As beiras da existência foram exploradas aqui. Essa série, para mim, beira a perfeição. A única coisa que me incomoda um pouco é a repetição das mesmas frases tantas vezes em pouco tempo. Eles conseguiriam transmitir a mesma ideia com outras palavras nos momentos menos significativos, para que as frases que queriam evidenciar tivessem mais impacto quando fossem ditas, o que fortaleceria ainda mais o senso de renovação e progressão que a série traz em outros elementos. Não que essas falas não tenham impacto, pelo contrário, elas têm, mas a repetição as desgasta e as banaliza, chegando a ficarem previsíveis em certos momentos (exemplos:
"O que sabemos é uma gota, o que ignoramos é um oceano" e "Somos um par perfeito, nunca duvide disso").
Reconheço que isso faz sentido dentro da ideia de que "tudo se repete" e nos termos absolutos que a série vai alcançando, mas, ainda assim, acho que essa coerência seria mantida e os diálogos seriam ainda mais enriquecidos caso fossem vestidos de outras formas, a fim de deixar falas específicas guardadas para momentos-chave e, assim, torná-los ainda mais icônicos.
À parte isso, é um espetáculo. A natureza cada vez mais grandiloquente e profética da série faz com que sua encenação, em todos os seus elementos, tenha sentido para nós espectadores. Em outros contextos, os diálogos, as atuações e a trilha sonora, por exemplo, poderiam soar pretensiosos e piegas em alguns momentos, mas, no caso de Dark, eles atingem um efeito poderoso no espectador justamente por estarem em consonância com uma trama profundamente existencial. O relativo realismo da primeira temporada vai cedendo espaço para uma dinâmica de absolutos que funciona muito bem para revelar os reais escopos dos acontecimentos e potencializá-los. Falar que "aquilo é tudo e, ao mesmo tempo, nada" pode soar só vazio, preguiçoso e pretensamente filosófico, mas aqui esse tipo de interpretação faz sentido porque a série vai construindo isso gradativamente, para que saibamos os pormenores desse tudo e nada, para saber e sentir como esse tudo e nada se atravessam. Eles operam a partir das dicotomias entre luz e sombras, verdades e mentiras, vida e morte e, para representar essas dialéticas, Dark soube utilizar muito bem o poder das imagens. Com um efeito retumbante em seu rigor estético, a fotografia capta os mistérios do tempo de forma assombrosa e, aliando-se à montagem, transmite a sensação de imponência pujante dos cenários das sociedades secretas, da igreja, da floresta, da caverna, entre outros. Se não me falha a memória, não houve, em nenhum momento, o uso de transições graduais na edição (fades) e isso é só mais uma das inúmeras provas do quão bem arquitetada essa série foi. Os cortes secos têm uma natureza definitiva inerente a eles, ou seja, quando são utilizados, há uma mudança absoluta e categórica na imagem, o que reforça a condição perpétua e irrevogável do ciclo temporal e traz ainda mais impacto aos planos quando eles vêm.
Além disso, a série coloca uma boa dose de exposição quanto às suas particularidades científicas e estabelece bem seus princípios a fim de que possa evidenciar e fortalecer seus temas ao mesmo tempo íntimos e grandiosos. Ou seja, ao explicar como a viagem no tempo é possível e como os paradoxos se constroem, a trama usa todo esse contexto absurdo para explorar questões extremamente relacionáveis e humanas e se alça aos confins da realidade. Ela consegue fazer isso justamente porque temos nortes e definições científicas que são usados como bases possibilitadoras e propulsoras, como um meio para desenvolver temas muito profundos, os quais tecem uma história que nos emociona por trazer o íntimo através do cósmico, do grandioso. Sempre nessa condução, a singeleza e a dureza encontram seu espaço entre os acontecimentos da série e o final é incrivelmente satisfatório, nos fazendo refletir sobre a natureza do destino tanto em âmbitos individuais quanto universais.
No fim, a guerra é um ciclo vicioso, onde o conflito é despropositado e ineficiente: enquanto os personagens continuam se digladiando, o sofrimento e a destruição se alastram e se perpetuam. Seus desentendimentos geram cada vez mais ressentimentos, eternamente, num ciclo da morte. É preciso que alguém ceda. Que alguém rompa com o impulso da vingança. Apenas o perdão concilia e permite a união, através da qual se alcança o descanso e a paz. É isso que dar a outra face significa: não revidar. Recuar e redirecionar a dor. Quando Adam e Eva deixam de se encarar como inimigos e abnegam seus egoísmos, conseguem juntar-se e, efetivamente, concretizar um plano sem falhar no final, sacrificando-se em prol de toda a humanidade. Assim, todos os elementos bíblicos que a série coloca vão além de um simples ornamento estiloso e elegante e demonstram sua pertinência intrínseca à narrativa. Deus é absoluto em sua onipotência, onipresença e onisciência, então faz sentido que a série esteja repleta de símbolos religiosos porque é em seus significados que ela se ampara para construir sua trama e faz muito sentido também que, em seu momento derradeiro, a história lance mão do instrumento da justiça cristã: o perdão. Diz Adam que "A morte é incompreensível, mas podemos fazer as pazes com ela. Tudo o que nós fizemos será esquecido no final" justamente porque eles se arrependeram de suas ações horrendas e brutais e buscaram se redimir, perdoando a si mesmos e aos outros e salvando os três mundos da destruição perpétua. Então, de forma quase literal, os personagens ao pó retornam e alcançam o paraíso.
