"Maior do que a força de exércitos poderosos é o poder de uma ideia cujo tempo chegou".
É engraçado como as coisas se desenrolam no decorrer da História. Alguém que tenha visto Gattaca na época ou alguns anos após o seu lançamento teria uma posição muito crítica à ciência e veria que a ciência também pode nos levar a algo totalitário e discriminatório, com o perigoso viés de ser a “VERDADE”, a verdade por evidências logo inquestionáveis. Os anos passam, eventos acontecem e tudo vai se adaptando devagar para que exista uma aceitação até o ponto onde não terá mais volta sobre o argumento de que se é ciência então não há discussão. Se você, ao assistir esse filme, pensou “uau... isso seria um absurdo” e conseguiu fazer os paralelos de controle sob o véu científico que vivemos há não muito tempo, você seria o que chamamos de negacionista. Isso é muito engraçado. Aldous Huxley em O Admirável Mundo Novo cria um universo distópico que tem como premissa a ciência e seus avanços para uma sociedade perfeita. Será que aceitaríamos aquilo ou seríamos “negacionistas”? George Orwell em 1984 desenha sua sociedade de controle absoluto e os paralelos a isso estão aí. Philip K. Dick em seu conto Minority Report cria um mundo de bem-estar social sob o véu da verdade científica de uma sociedade onde não haveria mais crimes, pois os mesmos seriam previstos sob uma nova tecnologia com punição pela possibilidade de se fazer algo. O paralelo para hoje é que tudo aquilo seria possível em nome do coletivo e bem comum, mesmo que isso, em tese, acabe com a liberdade do indivíduo. Há não muito tempo também, estávamos numa espécie de “pré-crime sanitário” com incrível aceitação. Hoje, tudo é possível se tiver o apelo da autoridade científica.
É impossível levar este Matrix a sério e tentar tirar algo dele; o próprio filme deixa isso claro no decorrer. É uma sátira e não agrega nada ao que foi construído. Ignora elementos canônicos para ser outra coisa, uma diminuição da obra, uma piada de si mesmo. Lana não queria fazer esse filme, e deixa isso tão explícito que foi colocado num diálogo citando a própria Warner da pressão exercida e que, se não fosse ela, outra pessoa faria. Convenhamos que após esse resultado final seria melhor que outra pessoa tivesse feito mesmo.
Considerar o que foi proposto como parte do universo canônico é deixar a inteligência de lado, a meu ver. Lana fez questão de diminuir e desconfigurar sua obra para uma reinterpretação do que foi construído para se adequar à modernidade e a um ideal que a autora construiu no decorrer de sua trajetória pós-transição de gênero. Pode parecer abjeto, mas Lana não é Larry e Larry não é Lana. Logo, seria meio inevitável que um novo Matrix fosse desconfigurado para o bem ou para o mal, pois ficou nítida sua necessidade em apagar qualquer traço de sua antiga visão do que era Matrix e ressignificá-la a um esforço em destruir qualquer resquício do herói, do messias, elementos míticos religiosos e da luta por algo maior que era algo inerente nos anteriores. Pois Matrix sempre foi sobre a tomada de consciência por parte do indivíduo para uma compreensão do que era o real e, a partir disso, ter a ciência para o que de fato lutar, algo maior que o próprio indivíduo. Todos os anteriores e o primeiro principalmente têm essa premissa, essa tomada de consciência de Neo e seu papel na guerra enquanto escolhido. Porém, aqui não houve interesse algum em acrescentar ou ao menos propor algo além, mas dentro das bases propostas no universo criado na trilogia, aqui se desconfigurou tudo. A profecia deixa de fazer sentido, a jornada do herói construída com Neo não serviu de nada, a escolha já não é algo tão preponderante, pois não existe escolha no binarismo; logo, a escolha fora do "arco-íris" é uma ilusão, além de nos terem oferecido a ideia romântica da imortalidade através da transumanidade sem nenhuma problematização disso. Se Lana queria falar estritamente de amor e seu poder transcendente, que fizesse outro filme sobre, pois o que foi feito aqui foi um desrespeito à própria criação. Infelizmente, aqui toda crítica acaba se perdendo, pois tem o peso de ter sido feita pela própria criadora. Ela intencionalmente quis ressignificar sua obra, o que deixa as coisas ainda piores. A consequência é que o filme não tem peso algum e será esquecido ou lembrado com desgosto por muitos.
Um filme muito bonito, técnica fotográfica impecável, as alternâncias entre cenas claras e mais abertas e outras com planos mais fechados e escuros, junto de um roteiro não linear bem desenvolvido e com uma direção digna deixam o filme com muita personalidade. A estória é repleta de pequenos detalhes, metáforas e transições de uma cena a outra de maneira muito inteligente, dando uma ênfase em cada ponto narrativo proposto, que aos poucos vai fazendo o espectador ligar toda a trama e sentir toda a profundidade de sentimentos que ela carrega.
A princípio podemos até achar ser uma trama de menor valor e “estranha” pela forma de como ela se apresenta, talvez por não existir uma identificação imediata com o nosso protagonista Nasser Ali Khan (Mathieu Amalric), pois ele, a priori, se mostra um tanto excêntrico, incompreendido numa crise de meia idade, dentro de uma vida que talvez não tenha sonhado ser o ideal para si. No entanto, no decorrer do filme vamos sentindo o quão profunda é sua história, sua busca fracassada pela felicidade e sua depressão junto com o ideal de que a morte seria sua única e derradeira solução para o ponto em que se encontrava. E em meio a esse caos existencial, percebemos que não existem culpados para tudo aquilo, apenas encontros, desencontros e causalidades. Nem sempre é possível termos o que queremos, e isso de alguma forma nos afeta, essas frustrações que fazem parte da vida nos permeiam o tempo todo e carregamos isso, e muitos podem chegar ao ponto de renunciar à vida de alguma forma nesse processo. Apenas não nos cabe julgar!
Independente de o filme ser uma adaptação de um mangá de 1990 e mesmo que filmes posteriores possam ter sido inspirados por elementos do próprio mangá, "Alita: Anjo de Combate" enquanto filme é uma grande salada que oferece muito pouco em aspectos narrativos ou algum conflito minimamente interessante digno de ser lembrado. Soa como uma grande receita temperada com um pouco de "Blade Runner" (1982), mas bem de leve, pois muita profundidade não será necessária. Depois, coloque alguma ação usando os elementos de "Rollerball: Os Gladiadores do Futuro" (1975), e para soar um pouco filosófico sobre o que nos faz humanos, mas bem rápido, não se esqueça de "O Homem Bicentenário" (1999) e "A.I. Inteligência Artificial" (2001). Misture bem e logo mais acrescente os aspectos transumanistas e até de luta de classes de "Elysium" (2013), e por fim, aproveite o embalo e coloque algum elemento ou outro de "Eu, Robô" (2004), "Substitutos" (2009) e até mesmo algo do recente "Vigilante de Amanhã" (Ghost in the Shell, 2017) para ver se da forma na obra. Feito isso, a receita está pronta. Agora é só dar na mão do "nada conhecido" James Cameron para produzir e roteirizar e do então criativo diretor Robert Rodriguez, e boom, temos uma grande produção. Logicamente, o filme é bonito e tecnicamente limpo, porém como resultado final temos essa coisa estranha, superficial, cheio de diálogos fáceis, soluções apressadas, e um romance "água de salsicha". É difícil imaginar algo muito além em uma possível continuação, que ainda bem me parece enterrada!
Coringa, de fato, é um filme impactante, ainda mais para o padrão dos filmes de super-heróis dos últimos anos, onde quase sempre o espectador é tratado como se uma parte de seu cérebro lhe faltasse. Aqui não; para quem poderia esperar algum momento mais explosivo devido às características do personagem nos HQs, no sentido de ação, esse não é o filme. Aqui temos um drama psicológico forte, quase que sem precisar usar o artifício de ter o principal antagonista do Batman. Coringa parece ser um mero chamariz para um contexto maior, onde Todd Phillips deseja que seu filme chegue independente se o personagem vem ou não de algum lugar. Tudo é usado para dar sentido em como alguém depressivo e com tendências psicóticas, com um passado sombrio, subjugado e ignorado, desenvolve a sua raiva, revolta, indiferença e agressividade, expondo de alguma forma o que a sociedade pode fazer com o indivíduo ao ignorá-lo por completo. Gotham City é um lugar perfeito para que essas características sejam acentuadas. Gotham sempre foi um lugar decadente, onde o pior de cada um pode aparecer como resposta ao meio em que se vive, e na construção do filme, isso é óbvio. Philips leva seu filme a uma crítica social clara e intensa em sua narrativa. No entanto, isso não quer dizer que o discurso seja único ou original e, em alguns momentos, soa maniqueísta. Para o objetivo final do qual ele quer chegar, o foco principal é a evolução e construção da psique de Arthur Fleck em Coringa, e é nisso onde está a grandeza do filme. Todos os elementos do filme são usados com maestria. A interpretação de Joaquin Phoenix arrebata e dificilmente perderia seu Oscar. Ele consegue fazer com que não haja uma comparação imediata com Heath Ledger em "O Cavaleiro das Trevas" (The Dark Knight, 2008), como houve com Jared Leto em "Esquadrão Suicida" (Suicide Squad, 2016), pois este filme é uma história de origem e é fácil separar isso.
O tema indivíduo versus sociedade não é algo novo, e isso não quer dizer que seja ultrapassado; muito pelo contrário, o filme é carregado de referências. É impossível não pensar em "Taxi Driver" e a revolta de Travis Bickle (Robert De Niro). O ambiente setentista é o mesmo, e a influência ou homenagem a Scorsese é imensa no visual e na forma, mas não só. Paralelos e comparações do discurso e temática com outros filmes também são grandes, como em "Um dia de Fúria" (Falling Down, 1993), "Assassinos por Natureza" (Natural Born Killers, 1994), "Clube da Luta" (Fight Club, 1999), "Psicopata Americano" (American Psycho, 2000), "Deus Abençoe a América" (God Bless America, 2011) e por aí vai. Talvez o grande momento no embate que o filme poderia ter e não teve foi o discurso final no talk show. Obviamente, isso era esperado em seu terceiro ato, porém, tirando a violência da cena, a meu ver, não foi tão visceral como poderia ser. Por fim, com todas as qualidades que Coringa poderia ter e tem, me incomodou um pouco a sensação da romantização do psicopata ao seu final.
Sempre existiu uma mística e curiosidade sobre o Xadrez por parte do grande público, e o Cinema já abordou o tema em muitos momentos e de diferentes formas. Seja usando o Xadrez como metáfora para uma narrativa superior que vai além da simples mecânica do jogo, nesse aspecto, é impossível não mencionar Ingmar Bergman no maravilhoso O Sétimo Selo (Det Sjunde inseglet, 1957), talvez o filme mais emblemático que tem o Xadrez como tema para contar uma estória. Ou tentando mostrar os aspectos do jogo em si dentro de alguma estória qualquer. Nesse quesito, é possível citar diversos filmes como Face a Face com o Inimigo (Knight Moves, 1992), Lances Inocentes (Searching for Bobby Fischer, 1992), onde o filme, mesmo sendo baseado em fatos reais, usa a própria história de Fischer como referência, como sugere o título original. O Último Lance (The Luzhin Defence, 2000), um drama de época que tenta traçar com mais fidelidade e seriedade os aspectos do jogo e os conflitos entre loucura e genialidade, Revólver (Revolver, 2005), que já é mais corrido e de ação, mas que traz momentos interessantes tendo o Xadrez como pano de fundo, e, por último, o filme Jogada de Rei (Life of a King, 2013), que fala da história de um ex-presidiário que, através do Xadrez, tenta tirar jovens de sua comunidade pobre e violenta do mundo do crime.
