Apenas um sentimento de que esse filme realmente falou comigo hoje, por meio daquela perfeita mensagem dentro da carteira presenteada por Sean O'Connell. Ler a logo da LIFE ali foi como encontrar o bilhete que contém a justa sabedoria para o bom viver, dentro de uma garrafa de vidro perdida numa praia qualquer, depois de percorrer um oceano inteiro através do movimento das ondas até chegar por acaso em nossas mãos.
Às vezes estamos tão desconectados da realidade, vivendo de forma apática e tão distantes dos nossos sonhos, que esquecemos que o propósito último se encontra nas variadas experiências de ver o mundo e senti-lo. E como o fotógrafo nos lembra: o que é belo não clama por atenção. Mas para vê-lo, precisamos ir ao seu encontro, nos deparar com os perigos que virão, olhar atrás dos muros e chegar mais perto.
O mais importante sobre isso é que não se exige uma câmera para registrar o belo, basta voltar os olhos para dentro daquele precioso momento e ali ficar, no interior dele durante o tempo que nos for necessário. É também este o significado de atenção plena e talvez por isso que, ao menos para mim, estas sejam as ocasiões em que verdadeiramente me sinto completa e todo o vazio natural da existência se esgota, porque ali me preencho com a autêntica beleza de estar presente percebendo o mundo e sentindo-o. Este o sentido que me integra à experiência de viver e que posso revisitar sempre, em qualquer tempo ou lugar.
Diante dessa premissa, a melhor instrução de todas as pistas desvendadas por Walter Mitty é: uma vez aqui, divirta-se nessa viagem!
Dentre tantas reflexões sobre a maternidade e o luto precoce, esse filme traz uma problemática que ultimamente todas as mulheres héteros e cis que conheço reclamam: seus companheiros só dão apoio quando as coisas estão bem. Quando tudo vai mal e desmorona, elas que segurem a barra delas, a deles e a da relação. Nos primeiros trinta minutos pensamos "que marido e pai incrível ele vai ser!", mas no restante do filme vemos a sua transformação no que realmente é, mais um cara babaca.
- Deu muita confusão o outro festival? - Deu, deu bastante. - Mesmo assim, é a favor? - Mesmo assim, eu sou a favor. Eu acho bacana, os hippies. - E você estava dizendo agora há pouco o quê? Muita sem-vergonhice, como é? - Eu acho bastante depravação. Eles abusam bastante. - Mesmo assim, você é a favor do festival? - Sou a favor.
Belíssima fotografia-viva, mas confesso que não consegui estabelecer o pacto ficcional com o filme. Não sei se porquê me falta algum conhecimento sobre a cultura tailandesa ou mesmo a respeito do budismo, mas o caso foi que mesmo tendo me deixado levar despretensiosamente pelas paisagens, cores, e simbolismos evocados, não consegui apreciá-lo por inteiro.
"Enfim, é assim que após uns doze anos de ausência e apesar do medo, eu decidi voltar a vê-los. Há uma gama de motivações, que vem de nós mesmos, que não se relaciona a ninguém mais além de nós, que nos impulsiona a sair pela vida afora, a não olhar para trás. Da mesma forma, existe uma variedade tão grande de motivações quanto essas que nos fazem voltar. Foi assim que após todos esses anos, tomei a decisão de voltar atrás. De fazer a viagem...
para anunciar minha morte. Anunciá-la eu próprio e sentir poder dar a mim mesmo e aos outros, pela última vez... a ilusão de estar até este extremo senhor de mim mesmo".
Olha, Villeneuve já se mostrou capaz de conduzir uma obra de ficção científica, mas eu sinceramente sinto que a tarefa de dirigir Dune deveria ser entregue a Jodorowsky. O cara passou a vida inteira idealizando o filme, criou storyboard preparando toda a linguagem visual para ser transportada ao cinema, que inclusive influenciou posteriormente diversos filmes de sci-fi; além do fato de ter uma proposta revolucionária e filosófica para o longa.
Se Frank Herbert é o pai, Jodorowsky é o padrinho.
O medo é tão bem performado no olhar e discurso dos personagens que é quase como um personagem oculto, mas que se encontra presente em todas as três possibilidades narrativas como um fantasma sempre à espreita.
Assim como Kundera estava para a literatura, Kieślowski estava para o cinema: ambos conceberam obras politicamente engajadas e de denúncia frente as atrocidades de regimes autoritários. Ambientado no final da década de 1970 na Polônia subjugada pela URSS, o enredo oferece também uma gama de reflexões que constituem o autêntico movimento da narrativa.
Kieślowski propõe em "Przypadek" um passeio filosófico circundado por questões metafísicas fundamentais: que é a liberdade? temos livre-arbítrio? Deus existe? Esses enigmas percorrem a história revelando que, diante de cada escolha e episódio aleatório ou imprevisível, podemos nos encontrar frente ao limiar de uma nova e singular existência para nós. Uma atitude que tomamos ou deixamos de tomar pode abrir um horizonte de possibilidades para sermos um outro que não este que até aqui se apresentou.
Diante desse pressuposto, a história apresenta três possibilidades do que poderiam ter acontecido a Witek. Em todos os casos, porém, o filme enuncia os mesmos questionamentos ao espectador: qual o momento exato em que passado e futuro se tornam irremediáveis perante as nossas escolhas? onde se escondem e se atravessam as fronteiras do destino? como as vicissitudes do acaso interferem nas nossas decisões? que papel Deus (se existe) desempenha diante do livre-arbítrio e da grande roda da fortuna?
