamanho desta última com realidade, está acima de todos os outros antes e depois dele. Os filmes com temática de mitologia grega mais atuais são tediosos e quanto mais distantes do mito em si, mais tolos ficam (vide Hércules - 2014 -, Fúria de Titãs, etc.).
Além de representar muito bem as passagens do clássico literário, como Penélope e seu manto, a caverna do Ciclope (inesquecível), e o redentor final sangrento, este filme aborda de maneira muito mais interessante do que os outros a relação dos homens com os deuses: uma relação conturbada, ora satisfatória, ora desesperadora, que tanto depende do temperamento dos dois, como também de suas vontades e disputas.
Enfim, um filme de sessão da tarde bacana com uma história clássica do ocidente que trata, além de como pensavam os antigos gregos e seu funcionamento social e religioso, do sentimento de orgulho dos homens e dos heróis, do "crime e castigo" - relação de Odisseu com Poseidon -, a beleza da volta ao lar e a glória da reconquista do que é seu por direito.
Animação belíssima que mostra as consequências desastrosas do avanço americano para o oeste. Nos traz uma concepção de nativos contrária a dos filmes antigos de faroeste, onde índios eram selvagens a serem eliminados, o que representa um grande avanço para desmistificar a imagem desses povos como povos assassinos e insanos. (Essa desmistificação do "nativo mau" foi muito bem montada também em "Dança com Lobos").
No final, quando o oficial americano os tem na mira e opta por deixá-los ir, mostra que o "vilão" aqui tinha lá sua ponta de honra e sabia reconhecer o bom adversário.
O filme não é bobalhão como a muitos desenhos de um tempo pra cá e a temática em si é tanto para adultos como para crianças. Apreciem esta verdadeira odisseia equina!
Como não se emocionar com a cena final, quando somos bombardeados de tristeza e inebriados com umas das mais fantásticas trilhas sonoras? Quem viu quando criança ainda deve sentir a mesma emoção...
Como não se emocionar com a trilha sonora desta série? Mais: como não achar perfeita a narração simples e didática e todos os exemplos visuais que esta série nos traz? Junto de "Cosmos", de Carl Sagan, essa obra francesa contém uma beleza única, digna de uma nova versão, sem dúvida.
Um filme espetacular, de uma beleza redentora. Aos mais atentos, pode ter o gosto de questões existenciais dignas de Dostoiévski, encarnadas no personagem Brooks: na maioria das vezes a liberdade, além de não ser desejada, pode ser um castigo. Ou então questões filosóficas à la Schopenhauer, por que não? - A música que pode nos livrar momentaneamente do sofrimento, nos elevando a patamares de alegria tão intensos que somos capazes de transcender todas as feiuras da vida pela via da beleza musical, como sugeria o filósofo alemão.
Bacurau
4.3 2,7K Assista AgoraBacurau se passa no futuro. Coringa, no passado. Subterfúgio interessante para tratar exatamente do nosso mundo, no presente. Não há engano: nós já estamos vivendo Bacurau e a Gotham desse Coringa de 2019 há décadas. Sufocados e abandonados nesse sistema-fornalha de desigualdade e privação, fustigados sem descanso e sem poder dar escape apenas um pouco ao excesso de pressão decorrentes da injúria e do cassetete, a bomba, sozinha, se prepara. Nos filmes, quando a coisa explode, a violência que se segue não é mensurada. Como telespectadores, temos uma experiência catártica. Bate uma emoçãozinha, um "quê" de satisfação, de realização e de vontade... Parece não haver mais bem ou mal. (Aliás, no momento exato dessas situações de resposta, deveria haver bem ou mal?). Mas também não há direção, a pergunta outrora fundamental do "e depois?". Que fazer? Repetir a dose incansavelmente? Ser exposto sem cessar às investidas da morte e da injustiça resolvendo-as na base da faca uma, duas, três, quantas vezes necessário? Não, não. Não para Bacurau. Talvez para o palhaço lunático tornado afeito ao sangue. É sintomático, como uma expressão de nosso tempo, e um alerta para todos nós, o fato de não haver direção nem perspectiva manifestas nos filmes. Onde um governante imbecil de cabelo laranja, lá no Norte do continente, e seu bajuladorzinho brasileiro vencem como ideia, abraçados à besta-fera do neoliberalismo que a tudo abocanha e mastiga, há sequer um único lampejo do "e depois?"?...
O Homem Irracional
3.5 551 Assista AgoraO filme me parece uma grande crítica ao "professor" de filosofia e personagem principal Abe Lucas. Seu ar pessimista lhe rende fama, mas como alertado pelos pais da aluna, sua obra é carente de conteúdo e rapidamente se quebra com uma análise mais profunda: ele ganha pelo estilo e pela retórica. Dá aulas simplistas retrucando Kant, e assim ataca a validade da filosofia, dizendo que esta e a realidade estão separadas; isso lhe dá imagem de outsider, tão benquista pela juventude. Além disso, escreve um livro de tema batido, sabendo ser batido, sobre Heidegger e o Fascismo; assim angaria mais fama sobre um público ávido por ler mais do mesmo, ou ter suas opiniões afirmadas sem necessariamente ler a obra do filósofo. No fundo, Abe Lucas (o "professor) é um fracassado. Pior que isso é esse tipo estar se proliferando por aí e claro, ficando famoso. Abe é tão "míope", ou desonestamente o é, que é leitor de Dostoiévski, mas incapaz de absorver o que, por exemplo, "Crime e Castigo" quer dizer e deturpa tudo querendo se tornar um Raskólnikov sem punição ou abertura para o bem.
