Alerta ao coração: perigo. Trata da psicopatia, através da aproximação da jovem (uma Joanne Woodward estonteante e pueril em cena) com seu objeto de sentimento e desejo: Bud Corliss (Robert Wagner no arquétipo de galã 50s), um indivíduo manipulador, ambicioso e sem escrúpulos que não quer assumir a sua gravidez, pois acredita que tal situação irá impossibilitá-lo de ascender socialmente. Logo na primeira cena, fica latente a noção da representação do homem que utiliza-se do sexo e do domínio machista na relação, mas que coloca a mulher na condição de segundo plano e não valoriza a relação, renegando-a ao aborto como solução. A narrativa mostra a tensão quando Woodward coloca em questão a condição de ser deserdada pela família bilionária, já que está grávida - é quando Corliss exibe a gélida personalidade e caráter sombrio deste individuo que fará de tudo para tirá-la do caminho. Interessante como estuda a figura sombria e mecânica, sem sentimentos, de um homem que perambula no seio social sem se apegar afetivamente a ninguém. A trama assume o tom policial da metade para o meio, quando a identidade e os posteriores crimes que o protagonista assume passam a ser delineados. Excelente atuação de Virginia Leith, como a irmã de Woodward, que também acaba por se envolver com o psicótico homem disposto a tudo para não ser descoberto. Só poderia ter um final mais bem colocado, pois, soa apressado e sem muito esmero.
Colapso com as convicções. Produção da Hammer que traz Joan Fontaine como a professora que retorna à Inglaterra após sofrer uma crise nervosa na África, local no qual fragiliza-se por ser atacada por feiticeiros locais - a sequência de abertura é tenebrosa e exibe esse senso macabro. Temos um filme que, primeiramente, não tem pressa em explorar a personagem no seu ambiente de ação: no novo vilarejo do qual consegue um novo emprego, no aparente local de tranquilidade, é que a professora vai observar a manifestação do oculto. Por trás do pacato vilarejo, de crianas dóceis e atitudes bondosas, se escondem pessoas com índoles duvidosas e crenças voltadas ao paganismo - por isso mesmo, as sequências de rituais satânicos são explorados, enquanto Fontaine defende sua personagem com todo protesto dramático de medo e repulsa. A direção investe no drama para depois condicionar o horror mais atmosférico, no diálogo com o senso da bruxaria, ocultismo, a relação da "moralidade cristã" contra o manifesto do paganismo, a força do mal que se mantém "mascarada" num lugar que esconde sua verdadeira natureza. Entretanto, os 10 minutos conclusivos soam frágeis e tiram a índole sombria que foi construída no desenvolvimento, tornando o resultando um tanto alegórico e artificial demais - uma cena de ritual satânico sem muito zelo.
"Chega um momento, na busca do homem por um sentido, percebemos que não há respostas. Quando você se deparar com esta terrível e inevitável percepção: ou você aceita ou se mata. Ou simplesmente para de procurar. Eu vivi uma vida abençoada. Entretanto, toda a noite, quando vou para a cama: apago as luzes, contemplo a escuridão e imagino: isso é tudo que existe?"
Fritz Lang destranca as aparências, máscaras e intrigas através do personagem inquieto do Ray Milland: indivíduo que, após sair do períido de internação compulsória em um sanatório, se vê envolvido em uma trama ardilosa que o coloca na mira da espionagem. Lang promove o flerte com o noir, diante do desespero de Milland que tenta provar sua inocência, enquanto se atira num novelo de lã em que é visto como um assassino e espião nazista. A narrativa coloca esses confrontos e caos que desorganiza este protagonista, sob o terreno de uma Inglaterra destroçada pela Segunda Guerra Mundial. O teor de suspense permeia as cenas nesta produção que foi feita a partir de um livro do Graham Greene. Entretanto, peca pelas soluções corriqueiras (um tanto frágeis, se analisadas hoje em dia) e um final abrupto e pouco convincente, destoando da grande proposta que foi construída na primeira meia-hora.
A adoração ao oculto das trevas. Já nos créditos de abertura, através dos símbolos trevosos e imagens de "magia negra" no letreiro, percebemos o efeito que o filme quer. Produção gótica da Hammer Film que traz a imponente figura de Christopher Lee como o Duque de Richleau, um homem que esmiuça e procura os indícios da natureza mórbida para remover da humanidade - sob o terreno da década de 20, no interior do Reino Unido, o Duque descobre que há um culto satânico liderado pelo poderoso Mocata (Charles Gray, gélido e assustador) que domina grande parte da sociedade do povoado. Temos aí um filme que exibe a atmosfera lúgubre, através de cenas onde vemos a caracterização das tais cerimônias: espécie de missas negras, onde evocam a figura do capiroto, nos rituais padrões onde sacrificam bodes para o uso do sangue em banhos, um "batizado maléfico" em que a narrativa usa dos símbolos teatrais dos elementos satânicos para recriar um horror visual. O filme tem a direção firme de Terence Fisher em diálogos que expõem o confronto de ideias entre ciência e doutrinas, além de usar a figura do Lee para mostrar como se confrontam esses medos humanos diante da presença diabólica de algo sobrenatural. Há belas sequências, como na tensa cena em que vemos uma espécie de aranha-gigante projetada que tenta ameaçar o Duque e seus amigos que tentam se proteger num círculo feito com giz no chão. Entretanto, por mais atmosférico que seja, algumas soluções soam artificiais e frágeis, inclusive o tal "confronto entre o bem e o mal" do final, surge previsto.
A dúvida que desorganiza. Anne Baxter é a frágil mulher que confronta o receio. Após a morte do irmão em um acidente, um homem de aparência física semelhante chega à sua casa e afirma ser ele. É quando vemos uma narrativa que brinca com a dualidade, as fragilidades e percepções da protagonista, criando a sensação de dúvida no que vemos. O que se esconde por trás das aparências? Richard Todd acentua o tom de mistério e caráter posto em questão, numa atuação gélida e imponente. O que não temos é um filme de terror, mas, um suspense gradual que investe na relação desses dois personagens - seria algo da mente deste mulher? Loucura ou desequilíbrio? Ou, de fato, existe um usurpador que usa da identidade de seu provável irmão morto para cometer alguma atrocidade? A direção assume o pranto melodramático de Baxter em cena, num drama mais latente, com alguns jogos de cenas intrigantes e uma proporção de surpresas no roteiro.
A observação do medo. O que parece ser um debate sobre a exposição da psicopatia, reserva a surpresa: não trata-se de um terror óbvio, mas, um estudo sobre a manifestação da telecinesia - obviamente, foi no sucesso de obras como "Carrie" do De Palma ou Scanner do Cronenberg, fitas que exploravam essas mescla do sobrenatural com o poder da mente. Temos nosso protagonista, em estado vegetativo, em um hospital psiquiátrico, após assassinar sua mãe e amante (a cena crua e cruel do prólogo). A narrativa de tensão gradual é bem delineada pela direção de Richard Franklin que procura destrancar esse estranho e misterioso personagem masculino aos nossos olhos ansiosos: o que esconde esse paciente tão quieto? É quando a aproximação da enfermeira (Susan Penhaligon, quase uma cópia de Molly Ringwald nos anos 80) com ele mostra que há algo mais oculto no ar. Temos um roteiro que não se curva para sustos fáceis, nem insinuações exageradas para articular seu terror. Muito bem cuidado, a condução das cenas exibe a persona maligna por trás do Patrick, enquanto percebemos que não há nada psicológico neste indivíduo, mas a concreta evidência de um poder extraterreno. O paciente acamado passa a transformar o cotidiano não só da enfermeira, como dos demais do hospital e pessoas próximas a ela, no caos. Há cenas bem tensas em que os efeitos psicocinéticos são externados, onde muitas vezes a sugestão é mais violenta que o grafismo sanguinário. Um trabalho cinematográfico que precisa ser redescoberto.