É uma obra tanto ousada, por empreender uma dura crítica ao totalitarismo stalinista em plena URSS, como também perspicaz, na medida em que Kieślowski se utiliza justamente desse cenário ditatorial para abordar o tema da liberdade e a evidente constatação de que cidadão algum pode gozar da plenitude de seus direitos se é vítima de censura ou perseguição ideológica.
Dos melhores enredos com temática jurídica que já assisti e um pratão cheio para quem curte as peripécias que o direito penal percorre. Preminger nos apresenta uma sofisticada trama que entrelaça dois crimes cuja autoria e consumação são suspeitáveis e duvidosas, a princípio, ao espectador.
Se de início estamos mais interessados em saber o que realmente aconteceu na fatídica noite do assassinato de Barney Quill, com o desdobrar-se dos fatos, somos embalados docilmente a um cenário de tribunal e arguições onde o que mais nos instiga e estimula o olhar não é mais a cronologia dos eventos ou a veracidade das acusações, mas sim a forma com a qual aquele julgamento vai sendo conduzido, as ardilosas argumentações apresentadas pelas partes, o modo pelo qual as testemunhas do caso são direcionadas pela defesa e acusação a fim de favorecer a um dos lados. E nesse decurso, as atuações de James Stewart e George C. Scott são preciosíssimas para imprimir uma atmosfera de embate jurídico.
É fabuloso também as variações de humor e afeições que sentimos diante de cada personagem, especialmente os que estão diretamente envolvidos no caso. Senti isso em particular com a Laura Manion, em razão de alegar ter sofrido estupro. É sabido que, em um tribunal do júri nas décadas de 50/60, o testemunho de uma mulher abusada era (e ainda é) frequentemente nulificado por uma série de narrativas caluniosas que situavam-na no imaginário social como uma pessoa dissimulada, interesseira, infiel e sedutoramente provocativa: em resumo, she was asking for it.
Sob uma ótica histórico-feminista, é de difícil tarefa manter-se neutra diante do testemunho legal de uma mulher que alega ter sido vítima de abuso sexual. Situações como essa fazem resgatar um certo sentimento de incômodo pelo fato de que o Direito no ocidente pouco ou nada tem sido de gentil perante o depoimento feminino nos tribunais. Era exceção dar validade a essa voz, que comumente tinha cor e classe social. Contudo, sob uma perspectiva jurídica, é indispensável manter-se atento e conscientemente imparcial frente as provas, evidências e a constituição dos fatos - do contrário não é possível um julgamento justo. Para mim, esta é uma das atraentes armadilhas que Preminger consegue astuciosamente arremessar aos espectadores, ao atiçar e confundir nossas crenças e valores pessoais.
Confesso que meu primeiro encontro com Bukowski foi desagradável. Há uns oito anos, comprei "Fabulário Geral do Delírio Cotidiano" porque alguém que admirava na época falava maravilhas do véi. A visão unilateral masculina e evidentemente repleta de misoginia que atravessavam a leitura me fizeram construir uma imagem bem antipática a qualquer coisa que o envolvesse. Até que ano passado li pela primeira vez alguns de seus poemas e vi que, por trás dessa caricatura de velho safado, existia um profundo lastro de sensibilidade na obra poética que reflete a irremediável tragédia da condição humana. Desde então, tenho lido Bukowski com certa frequência e considerado-o um dos maiores poetas do séc. XX. E esse documentário é justamente interessante para conhecer esse outro lado do Buk.
Uma das cenas mais marcantes do documentário é quando Bukowski lê, por engano, "The Shower":
Ê Arnaldão inclassificável! Um documentário bem gostosinho para conhecer a sua trajetória artística, suas veredas musicais e poéticas, como elas se cruzam e se imbricam. Arnaldo é um amante da linguagem, da comunicação verbal e não-verbal. Muito me agrada a forma com que ele brinca, tece, faz e refaz aquilo que pode ser expresso e compreendido. E, ainda por cima, esse documentário contém muitas passagens bacanas para refletir a relação da poesia com a filosofia, que abre margem para se pensar o poético como esse campo metafísico de aberturas, de presentificação das inúmeras possibilidades daquilo que pode ser comunicado.
"A gente não sabe a origem da linguagem qual que é, né? Como é que o grunhido virou palavra? Essa origem da linguagem que vem das coisas, que a linguagem presentifica as coisas do mundo... Essa origem que a gente não sabe, mas supõe que possa ter existido, a gente meio que reconstitui isso quando faz poesia".
"There is in every madman a misunderstood genius whose idea, shining in his head, frightened people, and for whom delirium was the only solution to the strangulation that life had prepared for him".
Depois de assisti-lo, creio que passarei ao menos 24h sem me alimentar. Disgusting.
Discordo de quem o considera ultrapassado para as definições contemporâneas de "chocante". Ao contrário, o filme perdura como uma das obras mais ousadas e singulares, que ainda tem a capacidade de provocar consternação ao olhar do espectador mesmo passados mais de quarenta anos de sua estréia. É genial e perturbadora, ainda que desagradável e de difícil digestão.
Salò comunica a perversão humana no seu nível mais grotesco de sordidez a partir de uma temática tabu: o sexo e a sexualidade. É um filme que desagrada de muitas maneiras e este, sem dúvidas, é um fator adicional. