Com um fiapo de trama, a presença de IH e GD faz ao menos o filme ir cozinhando, cozinhando, quando no final vem uma descarga absurda de dor e culpa. A sala chega a tremer. Esperava bem menos, mas ainda assim achei exagero a seleção para a Competitiva de Cannes. A trilha é plágio dos filmes do Malick.
O novo filme de Kleber Mendonça Filho não traz nenhuma novidade em sua trama indivíduo x corporações, mas em tempos de embates ideológicos fervilhando na pauta dos brasileiros, Aquarius estreia como um manifesto cultural, uma verdadeira vacina contra a metástase capitalista (conceito, aliás, bem ilustrado em seu terceiro ato). A sinopse é familiar, um engenheiro ambicioso precisa comprar apenas mais um apartamento do antigo edifício Aquarius, na orla de Recife, para a empreiteira na qual trabalha demoli-lo e no lugar construir [mais] um condomínio “premium”. O problema é que a dona do imóvel, Clara, não apresenta a menor vontade de vender o local onde passou tantos momentos especiais de sua vida. Escritora aposentada, ela não se curva à quantia considerável oferecida pela empreiteira, que parte então para métodos menos ortodoxos para intimidar seu último obstáculo. A crítica do diretor não está tanto no desejo da empreiteira em fazer mais um negócio lucrativo, mas na forma robótica com que opera. Incapaz de assimilar os motivos de Clara, a empresa vê a situação apenas como algo interrompendo seus lucros. É uma situação muito similar ao do cinema Belas Artes, aqui em SP. Não fosse a intervenção da população, ele hoje seria mais uma loja das Casas Bahia, varrendo para o esquecimento um dos poucos pólos culturais que restaram no centro da cidade. Sônia Braga nunca esteve tão bem, é o papel de uma vida inteira. Ela desfila pela tela como uma entidade, aquele raro alguém com humanidade incorruptível. Em uma das metáforas mais significativas, aprendemos que ela não se recusa a escutar MP3, mas jamais abrirá mão de sua estante de LP’s. Considerando "Que Horas Ela Volta?” do ano passado (entre outros como Boi Neon), o cinema nacional vem questionando os efeitos do desenvolvimento no país. Nenhum Oscar é necessário para validar esse movimento.
Piadas fora de tempo, subtramas bobinhas e até mesmo atores desconfortáveis em seus papéis (caso de Cecilia Roth)... Nada disso impediu Amantes Passageiros de ser um bom filme. Almodóvar consegue fazer aqui algo muito raro de se ver em obras de diretores cultuados: rir de si mesmo. Com uma coleção flamboyant de personagens, o diretor compõe o microcosmos depravado e politicamente incorreto ressonantes de seus primeiros filmes. O tom novelesco e melodramático, as cores de praxe e os rostos conhecidos do elenco encaixam o longa em seu acervo autoral.
Mas é com o número musical que Almodóvar deixa bem claro seu estado de espírito ao dirigir este filme: "I'm so excited and I just can't hide it". O resultado disso é irregular, afetado, divertido e extremamente autêntico.
Utilizando as influências do exploitation características dos anos 70, Derek Jarman realiza de modo bem sinestésico uma releitura homoerótica da história de São Sebastião. Durante toda a projeção, o desejo não correspondido do general romano aliado ao desejo reprimido do protagonista sufocam o espectador. Enquanto o amor de Adrian e Anthony é consagrado na tela com tom de admiração, a relação fracassada de Severus e Sebastiane é condenada pela religião (embora a cena envolvendo uma concha não deixe clara uma postura crítica ao Cristianismo). A aguardada penetração vem somente em forma de flechas.
Nanni Moretti é a força autoral mais proeminente do cinema italiano atual, e sem muita concorrência. Consagrado no meio, o sujeito utiliza o cinema para expor suas concepções sempre sob uma luz trágica, embora extremamente humana. Em Mia Madre, Margherita vai perdendo controle em sua vida enquanto a saúde de sua mãe vai piorando. E é desta perda, sofrida recentemente pelo próprio diretor, que nasce uma subtrama metalinguística, sobre a artificialidade e até relevância do próprio cinema diante da dor real. Se Mondrian recebeu aplausos por extrair o essencial da arte em seus quadros, Moretti merece todos os louros por atingir tal nível de realidade com uma montagem tão precisa, e um roteiro tão... sincero. A dúvida existencial de Moretti como diretor é inclusive retratada com sua foto desfocada no cartaz, curiosamente traçando um paralelo com o cartaz de seu outro filme sobre perda, O Quarto do Filho. Sem deixar de ser pragmático, Mia Madre segue por meios bem oblíquos até o seu final, que confesso, me levou às lágrimas.