Lucio Fulci destranca as memórias demoníacas, através de seu conto perverso das sombras de uma lembrança. 5 freiras mortas por moradores de um povoado puritano-hipócrita. A cena de abertura exibe essa tônica cruel ao mostrar as freiras ensanguentadas e crucificadas ao serem acusadas de assassinar recém-nascidos, adoração ao satã, depravação e luxúria - a relação com a figura de Cristo na cruz não é à toa. Logo somos transportados pra atualidade, onde a narrativa mostra um grupo de arqueólogos que, na Sicília, acabam por libertar os espíritos, antes aprisionados no monastério em ruínas, dessas figuras femininas que habitavam o mundo oculto desde o século XV. Temos aí uma direção que explora, mesmo com problemas na narrativa e formato limitado de situações, o tema do sobrenatural aliado à violência gráfica tão habitual no estilo do cineasta. O uso da Itália como palco de debate sobre a profanação, uma bela ironia já que representa a força do catolicismo. Fulci mostra o encontro dessas figuras sombrias através do olhar da assistente da equipe de escavadores que se liga "espiritualmente" com as freiras - a mulher frágil, loira, dotada de beleza, a típica representação feminina que é "prato cheio" pra se desorganizar no caos mórbido de um filme padrão de terror. O arquétipo padronizado e muito utilizado, um clichê batido. Mesmo com algumas limitações, dá pra embarcar nas situações e atmosfera proposta. Entretanto, a narrativa é frágil em situações onde os personagens aparentam falta de consistência e a protagonista exibe uma atuação muito frágil, pouco convincente. O final soa meio precário e abrupto.
Provação da maldade. A natureza mórbida. Dante Vescio e Rodrigo Gasparini promovem o horror, através da História brasileira, com seu conto sobre a essência do perverso humano. A figura mítica ou folclórica, do Barão do Mel, que explorava os escravos com o intuito de subordiná-los aos seus poderes nefastos sobrenaturais. Tais perspectivas do passado são pinceladas na narrativa enquanto mostra quatro jovens numa noite em um casarão colonial. É quando segredos antigos e forças ancestrais são destrancadas - e compreendemos a relação das memórias com a atualidade. Temos aí um roteiro que trabalha as relações de um passado escravocrata e seus resquícios no contemporâneo? Os jovens evocam a maldade antiga, libertando esse "mal centenário", trazendo essas sombras demoníacas, enquanto acabam por desorganizar a aparente tranquilidade noturna: revelando um festival de tensão e sangue no local assombrado. Interessante como, mesmo num gênero tão sufocado, encontramos o esforço da direção em abandonar certos clichês e chavões do gênero, mas embasado na coerência de um bom filme de terror que usa de sustos, da atmosfera psicológica carregada de adrenalina, e situação de opressão entre os jovens que confrontam os "espíritos malignos". E é interessante ver um terror que é feito em cima de nossas lendas urbanas, de sensos históricos afro-brasileiras como a quimbanda. O uso estético é muito bem comandado, com uma montagem inteligente e certos símbolos da direção de arte. Vescio e Gasparini trabalham bem o medo, com um elenco excelente em cena, exemplificando uma carga de loucura coletiva e pânico dentro de um ambiente opressor. Os minutos finais assumem um forte teor de tensão agonizantes, forte clímax. Mais que ver um gênero trabalho com eficiência, é observar que é um filme brasileiro que domina bem tal proposta.
Lucio Fulci explora os meandros da mente, através de um senso mais psicológico do que voltado ao horror da violência gráfica. Segue a persona fragilizada de uma mulher que passa a ter visões macabras e a se desorganizar no cotidiano. O que seriam essas anormalidades sensoriais? Jennifer O'Neill está bem em cena, através dessa mulher que se convence das visões e acredita que sejam premonições de algo perverso que está por vir. Intrigante por gerar a dúvida em nós: seria loucura ou intuições verdadeiras? O tormento da mulher passa a ser maior quando ela afirma que há um esqueleto que habita a sua parede da casa. Não há, em seu formato, a indução de uma atmosfera tão exposta no "gore", o que se articula é uma simples narrativa mais voltada ao suspense atmosférico. Fulci brinca com as percepções, embasando uma proposta de filme mais voltado pro tom policial e investigativo. Pode ter perdido a força com tantos trabalhos copiados à exaustão, mas capta atenção por intrigar.
Jornada intimista de aprendizado, de encontro consigo mesmo, através do indivíduo que carrega em si todos os dilemas e dores. O que vemos é o reflexo do preconceito, do estigma do racismo, mas um discurso que vai além ao demonstrar os meandros da sexualidade do nosso protagonista vitimado pelo sistema social. Em três atos que se complementam, da infância à trajetória adulta, Barry Jenkins não entrega uma narrativa óbvia, mas tudo é tão silencioso quanto o protagonista que trancafia em si seus desejos e vontades. Little, Chirion e Black: os três seres reprimidos, em fases distintas, mas que simbolizam o mesmo: o indivíduo marcado por tantas fragilidades e inaceitação com seus próprios anseios. E se temos uma linguagem naturalista e que muito nos fornece através das entrelinhas, bem de acordo com o caráter rígido e personalidade introspectiva do protagonista, compreendemos esse olhar cinematográfico sobre algo que precisa ser refletido. Afinal, falar sobre intolerância em suas variadas formas é tema necessário. Interessante a simbologia com a figura do mar nos três atos e a relação com ele, como uma espécie de catarse pessoal com os elementos marítimos - não é à toa que temos aquela cena no primeiro ato, em que Mahershala Ali ensina o pequeno a nadar, numa espécie de "batizado" no oceano. Jenkins trata do amadurecimento e da existência deste indivíduo com sutilezas e sensibilidade, onde a luz azulada da fotografia parece simbolizar o estado deprimido desse ser solitário que precisa tomar as rédeas do seu destino diante de suas determinações pessoais.
O amor não é movido por cores, padrões e imposições. Não se beneficia por escolhas ou lógicas. O sentimento não se define com o preconceito, nem com o senso da maldade. Amar é sentir a alma do outro de forma imoderada, sem o apego à rótulos impostos por uma civilização marcada por ódios. O que compreendemos, através do olhar sóbrio de Jeff Nichols, é a noção da punição social. A dor é exposta, através da atuação silenciosa, contida e naturalista de Ruth Negga, que carrega todo o peso do preconceito - o fardo de ser negra, mulher e não ter direito às escolhas; uma atuação discreta, mas não menos precisa e contundente. E Joel Edgerton surge como o contraponto, na representação do indivíduo que também sofre pela condição de ser julgado pelo simples ato de amar. O que Nichols promove é a verbalização de um tempo em que a hipocrisia andava de mãos dadas com a violência gratuita; no império do racismo que tolhia e ditava as regras da injustiça; na paralisia da liberdade. E o que mudou de lá para hoje? Observamos diálogos e apelos tão atuais quanto os anseios daquele tempo de 1958. E um filme em que trata o assunto com lucidez, sem nunca exagerar no tom, é pra ser admirado. Não há momento para ser piegas, mas a chance de vermos o quanto crescemos num sistema opressor e afetado pelo regime escravista que deixa seus resquícios pelos caminhos. Ainda há muito pra caminhar...
Provação do belzebu. Obra orgânica sobre a natureza da maldade. Cru e grotesco. Juan López Moctezuma destranca os horrores do que é tido como perverso, através da figura da jovem que deturpa o convento em que vai morar - logo no prólogo, já vemos seu nascimento; a criatura que vem das trevas, um ser amaldiçoado. A aparente calmaria deste terreno medieval do século XIX se converte em algo tenebroso quando Alucarda mostra que sente-se atraída pelo lado oculto da existência. Temos aí a desconstrução dos sensos do cristianismo em formação dos valores satânicos da protagonista enigmática e sombria, fragilizada, que parece ser "comandada" por uma força oculta. A situação de medo e violência são palpáveis, já que observamos a submersão da jovem em sua jornada maligna em busca de sangue, sexo, prazeres e morbidez - o indivíduo que é possuído por algo sobrenatural. O homoerotismo é presente, também, na aproximação de Alucarda com a inocente Justine que também vai morar no local: a sequência do ritual sanguinário, em que as duas se "iniciam" ao paganismo beira ao "erotismo vampiresco", muitos beijos e trocas de sangue, corpos nus, orgias e figuras animalescas representando os demônios que as influenciam no pacto que selam. Ademais, por mais que a fita fecunde o medo no público, consegue ser um prato cheio para diálogos críticos sobre fanatismo religioso (pois, faz apologia à moral cristã e seus dogmas); ciência e fé; objetos do satanismo e seus símbolos; tolhimento versus repressão feminina e necessidade de liberdade sexual, além de toda a representação erótica-gótica proposta por Moctezuma em seu universo de horror em um filme B. Deve-se ter um olhar menos firme, já que é um filme que se assume na caricatura para externar suas provocações. Clássico gore, atmosférico e lúgubre conto do capiroto.