Filmes biográficos sobre enxadristas são raros, porque nem sempre é fácil fazer uma narrativa sobre jogadores e ainda trazer todos os aspectos do jogo sem que o filme fique cansativo para o público leigo em relação ao Xadrez. O Dono do Jogo (Pawn Sacrifice, 2014) ganhou vida apenas três anos depois do documentário Bobby Fischer Contra o Mundo (Bobby Fischer Against The World, 2011), que é excelente, mostrando todos os detalhes da vida de Fischer com profundidade, dentro de uma linguagem simples e direta que agrada tanto a quem conhece quanto a quem não conhece o mundo do Xadrez. Vale ressaltar que o roteiro do filme, escrito por Steven Knight, apesar de consistente e dinâmico, fazendo com que a história de Fischer seja convidativa, a base e todos os elementos dele, querendo ou não, estão no documentário de 2011. A narrativa é praticamente da mesma forma, só que, nesse caso, dentro do domínio ficcional, obviamente.
A beleza do filme está na direção de Edward Zwick. A forma como ele dá vida ao roteiro é incrível, pois o roteiro exige que existam elementos documentais e ficcionais, e isso é feito com muita competência, onde tal mescla de domínios tem como resultado final uma ambientação de época muito boa, fazendo com que os momentos decisivos do “Match do Século” tenham uma forte verossimilhança. A fotografia é minimamente pensada para que haja uma imersão, onde se utiliza em várias cenas o plano detalhe para dar ênfase tanto nos momentos de “neuroses” do Fischer quanto nos aspectos do jogo e na pressão psicológica pela qual todo jogador de Xadrez passa em nível de competição, sem que seja necessário o uso de algum artifício a mais para se explicar tais coisas. A interpretação de Tobey Maguire é muito boa, conseguindo ser fiel mesmo aos pequenos detalhes como o jeito de caminhar muito característico de Fischer. O momento do antagonista é bem explorado, e podemos conhecer um pouco quem foi Boris Spassky, do qual o próprio Fischer o definiu como um verdadeiro desportista pelo seu modo calmo, centrado e profissional, sendo muito bem interpretado por Liev Schreiber.
Apesar de o filme ter sido muito coerente com a biografia de Fischer, ter a dimensão exata do que ele representou para o mundo e o Xadrez em especial não é simples. Fischer viveu em uma época onde o computador era apenas um sonho possível, onde programas de Xadrez como Fritz, Stockfish e o tão famoso Deep Blue, que derrotou Garry Kasparov em 1997, eram algo inimaginável. Todo o avanço que ele conseguiu deveu-se a sua genialidade, paixão e obsessão pelo Xadrez. Ele conseguiu ser um grande mestre aos 15 anos, um feito sem precedente para a época. Falar de Bobby Fischer é falar de Xadrez, genialidade, obsessão e insanidade. Falar do “Match do Século” é falar da Guerra Fria e de como um “simples” jogo de tabuleiro parou o mundo naquele momento, pois não se tratava apenas de uma disputa pelo título mundial, mas sim de um confronto ideológico entre duas superpotências. Pela narrativa histórica, se os Estados Unidos usaram Bobby Fischer para fins político-ideológicos contra a União Soviética, que é um fato, os Soviéticos, por sua vez, se apoderaram por completo do Xadrez, fazendo-o um esporte nacional para mostrar sua “superioridade intelectual sobre o ocidente decadente”. Era simplesmente uma máquina estatal que despejava quantidade ilimitada de dinheiro na busca de talentos que servissem de propaganda para o governo comunista.
O Dono do Jogo é um filme obrigatório para qualquer entusiasta e enxadrista, seja ele amador ou não, e uma ótima oportunidade para quem nunca sequer ouviu o nome Bobby Fischer, pois se o Xadrez é o jogo de tabuleiro mais conhecido e jogado no mundo, muito se deveu à existência de Robert James Fischer.
Depois de uma pré-cerimônia e cerimônia altamente politizada do Oscar 2016 com protestos, boicotes e tudo o mais, não foi surpresa Spotlight levar a estatueta de Melhor Filme e Roteiro Original, mas será que ele é tão bom assim comparado com os outros indicados?
Antes de tudo, Spotlight é um grande filme sem dúvidas, nos mostra toda a importância do jornalismo investigativo que é algo crucial em qualquer sistema de governo que se diz “justo e democrático”, ainda mais nos dias atuais onde o jornalismo investigativo parece estar adormecido e Hollywood adora tais histórias, existem grandes filmes abordando a questão, e de imediato as semelhanças de Spotlight com o filme Todos os Homens do Presidente (All the President's Men, 1976) são gritantes, sendo esse último muito superior em quase todos os aspectos. A grande força de Spotlight reside em pegar um tema delicado e uma ferida aberta que foi o escândalo de pedofilia e abuso sexual por sacerdotes católicos a partir da década de 70 acobertados e negligenciados pela Igreja durante décadas, onde tais histórias tiveram grande repercussão em meados dos anos 2000 devido ao trabalho dos jornalistas do qual o filme aborda.
Toda a narrativa do filme é construída pela ótica da investigação jornalística, seja na ambientação do jornal local, reuniões, decisão de pauta, seja nos percalços para se conseguir a grande matéria ou em como tais histórias horrendas de abuso sexuais vão afetando o senso de moral e justiça de cada jornalista e em como eles vão perdendo a crença e o respeito pela instituição Católica a cada nova história de abuso que descobrem. Mas o filme vai além não só mostrando todo o lobby e o esforço da Igreja em não revelar tais casos, coagindo, fazendo acordos judiciais, influenciando membros da comunidade a fazer vista grossa para tais denúncias, e o pior de tudo não punir os sacerdotes acusados. Como também mostra que todo o imperativo moral, isenção e a busca pela verdade que o jornalismo tenta passar pode ser hipócrita. O conteúdo do filme inegavelmente é forte, explosivo, polêmico e indigesto, fazendo-o receber críticas até sendo acusado de ser panfletário, anticatólico e ter agenda anticristã.
No entanto o grande mérito do filme é sua narrativa, pois cinematograficamente apesar de bom filme, bom roteiro e ter um elenco muito interessante sua direção é mediana e não traz lá grandes emoções ou novidades em sua execução, é um filme bem seguro onde o foco principal é relatar, denunciar algo sem muita ousadia ou surpresas. Pois se olharmos para grande parte dos outros indicados para o título de melhor filme de 2015 é notável a diferença no aspecto técnico, como por exemplo, Mad Max Estrada da Fúria (Mad Max: Fury Road, 2015), Ponte dos Espiões (Bridge of Spies, 2015), e um destaque para A Grande Aposta (The Big Short, 2015) um filme rápido, dinâmico com um roteiro e direção muito digna onde em muitos momentos se quebra a quarta parede e através disso o público vai entendendo toda a complexidade da bolha imobiliária de 2008 de forma leve sem que se entranhe tal artifício. E o outro filme talvez o único que poderia ter batido de frente dada as circunstâncias seria O Regresso (The Revenant, 2015) esse sim teria todos os atributos para ser melhor filme, talvez não tenha levado pelo fato de Iñárritu ter ganhado no ano anterior por Birdman (Birdman or The Unexpected Virtue of Ignorance, 2014) e pelo Oscar muitas vezes fazer ganhadores mais por suas qualidades “políticas” do que cinematográficas algo que faz parte da história do Oscar, mas ainda sim O Regresso levou o prêmio de direção nada mais justo, pois é espetacular e o tão esperado Oscar de Leonardo DiCaprio.
A conclusão que fica é Spotlight pode não ter sido o melhor filme de 2015, mas pelo fato de colocar visibilidade em um problema global que é ou que foi o escândalo sexual de sacerdotes católicos acobertados pelo alto clero da Igreja por décadas o fez tornar-se grande independente se tenha ou não todos os requisitos para o título de melhor filme e com isso reservou seu lugar na história do Cinema.
O que despertou minha curiosidade em assistir ao filme de imediato na época foi ver Emilia Clarke num papel bem diferente do que a fez ficar conhecida como sua personagem Daenerys Targaryen, a Khaleesi da série Game of Thrones. Aqui teríamos uma atriz fazendo comédia, o que dizem ser um grande desafio para um ator.
Mas após a novidade inicial, que foi até satisfatória em vários momentos com a atuação "teatral" de Emília Clarke, o filme perde sua força, seja no aspecto narrativo ou na forma como o roteiro ganha vida, tornando-se previsível devido ao tema proposto já ter sido abordado em títulos recentes ao filme na época ou mesmo da primeira década do século XXI. Durante todo o filme, é difícil não fazer comparações com referências anteriores. Logo de cara, é possível lembrar de um filme francês com tema semelhante e também engraçado, como Intocáveis (Intouchables, 2011), onde um dos protagonistas, tetraplégico, decide ser cuidado por alguém aparentemente desqualificado para o serviço, mas que, naquele momento, é o que ele precisa. Surge uma amizade entre os dois, e há uma mudança na relação entre ambos.
A composição da personagem Lou Clark (Emilia Clarke), onde a graça do filme acontece, é competente. É possível perceber a correlação entre os aspectos fotográficos, com muita cor e vários detalhes nos planos e enquadramentos, com a personalidade leve, alegre e "sem noção" da protagonista. Porém, aqui também é possível fazer um paralelo com outro filme, que segue pelo mesmo caminho ao correlacionar um detalhe mais técnico e subjetivo com algo mais profundo da essência de um personagem, como O Fabuloso Destino de Amélie Poulain (Le Fabuleux destin d'Amélie Poulain, 2001).
Conforme a temática do filme se desenvolve por completo ao fim do primeiro ato, fica fácil prever o desenrolar e o desfecho da estória. A estrutura toda meio que se fecha antes mesmo do filme acabar, e não há uma reflexão mais intensa e profunda por parte do personagem Will Traynor (Sam Claflin) sobre seus reais motivos na busca pelo suicídio assistido. Fica difícil entender tal escolha, o que gera uma recusa do grande público em pensar na possibilidade e respeitar tal caminho. Isso nos leva ao filme Mar Adentro (2004), que trata exatamente da busca pelo suicídio assistido/eutanásia e toda a complexidade, motivos e dificuldades da escolha do personagem Ramón Sampedro (Javier Bardem), um filme fantástico, ganhador do Oscar de Melhor Filme Estrangeiro. Devido a isso, o filme se torna apenas mais um do gênero comédia romântica entre tantos outros.
Talvez o mérito do filme, mas sem grandes pretensões, seja a troca de experiências e valores entre Lou e Will. Lou, por sua vez, demonstra que, independente da condição de Will, é possível viver e não apenas sobreviver. Isso fica claro no esforço que ela faz para que ele desista do suicídio (pois a morte de Will era algo certo no ato final, pois sem ela o filme perderia sua capacidade mínima de fazer refletir sobre a questão do suicídio assistido). Por outro lado, Will é convicto em sua decisão, mas ainda assim se permite viver seus últimos momentos com dignidade, com alguém que o surpreendeu e o respeita integralmente além de sua condição. No entanto, o fato de estar “preso” a uma cama e uma cadeira é algo inconcebível para Will devido ao seu estilo de vida antes de se acidentar. Essa decisão é unilateral; não há o que fazer quando alguém simplesmente desiste de algo de maneira pensada, mesmo com os recursos financeiros que ele dispunha. Em contrapartida, essa decisão, apesar de triste e inaceitável até certo ponto, para Lou só a vivifica e a faz viver ainda mais intensamente, ao ponto de sair de sua zona de conforto, mesmo estando feliz em sua pequena cidade do interior. Pois é essa a mensagem que a personagem e o filme tentam passar. A última cena é um tanto emblemática: ela em Paris, o berço da moda, estando em um café com sua meia de abelha bisonha. Isso pode ser uma crítica aos padrões da moda ali tão exaltados, pois ali ela está sendo ela mesma e está feliz, independente do que possam pensar dela.