Um thriller instigante (e em muitos momentos agonizante), La Isla Minima se apresenta durante toda a projeção como uma grande ferida aberta, deixada pela ditadura de Francisco Franco na Espanha. A infecção do policial com um passado manchado, o tom de sangue nas plumas de flamingos e até mesmo planos aéreos que transformam a geografia local em uma superfície lesionada ainda não cicatrizada são alguns artifícios utilizados para enfatizar a visão do diretor. Lembrando em muitos aspectos o excelente longa turco Era Uma Vez na Anatólia, este filme estipula Alberto Rodríguez como um novo expoente do cinema espanhol.
Atento ao novo e ao promissor, o Festival de Berlim investiu em Radu Jude, e neste ano colheu Aferim!, um inusitado recorte histórico da Romênia.
Ambientada na Valáquia, região ao sul da Transilvânia, a trama faroestenesca começa com dois oficiais de justiça - pai e filho - buscando um escravo cigano foragido por ter se relacionado com a mulher de seu mestre (“boyar”, espécie de senhor feudal).
Surpreendendo (ou melhor, chocando) com a forma grosseira com que os dois tratam camponeses e ciganos que encontram pelo caminho, o filme aos poucos desenha a pirâmide hierárquica seguida por aquela sociedade. Tanto escárnio a intolerância sem repreensão evoluem do cômico ao trágico e desprezível rapidamente, tornando o título do projeto (“bravo!” em turco otomano) uma ironia latente.
Mas o que encanta em Aferim! é como o diretor orquestra a antiguidade de modo totalmente inovador. Sem apelar para didatismos ou momentos épicos, ele aposta na provável realidade cotidiana daquele mundo do século 19, muito bem respaldado por documentos históricos, pela trilha sonora tradicional, e pelo PB sem muito contraste, que remete fotografias antigas. E se a imersão já não fosse motivo suficiente para aplaudir esse filme, ele ainda ressoa as raízes do racismo contra ciganos, uma das etnias mais marginalizadas em toda a Europa atualmente.
Trazendo uma nova abordagem para o cinema romeno atual, conhecido pelo tom quase documental de denúncia social, Aferim! torna-se um clássico instantâneo para aquele país, e para fora dele também.
A câmera frequentemente em still, a história linear e a ausência de um arco dramático exigem certa dedicação do espectador para imergir em Chronic. Michel Franco entrega sim a recompensa, em especial quando sentimos que cada um daqueles pacientes terminais poderia ser alguém próximo de nós (algo já feito em filmes como Amour do Michael Haneke). O medo de ter de cuidar ou conviver com alguém em constante deterioração - física e mental - é um tabu, e uma realidade que muitos preferem ignorar. Mas para David, é o seu trabalho, e aos poucos o filme revela, de forma muito sutil, ser também o modo dele lidar com seus fantasmas. Tim Roth se reinventou no papel e fez o filme atingir outros patamares. Mas se até o final o filme parecia tratar de um estudo de personagem, a cena que encerra Chronic acaba soando absolutamente arbitrária, além de ser um clichê (filmes como Whiplash e até Premonição já banalizaram esse tipo de artifício). Qual foi o intuito? Talvez contrapor David aos seus pacientes, ou um Deus ex machina. De qualquer forma, forçou a mão. Não afunda o filme, apenas o conclui em uma nota grosseira e destoante.
Conclusão da Trilogia do Proletariado, entre os que vi este é o filme em que o diretor atinge o resultado mais severo através de seu estilo de filmar. A história novamente se desenvolve no mundo de "Akiland", com temática de realismo social inserido em um visual estilizado. A inexpressividade proposital dos atores, ressonante de Robert Bresson, talvez explique o fato de considerarem A Garota da Fábrica de Fósforos também uma comédia.
A cena inicial já antevê o resto da projeção - nos passa muita informação sem qualquer diálogo. Após acompanhar a linha de produção, Iris surge na tela, com gestos automáticos, desanimados, e a expressão sem vida (acentuada pelos atributos físicos da própria atriz, a regular do diretor Kati Outinen). Com isso, já sabemos que ela é [mais] uma proletária estagnada no emprego e na vida, sem muitas perspectivas, ao mesmo tempo em que ela própria surge como produto final daquele sistema, do nosso sistema.
Aki logo nos mostra as outras cartas que a vida deu à Iris: uma mãe e um padastro exploradores, o aluguel, e um sofá para dormir. Sua única esperança é encontrar um parceiro quando vai a uma boate, mas até nisso o diretor é ríspido com sua personagem, como é de praxe nos outros filmes da trilogia (e em alguns fora dela também).