O olhar feminino diante da obra e da vivência de Charles Dickens. Temos as perspectivas da persona defendida por uma Felicity Jones contida em cena, a mulher que se apaixona pela personalidade e poesia masculina do escritor, um Ralph Fiennes carismático. O roteiro exibe as tônicas do sentimento, aproximação do desejo e relação dos dois durante anos. Entretanto, falha na ausência de química entre os dois atores que não conseguem externar essa atração emocional. Para quem não conhece muito sobre a vida e obra de Dickens, parece que a adoção do roteiro em colocá-lo, sempre, alegre e "cordial" em cena, soa artificial. Mas, a direção do próprio Fiennes recria o universo histórico, literário e comportamental daquele período do século antigo - destrancando essa relação amorosa que precisava permanecer no sigilo, por baixo do pano, pra não contrariar a sociedade hipócrita e abalar as convenções sociais. A direção é caprichada e tem cuidados, dando atenção nos planos e concepção de cenas dramática, inclusive. O ritmo lento, tem o acordo com a intimidade do casal. Ademais, temos um belo apuro técnico para conceber a atmosfera daquele período.
A tentativa de explorar um pouco sobre a vida de um dos mais famosos editores literários. Max Perkins, através da personificação de Colin Firth, um homem que descobriu figuras icônicas como Scott Fitzgerald (Guy Pearce), Ernest Hemingway e Thomas Wolfe (Jude Law, que se destaca mais na narrativa). A biografia traça como estudo o foco na trajetória profissional do editor e suas perspectivas pessoais. O que podemos notar, além da técnica aplicada à criação da atmosfera de época com o fotógrafa cinzento e o figurino belíssimo que situa o período, é a noção da atuação do papel do ofício do editor em relação ao sistema literário e da condução dos escritores para o sucesso posterior. A importância do editor no processo de produção do livro é essencial, sendo que esta além do talento do determinado escritor com processo criativo. E Firth, ainda que tenha um papel formado no roteiro quadrado demais, transmite a firmeza na atuação. Entretanto, tem em cena a fragilidade do Law que acentua o tom canastrão nas cenas em que tenta emular a poética personalidade do ícone Wolfe. O foco do filme centra-se mais nessa relação de editor e escritor entre ambos. Ainda assim, a direção de Michael Grandage tenta tornar a narrativa mais cuidada possível, mesmo não tão envolvente, de acordo com o esmero fotográfico e técnico somados aos diálogos com citações de livros trabalhados ao longo da narrativa. Para quem não conhece sobre a trajetória do editor, serve como um pincelada sobre sua vivência. "Você passa a vida nas páginas dos livros. E esses personagens emergem para falar profundamente com você. Até o fundo da alma. Eles são espelhos."
A culpa tratada como símbolo de dor e de perdas, em duas narrativas intercambiáveis, ambas revelando sentimentos insondáveis, semi esquecidos, abertos. A culpa do Hastings ficcional, por ter sido 'fraco' diante das violências e morte sofridas por esposa e filha; do Hastings real (Edward), por não ter conseguido ser forte o suficiente para permanecer junto da ambígua Susan (mais jovem); e a culpa da própria Susan, com escolhas que tornaram sua vida infeliz, vazia e sozinha.
A intenção é evidente, o roteiro exibe (ou tenta) externar essas intenções, através das camadas. Ford recria o visual com sua habitual plasticidade e técnica - vemos no traço "real", a frieza e tons claros que simbolizam a vida letárgica, infeliz e sem brilho da mecânica Susan - contrapondo-se aos tons fortes e solares do traço "ficcional" para exibir as tônicas da tensão e do universo de suspense que permeia a situação.
Temos a história do ex-marido que decide promover o "tapa na face" na mulher que o abandonou, através de um livro que exorciza suas dores, por isso mesmo a parte "ficcional" se detém a mostrar mulher e filha sendo assassinadas (a alusão que o escritor faz sobre a sua perda dupla, o bebê abortado por Susan e o abandono dela para ficar com outro homem). Não é à toa que o próprio personagem do "livro" é feito pelo Gyllenhaal, mas por que não colocou, também, a Adams pra personificar a esposa? O uso da Isla Fisher é até uma boa sacada, já que ela nos remete à Adams pela semelhança física.
Tudo isso mostra o quanto a Susan está interligada com o livro, o quanto ele a modifica e a transforma. A maneira como ela percebe, ali na ficção, uma relação de diálogo e resposta com o que viveu com o escritor, Edward.
Há certas insinuações na direção de arte (o quadro na parede escrito "Revenge" é um exemplo ou o sofá do 'traço ficcional' onde os corpos da esposa e filha do Hastings é o mesmo onde Susan está quando briga com Edward no 'traço real') e, inclusive, na sobreposição das narrativas (a forma bacana como Susan dialoga com o Hastings do livro, ambos, no banho, deitado na banheira; ou quando a respiração dele, no livro, se intercala com a dela, na realidade). Entretanto, por mais que Ford tente exprimir em seu filme o caráter de lúdico, há um fio condutor na trama que mostra este lado "animalesco" ou "agressivo" entre os personagens, como se existisse um lado cru da maldade sendo exposta. É um filme que lida com a natureza mórbida. Por isso mesmo, a narrativa dá margem à situação cruel que virá a ser descortinada, logo que ela tem o contato com o manuscrito do livro e corta seu dedo quando vai abrí-lo. O sinal que algo doloroso está por vir?
Jake Gyllenhaal mostra-se como o representante da fragilidade masculina ou passividade; Amy Adams, o símbolo da mulher-aparente-perfeita que não a deixa conformada - tanto que sua vida é feita de luxo, no cenário límpido, opaco, na frieza fotográfica, como uma vida artificial do qual ela não se enquadra e se mantém infeliz, no tédio. No livro em que ela lê, a fotografia assume os tons solares, já que temos um tom mais febril. Destaco Michael Shannon em cena como o xerife do "traço ficcional" e mais ainda o trabalho de composição do Aaron Johnson que traz toda a psicopatia no olhar, nos gestos e tons de voz, verbalizando a malícia e o senso da maldade comportamental, de longe o melhor personagem e atuação do filme. Um ser animalesco e de caráter obscuro.
A trilha sonora de Abel Korzeniowski, além de qualquer força atmosférica, um auxílio à narrativa, nos remete aos clássicos Vestida para Matar e Dublê de Corpo, ambos de Brian De Palma, além de um dialogar com Instinto Selvagem, de Paul Verhoeven. Paralela a essas referências, a construção dramática em cima da violência em cima do personagem do Jake Gyllenhaal - tanto no "traço ficcional" e "real", exibe a semelhança com outro filme, o "Sob o Domínio do Medo" de Sam Peckinpah: a natureza harmônica de um lugar e do indivíduo que se quebra com a violência extrema alheia; a fraqueza de um homem diante da crueldade brutal de indivíduos que promovem à violência extrema em seus entes queridos. Só lembrar do Dustin Hoffmann no clássico, tal qual a passividade do personagem do Gyllenhaal. A diferença é que no filme do Peckinpah, temos a vingança exercida de forma mais drástica. Aqui, a vingança verbalizada no "traço ficcional" ecoa e assume consequências na vida real. É essa a intenção.
E, verdade seja dita, quando você entende que o manuscrito simboliza o sofrimento do escritor após ter sido abandonado pela protagonista, você percebe que as metáforas são fáceis: a perda da mulher, do filho, o tempo que ele levou pra superar, etc. A forma como refletimos as situações que tornam o filme um exercício de aprendizado em nós. Um trabalho pra ruminar, refletir, diante de certas subjetividades colocadas. Um conto sobre vingança e como a dor, a redenção e a dificuldade de retomar o prazer na vida, parecem evidentes nos personagens.
A premissa é altamente intrigante. O medo efetuaria todo sentido, através da trama do pai e filho (Cox e Hirsch) que trabalham num necrotério no interior dos Estados Unidos. Ambos confrontam o inesperado, na rotina que muda, quando recebem o corpo de uma mulher desconhecida - "Jane Doe", do título original do filme, o jargão americano - enviada por um xerife, para a explicação da sua estranha morte. O que poderia render uma narrativa que lida com o psicológico ou mesmo através de sensos sobrenaturais, acaba por render-se a pequenos "jumpscares" e certas emulações padrões dos filmes do gênero. Ainda que a direção se esforce pra criar uma atmosfera sombria e que lida com o mistério do oculto, na figura do cadáver feminino, que, por vezes, parece ganhar vida - através de detalhes e angulações em cima de sua figura rígida deitada na maca de autópsia; o filme acaba por desenvolver-se sem muita surpresa. Cox e Hirsch se esforçam e estão muito bem, entretanto. O primeiro ato é eficiente e interessante, mas quando começa a autópsia em cima do ser misterioso, a narrativa cai na previsibilidade. Uma pena, já que o começo foi bem sofisticado e promissor no traço do medo.
