É fácil detestar adolescentes. Detestar seus gostos, seus comportamentos, tudo que eles representam. Ao mesmo tempo, dificilmente podemos dizer que não nos envergonhamos de algo em nós nessa fase. Tudo Sobre Lily Chou-Chou escancara o pior do adolescer, mas toca em verdades que eu não lembro de outro filme alcançar.
A relação desses jovens com o mundo virtual é um grande acerto. A busca por uma comunidade que os possibilite se encontrar, se acolher, significar suas vivências por um interesse compartilhado... O virtual aqui, é porta que os permite elaborar tudo que vivem, é espaço para preencher o "eter" com linguagem, dar cores aos álbuns, aos momentos vividos e ao próprio filme. Outro acerto está em ancorar tudo na música, que contrapõe até o abismo dos momentos mais insuportáveis com beleza. Abismo que é repetidamente retratado na realidade desses jovens, mas que se confirma quando mesmo a comunidade acolhedora se mostra ilusória.
O incomodo é onde mora os acertos do filme, mas é também o que o torna duríssimo de assistir. Ainda assim, sinto que é elevando as pulsões destrutivas desses adolescentes a última potência que Iwai consegue nos lembrar que só é fácil detestar adolescentes, porque tendemos a esquecer que não há nada de muito fácil em ser um.
Contradições, ciclos e crises vitais que se alimentam e retroalimentam, definem para mim esse filme. Uma perdida jovem e um palhaço envelhecendo; adolescer, adoecer, envelhecer, se despedir... O encontro grandioso de todos esses conflitos é o que os movimenta para fazer nascer essa obra.
Gosto da ideia de que estamos fadados a não desejar o que já temos. Calvero tenta lecionar Terry, revelar para ela a faceta de absurdo, que existe em uma jovem buscando suicídio e fazê-la enxergar a vida como um valor em si. Para isso faz a declaração: “A vida é sobre desejo, não sobre sentido”. Porém, tudo que Terry tem é a vida, e portanto ela está fadada a não desejar viver, enquanto não encontrar coragem e imaginação para desejar outras coisas.
Ao mesmo tempo, Calvero vive seu declínio, sua despedida e seu descaracterizar-se. Todos esses temas permeiam o longa, sendo que o último é condensado em uma belíssima cena, em que Calvero retira a maquiagem, após uma apresentação que fracassou. Terry supera a incerteza paralisante e volta a dançar por ele, não pelos seus sermões, mas porque Calvero necessitava dela, como ela dele. No teste para o ballet, Calvero a assiste. Observa esse potencial que desabrocha de uma posição de invisibilidade tal, que todos deixam o palco sem reconhecer sua presença e desligam as luzes.
Muitas são as reflexões que Chaplin traz para os conflitos de um artista que se despede. A exemplo da imagem de um Calvero envelhecido em frente a sua foto jovem e depois entre essa mesma foto e a foto de seu personagem. Jovem ele foi potencial, como Terry, em seu personagem ele foi fato e agora velho ele vive o luto dessas duas figuras. Ao mesmo tempo ele fala que sempre buscou a verdade. O paradoxo da busca incessante de verdade em uma representação artística. Diz, ainda, que odeia o teatro, porém reconhece que não pode renunciar a arte, ao dizer que também odeia a visão de sangue, mas que o sangue circula em suas veias.
No fim Terry encontra muito o que desejar e a que se apegar e Calvero faz sua última grande apresentação, seu desapego final do público, da arte, da vida.
O filme tem tudo o que mais incomoda uma pessoa que odeia musicais. Um romance adolescente em um cenário supersaturado e tudo inteiramente cantado. Se mesmo muitas dessas pessoas acabam se rendendo a esse filme, imagina pra quem já ama o gênero como eu?
É talvez a mais incrível demonstração do que abraçar os elementos do gênero musical podem gerar. Esse mundo technocolor, todo regido por belas e coloridas composições imagéticas e notas musicais, te envolve e te seduz, de forma completamente imersiva, em uma hora e meia em que nada mais existe se não o romance de Geneviève e Guy.
Em meio a toda essa fantasia, a obra ainda é autorreferencial, metalinguística e autoconsciente, sem cair em um desdém às convenções do gênero. Aqui mesmo o curso mais realista dos destinos das personagens ou grandes tristezas ganham beleza. Esse filme é um presente em sua realidade tão deliciosamente singular e já quero revisitar.
p.s.: Perdi a conta de quantas vezes arrepiei inteira, mas basicamente todas as vezes que tocou a música tema. Aqui meu agradecimento a Michel Legrand.
Ao descrever sua dança, em 1922, Isadora disse: "Se minha arte é simbólica, então é símbolo da liberdade feminina". Estamos falando de uma mulher que é colocada junto a Nietzsche como "reavaliadora dos valores cristãos". O tamanho de sua ousadia em libertar a dança de espartilhos, de sapatilhas e dos passos clássicos, simplesmente não é capturado por esse longa. É difícil conceber que essa mulher que vemos no filme, dançando livre como uma criança, possa ter essa importância... Que estamos assistindo uma representação de quem foi precursora para toda a dança moderna.
Vanessa Redgrave é a melhor parte do filme de longe, com sua forte performance. Os outros pontos altos do filme para mim foram entre as sequências com ela lendo as cartas e a memória quase onírica da morte dos filhos e a sequência final. Mas, infelizmente, os bons momentos são isso - momentos isolados.
Para uma biografia, considero acima da média. Mas tendo em mãos uma artista que desafiou tanto com sua arte, é uma pena que o filme nunca se afaste o suficiente do básico.
O filme não me ganhou logo de início, porque eu ficava esperando que ele fosse por caminhos que ele não ía. Aos poucos ficou claro a potência inigualável do que eu estava assistindo e a habilidade do diretor, que sabia exatamente o que mostrar para realizar esse filme.
Gena Rowlands sustenta uma das maiores performances já vistas, retratando essa mulher vibrante, autêntica, carismática e psicologicamente instável. Consigo pensar tantos personagens cuja a loucura é uma ferramenta para eles realizarem um grande feito ou forma de oferecer ao público um show. Por si, essas representações não são ruins, mas podem ser estigmatizantes. Cassavetes apresenta um olhar revigorante nesse sentido.
Aqui, nós simpatizamos e torcemos pela protagonista, enquanto somos expostos ao profundo da sua psiquê. Sem adoçar, romantizar ou suavizar nada. Todas as interações vêm com um peso, um desconforto, é como se o diretor estivesse segurando nossa cabeça pra que a gente encare aquilo que queremos esconder, intitucionalizar ou fingir que não existe no dia-a-dia. Cassavetes faz isso sem nunca tornar o filme manipulativo, nunca parece que ele tá se aproveitando do sofrimento da personagem para nos oferecer um espetáculo.