Oliver Stone é mestre em dirigir grandes filmes políticos como JFK - A Pergunta Que Não Quer Calar (JFK, 1991), antiguerra como Platoon (1986) e Nascido em 4 de Julho (Born on the 4th of July, 1989), ou controversos como The Doors (1991) e Alexandre (Alexander, 2004). É notável sua capacidade e visão para escrever, adaptar e conduzir histórias que muitas vezes podem parecer repetitivas devido à repercussão e ao impacto que outrora tiveram na sociedade e história americana. Seja em seus dois filmes sobre a Guerra do Vietnã, já que antes deles já haviam sido feitos nada mais nada menos que O Franco Atirador (The Deer Hunter, 1978) e Apocalypse Now (1979), ambos filmes consagrados abordando a Guerra do Vietnã, ou mesmo pegando eventos de enorme repercussão como o assassinato de John Kennedy e o ícone do rock Jim Morrison. Por esses poucos filmes citados, qualquer trabalho de Oliver Stone é merecedor de atenção.
Nixon não foge à regra. Com um roteiro não linear a princípio, Stone imprime de maneira satisfatória suas características de diretor e todo o viés político e biográfico que o filme exige, mostrando as nuances do homem que veio de uma família pobre, que consegue chegar à presidência até sua renúncia. O filme tenta nos oferecer certas ferramentas de como julgar o filho, o homem, o marido, o pai e o único presidente que renunciou ao cargo na história americana devido ao escândalo Watergate. Fazer tal julgamento ou mesmo simplesmente entender o que foi tal momento crucial na história americana não é uma tarefa das mais fáceis caso não se tenha algumas referências prévias devido às questões geopolíticas da época, em especial a Guerra Fria, a Guerra do Vietnã, a crise com Cuba e o possível risco do avanço comunista na América Latina. Juntar tudo isso em 3 horas de filme de fato não é uma tarefa muito agradável para quem não sabe muito bem o que representou tudo aquilo ou que não busca entender um pouco mais o que tais momentos significaram.
O grande mérito do filme foi tentar trabalhar em duas correntes, ficcional e documental, com uma montagem muito boa o filme consegue trabalhar de maneira interessante em vários pontos factuais, apropriando-se dos elementos jornalísticos da época. Fazendo com que duas áreas se conversem sem nenhuma grande perda narrativa. Tudo é trabalhado para que o espectador se sinta parte de tudo aquilo, como se ele mesmo participasse de alguma forma. A composição de cada cena, com todos os detalhes, as locações e objetos, tentam trazer fielmente todos os momentos decisivos na Casa Branca. A fotografia, em muitos momentos, é obscura e sombria para enfatizar todos os momentos de incertezas e o profundo jogo político do qual Richard Nixon estava inserido. Oliver Stone e a equipe de arte conseguiram trazer toda essa aura que é o jogo do poder, toda a possível conspiração e os interesses de estado que muitas vezes estão muito além do entendimento comum sobre o que deve ou não ser feito e toda a questão moral envolvida.
O elenco do filme carrega grandes nomes com boas atuações, mas o destaque maior fica, é claro, para a interpretação de Anthony Hopkins, que assume muito bem o personagem em todos seus jeitos e formas de ser. Isso demonstra claramente que Stone conseguiu pontuar exatamente o que queria, além do grande talento de Hopkins e sua competência em "compor" Richard Nixon.
Nixon, no entanto, também tem um limite. Conseguimos sim fazer certos julgamentos da persona Richard Nixon, conseguimos entender suas razões e até sua importância e relevância no cenário político/histórico americano. Mas, caso se queira um pouco mais de profundidade para entender certos momentos e até mesmo alguns nomes importantes que aparecem, como o diretor fundador do FBI J. Edgar Hoover, que tem momentos modestos no filme, é necessário buscar algo fora. Felizmente, dentro do cinema é possível puxar alguns filmes que possam fazer uma ponte para entender de uma forma satisfatória o que foi Watergate e se situar no próprio Nixon. Filmes como J. Edgar de 2011, do Clint Eastwood, passando pelo próprio Nixon, seguido de Todos os Homens do Presidente (All the President's Men, 1976), e por fim Frost/Nixon de 2008. É possível ter uma leitura mais ampla do que foi o Watergate e seu impacto e de algumas figuras importantes que rodearam a época.
Nixon não é a melhor obra de Oliver Stone, mas ainda sim é um grande filme que merece ser visto pelo valor histórico e biográfico que carrega.
Um dos poucos filmes que pude ver a abordar de maneira honesta e séria toda a essência que o Heavy Metal representa. Mesmo quem não curte Metal consegue entender minimamente toda a carga de sentimento, intensidade, raiva, protesto e rebeldia que o Heavy Metal carrega.
Através do luto, fuga e da rebeldia de Hera (Thora Bjorg Helga), conseguimos entender o quanto a dor da perda pode afetar as pessoas de diferentes formas e como cada um reage nessas circunstâncias para seguir em frente. Hera só conseguiu ser ouvida através de sua fuga e em seu refúgio no Heavy Metal.
Um momento muito interessante é quando ela, com sua banda, toca um Black Metal para a comunidade num evento e todos ficam absortos sem entender nada com aquele som e aquela "gritaria". Porém, no momento em que ela toca a mesma música num tom mais melódico, todos entendem tudo o que ela passou e sempre quis dizer, mas que ninguém estava preparado ou disposto a ouvi-la, nem mesmo seus pais. Essa cena é grandiosa, com grande significado.
E por fim, a Islândia como pano de fundo é fantástica para dar um peso maior a toda a estória. A fotografia com tons frios na composição das cenas traz uma identidade muito boa para o filme. E tratando-se de um filme que tem o Metal como tema, nada mais justo que uma trilha sonora digna, e o filme não deixa a desejar quanto a isso. As referências estão presentes em muitos momentos, para o deleite de quem curte o gênero.
Quando a honra se torna hipocrisia e se transforma em mero status para manter as aparências dos valores que permeiam o código de honra samurai, que, devido aos tempos difíceis, deixam de fazer sentido, onde sobreviver com dignidade acaba sendo muito mais importante do que a tradição.
É disso que esse magnífico filme trata, fazendo-nos olhar e questionar até onde estamos dispostos a ir para manter as tradições e certos conceitos de honra e moralidade em nome de uma certa "identidade" histórica que podemos ter. Quando uma questão maior de sobrevivência bate à porta, por exemplo? A forma como isso é proposto aqui é maravilhosa, e devido aos flashbacks, conseguimos imergir naquele Japão medieval e sentir toda a angústia do personagem Hanshiro Tsugumo (Tatsuya Nakadai) em sua busca por vingança e em revelar toda a hipocrisia do código de honra samurai em que se encontravam. No entanto, essa vingança não é por meio da espada e do sangue, mas sim de uma forma mais dolorosa: fazer com que os "assassinos" de seu genro sintam de maneira profunda o que é ser um verdadeiro samurai, longe de todo o conforto que uma "casa" ou um feudo pode trazer, através de sua pequena história.
A narrativa é espetacular; o tempo todo não se vê lutas, mas as cenas e enquadramentos trazem uma tensão, uma sensação de que algo iminente está para acontecer. No entanto, a cada minuto que passa do filme, vamos percebendo que esse não é o objetivo, e que essa tensão em cada argumentação, em cada olhar dos personagens, é justamente para nos fazer sentir incomodados, inquietos e perceber o quanto a tradição cega e a pseudo moralidade são prejudiciais nas relações humanas, nos limitando a enxergar o outro com mais clareza e a ajudar de forma mais verdadeira e eficaz.
Apesar de o tema vampiro ter se desgastado, mesmo na época em que esse filme foi lançado, devido principalmente à saga Crepúsculo, Amantes Eternos (Only Lovers Left Alive, 2013) veio em um ótimo momento. Chegou na época para contrapor um pouco toda aquela aura infantojuvenil que se fez em cima da criação de Bram Stoker, mesmo aqui também tendo suas descaracterizações. Jim Jarmusch é competente em criar todo o clima sombrio e decadente para contar a história do casal Adam (Tom Hiddleston) e Eve (Tilda Swinton). Os cenários noturnos, com pouca luz nas cenas, nos mostram uma fotografia obscura, mas rica em detalhes, principalmente na casa de Adam, onde tudo ali acaba refletindo a sua personalidade, sua nostalgia e seu amor pelas artes, especialmente a música. Percebe-se claramente o ar totalmente indie do filme até nos enquadramentos das cenas, o que é muito legal!
Outro ponto interessante é que não existe uma saga, não há sustos ou momentos de grande tensão. A reflexão que se segue, de certa forma, é a ação do tempo no relacionamento de Adam e Eve: todo aquele tempo juntos, mas ainda assim segue um amor vivo, um respeito que atravessa centenas de anos. Além disso, há também a questão da importância das coisas através da ação do tempo: o que era extremamente importante outrora agora não passa de lembranças. O passado muitas vezes não tem peso nenhum para os "zombies" (nós, meros mortais).
Ver o ponto de vista dos grandes nomes do cinema, nessa transição da película para o processo digital, é fascinante. Como cada um, em suas peculiaridades na realização dos processos, entende os prós e os possíveis contras dessa transição. Sentir a relutância, por exemplo, de Christopher Nolan por achar que tais manipulações digitais são interessantes, mas trazem certo vazio de "realidade" nos filmes, e como é maravilhoso ver o que tais avanços em mãos de diretores como James Cameron e Danny Boyle proporcionaram, alcançando outro nível no fazer cinema.
O debate pode ser intenso e improdutivo caso se prenda na questão de "melhor" ou "pior", mas o grande mérito deste documentário é promover uma discussão honesta sobre a questão. Caso se entenda um pouco desses processos, é um deleite ver a opinião e os pontos de vista desses grandes nomes, já que a lista é extensa. E para quem é apenas curioso, é um aprendizado e tanto ver que, sem esses detalhes técnicos que passam despercebidos pelo grande público, um filme não sai. Tudo isso ajuda a contar a história que está sendo vista, apesar de que ainda se possa achar que a "técnica não é tão importante" para o produto final.
Nossa sociedade constantemente (para não dizer sempre) nos impõe formas "ideais" de como devemos ver o mundo, o que é certo ou errado, a forma "correta" de se viver e até nos dita regras e jeitos de como devemos ser felizes. Isso quase sempre está ligado a uma cultura e economia baseadas na competição e consumo, onde para ser alguém respeitável, temos que trabalhar muito, e para dar sentido a tudo isso, compramos coisas. Equipamos nossas casas para olharmos e dizermos para nós mesmos: "conquistei tudo com meu suor", e ainda nos sentimos felizes por isso, por sermos escravos desse ciclo.
Christopher McCandless, ao se dar conta da hipocrisia da qual seu próprio pai o impôs, tendo uma vida dupla e fazendo-o um bastardo pelo fato do próprio pai ter outra família, numa espécie de fuga da realidade e tentativa de achar seu lugar no mundo, sai numa jornada de descobrimentos e autoconhecimento. Ele abdica de todo o dinheiro, luxo e conforto que poderia ter para procurar sua verdadeira felicidade, e sua jornada é linda! Todo distanciamento e contato com a natureza o fazem ver o quanto somos selvagens e egoístas em nosso estilo de vida, e o quanto o contato humano é importante. Hoje, dividir, compartilhar, pedir ajuda, se declarar a alguém é sinônimo de fraqueza. Até nisso, a jornada de McCandless nos emociona, e no momento crucial de sua vida, depois de ter passado por momentos únicos, ele percebe do que adianta toda a felicidade se ela não for compartilhada?
Para mim, essa é a lição mais bela que Na Natureza Selvagem (Into the Wild, 2007) nos deixa. Procuremos nossa felicidade, mas que ela seja dividida com quem possa estar à nossa volta, para que assim ela seja verdadeira.
Caso fosse uma produção hollywoodiana, com certeza haveria certas críticas na tentativa de desqualificar o filme, como em Stalin (1992), por exemplo. Mas não, aqui temos uma produção polonesa. Apesar de alguns momentos em que a passagem de tempo nos deixa confusos, isso em nada atrapalha o entendimento dos fatos. O massacre de Katyn é horrendo, algo brutal, e isso acaba deixando claro que o Comunismo Soviético em nada se difere do Nazismo de Hitler. Sem falar que anos antes, outra atrocidade já tinha sido cometida contra outra nação: a Ucrânia tinha sofrido um Holodomor conduzido por Stalin e seu regime. É incrível imaginar ainda hoje haver certo saudosismo pelos "grandes tempos" de Stalin e da União Soviética; chega a ser absurdo.