A geração da rebeldia, também o símbolo do que pode ser visto como perdido ou desconexo - jovens no cenário de 1976, no âmbito das drogas e do aflorar da sexualidade, onde a combustão dos anseios e delírios se mesclam às (ausências) de perspectivas. Richard Linklater nos fornece o diálogo não só com a desconstruções dos estereótipos da puberdade, no cenário dentro da escola (por isso, o filme já começa e perdura durante mais de vinte minutos neste ambiente) e pós, para compreendermos esse ambiente de gírias, dilemas e também o que pode ser visto como "revolucionário". Há a tentativa de se produzir algo naturalista em cena. Interessante, também, a referência do título original à música do Led Zeppelin - condizente com a atmosfera rock'n roll dos teenagers. Ainda que sob um verniz narrativo aparente despretensioso, as insinuações sexuais e dos sonhos juvenis conseguem ser expostos, por isso dá pra refletir um pouco sobre o comportamento daquele momento.
Observa a investigação de um crime ocorrido. A narrativa que revela os fatos e vivências de dois detetives, irmãos e com certas memórias a serem resolvidas, que procuram o verdadeiro assassino. Nada tão diferenciado do formato já explorado em diversos filmes do calibre - como tantos de "serial-killer". Entretanto, o que fica mais intrigante, é como o roteiro ainda tem pequenos sopros diante do obvio: como a relação intimista dos irmãos (Bettany e Strong) e a situação de tensão do processo de caça ao assassino, já que ocorre uma problemática em ação que coloca a ética e situação de risco em evidências diante dos personagens. Aliciado por uma narrativa e direção formatadas no habitual tom "Supercine", ainda assim consegue captar a atenção pelo colapso moral que desenvolve entre os policiais. Mas, a sensação é de que já vimos tudo que é explanado em outras situações, devendo uma ousadia e diferencial no argumento.
Os dilemas, angústias, instabilidades emocionais e anseios da puberdade. Personificado por uma Hailee Steinfeld segura e maravilhosa em cena, na defesa dessa personagem tão humana e próxima da gente. Cheia de crises emocionais e indagações sentimentais que se extravasam junto com suas espinhas. Curioso como o filme nos remete à identidade dos filmes do John Hughes, ao destrancar o universo da juventude com certos diálogos e tônicas condizentes com os questionamentos e vivências dessa fase. Sexualidade, desejos e fragilidades. O formato é leve, ágil e dinâmico. Mas, reconstrói bem esse período de transição da infância pra maturidade.
O medo através do inconsciente. John Carpenter injeta o horror através de uma narrativa com inúmeras camadas. A psiquê e a subjetividade em forma, através do personagem do Sam Neill, o investigador que parte em busca do escritor de livros de terror (referências nítidas ao universo Stephen King) que desapareceu após a conclusão do seu último livro. O que temos é uma história macabra, que investe no labirinto da mente, nas visões e estímulos criados pelas percepções do homem que passa a confundir o que é real e imaginário; sanidade e loucura; num labirinto de insinuações psicológicas. Carpenter brinca e nos brinda com o flerte no onírico do horror, através do flerte com obras do citado Stephen King, à Lovecraft e até resquícios do Os Invasores de Corpos. Submergimos na paranoia e desequilíbrio do protagonista, numa narrativa multifacetada e até com elementos metalinguísticos. O que assusta é constatar que a mente é capaz de nos levar para zonas sombrias e de grande desorganização da percepção, tal qual o personagem: nos atiramos na vertigem. Um deleite assustador.
Sob o senso teatral, onde a narrativa transcorre, na base de personagens em um único ambiente no "tête-à-tête" - temos um filme que coloca certas indagações sobre os jogos humanos e comunicabilidade. Cinco amigos que se unem em uma noite pra debater situações da empresa em que está em crise financeira e que terão que explorar um senso comum: achar uma solução para que não haja a ruína. Vemos aí projeções intelectuais e diálogos que tenta desconstruir cada um dos personagens, dando vazão às personalidades e motivações. Ainda que a direção se esforce no espaço, tendo bons enquadramentos e movimentações em cena, o elenco parece, por vezes, inseguro e carece de melhores talentos. Há momentos em que os atores parecem respirar um artificialismo exagerado e que não funciona. Ainda assim, o roteiro é inteligente e articula bem insinuações sobre ética e profissionalismo.
Confronte seus demônios internos. É difícil juntar os cacos quando se quebram no chão das desilusões do destino. Retomar as dores do passado, árdua respiração diante de marcas na alma. Cicatrizes que ainda geram incômodos. É difícil esquecer certos traumas que ainda ecoam na atualidade. Por trás da letargia, dos olhos entristecidos, a voz quase sufocada, na face cansada de olhos marejados - temos o homem que volta às origens de sua cidade e precisa retomar o fôlego perdido em algum tempo de outrora. Não é à toa que a direção de Kenneth Lonergan não tem pressa em destrancar os segredos e as fragilidades desse indivíduo marcado pelo passado, numa angustia constante que o impede de impulsionar sua vida aos contornos emotivos. Seu estado de frieza e solidão reflete na fotografia pálida e fria do filme, como um símbolo do estado de sua alma gélida e embrutecida pela dor. Aí reside o trunfo, um belo roteiro humano que utiliza-se de diálogos naturais, e também silêncios, para fugir do hábito comum do melodrama barato. Temos um conto sobre perdas e danos; uma tragédia familiar; um estudo de personagem. E o verniz melancólico é presente não só na narrativa, como na contundente atuação de Casey Affleck que entende os dilemas e inquietações de seu indivíduo que parece não se recompor tanto físico quanto emocionalmente. Seu jeito introspectivo logo se confronta com o turbilhão de emoção que parece querer romper a barreira de sua insistente rigidez. Um ser depressivo que exibe as feridas que o tempo não curou. A voz presa na garganta, o semblante apático, as olheiras na face, a postura curvada, o andar devagar, como se houvesse uma pedra nas costas, afundando-o nos próprios gritos internos. Um filme que expõe como é difícil estabelecer em nós o luto, a agonia da saudade, a dor que impede de caminharmos para qualquer noção de felicidade aparente. É difícil lidar com as memórias tão cruéis que a vida impõe, nem todos conseguem seguir em frente. Triste e plenamente belo trabalho cinematográfico.
A busca pelo diálogo, significados e sentidos existenciais. O contato que se estabelece com o que é visto como um mistério. Mais que centrar as discussões na relação terrestre com o oculto do espaço, temos um filme que exibe, dentro de sua narrativa, questões tão profundas sobre a natureza humana - não é à toa que a protagonista seja desconstruída de forma tão pessoal, intimista e precisa através de um roteiro que brinca com o sensorial, com a subjetividade, com o invisível. Não trata-se, apenas, de um senso sci-fi: mas, um drama sobre dilemas e sentidos humanos. Por isso, surge na defesa, uma Amy Adams entregue em olhos, gestos e vozes corporais, na atuação completa, o feminino que se divide no tempo, no eco, nas perguntas e nas respostas perante à existencialidade. Uma atuação tão de acordo com a personalidade minimalista impressa na direção de Dennis Villeneuve que questiona não só a ciência versus o filosófico, mas vai além na maneira como mostra que a linguagem, hoje, dita o mundo e também o dilacera. O que parece um "quebra-cabeça" narrativo, por fim se mostra até simples em sua mensagem, mas não menos contundente. É um filme muito mais pra sentir, por ser sensitivo. Com uma atmosfera densa, por vezes angustiante, e em outras soando lúdica, Villeneuve promove a reflexão através de seu ato de indagação contra este mundo atual: o indivíduo que falha na comunicação com o próximo, que tem dificuldade em dialogar e permanece na zona da distância por pecar na interação com o próximo.