Não lembro de ver no cinema nenhuma representação de doença mental e não-conformidade como essa. Nem mesmo lembro de uma represenção tão crua das dinâmicas de uma família. Nas palavras da psicanalista Maria Lucia Homem, família é "um caldeirão maravilhoso de muitas ideias, muitas pulsões e muita loucura" e é o que nos é escancarado aqui: um espaço doméstico cheio de tensões e de pessoas verdadeiras e falhas, retratados em sua complexidade e sem julgamentos. E isso é agonizante e desconfortável, porque é verossímil.
Com poucos minutos de filme e tu já sabe que está vendo algo especial. Poderia tentar trazer uma análise de como esse filme, com profundidade, beleza, mas também crueza, escancara as falhas humanas; mas sinto que seria um exercício fútil. Não existem em mim palavras que reproduzam infimamente o que acabei de assistir. Não só não há nenhum problema nisso, como é mais uma conquista desse belo filme.
Por que esse filme tão simples está me fazendo passar trabalho para organizar os mil sentimentos que ele me trouxe? Não sei, mas aqui estou, analizando demais e escrevendo delírios mais uma vez.
Sou uma iniciante em Claire Denis, esse é o segundo longa que assisto dela e já amo esse lirismo aconchegante que ela constrói.
O filme inicia mostrando os pertences empacotados de Laure, a rotina carregada do que são os últimos momentos dela no apartamento e, então, o chaveiro que diz " 'Nossa casa' amanhã - François". Esses momentos são alternados com paisagens, construções e telhados de Paris, junto de notas musicais melancólicas, que transmitem uma rigidez frigida e, de certa forma, opressora ao ambiente.
Laure então se destina a um jantar com amigos, mas devido a uma greve nos transportes públicos, o trânsito está parado. Mais uma vez, sentimos o exterior pesando sobre a protagonista. É então que ela ouve no rádio o que movimenta o filme: "A cidade está sufocando, todos estão exaustos. Em tempos como este, precisamos ser caridosos uns com os outros, experimente dar carona".
Não muito depois, Laure encontra Jean. Ele não se importa com onde a carona vai o levar, pouco nos é dito sobre sua personalidade e nada sobre sua vida, mas sua segurança quebra a atmosfera insípida que se mantinha até então. Laure decide ligar para avisar a amiga que não irá ao jantar, Jean parece ter sumido com o carro, para então surgir e levar Laure em uma imprudente corrida no carro. Essa substituição brusca da monotonia amedronta-a, ela pede para que Jean pare e ele vai embora.
A ameaça da perda como geradora de determinação é um clássico, e nem por isso se torna menos verdade. Ela encontra Jean novamente. Agora, é firmeza e antecipação que substituiem a quietude da solidão. Solidão que existe para Laure mesmo na companhia. O chaveiro e a ideia de "nossa casa" parecem um tipo de opressão diferente, e ao mesmo tempo, tão igual ao isolamento. Enquanto com Jean ela se oferece em busca de uma companhia que realmente a tire da quietude, mesmo que temporariamente.
Os próximos momentos são pura inquietação, a trilha é mais vibrante e a montagem traz o efeito fragmentador da antecipação: uma troca de chave na mão, pés na escada, números de quartos, texturas, olhares, o ligar e desligar de um interruptor, tudo sem nenhum enquadramento amplo; não há serenidade para nor permitir ver o todo.
O filme também me fez contemplar um paradoxo: de um lado, o desconforto absoluto da incerteza de ser querida; do outro, a busca de um efêmero amparo... a incerteza é necessária para gerar a excitação ansiosa que culmina no amparo. Amparo que é efêmero, porque, quando demais, pode transfigurar-se em um "nosso lar" aprisionante.
Sobre isso, reflito ainda, que me parece fútil analisar se existiu verdade em um encontro depois que ele já ocorreu. Antes do encontro, alguma dúvida alimenta o desejo; durante, a entrega vem de acreditar que há essa verdade; e depois... depois não importa mais. Isso pode se tornar ciclico, ou parar aí.
Laure vestindo as roupas de Jean, enfim assumindo uma posição de maior domínio, e vendo a cidade em um tom menos melancólico pela primeira vez no filme, me foi bastante belo. Não sabemos se foram tiradas lições desse episódio ou o que a protagonista fará a partir daí. Mas algum peso foi liberto. Dela, e de mim.
Se em Deus e o Diabo na Terra do Sol temos retrada a limitação do messianismo e do cangaço na mudança social, aqui a jornada de Antônio das Mortes nos oferece a resolução.
Santa Barbara é a motivação de mudança para Antônio, mas ele não se limita a contemplar discursos sem soluções concretas como Manuel seguindo Sebastião. Aqui o remorço pela morte de Coirana leva Antônio a tomar frente e enfrentar os jagunços. Por fim, a lança de cego Antão, como um santo guerreiro, perfura o peito do coronel em um dos momentos mais catárticos que tive com o cinema brasileiro.
"Espero que o sinhô tenha tirado uma lição, que assim mal dividido esse mundo anda errado; Que a terra é do homem, num é de Deus nem do Diabo"
"- Aí eu fui na fazenda do coiteiro que traiu Virgulino e cortei onze cabeça a facão. Depois enfiei tudo num saco e mandei de presente pro delegado, com um bilhete escrito à sangue. Era o meu troco, pra mostrar pra eles que eu tava na guerra pra vingar Lampião. Mas a cabroreira deu pra trás, cego Júlio. E eu fiquei sozinho..."
Esse é um registro do dia em que Glauber Rocha me ganhou mediante sua representação do messianismo e do cangaço: cada lado ao seu jeito e com suas falhas, mas ambos desejando e prometendo um mundo em que o sertão vire mar, e o mar vire sertão..
Vou dar 5 estrelas, porque pra mim esse filme merece tanto cult following quanto The Room tem: ambos resultado de uma visão artística grandiosa que saiu do controle e entrou em território absurdo.
Aqui, porém, não é só na visão do diretor que recai culpa, mas também no que deu inpiração para o filme: o Best-seller de mesmo nome, escrito por Jacqueline Susann, após a autora falhar na carreira de atriz. Jacqueline conhecia as pessoas sobre quem estava escrevendo pessoalmente e também pelo seu marido, um assessor de imprensa no período. O livro não escondeu a identidade das celebridades que serviram de inpiração para a história e elevou esse "fofocalizando no sbt" à milésima potencia, resultando, então, no que o filme viria a ser: um desastre de crítica e um sucesso de público.