Cinematograficamente, Katyn é competente no envolvimento que causa em quem assiste. As angústias do povo polonês estar no meio do fogo cruzado, nazistas de um lado, soviéticos de outro, e as famílias sendo fragmentadas com a guerra, é impossível não sentir algo estranho, imaginar que aquilo foi possível. O filme deixa a desejar na montagem do roteiro não linear, alguns personagens vão aparecendo sem que se explique um pouco mais quem são, mas é um detalhe pouco relevante para o peso que a história tem.
O filme conseguiu indicação ao Oscar 2008 de Filme Estrangeiro, mas perdeu para uma obra que foi Os Falsários (Die Fälscher, 2007), que também aborda a 2ª Guerra Mundial.
Condução primorosa do premiado Milos Forman (Um Estranho No Ninho, 1975), roteiro empolgante e divertido, direção de arte esplêndida, trilha sonora impecável, figurino maravilhoso e, para fechar a "conta", uma grande interpretação de F. Murray Abraham e Tom Hulce. Tudo isso "apenas" para contar a história do gênio da música, Mozart. O filme é um deleite em todos os aspectos: primeiro, para conhecer um pouco da vida de Mozart em sua genialidade, excentricidade e, por que não, seus devaneios e toda a inveja que seu talento causava na alta corte de Viena do século XVIII. É impossível não se imergir na história contada. Segundo, pela grande capacidade que o filme tem de despertar a curiosidade sobre música clássica, mostrando de forma muito satisfatória todo o processo de criação de uma peça clássica ou uma sinfonia, por exemplo. Aos poucos, vamos nos dando conta do quanto é bela e grandiosa a música clássica. Em tempos de "mc qualquer coisa" e "mc não tem importância", percebemos que o que temos hoje, em muitos aspectos da música, seja qual for o gênero, está longe de qualquer beleza ou evolução artística. No entanto, vale ressaltar também o lado não tão nobre assim da vida de Mozart: seu lado festeiro, seus excessos, a inveja ao seu redor, sua solidão e a falta de amigos que culminaram na deterioração de sua saúde física e mental.
Mas, de qualquer forma, Amadeus é um grande espetáculo cinematográfico!
Filme excepcional, muito divertido e de grande valor, com uma interpretação fora de série de Jack Nicholson. Christopher Lloyd em seu primeiro papel no cinema também está muito bom, e, por fim, Danny DeVito, todos perfeitos para esse filme.
Como não questionar depois de assistir a esse filme sobre o que é normal ou não, quem são os loucos da história? A naturalidade com que McMurphy (Jack Nicholson) interage com os pacientes, tratando-os como iguais, de certa forma, nos faz pensar. Será que não é esse o caminho para tais pessoas terem uma vida mais dinâmica e menos controlada ou robotizada, e, quem sabe, uma recuperação? É incrível ver o caos que se cria quando McMurphy começa a quebrar as regras, como tudo foge ao controle, mas nem por isso maléfico. A busca por liberdade e mais autonomia por parte de McMurphy o faz ser um grande "estorvo" daquela ala psiquiátrica, e é incrível esse paralelo que o filme faz: quando algo vai de oposto ao preestabelecido, forças e autoridades se criam para manter a ordem, mesmo que isso castre de fato a sanidade ou habilidades de alguém, mesmo que isso o transforme em um zumbi. Quanto a isso, o filme é bem triste, mostrando que em território hostil, seja onde for, todo cuidado é pouco.
Filme eletrizante, efeito borboleta total, onde uma pequena ação desencadeia toda uma série de eventos e não é possível mais ter controle de nada.
É quase impossível que esse filme tenha tal ritmo caso fosse um roteiro linear. O ritmo dos acontecimentos brinca com quem está assistindo, e o tempo todo queremos saber: "com quem se iniciou tudo isso? Quem é o verdadeiro culpado?" A resposta e os motivos de toda a cadeia de acontecimentos são surpreendentes. É um filme simples, é verdade. O roteiro não linear e a forma como a história se monta lembram bem uma obra-prima de Christopher Nolan, o filme Amnésia (Memento, 2000). 11:14 é um filme simples, mas muito divertido, e com um leve questionamento sobre as consequências de nossas escolhas, nesse caso, as más escolhas e os maus caminhos.
Quem esperava ver um filme abordando todas as consequências e as mudanças de pensamento após o lançamento de A Origem das Espécies pode ter se decepcionado um pouco. No entanto, a abordagem de todo o drama de Darwin e suas crises de consciência, que o levaram a adiar ao máximo o lançamento do livro devido à sensação de ter uma 'bomba' em mãos, e a dor da perda da filha, além de como isso refletiu em sua vida e em seu casamento, é muito bem mostrada, mesmo que algumas coisas possam ter sido exageradas ou suavizadas. As interpretações de Paul Bettany como Darwin e Jennifer Connelly como Emma Darwin são bastante satisfatórias. O momento em que ambos têm uma discussão perto do final, onde ela finalmente lhe dá permissão para que ele termine e lance o livro, é bem emocionante.
"Quando as palavras deixam de ter o seu valor, deixam de fazer sentido; o que sobra é o silêncio. No entanto, há momentos em que o silêncio pode dizer muito mais do que muitas palavras."
A princípio, é angustiante ver os protagonistas não terem um diálogo sequer, nenhuma palavra trocada. Mas logo percebemos que a fuga que ambos procuram e necessitam não requer mais palavras. Estar junto, o fazer algo por menor que seja, torna-se mais importante.
A surrealidade desse filme é incrível, com uma edição de som perfeita o tempo todo. Somos transportados para a insanidade e os vícios de cada personagem. Talvez este seja um dos poucos filmes capazes de mostrar, com jogo de imagens e sons em vários momentos, a dificuldade de se libertar da dependência química e os momentos graves de abstinência de forma muito original. Chegando a levar à loucura total de certos personagens, como o caso da senhora Ada (Louise Lasser). A mistura angustiante por parte dos personagens de "saberem" de sua doença de alguma forma, mas por estarem profundamente dependentes daquilo, até as realizações que possam ser feitas, sonhos a construir, a droga estará sempre presente de alguma forma, como uma válvula de escape para o medo, solidão e frustrações do dia a dia. É um filme incrivelmente decadente quanto a isso, onde todos pagam um preço bem alto por seus vícios.
Este talvez seja o mais denso dos três filmes e também o mais intenso em determinados momentos, além de ser o mais belo. Nota-se um cuidado maior com o filme, apesar de ter semelhanças e contrastes com os dois primeiros. Obviamente, aqui é perceptível a atenção maior com a fotografia, trilha sonora e montagem das cenas, algumas carregando um simbolismo mais forte para o desenvolvimento e entendimento do filme. A Grécia, como pano de fundo, ficou muito bonita, com lindas estradas, becos onde se respira história e lugares que inspiram a boa convivência e celebrar a vida, curtir o momento.
Aqui vemos Jesse (Ethan Hawke) e Celine (Julie Delpy) em um círculo de amigos, com momentos interessantíssimos de confraternização, onde acontecem reflexões sobre os momentos e as fases da vida, tudo num ambiente agradável propício para uma conversa de valor. No entanto, tudo de forma bem descontraída. Richard Linklater consegue conduzir isso muito bem.
Jesse e Celine, enfim, juntos nessa terceira parte da jornada e agora pais, percebem o valor que um representa para o outro. Apesar do ritmo ser diferente e sem as inseguranças do começo da idade adulta ou a necessidade de grandes aventuras, formam um casal comum com uma história incomum. Mas isso não tira os questionamentos e conflitos que essa fase da vida iria trazer. Nesse filme, podemos ver toda a personalidade forte de Celine em não querer ser "domada" ou ser submissa. Por outro lado, Jesse procura o equilíbrio para manter a família que ama e tentar estar presente na educação do filho de seu primeiro casamento. Mas isso faz com que se crie uma grande tensão entre eles em um dado momento. Algo marcante foi todo aquele conjunto de cenas deles caminhando por aproximadamente 18 minutos, conversando por pequenas ruas descontraidamente sobre coisas banais, coisas de casal, e posteriormente terminando com uma crise onde acabam trazendo suas diferenças para serem resolvidas ali no hotel. Foi maravilhosa a interpretação de Hawke e Julie, com uma verdade muito intensa de ambos ali. Por fim, Jesse tenta resgatar todo aquele encanto e mostrar para Celine que sempre estará com ela, apesar dos pesares. Também foi muito legal ver Celine tentando voltar às raízes juvenis e resgatar toda a magia do casal. Foi um desfecho excelente!
Apesar de o primeiro filme ser um pouco mais interessante em alguns diálogos, já se passaram nove anos e os questionamentos um pouco mais maduros por parte de Jesse (Ethan Hawke) e Celine (Julie Delpy) fazem com que pensemos nas escolhas não feitas e nos caminhos não seguidos por circunstâncias da vida ou do momento, tanto por parte dos personagens quanto nossas próprias. Algo forte neste filme é o quanto o breve momento que tiveram no passado marcou a vida de Jesse e Celine; arrependimentos surgem por questões simples, como não terem pegado endereço ou telefone. Richard Linklater conduz o filme de forma eficaz, mantendo a ligação entre o casal. Ambos, mais vividos, acabam logicamente recordando muita coisa, mas agora com certa maturidade. Temos a sensação de que é necessário tomar uma grande decisão na vida de Jesse e Celine, e aí somos transportados mais uma vez a essa causalidade, aos lugares comuns onde a vida e os caminhos se definem o tempo todo. Mas agora, como pano de fundo, Paris. Por fim, o entardecer chega e não há respostas definitivas, o que não chega a ser ruim. É uma pena que o filme seja tão breve.
A simplicidade desse filme e a capacidade de ligação afetiva que vai sendo construída entre os personagens Jesse (Ethan Hawke) e Celine (Julie Delpy) é maravilhosa, tornando-o único. Faz-nos sem dúvida alguma questionar como podemos estar perdendo oportunidades em conhecer o novo e fazer ligações verdadeiras, mesmo que por breves momentos, por estarmos sempre tentando levar uma vida de forma linear e organizada. Jesse e Celine arriscaram-se e viveram uma pequena aventura que mudou o conceito de paixão, amor e felicidade de ambos naquele momento. A forma como isso é conduzido por Richard Linklater é simples, apesar de ter como pano de fundo os pontos turísticos de Viena. A construção dos diálogos e descobertas ocorre em lugares comuns, ao som ambiente de uma praça, um bonde, um cemitério, um café, algo próximo a todos, o que traz um toque muito humano e simples ao filme.
Algo que me chamou atenção desde o início foi aquela longa cena no bonde, de aproximadamente seis minutos, onde Jesse e Celine fazem um pequeno jogo de perguntas e respostas. Ali não há corte, e o tempo todo é dedicado ao diálogo dos dois, enquanto o som dos carros ao fundo complementa a cena. Essa abordagem é bastante interessante e representa bem a proposta do filme, na minha opinião.
Gattaca, uma Experiência Genética
3.9 649 Assista Agora"Maior do que a força de exércitos poderosos é o poder de uma ideia cujo tempo chegou".