Amor, Prelúdio de Morte
3.8 8Alerta ao coração: perigo. Trata da psicopatia, através da aproximação da jovem (uma Joanne Woodward estonteante e pueril em cena) com seu objeto de sentimento e desejo: Bud Corliss (Robert Wagner no arquétipo de galã 50s), um indivíduo manipulador, ambicioso e sem escrúpulos que não quer assumir a sua gravidez, pois acredita que tal situação irá impossibilitá-lo de ascender socialmente. Logo na primeira cena, fica latente a noção da representação do homem que utiliza-se do sexo e do domínio machista na relação, mas que coloca a mulher na condição de segundo plano e não valoriza a relação, renegando-a ao aborto como solução. A narrativa mostra a tensão quando Woodward coloca em questão a condição de ser deserdada pela família bilionária, já que está grávida - é quando Corliss exibe a gélida personalidade e caráter sombrio deste individuo que fará de tudo para tirá-la do caminho. Interessante como estuda a figura sombria e mecânica, sem sentimentos, de um homem que perambula no seio social sem se apegar afetivamente a ninguém. A trama assume o tom policial da metade para o meio, quando a identidade e os posteriores crimes que o protagonista assume passam a ser delineados. Excelente atuação de Virginia Leith, como a irmã de Woodward, que também acaba por se envolver com o psicótico homem disposto a tudo para não ser descoberto. Só poderia ter um final mais bem colocado, pois, soa apressado e sem muito esmero.
Bruxa: A Face do Demônio
3.4 22Colapso com as convicções. Produção da Hammer que traz Joan Fontaine como a professora que retorna à Inglaterra após sofrer uma crise nervosa na África, local no qual fragiliza-se por ser atacada por feiticeiros locais - a sequência de abertura é tenebrosa e exibe esse senso macabro. Temos um filme que, primeiramente, não tem pressa em explorar a personagem no seu ambiente de ação: no novo vilarejo do qual consegue um novo emprego, no aparente local de tranquilidade, é que a professora vai observar a manifestação do oculto. Por trás do pacato vilarejo, de crianas dóceis e atitudes bondosas, se escondem pessoas com índoles duvidosas e crenças voltadas ao paganismo - por isso mesmo, as sequências de rituais satânicos são explorados, enquanto Fontaine defende sua personagem com todo protesto dramático de medo e repulsa. A direção investe no drama para depois condicionar o horror mais atmosférico, no diálogo com o senso da bruxaria, ocultismo, a relação da "moralidade cristã" contra o manifesto do paganismo, a força do mal que se mantém "mascarada" num lugar que esconde sua verdadeira natureza. Entretanto, os 10 minutos conclusivos soam frágeis e tiram a índole sombria que foi construída no desenvolvimento, tornando o resultando um tanto alegórico e artificial demais - uma cena de ritual satânico sem muito zelo.
Jackie
3.4 739 Assista Agora"Chega um momento, na busca do homem por um sentido, percebemos que não há respostas. Quando você se deparar com esta terrível e inevitável percepção: ou você aceita ou se mata. Ou simplesmente para de procurar. Eu vivi uma vida abençoada. Entretanto, toda a noite, quando vou para a cama: apago as luzes, contemplo a escuridão e imagino: isso é tudo que existe?"
Quando Desceram As Trevas
3.6 15Fritz Lang destranca as aparências, máscaras e intrigas através do personagem inquieto do Ray Milland: indivíduo que, após sair do períido de internação compulsória em um sanatório, se vê envolvido em uma trama ardilosa que o coloca na mira da espionagem. Lang promove o flerte com o noir, diante do desespero de Milland que tenta provar sua inocência, enquanto se atira num novelo de lã em que é visto como um assassino e espião nazista. A narrativa coloca esses confrontos e caos que desorganiza este protagonista, sob o terreno de uma Inglaterra destroçada pela Segunda Guerra Mundial. O teor de suspense permeia as cenas nesta produção que foi feita a partir de um livro do Graham Greene. Entretanto, peca pelas soluções corriqueiras (um tanto frágeis, se analisadas hoje em dia) e um final abrupto e pouco convincente, destoando da grande proposta que foi construída na primeira meia-hora.
As Bodas de Satã
3.7 77A adoração ao oculto das trevas. Já nos créditos de abertura, através dos símbolos trevosos e imagens de "magia negra" no letreiro, percebemos o efeito que o filme quer. Produção gótica da Hammer Film que traz a imponente figura de Christopher Lee como o Duque de Richleau, um homem que esmiuça e procura os indícios da natureza mórbida para remover da humanidade - sob o terreno da década de 20, no interior do Reino Unido, o Duque descobre que há um culto satânico liderado pelo poderoso Mocata (Charles Gray, gélido e assustador) que domina grande parte da sociedade do povoado. Temos aí um filme que exibe a atmosfera lúgubre, através de cenas onde vemos a caracterização das tais cerimônias: espécie de missas negras, onde evocam a figura do capiroto, nos rituais padrões onde sacrificam bodes para o uso do sangue em banhos, um "batizado maléfico" em que a narrativa usa dos símbolos teatrais dos elementos satânicos para recriar um horror visual. O filme tem a direção firme de Terence Fisher em diálogos que expõem o confronto de ideias entre ciência e doutrinas, além de usar a figura do Lee para mostrar como se confrontam esses medos humanos diante da presença diabólica de algo sobrenatural. Há belas sequências, como na tensa cena em que vemos uma espécie de aranha-gigante projetada que tenta ameaçar o Duque e seus amigos que tentam se proteger num círculo feito com giz no chão. Entretanto, por mais atmosférico que seja, algumas soluções soam artificiais e frágeis, inclusive o tal "confronto entre o bem e o mal" do final, surge previsto.
Sombra Maligna
3.4 6A dúvida que desorganiza. Anne Baxter é a frágil mulher que confronta o receio. Após a morte do irmão em um acidente, um homem de aparência física semelhante chega à sua casa e afirma ser ele. É quando vemos uma narrativa que brinca com a dualidade, as fragilidades e percepções da protagonista, criando a sensação de dúvida no que vemos. O que se esconde por trás das aparências? Richard Todd acentua o tom de mistério e caráter posto em questão, numa atuação gélida e imponente. O que não temos é um filme de terror, mas, um suspense gradual que investe na relação desses dois personagens - seria algo da mente deste mulher? Loucura ou desequilíbrio? Ou, de fato, existe um usurpador que usa da identidade de seu provável irmão morto para cometer alguma atrocidade? A direção assume o pranto melodramático de Baxter em cena, num drama mais latente, com alguns jogos de cenas intrigantes e uma proporção de surpresas no roteiro.
Patrick
3.1 20A observação do medo. O que parece ser um debate sobre a exposição da psicopatia, reserva a surpresa: não trata-se de um terror óbvio, mas, um estudo sobre a manifestação da telecinesia - obviamente, foi no sucesso de obras como "Carrie" do De Palma ou Scanner do Cronenberg, fitas que exploravam essas mescla do sobrenatural com o poder da mente. Temos nosso protagonista, em estado vegetativo, em um hospital psiquiátrico, após assassinar sua mãe e amante (a cena crua e cruel do prólogo). A narrativa de tensão gradual é bem delineada pela direção de Richard Franklin que procura destrancar esse estranho e misterioso personagem masculino aos nossos olhos ansiosos: o que esconde esse paciente tão quieto? É quando a aproximação da enfermeira (Susan Penhaligon, quase uma cópia de Molly Ringwald nos anos 80) com ele mostra que há algo mais oculto no ar. Temos um roteiro que não se curva para sustos fáceis, nem insinuações exageradas para articular seu terror. Muito bem cuidado, a condução das cenas exibe a persona maligna por trás do Patrick, enquanto percebemos que não há nada psicológico neste indivíduo, mas a concreta evidência de um poder extraterreno. O paciente acamado passa a transformar o cotidiano não só da enfermeira, como dos demais do hospital e pessoas próximas a ela, no caos. Há cenas bem tensas em que os efeitos psicocinéticos são externados, onde muitas vezes a sugestão é mais violenta que o grafismo sanguinário. Um trabalho cinematográfico que precisa ser redescoberto.
Demonia
2.6 30Lucio Fulci destranca as memórias demoníacas, através de seu conto perverso das sombras de uma lembrança. 5 freiras mortas por moradores de um povoado puritano-hipócrita. A cena de abertura exibe essa tônica cruel ao mostrar as freiras ensanguentadas e crucificadas ao serem acusadas de assassinar recém-nascidos, adoração ao satã, depravação e luxúria - a relação com a figura de Cristo na cruz não é à toa. Logo somos transportados pra atualidade, onde a narrativa mostra um grupo de arqueólogos que, na Sicília, acabam por libertar os espíritos, antes aprisionados no monastério em ruínas, dessas figuras femininas que habitavam o mundo oculto desde o século XV. Temos aí uma direção que explora, mesmo com problemas na narrativa e formato limitado de situações, o tema do sobrenatural aliado à violência gráfica tão habitual no estilo do cineasta. O uso da Itália como palco de debate sobre a profanação, uma bela ironia já que representa a força do catolicismo. Fulci mostra o encontro dessas figuras sombrias através do olhar da assistente da equipe de escavadores que se liga "espiritualmente" com as freiras - a mulher frágil, loira, dotada de beleza, a típica representação feminina que é "prato cheio" pra se desorganizar no caos mórbido de um filme padrão de terror. O arquétipo padronizado e muito utilizado, um clichê batido. Mesmo com algumas limitações, dá pra embarcar nas situações e atmosfera proposta. Entretanto, a narrativa é frágil em situações onde os personagens aparentam falta de consistência e a protagonista exibe uma atuação muito frágil, pouco convincente. O final soa meio precário e abrupto.