Entra Mark Robson, com a intenção de fazer desse filme uma análise séria sobre as duras realidades por trás do glamour do mundo das celebridades. Ainda bem que ele fez isso, porque as melhores breguices são as que não sabem que estão sendo bregas. Foi esse esforço do diretor que nos deu o melhor desse filme: observar a busca pela seriedade no que é basicamente uma revista de fofoca com uma história desconexa, teatral, com péssimas atuações, com um tom melodramático e novelesco, recheado de uso de drogas ("dolls"), penteados imensos e impecáveis, números musicais e insinuações de sexo. Fascinantemente, resultando na melhor bilheteria de 1967.
Minhas cenas favoritas são Anne triste deitada de roupas na beira do mar e ela indo embora da própria casa quando rejeita a proposta de casamento de Lyon, saindo para caminhar na neve sem calçado/roupa adequada e escolhendo um graveto para brincar. Porém, a quantidade de momentos maravilhosamente ruins me dá a certeza que, na próxima vez que eu assistir, escolherei outras cenas igualmente tenebrosas.
Parecia que o filme teria algo a falar sobre como patologizamos comportamentos de acordo com a moral vigente, algo a criticar frente aos mil disturbios comportamentais nos quais qualquer um poderia se encaixar, algo para analisar em como a sociedade prefere intitucionalizar e esconder aqueles que vivem com doenças mentais...
No lugar disso, o filme tece a dicotomia "crazy" x "not crazy", destaque a uma das cenas de maior carga emocional do filme com a enfermeira Valerie dizendo a Susanna não é louca, mas “uma preguiçosa e auto-indulgente garotinha, que está se deixando louca”. A cena é toda carregada para nos levar a concordar com Valerie, mas, analisando melhor, soa muito como alguns discursos que deslegitimam doenças mentais: “se esforce mais”, “escolha ficar bem”, etc...
E é frente a esse posicionamento que o filme evolui. Susanna, é estabelecida como "não louca" pelo contraste: ela não esconde ossos de galinha em baixo da cama, não se corta, não precisa ser contida em camisa de força ou de choques elétricos. Temos, pintado para nós, um mundo onde podemos perceber claramente quem é doente e quem é são, enquanto questiona a legitimidade da doença mental de Susanna. A protagonista está apenas um pouco confusa e deprimida e disso ela poderá se curar, desde que ela escolha entrar em conformidade com a sociedade.
Finalizamos o filme com Susanna dizendo que "desperdiçou um ano da vida" na instituição, dizendo que está recuperada de um disturbio de personalidade borderline (diagnóstico altamente questionável e pouco confrontado pelo filme), percebendo (enquando assiste Dorothy bater seus sapatos de ruby) que o poder se recuperar sempre esteve com ela, passando maquiagem no rosto e pintando as unhas de Lisa enquanto fala que ela pode escolher se recuperar também.
Final que é a epítome do posicionamento do filme: doença mental como uma escolha. Garota, interrompida ignora que, na prática, a escolha não está em "decidir se curar", mas entre enfrentar o tratamento (muitas vezes pela vida inteira) ou não, pois para muitos indivíduos, a doença mental é uma circunstância, que nada tem a ver com bater calcanhares em sapatos de ruby.
"Ele está louco? Ou estaríamos nós, que conseguimos ficar absolutamente impassíveis a um mundo insano?"
Kurosawa expõe as feridas abertas do Japão Pós-Guerra em um filme que ainda ressoa com a atualidade. A paranoia e o pânico estão na superfície do é, na verdade, uma investigação das motivações humanas. Enquanto a motivação dos "sãos" encontra-se na ganância, na cobiça e no egoísmo, a de Nakajima parece encontrar-se no medo, mas também no seu amor com os próximos à medida que vemos seu esforço em salva-los do que ele enxerga como ameaça.
O visual tão rico desse filme me deixou totalmente extasiada, a câmera frenética, o uso de e abuso de cores vibrantes e do preto e branco, a música sempre muito forte, bela e presente. É através de tudo isso que o diretor nos presenteia com a maravilha de poder assistir uma história de amor fadado ao fracasso com um sorriso no rosto.
p.s. "Remember me Ivanko, at least twice a day. I remember you seven times an hour. And the apple tree's shed its flowers. We had fallen in love as early as children." - essa cena muito provavelmente está entra as minhas preferidas dentre tudo que ja assisti no cinema!
Essa trilogia é uma aula de grandiosidade cinematográfica ao tratar a guerra sem glorificar batalhas, ações altruístas de soldados, nações ou ideologias.
Nesse último filme a lição de Terada é transposta para o telespectador, nos levando a confrontar que, sem as montagens hollyhoodianas (vide cena de 1917 com Schofield correndo em sua missão edificante entre as bombas), realmente não há nenhuma glória em morrer no campo de batalha;
também não há glória na luta pela sobrevivencia e comida como desertor, nem mesmo em seguir instituições/ ideologias / nações;
além disso, o destino das mulheres traz facetas ainda mais crueis. A conjuntura que as coloca em posição dependente de figuras masculinas - "não finja entender coisas que não entende. Ela não deseja você ou eu, apenas proteção masculina" -, é mais uma questão complexa e confrontada com coragem e profundidade pelo diretor.
Kobayashi irá te arrancar até a última esperança com esse épico, mas é importante que nós possamos aprender encarar o abismo e bancar a angústia da condição humana.
Não sei explicar como que fui tão profundamente tocada por esse filme... Preciso falar sobre! Mesmo que qualquer comentário que eu possa deixar vá ser ~ muito mais que um pouco ~ tendencioso. Outras versões conseguiram me emocionar em partes, mas essa "hits close to home" como nenhuma das anteriores e estou infinitamente feliz que ela existe!
Há um limite para quantas vezes pode-se adaptar little women sem mudanças significativas na história do livro e a mudança dessa versão parece mais acertada cada vez que pesquiso mais sobre...
Louisa May Alcott declarou que não desejava casar Jo ao final do livro (inaceitável para a época) e ao ceder colocou o personagem do Prof. Bhaer por achar que seria engraçado ela casar com alguém que aparece do nada - "i didn't dare to refuse and out of perversity went and made a funny match for her"! 1968 e olha a audácia dessa mulheeerrrr!!!!!!!
Nós aqui ficamos mais de 150 anos tentando justificar o "par amoroso" de Jo, fazendo adaptações (4 filmes + séries e até um anime) em que ELE ficava mais aceitável, dando pra ELE mais desenvolvimento!!!! Estou absolutamente em choque enquanto percebo onde estava o erro esse tempo todo: ele nunca devia ter importado!