Com uma decepção atrás da outra, após inúmeros jantares silenciosos, bares solitários e um coração dilacerado, Iris responde aos seus revéses contrariando o próprio sistema que a gerou. Destaque para o momento-chave em que ela acende um cigarro pela primeira vez, utilizando um fósforo da fábrica. Uma história simples, mas que se tornou um filmaço com o trato autoral do Kaurismäki.
A genialidade em The Hurt Locker está no conceito assustador no qual o filme inteiro se desenvolve: a guerra é um vício. Utilizando o personagem de Jeremy Renner (incrível) como ponto de fuga, Kathryn Bigelow cria um filme tenso e crítico, retratando sua postura anti-belicista sem depender da figura de um vilão - watch and learn, Oliver Stone. O protagonista não apoia a guerra, mas perdeu a habilidade de viver fora dela. Sentimos mais o efeito de tanta violência no espírito do Sargento William James que em todo o sangue derramado durante a projeção.
E após A Hora Mais Escura, fica claro que seu trabalho aqui não foi fogo de palha, Bigelow é uma diretora com fogo nos olhos, casando ação e geopolítica de forma instigante e eficaz.
Uma surpresa como em um filme tão ambicioso tecnicamente, que tomou pouquíssimas liberdades criativas nos fenômenos mostrados, me emocionei muito mais com o arco do pai com a filha - mérito dos atores, McConaughey e Burstyn em especial. Continuo achando que Nolan tem muito a melhorar como diretor de AÇÃO (embora já tenha sido uma evolução das explosões genéricas de Inception), mas o roteiro malabarista acaba elevando o nível, como é de se esperar em um filme deste diretor. Embora traga um sentimento de "recompensa" ao expectador que tenha captado as surpresinhas da narrativa, utilizá-las como alicerce do filme é um tiro no pé de um projeto que poderia mergulhar muito mais fundo no que se propôs, a julgar pelas quase 3 horas de duração. Minha opinião é de que Interestellar será lembrado justamente pelo drama humano, que como o próprio filme prega é capaz de atravessar o tempo e o espaço.
Timbuktu traz algumas das melhores sequências que vi neste ano. Em uma delas, alguns artefatos são metralhados pelos jihadistas, uma forma bruta de mostrar antigas tradições e a cultura de um povo sendo varridas pelo fundamentalismo.
Embora a hipocrisia dos opressores seja exposta ("todos sabemos que você fuma"), o diretor não segue o caminho fácil de transformá-los em meros vilões. Ele prefere mostrar os líderes como homens dignos acimentados por uma interpretação extrema do Corão, não guiados pelo ódio, mas pela intolerância. E o imã local nada pode fazer além de pacientemente argumentar contra os excessos destes dogmas, sem muito sucesso.
A cena mais linda é a conclusão do conflito entre Kidane e o pescador local, mostrando de longe cada um em um extremo da tela. O pastor tuaregue sabe que será submetido a nova lei imposta pelos invasores, e Sissako filmou a consciência do personagem de forma transcendental.
Um dos pouquíssimos que me fizeram chorar. Dos 8 filmes que vi do Louis Malle, este com certeza tem o tom mais pessoal. A infância é retratada simultaneamente com melancolia e aconchego, tecendo a amizade dos dois meninos até aquele olhar final, devastador. É difícil dizer, assisti hoje, mas tenho a forte impressão que jamais vou esquecer a cena. Um detalhe que me agradou foi como todos os personagens têm algum "defeito", no sentido de pecado, mas perto do nazismo nada disso importou.
Sleeping Beauty conta com uma ironia em sua própria premissa: é a história de alguém que para "acordar" de um estado letárgico, opta por oferecer o próprio corpo a estranhos enquanto dorme. Através de uma narrativa pouco convencional, descobrimos que apesar de Lucy ter motivos terrenos para se preocupar, ela não vê no dinheiro a resposta para a apatia de sua vida. Entre seus muitos empregos e os estudos, a única atividade que a mantém realmente interessada é cuidar de seu amigo (?) alcoólatra. No final, Lucy consegue finalmente seu despertar, mas não da forma que pretendia. O ritmo do filme é o mesmo de uma vida sem grandes novidades, mas o apuro estético da diretora recompensa o espectador que não considerar Julia Leigh apenas uma estreante pretensiosa. Seu estilo me fez lembrar dos filmes da Jane Campion e da Claire Denis.
Passamos o filme inteiro observando os personagens principais através de vidros, e no final... Não dá pra subestimar o talento do Kiarostami, é um mestre, e como tal domina a linguagem do cinema com uma destreza tamanha que sequer precisou saber japonês pra dirigir. O título nacional é bom, mas paixão não é amor. E é usando a nossa percepção de amor que o diretor nos dá um soco tão contundente do estômago.