O Diabo Mora Aqui
2.7 64 Assista AgoraProvação da maldade. A natureza mórbida. Dante Vescio e Rodrigo Gasparini promovem o horror, através da História brasileira, com seu conto sobre a essência do perverso humano. A figura mítica ou folclórica, do Barão do Mel, que explorava os escravos com o intuito de subordiná-los aos seus poderes nefastos sobrenaturais. Tais perspectivas do passado são pinceladas na narrativa enquanto mostra quatro jovens numa noite em um casarão colonial. É quando segredos antigos e forças ancestrais são destrancadas - e compreendemos a relação das memórias com a atualidade. Temos aí um roteiro que trabalha as relações de um passado escravocrata e seus resquícios no contemporâneo? Os jovens evocam a maldade antiga, libertando esse "mal centenário", trazendo essas sombras demoníacas, enquanto acabam por desorganizar a aparente tranquilidade noturna: revelando um festival de tensão e sangue no local assombrado. Interessante como, mesmo num gênero tão sufocado, encontramos o esforço da direção em abandonar certos clichês e chavões do gênero, mas embasado na coerência de um bom filme de terror que usa de sustos, da atmosfera psicológica carregada de adrenalina, e situação de opressão entre os jovens que confrontam os "espíritos malignos". E é interessante ver um terror que é feito em cima de nossas lendas urbanas, de sensos históricos afro-brasileiras como a quimbanda. O uso estético é muito bem comandado, com uma montagem inteligente e certos símbolos da direção de arte. Vescio e Gasparini trabalham bem o medo, com um elenco excelente em cena, exemplificando uma carga de loucura coletiva e pânico dentro de um ambiente opressor. Os minutos finais assumem um forte teor de tensão agonizantes, forte clímax. Mais que ver um gênero trabalho com eficiência, é observar que é um filme brasileiro que domina bem tal proposta.
Premonição
3.8 47Lucio Fulci explora os meandros da mente, através de um senso mais psicológico do que voltado ao horror da violência gráfica. Segue a persona fragilizada de uma mulher que passa a ter visões macabras e a se desorganizar no cotidiano. O que seriam essas anormalidades sensoriais? Jennifer O'Neill está bem em cena, através dessa mulher que se convence das visões e acredita que sejam premonições de algo perverso que está por vir. Intrigante por gerar a dúvida em nós: seria loucura ou intuições verdadeiras? O tormento da mulher passa a ser maior quando ela afirma que há um esqueleto que habita a sua parede da casa. Não há, em seu formato, a indução de uma atmosfera tão exposta no "gore", o que se articula é uma simples narrativa mais voltada ao suspense atmosférico. Fulci brinca com as percepções, embasando uma proposta de filme mais voltado pro tom policial e investigativo. Pode ter perdido a força com tantos trabalhos copiados à exaustão, mas capta atenção por intrigar.
Moonlight: Sob a Luz do Luar
4.1 2,4K Assista AgoraJornada intimista de aprendizado, de encontro consigo mesmo, através do indivíduo que carrega em si todos os dilemas e dores. O que vemos é o reflexo do preconceito, do estigma do racismo, mas um discurso que vai além ao demonstrar os meandros da sexualidade do nosso protagonista vitimado pelo sistema social. Em três atos que se complementam, da infância à trajetória adulta, Barry Jenkins não entrega uma narrativa óbvia, mas tudo é tão silencioso quanto o protagonista que trancafia em si seus desejos e vontades. Little, Chirion e Black: os três seres reprimidos, em fases distintas, mas que simbolizam o mesmo: o indivíduo marcado por tantas fragilidades e inaceitação com seus próprios anseios. E se temos uma linguagem naturalista e que muito nos fornece através das entrelinhas, bem de acordo com o caráter rígido e personalidade introspectiva do protagonista, compreendemos esse olhar cinematográfico sobre algo que precisa ser refletido. Afinal, falar sobre intolerância em suas variadas formas é tema necessário. Interessante a simbologia com a figura do mar nos três atos e a relação com ele, como uma espécie de catarse pessoal com os elementos marítimos - não é à toa que temos aquela cena no primeiro ato, em que Mahershala Ali ensina o pequeno a nadar, numa espécie de "batizado" no oceano. Jenkins trata do amadurecimento e da existência deste indivíduo com sutilezas e sensibilidade, onde a luz azulada da fotografia parece simbolizar o estado deprimido desse ser solitário que precisa tomar as rédeas do seu destino diante de suas determinações pessoais.
Loving: Uma História de Amor
3.7 292 Assista AgoraO amor não é movido por cores, padrões e imposições. Não se beneficia por escolhas ou lógicas. O sentimento não se define com o preconceito, nem com o senso da maldade. Amar é sentir a alma do outro de forma imoderada, sem o apego à rótulos impostos por uma civilização marcada por ódios. O que compreendemos, através do olhar sóbrio de Jeff Nichols, é a noção da punição social. A dor é exposta, através da atuação silenciosa, contida e naturalista de Ruth Negga, que carrega todo o peso do preconceito - o fardo de ser negra, mulher e não ter direito às escolhas; uma atuação discreta, mas não menos precisa e contundente. E Joel Edgerton surge como o contraponto, na representação do indivíduo que também sofre pela condição de ser julgado pelo simples ato de amar. O que Nichols promove é a verbalização de um tempo em que a hipocrisia andava de mãos dadas com a violência gratuita; no império do racismo que tolhia e ditava as regras da injustiça; na paralisia da liberdade. E o que mudou de lá para hoje? Observamos diálogos e apelos tão atuais quanto os anseios daquele tempo de 1958. E um filme em que trata o assunto com lucidez, sem nunca exagerar no tom, é pra ser admirado. Não há momento para ser piegas, mas a chance de vermos o quanto crescemos num sistema opressor e afetado pelo regime escravista que deixa seus resquícios pelos caminhos. Ainda há muito pra caminhar...
Alucarda
3.5 217 Assista AgoraProvação do belzebu. Obra orgânica sobre a natureza da maldade. Cru e grotesco. Juan López Moctezuma destranca os horrores do que é tido como perverso, através da figura da jovem que deturpa o convento em que vai morar - logo no prólogo, já vemos seu nascimento; a criatura que vem das trevas, um ser amaldiçoado. A aparente calmaria deste terreno medieval do século XIX se converte em algo tenebroso quando Alucarda mostra que sente-se atraída pelo lado oculto da existência. Temos aí a desconstrução dos sensos do cristianismo em formação dos valores satânicos da protagonista enigmática e sombria, fragilizada, que parece ser "comandada" por uma força oculta. A situação de medo e violência são palpáveis, já que observamos a submersão da jovem em sua jornada maligna em busca de sangue, sexo, prazeres e morbidez - o indivíduo que é possuído por algo sobrenatural. O homoerotismo é presente, também, na aproximação de Alucarda com a inocente Justine que também vai morar no local: a sequência do ritual sanguinário, em que as duas se "iniciam" ao paganismo beira ao "erotismo vampiresco", muitos beijos e trocas de sangue, corpos nus, orgias e figuras animalescas representando os demônios que as influenciam no pacto que selam. Ademais, por mais que a fita fecunde o medo no público, consegue ser um prato cheio para diálogos críticos sobre fanatismo religioso (pois, faz apologia à moral cristã e seus dogmas); ciência e fé; objetos do satanismo e seus símbolos; tolhimento versus repressão feminina e necessidade de liberdade sexual, além de toda a representação erótica-gótica proposta por Moctezuma em seu universo de horror em um filme B. Deve-se ter um olhar menos firme, já que é um filme que se assume na caricatura para externar suas provocações. Clássico gore, atmosférico e lúgubre conto do capiroto.