Greta faz um trabalho perfeito tirando todas as contribuições do Prof. Bhaer para a história: Jo se apresenta sozinha às óperas, ele não encoraja ela a escrever sobre ela mesma (ela chega isso tanto com um empurrão de Beth quanto com uma jornada pessoal), ela não depende das criticas dele e ela publica o livro sozinha! A cena da Jo negociando o livro e dando um risinho quando aceita casar a protagonista me fez lembrar disso: Bhaer é uma concessão e uma brincadeira para o livro e assim o devia ser para o filme!
O resto das exigencias de Jo na negociação são mais um presente de realidade sobre Louisa: o filme apresenta o acordo que a autora conseguiu e que possibilitou que ela sustentasse sua família pelo resto da vida sem se casar... exigencias aceitas, pois não acreditavam que o livro de uma mulher faria sucesso... e aqui estamos: adaptando essa obra de 1868, dessa vez de forma mais justificada de nunca: Obrigada Greta!
Sausage-fest propagandista, manipulativo, cheio de personagem caricato e nem as corridas funcionaram para mim... não consegui me importar e tô pronta pra esquecer
Seria tão fácil pular pro hate train, mas assisti mesmo assim e pasmem: foi ok. Calma, aqui vai como que alguém é capaz de não detestar cats: Sou fanática pelo musical original, participei de uma remontagem em uma escola de dança, sei desde os nomes dos personagens de cor até as letras e até trechos das coreografias até hoje (desde 2013).
Então antes que alguém diga: tornar esse filme uma animação para o público infantil é matar a essencia da peça!!! Cats precisa da corporalidade humana, cats É uma peça com um enredo simples e quase tosco, cats é contado apenas com música e dança e humanos agindo como felinos excitados! 95% das criticas direcionadas ao filme são sobre aspectos presentes na peça e que não agradam todos nem mesmo entre os amantes dos musicais da broadway... era a receita para um filme fracassar
Não posso deixar de agradecer a tom hooper por esse presente e por fazer ficar claro porque o formato importa, que existem histórias que não tem a menor chance de serem bem adaptadas para o cinema e também por me dar meu novo rocky horror picture show.
Essa adaptação foi necessária? não, pedida? não, tinha alguma chance de agradar muitas pessoas? não. Mas não vou abandonar o que gostei: As músicas, os bailarinos do Royal Ballet de Londres Francesca Hayward e Steven McRae <3, o macavity de Idris Elba e a decisão de cast mais perfeita com Ian McKellen como Gus the Theatre Cat.
Não espero que ninguém concorde comigo. Nem posso chamar o filme de sem defeitos. Mas é meu lixo e tinha que defendê-lo.
Iniciou com portencial, mas as mudanças de tom não funcionam e parece que o filme só está interessado em permanecer fofo... não deixa de entreter porém
Me convenceu mais que a versão de 1933, foi como um todo uma história mais coesa, sem falar que gosto muito da Kirsten Dunst e da força que suas primeiras personagens tinham, sendo um dos pontos altos dessa versão para mim.
Gosto como desenvolveram a Amy mais que na versão anterior, deram para ela ambição e defeitos. Gostei da ideia de como a Amy e o Laurie catalizam o amadurecimento um do outro, especialmente do Laurie se percebendo como um musico falho e abraçando as responsabilidades da vida. Mas faltou tempo para desenvolver a relação, que no final ficou decepcionante. O romance da Jo com o professor ainda não é perfeito, mas se alguém achou pouco convincente assista o de 1933 e veja uma grande evolução. Estava gostando bastante do filme até a parte em que a Beth morreu, os altos alcançaram mais alto que a versão anterior e estava sendo mais emocionante e convincente. A partir daí todas as proximas decisões ficarem estranhas, atropeladas e a narrativa ficou superficial. Ela escrever sobre a própria história, por si, já seria cringe, mas a montagem dela fazendo isso não me deixou outra alternativa se não críticar o filme.
Agora, esperando a versão da Greta Gerwig com grandes expectativas!
Desserviço aos próprios cristãos. O filme estereotipa tudo que se passa pela frente dele, é preconceituoso e intolerante. E, mesmo não apresentando qualquer argumento convincente, é uma tentativa descarada de converter quem assiste.
Filme impressionante. Acabei de assistir me perguntando como que eu havia demorado tanto para o assistir. A direção de arte impressionante faz com que uma extensa cena de espetáculo se torne um deleite repleto de surrealismo, o uso de Technicolor é hipnotizante, bem como a construção das cenas e as composições de luz e sombra utilizadas para apresentar o personagem Boris Lermontov.
Peço premissão para um desabafo: Assisti The Red Shoes depois de já ter assistido Black Swan e fico pensando que se tivesse o assistido antes não gostaria tanto desse último quanto havia gostado. Ballet e obsessão é só o começo das semelhanças entre esses filmes que ocorrem também entre personagens, conflitos e, o mais interessante, a "story-within-a-story formula" que tanto havia me impressionado em Black Swan. Como bailarina também fico incomodada com a Natalie Portman e toda a controvérsia envolvendo sua dublê. Sei que isso não diminui de forma alguma a qualidade de sua atuação, mas não deixo de ficar desconfortável com todo o marketing para vender o filme, enaltecer a atriz e, de certa forma, mitificar uma conquista que Natalie, na verdade, não alcançou: Se tornar uma bailarina, de nível profissional, em um ano. É um insulto. Problema que, por outro lado, The Red Shoes não têm, visto que Moira Shearer é uma belíssima bailarina.
Tudo Sobre Lily Chou-Chou
4.1 59 Assista AgoraÉ fácil detestar adolescentes. Detestar seus gostos, seus comportamentos, tudo que eles representam. Ao mesmo tempo, dificilmente podemos dizer que não nos envergonhamos de algo em nós nessa fase. Tudo Sobre Lily Chou-Chou escancara o pior do adolescer, mas toca em verdades que eu não lembro de outro filme alcançar.
A relação desses jovens com o mundo virtual é um grande acerto. A busca por uma comunidade que os possibilite se encontrar, se acolher, significar suas vivências por um interesse compartilhado... O virtual aqui, é porta que os permite elaborar tudo que vivem, é espaço para preencher o "eter" com linguagem, dar cores aos álbuns, aos momentos vividos e ao próprio filme. Outro acerto está em ancorar tudo na música, que contrapõe até o abismo dos momentos mais insuportáveis com beleza. Abismo que é repetidamente retratado na realidade desses jovens, mas que se confirma quando mesmo a comunidade acolhedora se mostra ilusória.