É engraçado como as coisas se desenrolam no decorrer da História. Alguém que tenha visto Gattaca na época ou alguns anos após o seu lançamento teria uma posição muito crítica à ciência e veria que a ciência também pode nos levar a algo totalitário e discriminatório, com o perigoso viés de ser a “VERDADE”, a verdade por evidências logo inquestionáveis. Os anos passam, eventos acontecem e tudo vai se adaptando devagar para que exista uma aceitação até o ponto onde não terá mais volta sobre o argumento de que se é ciência então não há discussão. Se você, ao assistir esse filme, pensou “uau... isso seria um absurdo” e conseguiu fazer os paralelos de controle sob o véu científico que vivemos há não muito tempo, você seria o que chamamos de negacionista. Isso é muito engraçado. Aldous Huxley em O Admirável Mundo Novo cria um universo distópico que tem como premissa a ciência e seus avanços para uma sociedade perfeita. Será que aceitaríamos aquilo ou seríamos “negacionistas”? George Orwell em 1984 desenha sua sociedade de controle absoluto e os paralelos a isso estão aí. Philip K. Dick em seu conto Minority Report cria um mundo de bem-estar social sob o véu da verdade científica de uma sociedade onde não haveria mais crimes, pois os mesmos seriam previstos sob uma nova tecnologia com punição pela possibilidade de se fazer algo. O paralelo para hoje é que tudo aquilo seria possível em nome do coletivo e bem comum, mesmo que isso, em tese, acabe com a liberdade do indivíduo. Há não muito tempo também, estávamos numa espécie de “pré-crime sanitário” com incrível aceitação. Hoje, tudo é possível se tiver o apelo da autoridade científica.
Matrix Resurrections
2.8 1,3K Assista AgoraÉ impossível levar este Matrix a sério e tentar tirar algo dele; o próprio filme deixa isso claro no decorrer. É uma sátira e não agrega nada ao que foi construído. Ignora elementos canônicos para ser outra coisa, uma diminuição da obra, uma piada de si mesmo. Lana não queria fazer esse filme, e deixa isso tão explícito que foi colocado num diálogo citando a própria Warner da pressão exercida e que, se não fosse ela, outra pessoa faria. Convenhamos que após esse resultado final seria melhor que outra pessoa tivesse feito mesmo.
Considerar o que foi proposto como parte do universo canônico é deixar a inteligência de lado, a meu ver. Lana fez questão de diminuir e desconfigurar sua obra para uma reinterpretação do que foi construído para se adequar à modernidade e a um ideal que a autora construiu no decorrer de sua trajetória pós-transição de gênero. Pode parecer abjeto, mas Lana não é Larry e Larry não é Lana. Logo, seria meio inevitável que um novo Matrix fosse desconfigurado para o bem ou para o mal, pois ficou nítida sua necessidade em apagar qualquer traço de sua antiga visão do que era Matrix e ressignificá-la a um esforço em destruir qualquer resquício do herói, do messias, elementos míticos religiosos e da luta por algo maior que era algo inerente nos anteriores. Pois Matrix sempre foi sobre a tomada de consciência por parte do indivíduo para uma compreensão do que era o real e, a partir disso, ter a ciência para o que de fato lutar, algo maior que o próprio indivíduo. Todos os anteriores e o primeiro principalmente têm essa premissa, essa tomada de consciência de Neo e seu papel na guerra enquanto escolhido. Porém, aqui não houve interesse algum em acrescentar ou ao menos propor algo além, mas dentro das bases propostas no universo criado na trilogia, aqui se desconfigurou tudo. A profecia deixa de fazer sentido, a jornada do herói construída com Neo não serviu de nada, a escolha já não é algo tão preponderante, pois não existe escolha no binarismo; logo, a escolha fora do "arco-íris" é uma ilusão, além de nos terem oferecido a ideia romântica da imortalidade através da transumanidade sem nenhuma problematização disso. Se Lana queria falar estritamente de amor e seu poder transcendente, que fizesse outro filme sobre, pois o que foi feito aqui foi um desrespeito à própria criação. Infelizmente, aqui toda crítica acaba se perdendo, pois tem o peso de ter sido feita pela própria criadora. Ela intencionalmente quis ressignificar sua obra, o que deixa as coisas ainda piores. A consequência é que o filme não tem peso algum e será esquecido ou lembrado com desgosto por muitos.
Frango Com Ameixas
4.1 162 Assista AgoraUm filme muito bonito, técnica fotográfica impecável, as alternâncias entre cenas claras e mais abertas e outras com planos mais fechados e escuros, junto de um roteiro não linear bem desenvolvido e com uma direção digna deixam o filme com muita personalidade. A estória é repleta de pequenos detalhes, metáforas e transições de uma cena a outra de maneira muito inteligente, dando uma ênfase em cada ponto narrativo proposto, que aos poucos vai fazendo o espectador ligar toda a trama e sentir toda a profundidade de sentimentos que ela carrega.
A princípio podemos até achar ser uma trama de menor valor e “estranha” pela forma de como ela se apresenta, talvez por não existir uma identificação imediata com o nosso protagonista Nasser Ali Khan (Mathieu Amalric), pois ele, a priori, se mostra um tanto excêntrico, incompreendido numa crise de meia idade, dentro de uma vida que talvez não tenha sonhado ser o ideal para si. No entanto, no decorrer do filme vamos sentindo o quão profunda é sua história, sua busca fracassada pela felicidade e sua depressão junto com o ideal de que a morte seria sua única e derradeira solução para o ponto em que se encontrava. E em meio a esse caos existencial, percebemos que não existem culpados para tudo aquilo, apenas encontros, desencontros e causalidades. Nem sempre é possível termos o que queremos, e isso de alguma forma nos afeta, essas frustrações que fazem parte da vida nos permeiam o tempo todo e carregamos isso, e muitos podem chegar ao ponto de renunciar à vida de alguma forma nesse processo. Apenas não nos cabe julgar!
Alita: Anjo de Combate
3.6 812 Assista AgoraIndependente de o filme ser uma adaptação de um mangá de 1990 e mesmo que filmes posteriores possam ter sido inspirados por elementos do próprio mangá, "Alita: Anjo de Combate" enquanto filme é uma grande salada que oferece muito pouco em aspectos narrativos ou algum conflito minimamente interessante digno de ser lembrado. Soa como uma grande receita temperada com um pouco de "Blade Runner" (1982), mas bem de leve, pois muita profundidade não será necessária. Depois, coloque alguma ação usando os elementos de "Rollerball: Os Gladiadores do Futuro" (1975), e para soar um pouco filosófico sobre o que nos faz humanos, mas bem rápido, não se esqueça de "O Homem Bicentenário" (1999) e "A.I. Inteligência Artificial" (2001). Misture bem e logo mais acrescente os aspectos transumanistas e até de luta de classes de "Elysium" (2013), e por fim, aproveite o embalo e coloque algum elemento ou outro de "Eu, Robô" (2004), "Substitutos" (2009) e até mesmo algo do recente "Vigilante de Amanhã" (Ghost in the Shell, 2017) para ver se da forma na obra. Feito isso, a receita está pronta. Agora é só dar na mão do "nada conhecido" James Cameron para produzir e roteirizar e do então criativo diretor Robert Rodriguez, e boom, temos uma grande produção. Logicamente, o filme é bonito e tecnicamente limpo, porém como resultado final temos essa coisa estranha, superficial, cheio de diálogos fáceis, soluções apressadas, e um romance "água de salsicha". É difícil imaginar algo muito além em uma possível continuação, que ainda bem me parece enterrada!
Coringa
4.4 4,1K Assista AgoraCoringa, de fato, é um filme impactante, ainda mais para o padrão dos filmes de super-heróis dos últimos anos, onde quase sempre o espectador é tratado como se uma parte de seu cérebro lhe faltasse. Aqui não; para quem poderia esperar algum momento mais explosivo devido às características do personagem nos HQs, no sentido de ação, esse não é o filme. Aqui temos um drama psicológico forte, quase que sem precisar usar o artifício de ter o principal antagonista do Batman. Coringa parece ser um mero chamariz para um contexto maior, onde Todd Phillips deseja que seu filme chegue independente se o personagem vem ou não de algum lugar. Tudo é usado para dar sentido em como alguém depressivo e com tendências psicóticas, com um passado sombrio, subjugado e ignorado, desenvolve a sua raiva, revolta, indiferença e agressividade, expondo de alguma forma o que a sociedade pode fazer com o indivíduo ao ignorá-lo por completo. Gotham City é um lugar perfeito para que essas características sejam acentuadas. Gotham sempre foi um lugar decadente, onde o pior de cada um pode aparecer como resposta ao meio em que se vive, e na construção do filme, isso é óbvio. Philips leva seu filme a uma crítica social clara e intensa em sua narrativa. No entanto, isso não quer dizer que o discurso seja único ou original e, em alguns momentos, soa maniqueísta. Para o objetivo final do qual ele quer chegar, o foco principal é a evolução e construção da psique de Arthur Fleck em Coringa, e é nisso onde está a grandeza do filme. Todos os elementos do filme são usados com maestria. A interpretação de Joaquin Phoenix arrebata e dificilmente perderia seu Oscar. Ele consegue fazer com que não haja uma comparação imediata com Heath Ledger em "O Cavaleiro das Trevas" (The Dark Knight, 2008), como houve com Jared Leto em "Esquadrão Suicida" (Suicide Squad, 2016), pois este filme é uma história de origem e é fácil separar isso.
O tema indivíduo versus sociedade não é algo novo, e isso não quer dizer que seja ultrapassado; muito pelo contrário, o filme é carregado de referências. É impossível não pensar em "Taxi Driver" e a revolta de Travis Bickle (Robert De Niro). O ambiente setentista é o mesmo, e a influência ou homenagem a Scorsese é imensa no visual e na forma, mas não só. Paralelos e comparações do discurso e temática com outros filmes também são grandes, como em "Um dia de Fúria" (Falling Down, 1993), "Assassinos por Natureza" (Natural Born Killers, 1994), "Clube da Luta" (Fight Club, 1999), "Psicopata Americano" (American Psycho, 2000), "Deus Abençoe a América" (God Bless America, 2011) e por aí vai. Talvez o grande momento no embate que o filme poderia ter e não teve foi o discurso final no talk show. Obviamente, isso era esperado em seu terceiro ato, porém, tirando a violência da cena, a meu ver, não foi tão visceral como poderia ser. Por fim, com todas as qualidades que Coringa poderia ter e tem, me incomodou um pouco a sensação da romantização do psicopata ao seu final.
O Dono do Jogo
3.4 132 Assista AgoraSempre existiu uma mística e curiosidade sobre o Xadrez por parte do grande público, e o Cinema já abordou o tema em muitos momentos e de diferentes formas. Seja usando o Xadrez como metáfora para uma narrativa superior que vai além da simples mecânica do jogo, nesse aspecto, é impossível não mencionar Ingmar Bergman no maravilhoso O Sétimo Selo (Det Sjunde inseglet, 1957), talvez o filme mais emblemático que tem o Xadrez como tema para contar uma estória. Ou tentando mostrar os aspectos do jogo em si dentro de alguma estória qualquer. Nesse quesito, é possível citar diversos filmes como Face a Face com o Inimigo (Knight Moves, 1992), Lances Inocentes (Searching for Bobby Fischer, 1992), onde o filme, mesmo sendo baseado em fatos reais, usa a própria história de Fischer como referência, como sugere o título original. O Último Lance (The Luzhin Defence, 2000), um drama de época que tenta traçar com mais fidelidade e seriedade os aspectos do jogo e os conflitos entre loucura e genialidade, Revólver (Revolver, 2005), que já é mais corrido e de ação, mas que traz momentos interessantes tendo o Xadrez como pano de fundo, e, por último, o filme Jogada de Rei (Life of a King, 2013), que fala da história de um ex-presidiário que, através do Xadrez, tenta tirar jovens de sua comunidade pobre e violenta do mundo do crime.
Filmes biográficos sobre enxadristas são raros, porque nem sempre é fácil fazer uma narrativa sobre jogadores e ainda trazer todos os aspectos do jogo sem que o filme fique cansativo para o público leigo em relação ao Xadrez. O Dono do Jogo (Pawn Sacrifice, 2014) ganhou vida apenas três anos depois do documentário Bobby Fischer Contra o Mundo (Bobby Fischer Against The World, 2011), que é excelente, mostrando todos os detalhes da vida de Fischer com profundidade, dentro de uma linguagem simples e direta que agrada tanto a quem conhece quanto a quem não conhece o mundo do Xadrez. Vale ressaltar que o roteiro do filme, escrito por Steven Knight, apesar de consistente e dinâmico, fazendo com que a história de Fischer seja convidativa, a base e todos os elementos dele, querendo ou não, estão no documentário de 2011. A narrativa é praticamente da mesma forma, só que, nesse caso, dentro do domínio ficcional, obviamente.