Acho que o pior jeito para se levantar debates da praça Tahir era literalmente falando da praça Tahir... Entre momentos melodramáticos dispensáveis, uma cena ou outra chamam a atenção, como uma envolvendo cavalos, e a cena final, que enfatiza o longo caminho que o Egito ainda tem até a estabilidade pós-Mubarak.
Wes Anderson consegue mais uma vez agradar sem fugir de seu estilo. E é muito estilo, mas serve à narrativa muito bem. Eis um cara que não deve gostar de improvisos, e portanto tornou-se um visionário que parece montar o filme inteiro na cabeça antes de filmar (Sr. Raposo confirma isso). Um exemplo é a cena de Sam fugindo com o botinho: ao invés de mostrar de uma só vez, ele realça o personagem e o humor com cortes rápidos mostrando vários detalhes antes, a bandeirinha balançando com o vento, a "carranca", os equipamentos... MK está cheio de momentos ricos como este.
Achei bem bacana também como em plenos anos 60, os dois rebeldes movimentam todos os outros personagens, fazendo o filme se tornar um hino á contra-cultura.
Fica a dica também pra conferir os créditos até o final, há uma brincadeira com a trilha do Desplat bem legal. :)
Gosto do Apitchapong, mas achei esse aqui chato demais, mesmo com apenas 1h de duração... Sim é possível interpretar e tirar proveito de muitas coisas aqui, mas é necessário despertar interesse para isso acontecer - ao menos para mim.
Acho complicado quando diretores decidem fazer experiéncias super radicais em longas. Para isso existem também os média-metragens...
Talvez assistindo numa retrospectiva do diretor, fazendo uma imersão na obra inteira como ocorreu no INDIE de 2010, funcionasse melhor.
Gostei muito, é possível sentir o medo dos personagens através da câmera, sensacional o modo como o diretor filmou. Os ciganos são retratados sem qualquer idealização que o próprio termo desperta, e o cenário de miséria infelizmente não é estranho para nós.
É mais suspense (terror, em alguns momentos-chave) que drama.
É possível perceber um grande diretor durante toda a projeção, mas o filme deixa umas pontas soltas... Como o único corpo que é deixado para trás, no barco.
Uma das coisas que gostei também é essa questão não resolvida com a Jamie Lee Curtis, a personagem dela com certeza tem algo estranho mas isso jamais é revelado, mais ou menos como a Tippi Hedren em Os Pássaros. A primeira cena em que ela aparece deixa isso bem claro, com aquela imagem dela no retrovisor do automóvel.
O diretor abriu mão de uma trama tradicional para montar um grande painel de lembranças. Canções, diálogos de filmes da época, sons, imagens e texturas se entrepõem e surgem, como ligadas por sinapses, para definir a vida do menino. Li que o filme é autobiográfico, portanto a viagem do diretor por seu passado é também algo a ser considerado, principalmente na forma nostálgica como tudo é tratado. Os diálogos dos atores, por exemplo, são colocados num segundo plano, enfatizando mais a rotina cinza de Liverpool que as ações em si - o que se está dizendo não é tão importante quanto o que se está sendo mostrado. Diante disto, fica difícil (mas não impossível) a identificação com algum personagem. Até mesmo Bud torna-se apático em alguns momentos, mas isso tem mais a ver com o olhar do Terrence Davies diante da vida que um mero defeito do filme. Por outro lado, sequências como a da canção Tammy, interpretada por Debbie Reynolds, revelam um verdadeiro poeta por trás das câmeras. Davies mostra como certos detalhes do passado lapidam nossa existência.
Respeito, mas não é o tipo de filme que me desce bem... E com "tipo", estou falando de filmes onde é necessário fazer interpretações imediatas de um turbilhão de metáforas visuais.
O Vale do Amor
3.2 40 Assista AgoraCom um fiapo de trama, a presença de IH e GD faz ao menos o filme ir cozinhando, cozinhando, quando no final vem uma descarga absurda de dor e culpa. A sala chega a tremer.
Esperava bem menos, mas ainda assim achei exagero a seleção para a Competitiva de Cannes. A trilha é plágio dos filmes do Malick.
Aquarius
4.2 1,9K Assista AgoraO novo filme de Kleber Mendonça Filho não traz nenhuma novidade em sua trama indivíduo x corporações, mas em tempos de embates ideológicos fervilhando na pauta dos brasileiros, Aquarius estreia como um manifesto cultural, uma verdadeira vacina contra a metástase capitalista (conceito, aliás, bem ilustrado em seu terceiro ato).