O incomodo é onde mora os acertos do filme, mas é também o que o torna duríssimo de assistir. Ainda assim, sinto que é elevando as pulsões destrutivas desses adolescentes a última potência que Iwai consegue nos lembrar que só é fácil detestar adolescentes, porque tendemos a esquecer que não há nada de muito fácil em ser um.
Luzes da Ribalta
4.5 280 Assista AgoraContradições, ciclos e crises vitais que se alimentam e retroalimentam, definem para mim esse filme. Uma perdida jovem e um palhaço envelhecendo; adolescer, adoecer, envelhecer, se despedir... O encontro grandioso de todos esses conflitos é o que os movimenta para fazer nascer essa obra.
Gosto da ideia de que estamos fadados a não desejar o que já temos. Calvero tenta lecionar Terry, revelar para ela a faceta de absurdo, que existe em uma jovem buscando suicídio e fazê-la enxergar a vida como um valor em si. Para isso faz a declaração: “A vida é sobre desejo, não sobre sentido”. Porém, tudo que Terry tem é a vida, e portanto ela está fadada a não desejar viver, enquanto não encontrar coragem e imaginação para desejar outras coisas.
Ao mesmo tempo, Calvero vive seu declínio, sua despedida e seu descaracterizar-se. Todos esses temas permeiam o longa, sendo que o último é condensado em uma belíssima cena, em que Calvero retira a maquiagem, após uma apresentação que fracassou. Terry supera a incerteza paralisante e volta a dançar por ele, não pelos seus sermões, mas porque Calvero necessitava dela, como ela dele. No teste para o ballet, Calvero a assiste. Observa esse potencial que desabrocha de uma posição de invisibilidade tal, que todos deixam o palco sem reconhecer sua presença e desligam as luzes.
Muitas são as reflexões que Chaplin traz para os conflitos de um artista que se despede. A exemplo da imagem de um Calvero envelhecido em frente a sua foto jovem e depois entre essa mesma foto e a foto de seu personagem. Jovem ele foi potencial, como Terry, em seu personagem ele foi fato e agora velho ele vive o luto dessas duas figuras. Ao mesmo tempo ele fala que sempre buscou a verdade. O paradoxo da busca incessante de verdade em uma representação artística. Diz, ainda, que odeia o teatro, porém reconhece que não pode renunciar a arte, ao dizer que também odeia a visão de sangue, mas que o sangue circula em suas veias.
No fim Terry encontra muito o que desejar e a que se apegar e Calvero faz sua última grande apresentação, seu desapego final do público, da arte, da vida.
Bow and Finish.
Os Guarda-Chuvas do Amor
3.9 158 Assista AgoraO filme tem tudo o que mais incomoda uma pessoa que odeia musicais. Um romance adolescente em um cenário supersaturado e tudo inteiramente cantado. Se mesmo muitas dessas pessoas acabam se rendendo a esse filme, imagina pra quem já ama o gênero como eu?
É talvez a mais incrível demonstração do que abraçar os elementos do gênero musical podem gerar. Esse mundo technocolor, todo regido por belas e coloridas composições imagéticas e notas musicais, te envolve e te seduz, de forma completamente imersiva, em uma hora e meia em que nada mais existe se não o romance de Geneviève e Guy.
Em meio a toda essa fantasia, a obra ainda é autorreferencial, metalinguística e autoconsciente, sem cair em um desdém às convenções do gênero. Aqui mesmo o curso mais realista dos destinos das personagens ou grandes tristezas ganham beleza. Esse filme é um presente em sua realidade tão deliciosamente singular e já quero revisitar.
p.s.: Perdi a conta de quantas vezes arrepiei inteira, mas basicamente todas as vezes que tocou a música tema. Aqui meu agradecimento a Michel Legrand.
Sonata de Outono
4.5 491"Uma mãe e uma filha: que terrível combinação de sentimentos, confusões e destruições."
Esse filme me destruiu, só sobraram os destroços emocionais na esperança de um dia serem elaborados.
Isadora
3.5 20 Assista AgoraAo descrever sua dança, em 1922, Isadora disse: "Se minha arte é simbólica, então é símbolo da liberdade feminina". Estamos falando de uma mulher que é colocada junto a Nietzsche como "reavaliadora dos valores cristãos". O tamanho de sua ousadia em libertar a dança de espartilhos, de sapatilhas e dos passos clássicos, simplesmente não é capturado por esse longa. É difícil conceber que essa mulher que vemos no filme, dançando livre como uma criança, possa ter essa importância... Que estamos assistindo uma representação de quem foi precursora para toda a dança moderna.
Vanessa Redgrave é a melhor parte do filme de longe, com sua forte performance. Os outros pontos altos do filme para mim foram entre as sequências com ela lendo as cartas e a memória quase onírica da morte dos filhos e a sequência final. Mas, infelizmente, os bons momentos são isso - momentos isolados.
Para uma biografia, considero acima da média. Mas tendo em mãos uma artista que desafiou tanto com sua arte, é uma pena que o filme nunca se afaste o suficiente do básico.
Uma Mulher Sob Influência
4.3 159 Assista AgoraO filme não me ganhou logo de início, porque eu ficava esperando que ele fosse por caminhos que ele não ía. Aos poucos ficou claro a potência inigualável do que eu estava assistindo e a habilidade do diretor, que sabia exatamente o que mostrar para realizar esse filme.
Gena Rowlands sustenta uma das maiores performances já vistas, retratando essa mulher vibrante, autêntica, carismática e psicologicamente instável. Consigo pensar tantos personagens cuja a loucura é uma ferramenta para eles realizarem um grande feito ou forma de oferecer ao público um show. Por si, essas representações não são ruins, mas podem ser estigmatizantes. Cassavetes apresenta um olhar revigorante nesse sentido.
Aqui, nós simpatizamos e torcemos pela protagonista, enquanto somos expostos ao profundo da sua psiquê. Sem adoçar, romantizar ou suavizar nada. Todas as interações vêm com um peso, um desconforto, é como se o diretor estivesse segurando nossa cabeça pra que a gente encare aquilo que queremos esconder, intitucionalizar ou fingir que não existe no dia-a-dia. Cassavetes faz isso sem nunca tornar o filme manipulativo, nunca parece que ele tá se aproveitando do sofrimento da personagem para nos oferecer um espetáculo.