A beleza do filme está na direção de Edward Zwick. A forma como ele dá vida ao roteiro é incrível, pois o roteiro exige que existam elementos documentais e ficcionais, e isso é feito com muita competência, onde tal mescla de domínios tem como resultado final uma ambientação de época muito boa, fazendo com que os momentos decisivos do “Match do Século” tenham uma forte verossimilhança. A fotografia é minimamente pensada para que haja uma imersão, onde se utiliza em várias cenas o plano detalhe para dar ênfase tanto nos momentos de “neuroses” do Fischer quanto nos aspectos do jogo e na pressão psicológica pela qual todo jogador de Xadrez passa em nível de competição, sem que seja necessário o uso de algum artifício a mais para se explicar tais coisas. A interpretação de Tobey Maguire é muito boa, conseguindo ser fiel mesmo aos pequenos detalhes como o jeito de caminhar muito característico de Fischer. O momento do antagonista é bem explorado, e podemos conhecer um pouco quem foi Boris Spassky, do qual o próprio Fischer o definiu como um verdadeiro desportista pelo seu modo calmo, centrado e profissional, sendo muito bem interpretado por Liev Schreiber.
Apesar de o filme ter sido muito coerente com a biografia de Fischer, ter a dimensão exata do que ele representou para o mundo e o Xadrez em especial não é simples. Fischer viveu em uma época onde o computador era apenas um sonho possível, onde programas de Xadrez como Fritz, Stockfish e o tão famoso Deep Blue, que derrotou Garry Kasparov em 1997, eram algo inimaginável. Todo o avanço que ele conseguiu deveu-se a sua genialidade, paixão e obsessão pelo Xadrez. Ele conseguiu ser um grande mestre aos 15 anos, um feito sem precedente para a época. Falar de Bobby Fischer é falar de Xadrez, genialidade, obsessão e insanidade. Falar do “Match do Século” é falar da Guerra Fria e de como um “simples” jogo de tabuleiro parou o mundo naquele momento, pois não se tratava apenas de uma disputa pelo título mundial, mas sim de um confronto ideológico entre duas superpotências. Pela narrativa histórica, se os Estados Unidos usaram Bobby Fischer para fins político-ideológicos contra a União Soviética, que é um fato, os Soviéticos, por sua vez, se apoderaram por completo do Xadrez, fazendo-o um esporte nacional para mostrar sua “superioridade intelectual sobre o ocidente decadente”. Era simplesmente uma máquina estatal que despejava quantidade ilimitada de dinheiro na busca de talentos que servissem de propaganda para o governo comunista.
O Dono do Jogo é um filme obrigatório para qualquer entusiasta e enxadrista, seja ele amador ou não, e uma ótima oportunidade para quem nunca sequer ouviu o nome Bobby Fischer, pois se o Xadrez é o jogo de tabuleiro mais conhecido e jogado no mundo, muito se deveu à existência de Robert James Fischer.
Spotlight - Segredos Revelados
4.1 1,7K Assista AgoraDepois de uma pré-cerimônia e cerimônia altamente politizada do Oscar 2016 com protestos, boicotes e tudo o mais, não foi surpresa Spotlight levar a estatueta de Melhor Filme e Roteiro Original, mas será que ele é tão bom assim comparado com os outros indicados?
Antes de tudo, Spotlight é um grande filme sem dúvidas, nos mostra toda a importância do jornalismo investigativo que é algo crucial em qualquer sistema de governo que se diz “justo e democrático”, ainda mais nos dias atuais onde o jornalismo investigativo parece estar adormecido e Hollywood adora tais histórias, existem grandes filmes abordando a questão, e de imediato as semelhanças de Spotlight com o filme Todos os Homens do Presidente (All the President's Men, 1976) são gritantes, sendo esse último muito superior em quase todos os aspectos.
A grande força de Spotlight reside em pegar um tema delicado e uma ferida aberta que foi o escândalo de pedofilia e abuso sexual por sacerdotes católicos a partir da década de 70 acobertados e negligenciados pela Igreja durante décadas, onde tais histórias tiveram grande repercussão em meados dos anos 2000 devido ao trabalho dos jornalistas do qual o filme aborda.
Toda a narrativa do filme é construída pela ótica da investigação jornalística, seja na ambientação do jornal local, reuniões, decisão de pauta, seja nos percalços para se conseguir a grande matéria ou em como tais histórias horrendas de abuso sexuais vão afetando o senso de moral e justiça de cada jornalista e em como eles vão perdendo a crença e o respeito pela instituição Católica a cada nova história de abuso que descobrem. Mas o filme vai além não só mostrando todo o lobby e o esforço da Igreja em não revelar tais casos, coagindo, fazendo acordos judiciais, influenciando membros da comunidade a fazer vista grossa para tais denúncias, e o pior de tudo não punir os sacerdotes acusados. Como também mostra que todo o imperativo moral, isenção e a busca pela verdade que o jornalismo tenta passar pode ser hipócrita. O conteúdo do filme inegavelmente é forte, explosivo, polêmico e indigesto, fazendo-o receber críticas até sendo acusado de ser panfletário, anticatólico e ter agenda anticristã.
No entanto o grande mérito do filme é sua narrativa, pois cinematograficamente apesar de bom filme, bom roteiro e ter um elenco muito interessante sua direção é mediana e não traz lá grandes emoções ou novidades em sua execução, é um filme bem seguro onde o foco principal é relatar, denunciar algo sem muita ousadia ou surpresas. Pois se olharmos para grande parte dos outros indicados para o título de melhor filme de 2015 é notável a diferença no aspecto técnico, como por exemplo, Mad Max Estrada da Fúria (Mad Max: Fury Road, 2015), Ponte dos Espiões (Bridge of Spies, 2015), e um destaque para A Grande Aposta (The Big Short, 2015) um filme rápido, dinâmico com um roteiro e direção muito digna onde em muitos momentos se quebra a quarta parede e através disso o público vai entendendo toda a complexidade da bolha imobiliária de 2008 de forma leve sem que se entranhe tal artifício. E o outro filme talvez o único que poderia ter batido de frente dada as circunstâncias seria O Regresso (The Revenant, 2015) esse sim teria todos os atributos para ser melhor filme, talvez não tenha levado pelo fato de Iñárritu ter ganhado no ano anterior por Birdman (Birdman or The Unexpected Virtue of Ignorance, 2014) e pelo Oscar muitas vezes fazer ganhadores mais por suas qualidades “políticas” do que cinematográficas algo que faz parte da história do Oscar, mas ainda sim O Regresso levou o prêmio de direção nada mais justo, pois é espetacular e o tão esperado Oscar de Leonardo DiCaprio.
A conclusão que fica é Spotlight pode não ter sido o melhor filme de 2015, mas pelo fato de colocar visibilidade em um problema global que é ou que foi o escândalo sexual de sacerdotes católicos acobertados pelo alto clero da Igreja por décadas o fez tornar-se grande independente se tenha ou não todos os requisitos para o título de melhor filme e com isso reservou seu lugar na história do Cinema.
Como Eu Era Antes de Você
3.7 2,3K Assista AgoraO que despertou minha curiosidade em assistir ao filme de imediato na época foi ver Emilia Clarke num papel bem diferente do que a fez ficar conhecida como sua personagem Daenerys Targaryen, a Khaleesi da série Game of Thrones. Aqui teríamos uma atriz fazendo comédia, o que dizem ser um grande desafio para um ator.
Mas após a novidade inicial, que foi até satisfatória em vários momentos com a atuação "teatral" de Emília Clarke, o filme perde sua força, seja no aspecto narrativo ou na forma como o roteiro ganha vida, tornando-se previsível devido ao tema proposto já ter sido abordado em títulos recentes ao filme na época ou mesmo da primeira década do século XXI. Durante todo o filme, é difícil não fazer comparações com referências anteriores. Logo de cara, é possível lembrar de um filme francês com tema semelhante e também engraçado, como Intocáveis (Intouchables, 2011), onde um dos protagonistas, tetraplégico, decide ser cuidado por alguém aparentemente desqualificado para o serviço, mas que, naquele momento, é o que ele precisa. Surge uma amizade entre os dois, e há uma mudança na relação entre ambos.
A composição da personagem Lou Clark (Emilia Clarke), onde a graça do filme acontece, é competente. É possível perceber a correlação entre os aspectos fotográficos, com muita cor e vários detalhes nos planos e enquadramentos, com a personalidade leve, alegre e "sem noção" da protagonista. Porém, aqui também é possível fazer um paralelo com outro filme, que segue pelo mesmo caminho ao correlacionar um detalhe mais técnico e subjetivo com algo mais profundo da essência de um personagem, como O Fabuloso Destino de Amélie Poulain (Le Fabuleux destin d'Amélie Poulain, 2001).
Conforme a temática do filme se desenvolve por completo ao fim do primeiro ato, fica fácil prever o desenrolar e o desfecho da estória. A estrutura toda meio que se fecha antes mesmo do filme acabar, e não há uma reflexão mais intensa e profunda por parte do personagem Will Traynor (Sam Claflin) sobre seus reais motivos na busca pelo suicídio assistido. Fica difícil entender tal escolha, o que gera uma recusa do grande público em pensar na possibilidade e respeitar tal caminho. Isso nos leva ao filme Mar Adentro (2004), que trata exatamente da busca pelo suicídio assistido/eutanásia e toda a complexidade, motivos e dificuldades da escolha do personagem Ramón Sampedro (Javier Bardem), um filme fantástico, ganhador do Oscar de Melhor Filme Estrangeiro. Devido a isso, o filme se torna apenas mais um do gênero comédia romântica entre tantos outros.
Talvez o mérito do filme, mas sem grandes pretensões, seja a troca de experiências e valores entre Lou e Will. Lou, por sua vez, demonstra que, independente da condição de Will, é possível viver e não apenas sobreviver. Isso fica claro no esforço que ela faz para que ele desista do suicídio (pois a morte de Will era algo certo no ato final, pois sem ela o filme perderia sua capacidade mínima de fazer refletir sobre a questão do suicídio assistido). Por outro lado, Will é convicto em sua decisão, mas ainda assim se permite viver seus últimos momentos com dignidade, com alguém que o surpreendeu e o respeita integralmente além de sua condição. No entanto, o fato de estar “preso” a uma cama e uma cadeira é algo inconcebível para Will devido ao seu estilo de vida antes de se acidentar. Essa decisão é unilateral; não há o que fazer quando alguém simplesmente desiste de algo de maneira pensada, mesmo com os recursos financeiros que ele dispunha. Em contrapartida, essa decisão, apesar de triste e inaceitável até certo ponto, para Lou só a vivifica e a faz viver ainda mais intensamente, ao ponto de sair de sua zona de conforto, mesmo estando feliz em sua pequena cidade do interior. Pois é essa a mensagem que a personagem e o filme tentam passar. A última cena é um tanto emblemática: ela em Paris, o berço da moda, estando em um café com sua meia de abelha bisonha. Isso pode ser uma crítica aos padrões da moda ali tão exaltados, pois ali ela está sendo ela mesma e está feliz, independente do que possam pensar dela.