Apesar do ritmo da primeira metade da terceira temporada não ser tão cadenciado quanto as outras duas vinham progressivamente fazendo, essa desacelerada se mostra compreensível para que certos acontecimentos não soassem aleatórios, como, por exemplo, o fato de Silja ser irmã de Jonas. Caso o desenvolvimento do drama da presença de Hannah em 1953 fosse apressado, não sentiríamos o peso de suas decisões nem o impacto que o acúmulo dos acontecimentos fez para que Egon virasse um alcoólatra. Nós nos importamos ainda mais com Silja porque sabemos de onde ela veio e a complexidade das relações que a originaram e que se desdobraram nas mais variadas consequências. Esse gigantesco e complexo jogo de manipulação foi magistralmente arquitetado e conduzido por Baran Bo Odar e Jantje Friese, de modo tão satisfatório que percebemos como eles sempre souberam o que estavam fazendo e não prometeram algo que não seriam capazes de entregar. A série prova que não é o que acontece que importa mais, mas como acontece. Pensando em todas as estruturas da série, em tudo que é estabelecido desde o início, já era de se esperar que fosse haver um terceiro mundo. Na verdade, seria até estranho se não houvesse. Mas, quando ele é mostrado, é tão emocionante e singelo que percebemos que o objetivo de todo esse mistério não era ser indecifrável, mas sim ser recompensador e envolvente a ponto de valer a pena testemunhar seu desemaranhar. Tudo veio em três partes e, então, a série se concluiu apoiando-se nos pilares Jonas, Martha e Claudia.
Internamente coerentes e coesas, são as misturas e os embates entre o interior pessoal e o exterior universal que definem Dark para mim e fazem-na uma série tão memorável, são esses amálgamas entre passado, presente e futuro milimetricamente simultâneos, entre a ciência e a religião, o tangível e o metafísico todos de uma só vez e ao mesmo tempo equilibrados. No fim, mesmo em nossa abismal insignificância, possuímos uma dimensão cósmica dentro de nós que, secretamente, levaremos guardada conosco no íntimo de nossas memórias. Assim foi com Jonas e Martha, ecoando no infinito o beijo no lago e sua primeira noite. Essa série, para mim, beira a perfeição. As beiras da existência foram exploradas aqui.
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Dark (3ª Temporada)
4.3 1,3KAs beiras da existência foram exploradas aqui. Essa série, para mim, beira a perfeição. A única coisa que me incomoda um pouco é a repetição das mesmas frases tantas vezes em pouco tempo. Eles conseguiriam transmitir a mesma ideia com outras palavras nos momentos menos significativos, para que as frases que queriam evidenciar tivessem mais impacto quando fossem ditas, o que fortaleceria ainda mais o senso de renovação e progressão que a série traz em outros elementos. Não que essas falas não tenham impacto, pelo contrário, elas têm, mas a repetição as desgasta e as banaliza, chegando a ficarem previsíveis em certos momentos (exemplos:
"O que sabemos é uma gota, o que ignoramos é um oceano" e "Somos um par perfeito, nunca duvide disso").
À parte isso, é um espetáculo. A natureza cada vez mais grandiloquente e profética da série faz com que sua encenação, em todos os seus elementos, tenha sentido para nós espectadores. Em outros contextos, os diálogos, as atuações e a trilha sonora, por exemplo, poderiam soar pretensiosos e piegas em alguns momentos, mas, no caso de Dark, eles atingem um efeito poderoso no espectador justamente por estarem em consonância com uma trama profundamente existencial. O relativo realismo da primeira temporada vai cedendo espaço para uma dinâmica de absolutos que funciona muito bem para revelar os reais escopos dos acontecimentos e potencializá-los. Falar que "aquilo é tudo e, ao mesmo tempo, nada" pode soar só vazio, preguiçoso e pretensamente filosófico, mas aqui esse tipo de interpretação faz sentido porque a série vai construindo isso gradativamente, para que saibamos os pormenores desse tudo e nada, para saber e sentir como esse tudo e nada se atravessam. Eles operam a partir das dicotomias entre luz e sombras, verdades e mentiras, vida e morte e, para representar essas dialéticas, Dark soube utilizar muito bem o poder das imagens. Com um efeito retumbante em seu rigor estético, a fotografia capta os mistérios do tempo de forma assombrosa e, aliando-se à montagem, transmite a sensação de imponência pujante dos cenários das sociedades secretas, da igreja, da floresta, da caverna, entre outros. Se não me falha a memória, não houve, em nenhum momento, o uso de transições graduais na edição (fades) e isso é só mais uma das inúmeras provas do quão bem arquitetada essa série foi. Os cortes secos têm uma natureza definitiva inerente a eles, ou seja, quando são utilizados, há uma mudança absoluta e categórica na imagem, o que reforça a condição perpétua e irrevogável do ciclo temporal e traz ainda mais impacto aos planos quando eles vêm.