Não lembro de ver no cinema nenhuma representação de doença mental e não-conformidade como essa. Nem mesmo lembro de uma represenção tão crua das dinâmicas de uma família. Nas palavras da psicanalista Maria Lucia Homem, família é "um caldeirão maravilhoso de muitas ideias, muitas pulsões e muita loucura" e é o que nos é escancarado aqui: um espaço doméstico cheio de tensões e de pessoas verdadeiras e falhas, retratados em sua complexidade e sem julgamentos. E isso é agonizante e desconfortável, porque é verossímil.
Primavera, Verão, Outono, Inverno e... Primavera
4.3 377Com poucos minutos de filme e tu já sabe que está vendo algo especial. Poderia tentar trazer uma análise de como esse filme, com profundidade, beleza, mas também crueza, escancara as falhas humanas; mas sinto que seria um exercício fútil. Não existem em mim palavras que reproduzam infimamente o que acabei de assistir. Não só não há nenhum problema nisso, como é mais uma conquista desse belo filme.
Sexta-feira à noite
3.6 7Por que esse filme tão simples está me fazendo passar trabalho para organizar os mil sentimentos que ele me trouxe? Não sei, mas aqui estou, analizando demais e escrevendo delírios mais uma vez.
Sou uma iniciante em Claire Denis, esse é o segundo longa que assisto dela e já amo esse lirismo aconchegante que ela constrói.
O filme inicia mostrando os pertences empacotados de Laure, a rotina carregada do que são os últimos momentos dela no apartamento e, então, o chaveiro que diz " 'Nossa casa' amanhã - François". Esses momentos são alternados com paisagens, construções e telhados de Paris, junto de notas musicais melancólicas, que transmitem uma rigidez frigida e, de certa forma, opressora ao ambiente.
Laure então se destina a um jantar com amigos, mas devido a uma greve nos transportes públicos, o trânsito está parado. Mais uma vez, sentimos o exterior pesando sobre a protagonista. É então que ela ouve no rádio o que movimenta o filme: "A cidade está sufocando, todos estão exaustos. Em tempos como este, precisamos ser caridosos uns com os outros, experimente dar carona".
Não muito depois, Laure encontra Jean. Ele não se importa com onde a carona vai o levar, pouco nos é dito sobre sua personalidade e nada sobre sua vida, mas sua segurança quebra a atmosfera insípida que se mantinha até então. Laure decide ligar para avisar a amiga que não irá ao jantar, Jean parece ter sumido com o carro, para então surgir e levar Laure em uma imprudente corrida no carro. Essa substituição brusca da monotonia amedronta-a, ela pede para que Jean pare e ele vai embora.
A ameaça da perda como geradora de determinação é um clássico, e nem por isso se torna menos verdade. Ela encontra Jean novamente.
Agora, é firmeza e antecipação que substituiem a quietude da solidão. Solidão que existe para Laure mesmo na companhia. O chaveiro e a ideia de "nossa casa" parecem um tipo de opressão diferente, e ao mesmo tempo, tão igual ao isolamento. Enquanto com Jean ela se oferece em busca de uma companhia que realmente a tire da quietude, mesmo que temporariamente.
Os próximos momentos são pura inquietação, a trilha é mais vibrante e a montagem traz o efeito fragmentador da antecipação: uma troca de chave na mão, pés na escada, números de quartos, texturas, olhares, o ligar e desligar de um interruptor, tudo sem nenhum enquadramento amplo; não há serenidade para nor permitir ver o todo.
O filme também me fez contemplar um paradoxo: de um lado, o desconforto absoluto da incerteza de ser querida; do outro, a busca de um efêmero amparo... a incerteza é necessária para gerar a excitação ansiosa que culmina no amparo. Amparo que é efêmero, porque, quando demais, pode transfigurar-se em um "nosso lar" aprisionante.
Sobre isso, reflito ainda, que me parece fútil analisar se existiu verdade em um encontro depois que ele já ocorreu. Antes do encontro, alguma dúvida alimenta o desejo; durante, a entrega vem de acreditar que há essa verdade; e depois... depois não importa mais. Isso pode se tornar ciclico, ou parar aí.
Laure vestindo as roupas de Jean, enfim assumindo uma posição de maior domínio, e vendo a cidade em um tom menos melancólico pela primeira vez no filme, me foi bastante belo. Não sabemos se foram tiradas lições desse episódio ou o que a protagonista fará a partir daí. Mas algum peso foi liberto. Dela, e de mim.
O Dragão da Maldade Contra o Santo Guerreiro
4.1 133 Assista AgoraSe em Deus e o Diabo na Terra do Sol temos retrada a limitação do messianismo e do cangaço na mudança social, aqui a jornada de Antônio das Mortes nos oferece a resolução.
Santa Barbara é a motivação de mudança para Antônio, mas ele não se limita a contemplar discursos sem soluções concretas como Manuel seguindo Sebastião. Aqui o remorço pela morte de Coirana leva Antônio a tomar frente e enfrentar os jagunços. Por fim, a lança de cego Antão, como um santo guerreiro, perfura o peito do coronel em um dos momentos mais catárticos que tive com o cinema brasileiro.
"Espero que o sinhô tenha tirado uma lição, que assim mal dividido esse mundo anda errado; Que a terra é do homem, num é de Deus nem do Diabo"
Deus e o Diabo na Terra do Sol
4.1 426 Assista AgoraDescrobri que, pra minha grata surpresa, Lenine já tinha me iniciado nesse filme:
"- Aí eu fui na fazenda do coiteiro que traiu Virgulino e cortei onze cabeça a facão. Depois enfiei tudo num saco e mandei de presente pro delegado, com um bilhete escrito à sangue. Era o meu troco, pra mostrar pra eles que eu tava na guerra pra vingar Lampião. Mas a cabroreira deu pra trás, cego Júlio. E eu fiquei sozinho..."
Esse é um registro do dia em que Glauber Rocha me ganhou mediante sua representação do messianismo e do cangaço: cada lado ao seu jeito e com suas falhas, mas ambos desejando e prometendo um mundo em que o sertão vire mar, e o mar vire sertão..
O Vale das Bonecas
3.4 57 Assista AgoraVou dar 5 estrelas, porque pra mim esse filme merece tanto cult following quanto The Room tem: ambos resultado de uma visão artística grandiosa que saiu do controle e entrou em território absurdo.
Aqui, porém, não é só na visão do diretor que recai culpa, mas também no que deu inpiração para o filme: o Best-seller de mesmo nome, escrito por Jacqueline Susann, após a autora falhar na carreira de atriz. Jacqueline conhecia as pessoas sobre quem estava escrevendo pessoalmente e também pelo seu marido, um assessor de imprensa no período. O livro não escondeu a identidade das celebridades que serviram de inpiração para a história e elevou esse "fofocalizando no sbt" à milésima potencia, resultando, então, no que o filme viria a ser: um desastre de crítica e um sucesso de público.