Nixon
3.4 38 Assista AgoraOliver Stone é mestre em dirigir grandes filmes políticos como JFK - A Pergunta Que Não Quer Calar (JFK, 1991), antiguerra como Platoon (1986) e Nascido em 4 de Julho (Born on the 4th of July, 1989), ou controversos como The Doors (1991) e Alexandre (Alexander, 2004). É notável sua capacidade e visão para escrever, adaptar e conduzir histórias que muitas vezes podem parecer repetitivas devido à repercussão e ao impacto que outrora tiveram na sociedade e história americana. Seja em seus dois filmes sobre a Guerra do Vietnã, já que antes deles já haviam sido feitos nada mais nada menos que O Franco Atirador (The Deer Hunter, 1978) e Apocalypse Now (1979), ambos filmes consagrados abordando a Guerra do Vietnã, ou mesmo pegando eventos de enorme repercussão como o assassinato de John Kennedy e o ícone do rock Jim Morrison. Por esses poucos filmes citados, qualquer trabalho de Oliver Stone é merecedor de atenção.
Nixon não foge à regra. Com um roteiro não linear a princípio, Stone imprime de maneira satisfatória suas características de diretor e todo o viés político e biográfico que o filme exige, mostrando as nuances do homem que veio de uma família pobre, que consegue chegar à presidência até sua renúncia. O filme tenta nos oferecer certas ferramentas de como julgar o filho, o homem, o marido, o pai e o único presidente que renunciou ao cargo na história americana devido ao escândalo Watergate. Fazer tal julgamento ou mesmo simplesmente entender o que foi tal momento crucial na história americana não é uma tarefa das mais fáceis caso não se tenha algumas referências prévias devido às questões geopolíticas da época, em especial a Guerra Fria, a Guerra do Vietnã, a crise com Cuba e o possível risco do avanço comunista na América Latina. Juntar tudo isso em 3 horas de filme de fato não é uma tarefa muito agradável para quem não sabe muito bem o que representou tudo aquilo ou que não busca entender um pouco mais o que tais momentos significaram.
O grande mérito do filme foi tentar trabalhar em duas correntes, ficcional e documental, com uma montagem muito boa o filme consegue trabalhar de maneira interessante em vários pontos factuais, apropriando-se dos elementos jornalísticos da época. Fazendo com que duas áreas se conversem sem nenhuma grande perda narrativa. Tudo é trabalhado para que o espectador se sinta parte de tudo aquilo, como se ele mesmo participasse de alguma forma. A composição de cada cena, com todos os detalhes, as locações e objetos, tentam trazer fielmente todos os momentos decisivos na Casa Branca. A fotografia, em muitos momentos, é obscura e sombria para enfatizar todos os momentos de incertezas e o profundo jogo político do qual Richard Nixon estava inserido. Oliver Stone e a equipe de arte conseguiram trazer toda essa aura que é o jogo do poder, toda a possível conspiração e os interesses de estado que muitas vezes estão muito além do entendimento comum sobre o que deve ou não ser feito e toda a questão moral envolvida.
O elenco do filme carrega grandes nomes com boas atuações, mas o destaque maior fica, é claro, para a interpretação de Anthony Hopkins, que assume muito bem o personagem em todos seus jeitos e formas de ser. Isso demonstra claramente que Stone conseguiu pontuar exatamente o que queria, além do grande talento de Hopkins e sua competência em "compor" Richard Nixon.
Nixon, no entanto, também tem um limite. Conseguimos sim fazer certos julgamentos da persona Richard Nixon, conseguimos entender suas razões e até sua importância e relevância no cenário político/histórico americano. Mas, caso se queira um pouco mais de profundidade para entender certos momentos e até mesmo alguns nomes importantes que aparecem, como o diretor fundador do FBI J. Edgar Hoover, que tem momentos modestos no filme, é necessário buscar algo fora. Felizmente, dentro do cinema é possível puxar alguns filmes que possam fazer uma ponte para entender de uma forma satisfatória o que foi Watergate e se situar no próprio Nixon. Filmes como J. Edgar de 2011, do Clint Eastwood, passando pelo próprio Nixon, seguido de Todos os Homens do Presidente (All the President's Men, 1976), e por fim Frost/Nixon de 2008. É possível ter uma leitura mais ampla do que foi o Watergate e seu impacto e de algumas figuras importantes que rodearam a época.
Nixon não é a melhor obra de Oliver Stone, mas ainda sim é um grande filme que merece ser visto pelo valor histórico e biográfico que carrega.
Mudando o Destino
3.5 170Um dos poucos filmes que pude ver a abordar de maneira honesta e séria toda a essência que o Heavy Metal representa. Mesmo quem não curte Metal consegue entender minimamente toda a carga de sentimento, intensidade, raiva, protesto e rebeldia que o Heavy Metal carrega.
Através do luto, fuga e da rebeldia de Hera (Thora Bjorg Helga), conseguimos entender o quanto a dor da perda pode afetar as pessoas de diferentes formas e como cada um reage nessas circunstâncias para seguir em frente. Hera só conseguiu ser ouvida através de sua fuga e em seu refúgio no Heavy Metal.
Um momento muito interessante é quando ela, com sua banda, toca um Black Metal para a comunidade num evento e todos ficam absortos sem entender nada com aquele som e aquela "gritaria". Porém, no momento em que ela toca a mesma música num tom mais melódico, todos entendem tudo o que ela passou e sempre quis dizer, mas que ninguém estava preparado ou disposto a ouvi-la, nem mesmo seus pais. Essa cena é grandiosa, com grande significado.
E por fim, a Islândia como pano de fundo é fantástica para dar um peso maior a toda a estória. A fotografia com tons frios na composição das cenas traz uma identidade muito boa para o filme. E tratando-se de um filme que tem o Metal como tema, nada mais justo que uma trilha sonora digna, e o filme não deixa a desejar quanto a isso. As referências estão presentes em muitos momentos, para o deleite de quem curte o gênero.
Harakiri
4.6 179Quando a honra se torna hipocrisia e se transforma em mero status para manter as aparências dos valores que permeiam o código de honra samurai, que, devido aos tempos difíceis, deixam de fazer sentido, onde sobreviver com dignidade acaba sendo muito mais importante do que a tradição.
É disso que esse magnífico filme trata, fazendo-nos olhar e questionar até onde estamos dispostos a ir para manter as tradições e certos conceitos de honra e moralidade em nome de uma certa "identidade" histórica que podemos ter. Quando uma questão maior de sobrevivência bate à porta, por exemplo? A forma como isso é proposto aqui é maravilhosa, e devido aos flashbacks, conseguimos imergir naquele Japão medieval e sentir toda a angústia do personagem Hanshiro Tsugumo (Tatsuya Nakadai) em sua busca por vingança e em revelar toda a hipocrisia do código de honra samurai em que se encontravam. No entanto, essa vingança não é por meio da espada e do sangue, mas sim de uma forma mais dolorosa: fazer com que os "assassinos" de seu genro sintam de maneira profunda o que é ser um verdadeiro samurai, longe de todo o conforto que uma "casa" ou um feudo pode trazer, através de sua pequena história.
A narrativa é espetacular; o tempo todo não se vê lutas, mas as cenas e enquadramentos trazem uma tensão, uma sensação de que algo iminente está para acontecer. No entanto, a cada minuto que passa do filme, vamos percebendo que esse não é o objetivo, e que essa tensão em cada argumentação, em cada olhar dos personagens, é justamente para nos fazer sentir incomodados, inquietos e perceber o quanto a tradição cega e a pseudo moralidade são prejudiciais nas relações humanas, nos limitando a enxergar o outro com mais clareza e a ajudar de forma mais verdadeira e eficaz.
Amantes Eternos
3.8 783 Assista AgoraApesar de o tema vampiro ter se desgastado, mesmo na época em que esse filme foi lançado, devido principalmente à saga Crepúsculo, Amantes Eternos (Only Lovers Left Alive, 2013) veio em um ótimo momento. Chegou na época para contrapor um pouco toda aquela aura infantojuvenil que se fez em cima da criação de Bram Stoker, mesmo aqui também tendo suas descaracterizações. Jim Jarmusch é competente em criar todo o clima sombrio e decadente para contar a história do casal Adam (Tom Hiddleston) e Eve (Tilda Swinton). Os cenários noturnos, com pouca luz nas cenas, nos mostram uma fotografia obscura, mas rica em detalhes, principalmente na casa de Adam, onde tudo ali acaba refletindo a sua personalidade, sua nostalgia e seu amor pelas artes, especialmente a música. Percebe-se claramente o ar totalmente indie do filme até nos enquadramentos das cenas, o que é muito legal!
Outro ponto interessante é que não existe uma saga, não há sustos ou momentos de grande tensão. A reflexão que se segue, de certa forma, é a ação do tempo no relacionamento de Adam e Eve: todo aquele tempo juntos, mas ainda assim segue um amor vivo, um respeito que atravessa centenas de anos. Além disso, há também a questão da importância das coisas através da ação do tempo: o que era extremamente importante outrora agora não passa de lembranças. O passado muitas vezes não tem peso nenhum para os "zombies" (nós, meros mortais).
Lado a Lado
4.1 60Documentário incrível!
Ver o ponto de vista dos grandes nomes do cinema, nessa transição da película para o processo digital, é fascinante. Como cada um, em suas peculiaridades na realização dos processos, entende os prós e os possíveis contras dessa transição. Sentir a relutância, por exemplo, de Christopher Nolan por achar que tais manipulações digitais são interessantes, mas trazem certo vazio de "realidade" nos filmes, e como é maravilhoso ver o que tais avanços em mãos de diretores como James Cameron e Danny Boyle proporcionaram, alcançando outro nível no fazer cinema.
O debate pode ser intenso e improdutivo caso se prenda na questão de "melhor" ou "pior", mas o grande mérito deste documentário é promover uma discussão honesta sobre a questão. Caso se entenda um pouco desses processos, é um deleite ver a opinião e os pontos de vista desses grandes nomes, já que a lista é extensa. E para quem é apenas curioso, é um aprendizado e tanto ver que, sem esses detalhes técnicos que passam despercebidos pelo grande público, um filme não sai. Tudo isso ajuda a contar a história que está sendo vista, apesar de que ainda se possa achar que a "técnica não é tão importante" para o produto final.
Na Natureza Selvagem
4.3 4,5K Assista AgoraNossa sociedade constantemente (para não dizer sempre) nos impõe formas "ideais" de como devemos ver o mundo, o que é certo ou errado, a forma "correta" de se viver e até nos dita regras e jeitos de como devemos ser felizes. Isso quase sempre está ligado a uma cultura e economia baseadas na competição e consumo, onde para ser alguém respeitável, temos que trabalhar muito, e para dar sentido a tudo isso, compramos coisas. Equipamos nossas casas para olharmos e dizermos para nós mesmos: "conquistei tudo com meu suor", e ainda nos sentimos felizes por isso, por sermos escravos desse ciclo.
Christopher McCandless, ao se dar conta da hipocrisia da qual seu próprio pai o impôs, tendo uma vida dupla e fazendo-o um bastardo pelo fato do próprio pai ter outra família, numa espécie de fuga da realidade e tentativa de achar seu lugar no mundo, sai numa jornada de descobrimentos e autoconhecimento. Ele abdica de todo o dinheiro, luxo e conforto que poderia ter para procurar sua verdadeira felicidade, e sua jornada é linda! Todo distanciamento e contato com a natureza o fazem ver o quanto somos selvagens e egoístas em nosso estilo de vida, e o quanto o contato humano é importante. Hoje, dividir, compartilhar, pedir ajuda, se declarar a alguém é sinônimo de fraqueza. Até nisso, a jornada de McCandless nos emociona, e no momento crucial de sua vida, depois de ter passado por momentos únicos, ele percebe do que adianta toda a felicidade se ela não for compartilhada?
Para mim, essa é a lição mais bela que Na Natureza Selvagem (Into the Wild, 2007) nos deixa. Procuremos nossa felicidade, mas que ela seja dividida com quem possa estar à nossa volta, para que assim ela seja verdadeira.