A sinopse é familiar, um engenheiro ambicioso precisa comprar apenas mais um apartamento do antigo edifício Aquarius, na orla de Recife, para a empreiteira na qual trabalha demoli-lo e no lugar construir [mais] um condomínio “premium”. O problema é que a dona do imóvel, Clara, não apresenta a menor vontade de vender o local onde passou tantos momentos especiais de sua vida. Escritora aposentada, ela não se curva à quantia considerável oferecida pela empreiteira, que parte então para métodos menos ortodoxos para intimidar seu último obstáculo.
A crítica do diretor não está tanto no desejo da empreiteira em fazer mais um negócio lucrativo, mas na forma robótica com que opera. Incapaz de assimilar os motivos de Clara, a empresa vê a situação apenas como algo interrompendo seus lucros. É uma situação muito similar ao do cinema Belas Artes, aqui em SP. Não fosse a intervenção da população, ele hoje seria mais uma loja das Casas Bahia, varrendo para o esquecimento um dos poucos pólos culturais que restaram no centro da cidade.
Sônia Braga nunca esteve tão bem, é o papel de uma vida inteira. Ela desfila pela tela como uma entidade, aquele raro alguém com humanidade incorruptível. Em uma das metáforas mais significativas, aprendemos que ela não se recusa a escutar MP3, mas jamais abrirá mão de sua estante de LP’s.
Considerando "Que Horas Ela Volta?” do ano passado (entre outros como Boi Neon), o cinema nacional vem questionando os efeitos do desenvolvimento no país. Nenhum Oscar é necessário para validar esse movimento.
Os Amantes Passageiros
3.1 648 Assista Agora"-Yo deveria hacer una llamada.
-Una mamada?"
Piadas fora de tempo, subtramas bobinhas e até mesmo atores desconfortáveis em seus papéis (caso de Cecilia Roth)... Nada disso impediu Amantes Passageiros de ser um bom filme. Almodóvar consegue fazer aqui algo muito raro de se ver em obras de diretores cultuados: rir de si mesmo. Com uma coleção flamboyant de personagens, o diretor compõe o microcosmos depravado e politicamente incorreto ressonantes de seus primeiros filmes. O tom novelesco e melodramático, as cores de praxe e os rostos conhecidos do elenco encaixam o longa em seu acervo autoral.
Mas é com o número musical que Almodóvar deixa bem claro seu estado de espírito ao dirigir este filme: "I'm so excited and I just can't hide it". O resultado disso é irregular, afetado, divertido e extremamente autêntico.
Sebastiane
3.6 39Utilizando as influências do exploitation características dos anos 70, Derek Jarman realiza de modo bem sinestésico uma releitura homoerótica da história de São Sebastião. Durante toda a projeção, o desejo não correspondido do general romano aliado ao desejo reprimido do protagonista sufocam o espectador. Enquanto o amor de Adrian e Anthony é consagrado na tela com tom de admiração, a relação fracassada de Severus e Sebastiane é condenada pela religião (embora a cena envolvendo uma concha não deixe clara uma postura crítica ao Cristianismo). A aguardada penetração vem somente em forma de flechas.
Akira
4.3 868 Assista AgoraA revolta juvenil como matéria-prima para o apocalipse. Desde que assisti, só melhora... E a trilha do Geinoh Yamashirogumi não sai da minha playlist.
Minha Mãe
3.7 61 Assista AgoraNanni Moretti é a força autoral mais proeminente do cinema italiano atual, e sem muita concorrência. Consagrado no meio, o sujeito utiliza o cinema para expor suas concepções sempre sob uma luz trágica, embora extremamente humana. Em Mia Madre, Margherita vai perdendo controle em sua vida enquanto a saúde de sua mãe vai piorando. E é desta perda, sofrida recentemente pelo próprio diretor, que nasce uma subtrama metalinguística, sobre a artificialidade e até relevância do próprio cinema diante da dor real. Se Mondrian recebeu aplausos por extrair o essencial da arte em seus quadros, Moretti merece todos os louros por atingir tal nível de realidade com uma montagem tão precisa, e um roteiro tão... sincero. A dúvida existencial de Moretti como diretor é inclusive retratada com sua foto desfocada no cartaz, curiosamente traçando um paralelo com o cartaz de seu outro filme sobre perda, O Quarto do Filho.
Sem deixar de ser pragmático, Mia Madre segue por meios bem oblíquos até o seu final, que confesso, me levou às lágrimas.
Pecados Antigos, Longas Sombras
3.6 79 Assista AgoraUm thriller instigante (e em muitos momentos agonizante), La Isla Minima se apresenta durante toda a projeção como uma grande ferida aberta, deixada pela ditadura de Francisco Franco na Espanha. A infecção do policial com um passado manchado, o tom de sangue nas plumas de flamingos e até mesmo planos aéreos que transformam a geografia local em uma superfície lesionada ainda não cicatrizada são alguns artifícios utilizados para enfatizar a visão do diretor. Lembrando em muitos aspectos o excelente longa turco Era Uma Vez na Anatólia, este filme estipula Alberto Rodríguez como um novo expoente do cinema espanhol.
Aferim!
3.7 14Atento ao novo e ao promissor, o Festival de Berlim investiu em Radu Jude, e neste ano colheu Aferim!, um inusitado recorte histórico da Romênia.
Ambientada na Valáquia, região ao sul da Transilvânia, a trama faroestenesca começa com dois oficiais de justiça - pai e filho - buscando um escravo cigano foragido por ter se relacionado com a mulher de seu mestre (“boyar”, espécie de senhor feudal).
Surpreendendo (ou melhor, chocando) com a forma grosseira com que os dois tratam camponeses e ciganos que encontram pelo caminho, o filme aos poucos desenha a pirâmide hierárquica seguida por aquela sociedade. Tanto escárnio a intolerância sem repreensão evoluem do cômico ao trágico e desprezível rapidamente, tornando o título do projeto (“bravo!” em turco otomano) uma ironia latente.
Mas o que encanta em Aferim! é como o diretor orquestra a antiguidade de modo totalmente inovador. Sem apelar para didatismos ou momentos épicos, ele aposta na provável realidade cotidiana daquele mundo do século 19, muito bem respaldado por documentos históricos, pela trilha sonora tradicional, e pelo PB sem muito contraste, que remete fotografias antigas. E se a imersão já não fosse motivo suficiente para aplaudir esse filme, ele ainda ressoa as raízes do racismo contra ciganos, uma das etnias mais marginalizadas em toda a Europa atualmente.
Trazendo uma nova abordagem para o cinema romeno atual, conhecido pelo tom quase documental de denúncia social, Aferim! torna-se um clássico instantâneo para aquele país, e para fora dele também.
Chronic
3.6 34A câmera frequentemente em still, a história linear e a ausência de um arco dramático exigem certa dedicação do espectador para imergir em Chronic. Michel Franco entrega sim a recompensa, em especial quando sentimos que cada um daqueles pacientes terminais poderia ser alguém próximo de nós (algo já feito em filmes como Amour do Michael Haneke).
O medo de ter de cuidar ou conviver com alguém em constante deterioração - física e mental - é um tabu, e uma realidade que muitos preferem ignorar. Mas para David, é o seu trabalho, e aos poucos o filme revela, de forma muito sutil, ser também o modo dele lidar com seus fantasmas. Tim Roth se reinventou no papel e fez o filme atingir outros patamares.
Mas se até o final o filme parecia tratar de um estudo de personagem, a cena que encerra Chronic acaba soando absolutamente arbitrária, além de ser um clichê (filmes como Whiplash e até Premonição já banalizaram esse tipo de artifício). Qual foi o intuito? Talvez contrapor David aos seus pacientes, ou um Deus ex machina. De qualquer forma, forçou a mão. Não afunda o filme, apenas o conclui em uma nota grosseira e destoante.
A Garota da Fábrica de Fósforos
3.9 161 Assista AgoraConclusão da Trilogia do Proletariado, entre os que vi este é o filme em que o diretor atinge o resultado mais severo através de seu estilo de filmar. A história novamente se desenvolve no mundo de "Akiland", com temática de realismo social inserido em um visual estilizado. A inexpressividade proposital dos atores, ressonante de Robert Bresson, talvez explique o fato de considerarem A Garota da Fábrica de Fósforos também uma comédia.
A cena inicial já antevê o resto da projeção - nos passa muita informação sem qualquer diálogo. Após acompanhar a linha de produção, Iris surge na tela, com gestos automáticos, desanimados, e a expressão sem vida (acentuada pelos atributos físicos da própria atriz, a regular do diretor Kati Outinen). Com isso, já sabemos que ela é [mais] uma proletária estagnada no emprego e na vida, sem muitas perspectivas, ao mesmo tempo em que ela própria surge como produto final daquele sistema, do nosso sistema.
Aki logo nos mostra as outras cartas que a vida deu à Iris: uma mãe e um padastro exploradores, o aluguel, e um sofá para dormir. Sua única esperança é encontrar um parceiro quando vai a uma boate, mas até nisso o diretor é ríspido com sua personagem, como é de praxe nos outros filmes da trilogia (e em alguns fora dela também).
Com uma decepção atrás da outra, após inúmeros jantares silenciosos, bares solitários e um coração dilacerado, Iris responde aos seus revéses contrariando o próprio sistema que a gerou. Destaque para o momento-chave em que ela acende um cigarro pela primeira vez, utilizando um fósforo da fábrica. Uma história simples, mas que se tornou um filmaço com o trato autoral do Kaurismäki.
Guerra ao Terror
3.5 1,4K Assista AgoraA genialidade em The Hurt Locker está no conceito assustador no qual o filme inteiro se desenvolve: a guerra é um vício. Utilizando o personagem de Jeremy Renner (incrível) como ponto de fuga, Kathryn Bigelow cria um filme tenso e crítico, retratando sua postura anti-belicista sem depender da figura de um vilão - watch and learn, Oliver Stone. O protagonista não apoia a guerra, mas perdeu a habilidade de viver fora dela. Sentimos mais o efeito de tanta violência no espírito do Sargento William James que em todo o sangue derramado durante a projeção.
E após A Hora Mais Escura, fica claro que seu trabalho aqui não foi fogo de palha, Bigelow é uma diretora com fogo nos olhos, casando ação e geopolítica de forma instigante e eficaz.
Interestelar
4.3 5,7K Assista AgoraUma surpresa como em um filme tão ambicioso tecnicamente, que tomou pouquíssimas liberdades criativas nos fenômenos mostrados, me emocionei muito mais com o arco do pai com a filha - mérito dos atores, McConaughey e Burstyn em especial. Continuo achando que Nolan tem muito a melhorar como diretor de AÇÃO (embora já tenha sido uma evolução das explosões genéricas de Inception), mas o roteiro malabarista acaba elevando o nível, como é de se esperar em um filme deste diretor.
Embora traga um sentimento de "recompensa" ao expectador que tenha captado as surpresinhas da narrativa, utilizá-las como alicerce do filme é um tiro no pé de um projeto que poderia mergulhar muito mais fundo no que se propôs, a julgar pelas quase 3 horas de duração. Minha opinião é de que Interestellar será lembrado justamente pelo drama humano, que como o próprio filme prega é capaz de atravessar o tempo e o espaço.
Timbuktu
3.8 134 Assista AgoraTimbuktu traz algumas das melhores sequências que vi neste ano. Em uma delas, alguns artefatos são metralhados pelos jihadistas, uma forma bruta de mostrar antigas tradições e a cultura de um povo sendo varridas pelo fundamentalismo.
Embora a hipocrisia dos opressores seja exposta ("todos sabemos que você fuma"), o diretor não segue o caminho fácil de transformá-los em meros vilões. Ele prefere mostrar os líderes como homens dignos acimentados por uma interpretação extrema do Corão, não guiados pelo ódio, mas pela intolerância. E o imã local nada pode fazer além de pacientemente argumentar contra os excessos destes dogmas, sem muito sucesso.
A cena mais linda é a conclusão do conflito entre Kidane e o pescador local, mostrando de longe cada um em um extremo da tela. O pastor tuaregue sabe que será submetido a nova lei imposta pelos invasores, e Sissako filmou a consciência do personagem de forma transcendental.
Adeus, Meninos
4.2 256 Assista AgoraUm dos pouquíssimos que me fizeram chorar.
Dos 8 filmes que vi do Louis Malle, este com certeza tem o tom mais pessoal. A infância é retratada simultaneamente com melancolia e aconchego, tecendo a amizade dos dois meninos até aquele olhar final, devastador. É difícil dizer, assisti hoje, mas tenho a forte impressão que jamais vou esquecer a cena.
Um detalhe que me agradou foi como todos os personagens têm algum "defeito", no sentido de pecado, mas perto do nazismo nada disso importou.
Beleza Adormecida
2.4 1,2K Assista AgoraSleeping Beauty conta com uma ironia em sua própria premissa: é a história de alguém que para "acordar" de um estado letárgico, opta por oferecer o próprio corpo a estranhos enquanto dorme.
Através de uma narrativa pouco convencional, descobrimos que apesar de Lucy ter motivos terrenos para se preocupar, ela não vê no dinheiro a resposta para a apatia de sua vida. Entre seus muitos empregos e os estudos, a única atividade que a mantém realmente interessada é cuidar de seu amigo (?) alcoólatra. No final, Lucy consegue finalmente seu despertar, mas não da forma que pretendia.
O ritmo do filme é o mesmo de uma vida sem grandes novidades, mas o apuro estético da diretora recompensa o espectador que não considerar Julia Leigh apenas uma estreante pretensiosa. Seu estilo me fez lembrar dos filmes da Jane Campion e da Claire Denis.
Um Alguém Apaixonado
3.6 117 Assista AgoraPassamos o filme inteiro observando os personagens principais através de vidros, e no final...
Não dá pra subestimar o talento do Kiarostami, é um mestre, e como tal domina a linguagem do cinema com uma destreza tamanha que sequer precisou saber japonês pra dirigir.
O título nacional é bom, mas paixão não é amor. E é usando a nossa percepção de amor que o diretor nos dá um soco tão contundente do estômago.
Depois da Batalha
3.6 3Acho que o pior jeito para se levantar debates da praça Tahir era literalmente falando da praça Tahir...
Entre momentos melodramáticos dispensáveis, uma cena ou outra chamam a atenção, como uma envolvendo cavalos, e a cena final, que enfatiza o longo caminho que o Egito ainda tem até a estabilidade pós-Mubarak.
Moonrise Kingdom
4.2 2,1K Assista AgoraWes Anderson consegue mais uma vez agradar sem fugir de seu estilo. E é muito estilo, mas serve à narrativa muito bem. Eis um cara que não deve gostar de improvisos, e portanto tornou-se um visionário que parece montar o filme inteiro na cabeça antes de filmar (Sr. Raposo confirma isso). Um exemplo é a cena de Sam fugindo com o botinho: ao invés de mostrar de uma só vez, ele realça o personagem e o humor com cortes rápidos mostrando vários detalhes antes, a bandeirinha balançando com o vento, a "carranca", os equipamentos... MK está cheio de momentos ricos como este.
Achei bem bacana também como em plenos anos 60, os dois rebeldes movimentam todos os outros personagens, fazendo o filme se tornar um hino á contra-cultura.
Fica a dica também pra conferir os créditos até o final, há uma brincadeira com a trilha do Desplat bem legal. :)
Mekong Hotel
3.3 22Gosto do Apitchapong, mas achei esse aqui chato demais, mesmo com apenas 1h de duração... Sim é possível interpretar e tirar proveito de muitas coisas aqui, mas é necessário despertar interesse para isso acontecer - ao menos para mim.
Acho complicado quando diretores decidem fazer experiéncias super radicais em longas. Para isso existem também os média-metragens...
Talvez assistindo numa retrospectiva do diretor, fazendo uma imersão na obra inteira como ocorreu no INDIE de 2010, funcionasse melhor.
Apenas o Vento
3.6 14Gostei muito, é possível sentir o medo dos personagens através da câmera, sensacional o modo como o diretor filmou.
Os ciganos são retratados sem qualquer idealização que o próprio termo desperta, e o cenário de miséria infelizmente não é estranho para nós.
É mais suspense (terror, em alguns momentos-chave) que drama.
A Bruma Assassina
3.3 194É possível perceber um grande diretor durante toda a projeção, mas o filme deixa umas pontas soltas... Como o único corpo que é deixado para trás, no barco.
Uma das coisas que gostei também é essa questão não resolvida com a Jamie Lee Curtis, a personagem dela com certeza tem algo estranho mas isso jamais é revelado, mais ou menos como a Tippi Hedren em Os Pássaros. A primeira cena em que ela aparece deixa isso bem claro, com aquela imagem dela no retrovisor do automóvel.
Aqui é o Meu Lugar
3.6 580 Assista AgoraInacreditável que foi adiado pra junho. Fico até com vergonha de dizer que só quero ver no cinema.
O Fim de Um Longo Dia
3.6 16O diretor abriu mão de uma trama tradicional para montar um grande painel de lembranças. Canções, diálogos de filmes da época, sons, imagens e texturas se entrepõem e surgem, como ligadas por sinapses, para definir a vida do menino. Li que o filme é autobiográfico, portanto a viagem do diretor por seu passado é também algo a ser considerado, principalmente na forma nostálgica como tudo é tratado. Os diálogos dos atores, por exemplo, são colocados num segundo plano, enfatizando mais a rotina cinza de Liverpool que as ações em si - o que se está dizendo não é tão importante quanto o que se está sendo mostrado. Diante disto, fica difícil (mas não impossível) a identificação com algum personagem. Até mesmo Bud torna-se apático em alguns momentos, mas isso tem mais a ver com o olhar do Terrence Davies diante da vida que um mero defeito do filme. Por outro lado, sequências como a da canção Tammy, interpretada por Debbie Reynolds, revelam um verdadeiro poeta por trás das câmeras. Davies mostra como certos detalhes do passado lapidam nossa existência.
A Cor da Romã
4.1 133Respeito, mas não é o tipo de filme que me desce bem... E com "tipo", estou falando de filmes onde é necessário fazer interpretações imediatas de um turbilhão de metáforas visuais.