Ignorância para todos os lados, a aluna também entra nessa. Quem viu saberá que a desconfiança dela sobre um traço de seu professor proveio de uma frase, escrita por Abe no livro Crime e Castigo, em referência à banalidade do mal em Hannah Arendt. Para uma pessoa intelectual, a tal frase remeteria à filósofa e pouco diria sobre outra coisa. Mas para a aluna, mais interessada na figura do professor e em sua biografia que em seus escritos (e provavelmente assim também é para com todos os outros autores) fica alarmada.
Adorei esta obra por expor fanfarrões "intelectuais" de nossa época. É uma boa ferramenta para nos mostrar contradições e nos alertar a ligar nossos sensores críticos. O filme apesar da carinha jovial e colorida, trata de temas pesados (traições, assassinatos, suicídio), o que lhe confere o exato tom do que quis passar. Muito bacana!
(Obs.: A lanterna, como emissora de luz, pode ser muito bem comparada à Razão, ao Iluminismo. E que importância ela tem no desfecho de um filme chamado Homem Irracional, não é?...)
A Odisséia
3.7 178Talvez o melhor filme sobre mitologia grega. Mesmo que não siga todas as paradas que Odisseu e sua tripulação deram ou ao menos represente o tamanho desta última com realidade, está acima de todos os outros antes e depois dele. Os filmes com temática de mitologia grega mais atuais são tediosos e quanto mais distantes do mito em si, mais tolos ficam (vide Hércules - 2014 -, Fúria de Titãs, etc.).
Além de representar muito bem as passagens do clássico literário, como Penélope e seu manto, a caverna do Ciclope (inesquecível), e o redentor final sangrento, este filme aborda de maneira muito mais interessante do que os outros a relação dos homens com os deuses: uma relação conturbada, ora satisfatória, ora desesperadora, que tanto depende do temperamento dos dois, como também de suas vontades e disputas.
Enfim, um filme de sessão da tarde bacana com uma história clássica do ocidente que trata, além de como pensavam os antigos gregos e seu funcionamento social e religioso, do sentimento de orgulho dos homens e dos heróis, do "crime e castigo" - relação de Odisseu com Poseidon -, a beleza da volta ao lar e a glória da reconquista do que é seu por direito.
Spirit - O Corcel Indomável
3.8 618 Assista AgoraAnimação belíssima que mostra as consequências desastrosas do avanço americano para o oeste. Nos traz uma concepção de nativos contrária a dos filmes antigos de faroeste, onde índios eram selvagens a serem eliminados, o que representa um grande avanço para desmistificar a imagem desses povos como povos assassinos e insanos. (Essa desmistificação do "nativo mau" foi muito bem montada também em "Dança com Lobos").
No final, quando o oficial americano os tem na mira e opta por deixá-los ir, mostra que o "vilão" aqui tinha lá sua ponta de honra e sabia reconhecer o bom adversário.
O filme não é bobalhão como a muitos desenhos de um tempo pra cá e a temática em si é tanto para adultos como para crianças. Apreciem esta verdadeira odisseia equina!
Os Maias
4.2 86Tudo é perfeito, ainda mais com "Tristan und Isolde", de Wagner, e "Adagio for Strings", de Samuel Osbourne como parte da trilha sonora. *-*
Coração de Dragão
3.5 396 Assista AgoraComo não se emocionar com a cena final, quando somos bombardeados de tristeza e inebriados com umas das mais fantásticas trilhas sonoras? Quem viu quando criança ainda deve sentir a mesma emoção...
Espaçonave Terra
4.9 11Como não se emocionar com a trilha sonora desta série? Mais: como não achar perfeita a narração simples e didática e todos os exemplos visuais que esta série nos traz? Junto de "Cosmos", de Carl Sagan, essa obra francesa contém uma beleza única, digna de uma nova versão, sem dúvida.
Um Sonho de Liberdade
4.6 2,4K Assista AgoraUm filme espetacular, de uma beleza redentora. Aos mais atentos, pode ter o gosto de questões existenciais dignas de Dostoiévski, encarnadas no personagem Brooks: na maioria das vezes a liberdade, além de não ser desejada, pode ser um castigo. Ou então questões filosóficas à la Schopenhauer, por que não? - A música que pode nos livrar momentaneamente do sofrimento, nos elevando a patamares de alegria tão intensos que somos capazes de transcender todas as feiuras da vida pela via da beleza musical, como sugeria o filósofo alemão.
A cena que Dufresne bota aquele vinil pra rodar é de dar lágrimas nos olhos...