Entra Mark Robson, com a intenção de fazer desse filme uma análise séria sobre as duras realidades por trás do glamour do mundo das celebridades. Ainda bem que ele fez isso, porque as melhores breguices são as que não sabem que estão sendo bregas. Foi esse esforço do diretor que nos deu o melhor desse filme: observar a busca pela seriedade no que é basicamente uma revista de fofoca com uma história desconexa, teatral, com péssimas atuações, com um tom melodramático e novelesco, recheado de uso de drogas ("dolls"), penteados imensos e impecáveis, números musicais e insinuações de sexo. Fascinantemente, resultando na melhor bilheteria de 1967.
Minhas cenas favoritas são Anne triste deitada de roupas na beira do mar e ela indo embora da própria casa quando rejeita a proposta de casamento de Lyon, saindo para caminhar na neve sem calçado/roupa adequada e escolhendo um graveto para brincar. Porém, a quantidade de momentos maravilhosamente ruins me dá a certeza que, na próxima vez que eu assistir, escolherei outras cenas igualmente tenebrosas.
Sparkle Neely, Sparkle.
Gilda
4.0 225 Assista AgoraEu e minha casa servimos à Rita Hayworth e cada uma das estrelas que estou dando para esse filme se devem a ela.
Garota, Interrompida
4.1 1,9K Assista AgoraParecia que o filme teria algo a falar sobre como patologizamos comportamentos de acordo com a moral vigente, algo a criticar frente aos mil disturbios comportamentais nos quais qualquer um poderia se encaixar, algo para analisar em como a sociedade prefere intitucionalizar e esconder aqueles que vivem com doenças mentais...
No lugar disso, o filme tece a dicotomia "crazy" x "not crazy", destaque a uma das cenas de maior carga emocional do filme com a enfermeira Valerie dizendo a Susanna não é louca, mas “uma preguiçosa e auto-indulgente garotinha, que está se deixando louca”. A cena é toda carregada para nos levar a concordar com Valerie, mas, analisando melhor, soa muito como alguns discursos que deslegitimam doenças mentais: “se esforce mais”, “escolha ficar bem”, etc...
E é frente a esse posicionamento que o filme evolui. Susanna, é estabelecida como "não louca" pelo contraste: ela não esconde ossos de galinha em baixo da cama, não se corta, não precisa ser contida em camisa de força ou de choques elétricos. Temos, pintado para nós, um mundo onde podemos perceber claramente quem é doente e quem é são, enquanto questiona a legitimidade da doença mental de Susanna. A protagonista está apenas um pouco confusa e deprimida e disso ela poderá se curar, desde que ela escolha entrar em conformidade com a sociedade.
Finalizamos o filme com Susanna dizendo que "desperdiçou um ano da vida" na instituição, dizendo que está recuperada de um disturbio de personalidade borderline (diagnóstico altamente questionável e pouco confrontado pelo filme), percebendo (enquando assiste Dorothy bater seus sapatos de ruby) que o poder se recuperar sempre esteve com ela, passando maquiagem no rosto e pintando as unhas de Lisa enquanto fala que ela pode escolher se recuperar também.
Final que é a epítome do posicionamento do filme: doença mental como uma escolha. Garota, interrompida ignora que, na prática, a escolha não está em "decidir se curar", mas entre enfrentar o tratamento (muitas vezes pela vida inteira) ou não, pois para muitos indivíduos, a doença mental é uma circunstância, que nada tem a ver com bater calcanhares em sapatos de ruby.
Anatomia do Medo
4.2 26"Ele está louco? Ou estaríamos nós, que conseguimos ficar absolutamente impassíveis a um mundo insano?"
Kurosawa expõe as feridas abertas do Japão Pós-Guerra em um filme que ainda ressoa com a atualidade. A paranoia e o pânico estão na superfície do é, na verdade, uma investigação das motivações humanas. Enquanto a motivação dos "sãos" encontra-se na ganância, na cobiça e no egoísmo, a de Nakajima parece encontrar-se no medo, mas também no seu amor com os próximos à medida que vemos seu esforço em salva-los do que ele enxerga como ameaça.
Os Cavalos de Fogo
4.1 36 Assista AgoraConto de amor belíssimo...
O visual tão rico desse filme me deixou totalmente extasiada, a câmera frenética, o uso de e abuso de cores vibrantes e do preto e branco, a música sempre muito forte, bela e presente. É através de tudo isso que o diretor nos presenteia com a maravilha de poder assistir uma história de amor fadado ao fracasso com um sorriso no rosto.
p.s. "Remember me Ivanko, at least twice a day. I remember you seven times an hour. And the apple tree's shed its flowers. We had fallen in love as early as children." - essa cena muito provavelmente está entra as minhas preferidas dentre tudo que ja assisti no cinema!
Pretendo revisitar.
Guerra e Humanidade III: Uma Prece de Soldado
4.5 14Essa trilogia é uma aula de grandiosidade cinematográfica ao tratar a guerra sem glorificar batalhas, ações altruístas de soldados, nações ou ideologias.
Nesse último filme a lição de Terada é transposta para o telespectador, nos levando a confrontar que, sem as montagens hollyhoodianas (vide cena de 1917 com Schofield correndo em sua missão edificante entre as bombas), realmente não há nenhuma glória em morrer no campo de batalha;
também não há glória na luta pela sobrevivencia e comida como desertor, nem mesmo em seguir instituições/ ideologias / nações;
além disso, o destino das mulheres traz facetas ainda mais crueis. A conjuntura que as coloca em posição dependente de figuras masculinas - "não finja entender coisas que não entende. Ela não deseja você ou eu, apenas proteção masculina" -, é mais uma questão complexa e confrontada com coragem e profundidade pelo diretor.
Kobayashi irá te arrancar até a última esperança com esse épico, mas é importante que nós possamos aprender encarar o abismo e bancar a angústia da condição humana.
Adoráveis Mulheres
4.0 975 Assista AgoraNão sei explicar como que fui tão profundamente tocada por esse filme... Preciso falar sobre! Mesmo que qualquer comentário que eu possa deixar vá ser ~ muito mais que um pouco ~ tendencioso. Outras versões conseguiram me emocionar em partes, mas essa "hits close to home" como nenhuma das anteriores e estou infinitamente feliz que ela existe!
Há um limite para quantas vezes pode-se adaptar little women sem mudanças significativas na história do livro e a mudança dessa versão parece mais acertada cada vez que pesquiso mais sobre...
Louisa May Alcott declarou que não desejava casar Jo ao final do livro (inaceitável para a época) e ao ceder colocou o personagem do Prof. Bhaer por achar que seria engraçado ela casar com alguém que aparece do nada - "i didn't dare to refuse and out of perversity went and made a funny match for her"! 1968 e olha a audácia dessa mulheeerrrr!!!!!!!
Nós aqui ficamos mais de 150 anos tentando justificar o "par amoroso" de Jo, fazendo adaptações (4 filmes + séries e até um anime) em que ELE ficava mais aceitável, dando pra ELE mais desenvolvimento!!!! Estou absolutamente em choque enquanto percebo onde estava o erro esse tempo todo: ele nunca devia ter importado!
Greta faz um trabalho perfeito tirando todas as contribuições do Prof. Bhaer para a história: Jo se apresenta sozinha às óperas, ele não encoraja ela a escrever sobre ela mesma (ela chega isso tanto com um empurrão de Beth quanto com uma jornada pessoal), ela não depende das criticas dele e ela publica o livro sozinha! A cena da Jo negociando o livro e dando um risinho quando aceita casar a protagonista me fez lembrar disso: Bhaer é uma concessão e uma brincadeira para o livro e assim o devia ser para o filme!
O resto das exigencias de Jo na negociação são mais um presente de realidade sobre Louisa: o filme apresenta o acordo que a autora conseguiu e que possibilitou que ela sustentasse sua família pelo resto da vida sem se casar... exigencias aceitas, pois não acreditavam que o livro de uma mulher faria sucesso... e aqui estamos: adaptando essa obra de 1868, dessa vez de forma mais justificada de nunca: Obrigada Greta!
Ford vs Ferrari
3.9 712 Assista AgoraSausage-fest propagandista, manipulativo, cheio de personagem caricato e nem as corridas funcionaram para mim... não consegui me importar e tô pronta pra esquecer
Cats
1.7 375 Assista AgoraSeria tão fácil pular pro hate train, mas assisti mesmo assim e pasmem: foi ok.
Calma, aqui vai como que alguém é capaz de não detestar cats: Sou fanática pelo musical original, participei de uma remontagem em uma escola de dança, sei desde os nomes dos personagens de cor até as letras e até trechos das coreografias até hoje (desde 2013).
Então antes que alguém diga: tornar esse filme uma animação para o público infantil é matar a essencia da peça!!! Cats precisa da corporalidade humana, cats É uma peça com um enredo simples e quase tosco, cats é contado apenas com música e dança e humanos agindo como felinos excitados! 95% das criticas direcionadas ao filme são sobre aspectos presentes na peça e que não agradam todos nem mesmo entre os amantes dos musicais da broadway... era a receita para um filme fracassar
Não posso deixar de agradecer a tom hooper por esse presente e por fazer ficar claro porque o formato importa, que existem histórias que não tem a menor chance de serem bem adaptadas para o cinema e também por me dar meu novo rocky horror picture show.
Essa adaptação foi necessária? não, pedida? não, tinha alguma chance de agradar muitas pessoas? não. Mas não vou abandonar o que gostei: As músicas, os bailarinos do Royal Ballet de Londres Francesca Hayward e Steven McRae <3, o macavity de Idris Elba e a decisão de cast mais perfeita com Ian McKellen como Gus the Theatre Cat.
Não espero que ninguém concorde comigo. Nem posso chamar o filme de sem defeitos. Mas é meu lixo e tinha que defendê-lo.
Jojo Rabbit
4.2 1,6K Assista AgoraIniciou com portencial, mas as mudanças de tom não funcionam e parece que o filme só está interessado em permanecer fofo... não deixa de entreter porém
Adoráveis Mulheres
3.8 231 Assista AgoraMe convenceu mais que a versão de 1933, foi como um todo uma história mais coesa, sem falar que gosto muito da Kirsten Dunst e da força que suas primeiras personagens tinham, sendo um dos pontos altos dessa versão para mim.
Gosto como desenvolveram a Amy mais que na versão anterior, deram para ela ambição e defeitos. Gostei da ideia de como a Amy e o Laurie catalizam o amadurecimento um do outro, especialmente do Laurie se percebendo como um musico falho e abraçando as responsabilidades da vida. Mas faltou tempo para desenvolver a relação, que no final ficou decepcionante. O romance da Jo com o professor ainda não é perfeito, mas se alguém achou pouco convincente assista o de 1933 e veja uma grande evolução. Estava gostando bastante do filme até a parte em que a Beth morreu, os altos alcançaram mais alto que a versão anterior e estava sendo mais emocionante e convincente. A partir daí todas as proximas decisões ficarem estranhas, atropeladas e a narrativa ficou superficial. Ela escrever sobre a própria história, por si, já seria cringe, mas a montagem dela fazendo isso não me deixou outra alternativa se não críticar o filme.
Deus Não Está Morto
2.8 1,4K Assista AgoraDesserviço aos próprios cristãos. O filme estereotipa tudo que se passa pela frente dele, é preconceituoso e intolerante. E, mesmo não apresentando qualquer argumento convincente, é uma tentativa descarada de converter quem assiste.
Manhattan
4.1 595 Assista AgoraA belíssima fotografia e os diálogos inteligentes e engraçados ganham o filme, assim como em diversas obras do diretor. Ótimo final.
Os Sapatinhos Vermelhos
4.3 171 Assista AgoraFilme impressionante. Acabei de assistir me perguntando como que eu havia demorado tanto para o assistir. A direção de arte impressionante faz com que uma extensa cena de espetáculo se torne um deleite repleto de surrealismo, o uso de Technicolor é hipnotizante, bem como a construção das cenas e as composições de luz e sombra utilizadas para apresentar o personagem Boris Lermontov.
Peço premissão para um desabafo: Assisti The Red Shoes depois de já ter assistido Black Swan e fico pensando que se tivesse o assistido antes não gostaria tanto desse último quanto havia gostado. Ballet e obsessão é só o começo das semelhanças entre esses filmes que ocorrem também entre personagens, conflitos e, o mais interessante, a "story-within-a-story formula" que tanto havia me impressionado em Black Swan.
Como bailarina também fico incomodada com a Natalie Portman e toda a controvérsia envolvendo sua dublê. Sei que isso não diminui de forma alguma a qualidade de sua atuação, mas não deixo de ficar desconfortável com todo o marketing para vender o filme, enaltecer a atriz e, de certa forma, mitificar uma conquista que Natalie, na verdade, não alcançou: Se tornar uma bailarina, de nível profissional, em um ano. É um insulto. Problema que, por outro lado, The Red Shoes não têm, visto que Moira Shearer é uma belíssima bailarina.