O Nosso Segredo
3.1 60 Assista AgoraO olhar feminino diante da obra e da vivência de Charles Dickens. Temos as perspectivas da persona defendida por uma Felicity Jones contida em cena, a mulher que se apaixona pela personalidade e poesia masculina do escritor, um Ralph Fiennes carismático. O roteiro exibe as tônicas do sentimento, aproximação do desejo e relação dos dois durante anos. Entretanto, falha na ausência de química entre os dois atores que não conseguem externar essa atração emocional. Para quem não conhece muito sobre a vida e obra de Dickens, parece que a adoção do roteiro em colocá-lo, sempre, alegre e "cordial" em cena, soa artificial. Mas, a direção do próprio Fiennes recria o universo histórico, literário e comportamental daquele período do século antigo - destrancando essa relação amorosa que precisava permanecer no sigilo, por baixo do pano, pra não contrariar a sociedade hipócrita e abalar as convenções sociais. A direção é caprichada e tem cuidados, dando atenção nos planos e concepção de cenas dramática, inclusive. O ritmo lento, tem o acordo com a intimidade do casal. Ademais, temos um belo apuro técnico para conceber a atmosfera daquele período.
O Mestre dos Gênios
3.5 95 Assista AgoraA tentativa de explorar um pouco sobre a vida de um dos mais famosos editores literários. Max Perkins, através da personificação de Colin Firth, um homem que descobriu figuras icônicas como Scott Fitzgerald (Guy Pearce), Ernest Hemingway e Thomas Wolfe (Jude Law, que se destaca mais na narrativa). A biografia traça como estudo o foco na trajetória profissional do editor e suas perspectivas pessoais. O que podemos notar, além da técnica aplicada à criação da atmosfera de época com o fotógrafa cinzento e o figurino belíssimo que situa o período, é a noção da atuação do papel do ofício do editor em relação ao sistema literário e da condução dos escritores para o sucesso posterior. A importância do editor no processo de produção do livro é essencial, sendo que esta além do talento do determinado escritor com processo criativo. E Firth, ainda que tenha um papel formado no roteiro quadrado demais, transmite a firmeza na atuação. Entretanto, tem em cena a fragilidade do Law que acentua o tom canastrão nas cenas em que tenta emular a poética personalidade do ícone Wolfe. O foco do filme centra-se mais nessa relação de editor e escritor entre ambos. Ainda assim, a direção de Michael Grandage tenta tornar a narrativa mais cuidada possível, mesmo não tão envolvente, de acordo com o esmero fotográfico e técnico somados aos diálogos com citações de livros trabalhados ao longo da narrativa. Para quem não conhece sobre a trajetória do editor, serve como um pincelada sobre sua vivência. "Você passa a vida nas páginas dos livros. E esses personagens emergem para falar profundamente com você. Até o fundo da alma. Eles são espelhos."
Animais Noturnos
4.0 2,2K Assista AgoraLeia se você viu o filme:
A culpa tratada como símbolo de dor e de perdas, em duas narrativas intercambiáveis, ambas revelando sentimentos insondáveis, semi esquecidos, abertos. A culpa do Hastings ficcional, por ter sido 'fraco' diante das violências e morte sofridas por esposa e filha; do Hastings real (Edward), por não ter conseguido ser forte o suficiente para permanecer junto da ambígua Susan (mais jovem); e a culpa da própria Susan, com escolhas que tornaram sua vida infeliz, vazia e sozinha.
A intenção é evidente, o roteiro exibe (ou tenta) externar essas intenções, através das camadas. Ford recria o visual com sua habitual plasticidade e técnica - vemos no traço "real", a frieza e tons claros que simbolizam a vida letárgica, infeliz e sem brilho da mecânica Susan - contrapondo-se aos tons fortes e solares do traço "ficcional" para exibir as tônicas da tensão e do universo de suspense que permeia a situação.
Temos a história do ex-marido que decide promover o "tapa na face" na mulher que o abandonou, através de um livro que exorciza suas dores, por isso mesmo a parte "ficcional" se detém a mostrar mulher e filha sendo assassinadas (a alusão que o escritor faz sobre a sua perda dupla, o bebê abortado por Susan e o abandono dela para ficar com outro homem). Não é à toa que o próprio personagem do "livro" é feito pelo Gyllenhaal, mas por que não colocou, também, a Adams pra personificar a esposa? O uso da Isla Fisher é até uma boa sacada, já que ela nos remete à Adams pela semelhança física.
Tudo isso mostra o quanto a Susan está interligada com o livro, o quanto ele a modifica e a transforma. A maneira como ela percebe, ali na ficção, uma relação de diálogo e resposta com o que viveu com o escritor, Edward.
Há certas insinuações na direção de arte (o quadro na parede escrito "Revenge" é um exemplo ou o sofá do 'traço ficcional' onde os corpos da esposa e filha do Hastings é o mesmo onde Susan está quando briga com Edward no 'traço real') e, inclusive, na sobreposição das narrativas (a forma bacana como Susan dialoga com o Hastings do livro, ambos, no banho, deitado na banheira; ou quando a respiração dele, no livro, se intercala com a dela, na realidade). Entretanto, por mais que Ford tente exprimir em seu filme o caráter de lúdico, há um fio condutor na trama que mostra este lado "animalesco" ou "agressivo" entre os personagens, como se existisse um lado cru da maldade sendo exposta. É um filme que lida com a natureza mórbida. Por isso mesmo, a narrativa dá margem à situação cruel que virá a ser descortinada, logo que ela tem o contato com o manuscrito do livro e corta seu dedo quando vai abrí-lo. O sinal que algo doloroso está por vir?
Jake Gyllenhaal mostra-se como o representante da fragilidade masculina ou passividade; Amy Adams, o símbolo da mulher-aparente-perfeita que não a deixa conformada - tanto que sua vida é feita de luxo, no cenário límpido, opaco, na frieza fotográfica, como uma vida artificial do qual ela não se enquadra e se mantém infeliz, no tédio. No livro em que ela lê, a fotografia assume os tons solares, já que temos um tom mais febril. Destaco Michael Shannon em cena como o xerife do "traço ficcional" e mais ainda o trabalho de composição do Aaron Johnson que traz toda a psicopatia no olhar, nos gestos e tons de voz, verbalizando a malícia e o senso da maldade comportamental, de longe o melhor personagem e atuação do filme. Um ser animalesco e de caráter obscuro.
A trilha sonora de Abel Korzeniowski, além de qualquer força atmosférica, um auxílio à narrativa, nos remete aos clássicos Vestida para Matar e Dublê de Corpo, ambos de Brian De Palma, além de um dialogar com Instinto Selvagem, de Paul Verhoeven. Paralela a essas referências, a construção dramática em cima da violência em cima do personagem do Jake Gyllenhaal - tanto no "traço ficcional" e "real", exibe a semelhança com outro filme, o "Sob o Domínio do Medo" de Sam Peckinpah: a natureza harmônica de um lugar e do indivíduo que se quebra com a violência extrema alheia; a fraqueza de um homem diante da crueldade brutal de indivíduos que promovem à violência extrema em seus entes queridos. Só lembrar do Dustin Hoffmann no clássico, tal qual a passividade do personagem do Gyllenhaal. A diferença é que no filme do Peckinpah, temos a vingança exercida de forma mais drástica. Aqui, a vingança verbalizada no "traço ficcional" ecoa e assume consequências na vida real. É essa a intenção.
E, verdade seja dita, quando você entende que o manuscrito simboliza o sofrimento do escritor após ter sido abandonado pela protagonista, você percebe que as metáforas são fáceis: a perda da mulher, do filho, o tempo que ele levou pra superar, etc. A forma como refletimos as situações que tornam o filme um exercício de aprendizado em nós. Um trabalho pra ruminar, refletir, diante de certas subjetividades colocadas. Um conto sobre vingança e como a dor, a redenção e a dificuldade de retomar o prazer na vida, parecem evidentes nos personagens.
A Autópsia
3.3 1,0K Assista AgoraA premissa é altamente intrigante. O medo efetuaria todo sentido, através da trama do pai e filho (Cox e Hirsch) que trabalham num necrotério no interior dos Estados Unidos. Ambos confrontam o inesperado, na rotina que muda, quando recebem o corpo de uma mulher desconhecida - "Jane Doe", do título original do filme, o jargão americano - enviada por um xerife, para a explicação da sua estranha morte. O que poderia render uma narrativa que lida com o psicológico ou mesmo através de sensos sobrenaturais, acaba por render-se a pequenos "jumpscares" e certas emulações padrões dos filmes do gênero. Ainda que a direção se esforce pra criar uma atmosfera sombria e que lida com o mistério do oculto, na figura do cadáver feminino, que, por vezes, parece ganhar vida - através de detalhes e angulações em cima de sua figura rígida deitada na maca de autópsia; o filme acaba por desenvolver-se sem muita surpresa. Cox e Hirsch se esforçam e estão muito bem, entretanto. O primeiro ato é eficiente e interessante, mas quando começa a autópsia em cima do ser misterioso, a narrativa cai na previsibilidade. Uma pena, já que o começo foi bem sofisticado e promissor no traço do medo.
Jovens, Loucos e Rebeldes
3.7 447 Assista AgoraA geração da rebeldia, também o símbolo do que pode ser visto como perdido ou desconexo - jovens no cenário de 1976, no âmbito das drogas e do aflorar da sexualidade, onde a combustão dos anseios e delírios se mesclam às (ausências) de perspectivas. Richard Linklater nos fornece o diálogo não só com a desconstruções dos estereótipos da puberdade, no cenário dentro da escola (por isso, o filme já começa e perdura durante mais de vinte minutos neste ambiente) e pós, para compreendermos esse ambiente de gírias, dilemas e também o que pode ser visto como "revolucionário". Há a tentativa de se produzir algo naturalista em cena. Interessante, também, a referência do título original à música do Led Zeppelin - condizente com a atmosfera rock'n roll dos teenagers. Ainda que sob um verniz narrativo aparente despretensioso, as insinuações sexuais e dos sonhos juvenis conseguem ser expostos, por isso dá pra refletir um pouco sobre o comportamento daquele momento.
Laços de um Crime
3.1 33 Assista AgoraObserva a investigação de um crime ocorrido. A narrativa que revela os fatos e vivências de dois detetives, irmãos e com certas memórias a serem resolvidas, que procuram o verdadeiro assassino. Nada tão diferenciado do formato já explorado em diversos filmes do calibre - como tantos de "serial-killer". Entretanto, o que fica mais intrigante, é como o roteiro ainda tem pequenos sopros diante do obvio: como a relação intimista dos irmãos (Bettany e Strong) e a situação de tensão do processo de caça ao assassino, já que ocorre uma problemática em ação que coloca a ética e situação de risco em evidências diante dos personagens. Aliciado por uma narrativa e direção formatadas no habitual tom "Supercine", ainda assim consegue captar a atenção pelo colapso moral que desenvolve entre os policiais. Mas, a sensação é de que já vimos tudo que é explanado em outras situações, devendo uma ousadia e diferencial no argumento.
Quase 18
3.7 606 Assista AgoraOs dilemas, angústias, instabilidades emocionais e anseios da puberdade. Personificado por uma Hailee Steinfeld segura e maravilhosa em cena, na defesa dessa personagem tão humana e próxima da gente. Cheia de crises emocionais e indagações sentimentais que se extravasam junto com suas espinhas. Curioso como o filme nos remete à identidade dos filmes do John Hughes, ao destrancar o universo da juventude com certos diálogos e tônicas condizentes com os questionamentos e vivências dessa fase. Sexualidade, desejos e fragilidades. O formato é leve, ágil e dinâmico. Mas, reconstrói bem esse período de transição da infância pra maturidade.
À Beira da Loucura
3.6 403 Assista AgoraO medo através do inconsciente. John Carpenter injeta o horror através de uma narrativa com inúmeras camadas. A psiquê e a subjetividade em forma, através do personagem do Sam Neill, o investigador que parte em busca do escritor de livros de terror (referências nítidas ao universo Stephen King) que desapareceu após a conclusão do seu último livro. O que temos é uma história macabra, que investe no labirinto da mente, nas visões e estímulos criados pelas percepções do homem que passa a confundir o que é real e imaginário; sanidade e loucura; num labirinto de insinuações psicológicas. Carpenter brinca e nos brinda com o flerte no onírico do horror, através do flerte com obras do citado Stephen King, à Lovecraft e até resquícios do Os Invasores de Corpos. Submergimos na paranoia e desequilíbrio do protagonista, numa narrativa multifacetada e até com elementos metalinguísticos. O que assusta é constatar que a mente é capaz de nos levar para zonas sombrias e de grande desorganização da percepção, tal qual o personagem: nos atiramos na vertigem. Um deleite assustador.
7 años
3.6 93 Assista AgoraSob o senso teatral, onde a narrativa transcorre, na base de personagens em um único ambiente no "tête-à-tête" - temos um filme que coloca certas indagações sobre os jogos humanos e comunicabilidade. Cinco amigos que se unem em uma noite pra debater situações da empresa em que está em crise financeira e que terão que explorar um senso comum: achar uma solução para que não haja a ruína. Vemos aí projeções intelectuais e diálogos que tenta desconstruir cada um dos personagens, dando vazão às personalidades e motivações. Ainda que a direção se esforce no espaço, tendo bons enquadramentos e movimentações em cena, o elenco parece, por vezes, inseguro e carece de melhores talentos. Há momentos em que os atores parecem respirar um artificialismo exagerado e que não funciona. Ainda assim, o roteiro é inteligente e articula bem insinuações sobre ética e profissionalismo.
Manchester à Beira-Mar
3.8 1,4K Assista AgoraConfronte seus demônios internos. É difícil juntar os cacos quando se quebram no chão das desilusões do destino. Retomar as dores do passado, árdua respiração diante de marcas na alma. Cicatrizes que ainda geram incômodos. É difícil esquecer certos traumas que ainda ecoam na atualidade. Por trás da letargia, dos olhos entristecidos, a voz quase sufocada, na face cansada de olhos marejados - temos o homem que volta às origens de sua cidade e precisa retomar o fôlego perdido em algum tempo de outrora. Não é à toa que a direção de Kenneth Lonergan não tem pressa em destrancar os segredos e as fragilidades desse indivíduo marcado pelo passado, numa angustia constante que o impede de impulsionar sua vida aos contornos emotivos. Seu estado de frieza e solidão reflete na fotografia pálida e fria do filme, como um símbolo do estado de sua alma gélida e embrutecida pela dor. Aí reside o trunfo, um belo roteiro humano que utiliza-se de diálogos naturais, e também silêncios, para fugir do hábito comum do melodrama barato. Temos um conto sobre perdas e danos; uma tragédia familiar; um estudo de personagem. E o verniz melancólico é presente não só na narrativa, como na contundente atuação de Casey Affleck que entende os dilemas e inquietações de seu indivíduo que parece não se recompor tanto físico quanto emocionalmente. Seu jeito introspectivo logo se confronta com o turbilhão de emoção que parece querer romper a barreira de sua insistente rigidez. Um ser depressivo que exibe as feridas que o tempo não curou. A voz presa na garganta, o semblante apático, as olheiras na face, a postura curvada, o andar devagar, como se houvesse uma pedra nas costas, afundando-o nos próprios gritos internos. Um filme que expõe como é difícil estabelecer em nós o luto, a agonia da saudade, a dor que impede de caminharmos para qualquer noção de felicidade aparente. É difícil lidar com as memórias tão cruéis que a vida impõe, nem todos conseguem seguir em frente. Triste e plenamente belo trabalho cinematográfico.
A Chegada
4.2 3,4K Assista AgoraA busca pelo diálogo, significados e sentidos existenciais. O contato que se estabelece com o que é visto como um mistério. Mais que centrar as discussões na relação terrestre com o oculto do espaço, temos um filme que exibe, dentro de sua narrativa, questões tão profundas sobre a natureza humana - não é à toa que a protagonista seja desconstruída de forma tão pessoal, intimista e precisa através de um roteiro que brinca com o sensorial, com a subjetividade, com o invisível. Não trata-se, apenas, de um senso sci-fi: mas, um drama sobre dilemas e sentidos humanos. Por isso, surge na defesa, uma Amy Adams entregue em olhos, gestos e vozes corporais, na atuação completa, o feminino que se divide no tempo, no eco, nas perguntas e nas respostas perante à existencialidade. Uma atuação tão de acordo com a personalidade minimalista impressa na direção de Dennis Villeneuve que questiona não só a ciência versus o filosófico, mas vai além na maneira como mostra que a linguagem, hoje, dita o mundo e também o dilacera. O que parece um "quebra-cabeça" narrativo, por fim se mostra até simples em sua mensagem, mas não menos contundente. É um filme muito mais pra sentir, por ser sensitivo. Com uma atmosfera densa, por vezes angustiante, e em outras soando lúdica, Villeneuve promove a reflexão através de seu ato de indagação contra este mundo atual: o indivíduo que falha na comunicação com o próximo, que tem dificuldade em dialogar e permanece na zona da distância por pecar na interação com o próximo.