Além disso, a série coloca uma boa dose de exposição quanto às suas particularidades científicas e estabelece bem seus princípios a fim de que possa evidenciar e fortalecer seus temas ao mesmo tempo íntimos e grandiosos. Ou seja, ao explicar como a viagem no tempo é possível e como os paradoxos se constroem, a trama usa todo esse contexto absurdo para explorar questões extremamente relacionáveis e humanas e se alça aos confins da realidade. Ela consegue fazer isso justamente porque temos nortes e definições científicas que são usados como bases possibilitadoras e propulsoras, como um meio para desenvolver temas muito profundos, os quais tecem uma história que nos emociona por trazer o íntimo através do cósmico, do grandioso.
Sempre nessa condução, a singeleza e a dureza encontram seu espaço entre os acontecimentos da série e o final é incrivelmente satisfatório, nos fazendo refletir sobre a natureza do destino tanto em âmbitos individuais quanto universais.
No fim, a guerra é um ciclo vicioso, onde o conflito é despropositado e ineficiente: enquanto os personagens continuam se digladiando, o sofrimento e a destruição se alastram e se perpetuam. Seus desentendimentos geram cada vez mais ressentimentos, eternamente, num ciclo da morte. É preciso que alguém ceda. Que alguém rompa com o impulso da vingança. Apenas o perdão concilia e permite a união, através da qual se alcança o descanso e a paz. É isso que dar a outra face significa: não revidar. Recuar e redirecionar a dor. Quando Adam e Eva deixam de se encarar como inimigos e abnegam seus egoísmos, conseguem juntar-se e, efetivamente, concretizar um plano sem falhar no final, sacrificando-se em prol de toda a humanidade. Assim, todos os elementos bíblicos que a série coloca vão além de um simples ornamento estiloso e elegante e demonstram sua pertinência intrínseca à narrativa. Deus é absoluto em sua onipotência, onipresença e onisciência, então faz sentido que a série esteja repleta de símbolos religiosos porque é em seus significados que ela se ampara para construir sua trama e faz muito sentido também que, em seu momento derradeiro, a história lance mão do instrumento da justiça cristã: o perdão. Diz Adam que "A morte é incompreensível, mas podemos fazer as pazes com ela. Tudo o que nós fizemos será esquecido no final" justamente porque eles se arrependeram de suas ações horrendas e brutais e buscaram se redimir, perdoando a si mesmos e aos outros e salvando os três mundos da destruição perpétua. Então, de forma quase literal, os personagens ao pó retornam e alcançam o paraíso.
Apesar do ritmo da primeira metade da terceira temporada não ser tão cadenciado quanto as outras duas vinham progressivamente fazendo, essa desacelerada se mostra compreensível para que certos acontecimentos não soassem aleatórios, como, por exemplo, o fato de Silja ser irmã de Jonas. Caso o desenvolvimento do drama da presença de Hannah em 1953 fosse apressado, não sentiríamos o peso de suas decisões nem o impacto que o acúmulo dos acontecimentos fez para que Egon virasse um alcoólatra. Nós nos importamos ainda mais com Silja porque sabemos de onde ela veio e a complexidade das relações que a originaram e que se desdobraram nas mais variadas consequências. Esse gigantesco e complexo jogo de manipulação foi magistralmente arquitetado e conduzido por Baran Bo Odar e Jantje Friese, de modo tão satisfatório que percebemos como eles sempre souberam o que estavam fazendo e não prometeram algo que não seriam capazes de entregar. A série prova que não é o que acontece que importa mais, mas como acontece. Pensando em todas as estruturas da série, em tudo que é estabelecido desde o início, já era de se esperar que fosse haver um terceiro mundo. Na verdade, seria até estranho se não houvesse. Mas, quando ele é mostrado, é tão emocionante e singelo que percebemos que o objetivo de todo esse mistério não era ser indecifrável, mas sim ser recompensador e envolvente a ponto de valer a pena testemunhar seu desemaranhar. Tudo veio em três partes e, então, a série se concluiu apoiando-se nos pilares Jonas, Martha e Claudia.
Internamente coerentes e coesas, são as misturas e os embates entre o interior pessoal e o exterior universal que definem Dark para mim e fazem-na uma série tão memorável, são esses amálgamas entre passado, presente e futuro milimetricamente simultâneos, entre a ciência e a religião, o tangível e o metafísico todos de uma só vez e ao mesmo tempo equilibrados. No fim, mesmo em nossa abismal insignificância, possuímos uma dimensão cósmica dentro de nós que, secretamente, levaremos guardada conosco no íntimo de nossas memórias. Assim foi com Jonas e Martha, ecoando no infinito o beijo no lago e sua primeira noite. Essa série, para mim, beira a perfeição. As beiras da existência foram exploradas aqui.