Katyn
3.8 103Caso fosse uma produção hollywoodiana, com certeza haveria certas críticas na tentativa de desqualificar o filme, como em Stalin (1992), por exemplo. Mas não, aqui temos uma produção polonesa. Apesar de alguns momentos em que a passagem de tempo nos deixa confusos, isso em nada atrapalha o entendimento dos fatos. O massacre de Katyn é horrendo, algo brutal, e isso acaba deixando claro que o Comunismo Soviético em nada se difere do Nazismo de Hitler. Sem falar que anos antes, outra atrocidade já tinha sido cometida contra outra nação: a Ucrânia tinha sofrido um Holodomor conduzido por Stalin e seu regime. É incrível imaginar ainda hoje haver certo saudosismo pelos "grandes tempos" de Stalin e da União Soviética; chega a ser absurdo.
Cinematograficamente, Katyn é competente no envolvimento que causa em quem assiste. As angústias do povo polonês estar no meio do fogo cruzado, nazistas de um lado, soviéticos de outro, e as famílias sendo fragmentadas com a guerra, é impossível não sentir algo estranho, imaginar que aquilo foi possível. O filme deixa a desejar na montagem do roteiro não linear, alguns personagens vão aparecendo sem que se explique um pouco mais quem são, mas é um detalhe pouco relevante para o peso que a história tem.
O filme conseguiu indicação ao Oscar 2008 de Filme Estrangeiro, mas perdeu para uma obra que foi Os Falsários (Die Fälscher, 2007), que também aborda a 2ª Guerra Mundial.
Amadeus
4.4 1,1KO que dizer desse grande filme que é Amadeus?
Condução primorosa do premiado Milos Forman (Um Estranho No Ninho, 1975), roteiro empolgante e divertido, direção de arte esplêndida, trilha sonora impecável, figurino maravilhoso e, para fechar a "conta", uma grande interpretação de F. Murray Abraham e Tom Hulce. Tudo isso "apenas" para contar a história do gênio da música, Mozart. O filme é um deleite em todos os aspectos: primeiro, para conhecer um pouco da vida de Mozart em sua genialidade, excentricidade e, por que não, seus devaneios e toda a inveja que seu talento causava na alta corte de Viena do século XVIII. É impossível não se imergir na história contada. Segundo, pela grande capacidade que o filme tem de despertar a curiosidade sobre música clássica, mostrando de forma muito satisfatória todo o processo de criação de uma peça clássica ou uma sinfonia, por exemplo. Aos poucos, vamos nos dando conta do quanto é bela e grandiosa a música clássica. Em tempos de "mc qualquer coisa" e "mc não tem importância", percebemos que o que temos hoje, em muitos aspectos da música, seja qual for o gênero, está longe de qualquer beleza ou evolução artística. No entanto, vale ressaltar também o lado não tão nobre assim da vida de Mozart: seu lado festeiro, seus excessos, a inveja ao seu redor, sua solidão e a falta de amigos que culminaram na deterioração de sua saúde física e mental.
Mas, de qualquer forma, Amadeus é um grande espetáculo cinematográfico!
Um Estranho no Ninho
4.4 1,8K Assista AgoraFilme excepcional, muito divertido e de grande valor, com uma interpretação fora de série de Jack Nicholson. Christopher Lloyd em seu primeiro papel no cinema também está muito bom, e, por fim, Danny DeVito, todos perfeitos para esse filme.
Como não questionar depois de assistir a esse filme sobre o que é normal ou não, quem são os loucos da história? A naturalidade com que McMurphy (Jack Nicholson) interage com os pacientes, tratando-os como iguais, de certa forma, nos faz pensar. Será que não é esse o caminho para tais pessoas terem uma vida mais dinâmica e menos controlada ou robotizada, e, quem sabe, uma recuperação? É incrível ver o caos que se cria quando McMurphy começa a quebrar as regras, como tudo foge ao controle, mas nem por isso maléfico. A busca por liberdade e mais autonomia por parte de McMurphy o faz ser um grande "estorvo" daquela ala psiquiátrica, e é incrível esse paralelo que o filme faz: quando algo vai de oposto ao preestabelecido, forças e autoridades se criam para manter a ordem, mesmo que isso castre de fato a sanidade ou habilidades de alguém, mesmo que isso o transforme em um zumbi. Quanto a isso, o filme é bem triste, mostrando que em território hostil, seja onde for, todo cuidado é pouco.
O final tira toda a aura leve e divertida do filme, é triste e surpreendente.
11:14
3.6 199Filme eletrizante, efeito borboleta total, onde uma pequena ação desencadeia toda uma série de eventos e não é possível mais ter controle de nada.
É quase impossível que esse filme tenha tal ritmo caso fosse um roteiro linear. O ritmo dos acontecimentos brinca com quem está assistindo, e o tempo todo queremos saber: "com quem se iniciou tudo isso? Quem é o verdadeiro culpado?" A resposta e os motivos de toda a cadeia de acontecimentos são surpreendentes. É um filme simples, é verdade. O roteiro não linear e a forma como a história se monta lembram bem uma obra-prima de Christopher Nolan, o filme Amnésia (Memento, 2000). 11:14 é um filme simples, mas muito divertido, e com um leve questionamento sobre as consequências de nossas escolhas, nesse caso, as más escolhas e os maus caminhos.
Criação
3.7 353Quem esperava ver um filme abordando todas as consequências e as mudanças de pensamento após o lançamento de A Origem das Espécies pode ter se decepcionado um pouco. No entanto, a abordagem de todo o drama de Darwin e suas crises de consciência, que o levaram a adiar ao máximo o lançamento do livro devido à sensação de ter uma 'bomba' em mãos, e a dor da perda da filha, além de como isso refletiu em sua vida e em seu casamento, é muito bem mostrada, mesmo que algumas coisas possam ter sido exageradas ou suavizadas. As interpretações de Paul Bettany como Darwin e Jennifer Connelly como Emma Darwin são bastante satisfatórias. O momento em que ambos têm uma discussão perto do final, onde ela finalmente lhe dá permissão para que ele termine e lance o livro, é bem emocionante.
Casa Vazia
4.2 409"Quando as palavras deixam de ter o seu valor, deixam de fazer sentido; o que sobra é o silêncio. No entanto, há momentos em que o silêncio pode dizer muito mais do que muitas palavras."
A princípio, é angustiante ver os protagonistas não terem um diálogo sequer, nenhuma palavra trocada. Mas logo percebemos que a fuga que ambos procuram e necessitam não requer mais palavras. Estar junto, o fazer algo por menor que seja, torna-se mais importante.
Réquiem para um Sonho
4.3 4,4K Assista AgoraA surrealidade desse filme é incrível, com uma edição de som perfeita o tempo todo. Somos transportados para a insanidade e os vícios de cada personagem. Talvez este seja um dos poucos filmes capazes de mostrar, com jogo de imagens e sons em vários momentos, a dificuldade de se libertar da dependência química e os momentos graves de abstinência de forma muito original. Chegando a levar à loucura total de certos personagens, como o caso da senhora Ada (Louise Lasser). A mistura angustiante por parte dos personagens de "saberem" de sua doença de alguma forma, mas por estarem profundamente dependentes daquilo, até as realizações que possam ser feitas, sonhos a construir, a droga estará sempre presente de alguma forma, como uma válvula de escape para o medo, solidão e frustrações do dia a dia. É um filme incrivelmente decadente quanto a isso, onde todos pagam um preço bem alto por seus vícios.
Antes da Meia-Noite
4.2 1,5K Assista AgoraEste talvez seja o mais denso dos três filmes e também o mais intenso em determinados momentos, além de ser o mais belo. Nota-se um cuidado maior com o filme, apesar de ter semelhanças e contrastes com os dois primeiros. Obviamente, aqui é perceptível a atenção maior com a fotografia, trilha sonora e montagem das cenas, algumas carregando um simbolismo mais forte para o desenvolvimento e entendimento do filme. A Grécia, como pano de fundo, ficou muito bonita, com lindas estradas, becos onde se respira história e lugares que inspiram a boa convivência e celebrar a vida, curtir o momento.
Aqui vemos Jesse (Ethan Hawke) e Celine (Julie Delpy) em um círculo de amigos, com momentos interessantíssimos de confraternização, onde acontecem reflexões sobre os momentos e as fases da vida, tudo num ambiente agradável propício para uma conversa de valor. No entanto, tudo de forma bem descontraída. Richard Linklater consegue conduzir isso muito bem.
Jesse e Celine, enfim, juntos nessa terceira parte da jornada e agora pais, percebem o valor que um representa para o outro. Apesar do ritmo ser diferente e sem as inseguranças do começo da idade adulta ou a necessidade de grandes aventuras, formam um casal comum com uma história incomum. Mas isso não tira os questionamentos e conflitos que essa fase da vida iria trazer. Nesse filme, podemos ver toda a personalidade forte de Celine em não querer ser "domada" ou ser submissa. Por outro lado, Jesse procura o equilíbrio para manter a família que ama e tentar estar presente na educação do filho de seu primeiro casamento. Mas isso faz com que se crie uma grande tensão entre eles em um dado momento. Algo marcante foi todo aquele conjunto de cenas deles caminhando por aproximadamente 18 minutos, conversando por pequenas ruas descontraidamente sobre coisas banais, coisas de casal, e posteriormente terminando com uma crise onde acabam trazendo suas diferenças para serem resolvidas ali no hotel. Foi maravilhosa a interpretação de Hawke e Julie, com uma verdade muito intensa de ambos ali. Por fim, Jesse tenta resgatar todo aquele encanto e mostrar para Celine que sempre estará com ela, apesar dos pesares. Também foi muito legal ver Celine tentando voltar às raízes juvenis e resgatar toda a magia do casal. Foi um desfecho excelente!
Antes do Pôr-do-Sol
4.2 1,5K Assista AgoraApesar de o primeiro filme ser um pouco mais interessante em alguns diálogos, já se passaram nove anos e os questionamentos um pouco mais maduros por parte de Jesse (Ethan Hawke) e Celine (Julie Delpy) fazem com que pensemos nas escolhas não feitas e nos caminhos não seguidos por circunstâncias da vida ou do momento, tanto por parte dos personagens quanto nossas próprias. Algo forte neste filme é o quanto o breve momento que tiveram no passado marcou a vida de Jesse e Celine; arrependimentos surgem por questões simples, como não terem pegado endereço ou telefone. Richard Linklater conduz o filme de forma eficaz, mantendo a ligação entre o casal. Ambos, mais vividos, acabam logicamente recordando muita coisa, mas agora com certa maturidade. Temos a sensação de que é necessário tomar uma grande decisão na vida de Jesse e Celine, e aí somos transportados mais uma vez a essa causalidade, aos lugares comuns onde a vida e os caminhos se definem o tempo todo. Mas agora, como pano de fundo, Paris. Por fim, o entardecer chega e não há respostas definitivas, o que não chega a ser ruim. É uma pena que o filme seja tão breve.
Antes do Amanhecer
4.3 1,9K Assista AgoraA simplicidade desse filme e a capacidade de ligação afetiva que vai sendo construída entre os personagens Jesse (Ethan Hawke) e Celine (Julie Delpy) é maravilhosa, tornando-o único. Faz-nos sem dúvida alguma questionar como podemos estar perdendo oportunidades em conhecer o novo e fazer ligações verdadeiras, mesmo que por breves momentos, por estarmos sempre tentando levar uma vida de forma linear e organizada. Jesse e Celine arriscaram-se e viveram uma pequena aventura que mudou o conceito de paixão, amor e felicidade de ambos naquele momento. A forma como isso é conduzido por Richard Linklater é simples, apesar de ter como pano de fundo os pontos turísticos de Viena. A construção dos diálogos e descobertas ocorre em lugares comuns, ao som ambiente de uma praça, um bonde, um cemitério, um café, algo próximo a todos, o que traz um toque muito humano e simples ao filme.
Algo que me chamou atenção desde o início foi aquela longa cena no bonde, de aproximadamente seis minutos, onde Jesse e Celine fazem um pequeno jogo de perguntas e respostas. Ali não há corte, e o tempo todo é dedicado ao diálogo dos dois, enquanto o som dos carros ao fundo complementa a cena. Essa abordagem é bastante interessante e representa bem a proposta do filme, na minha opinião.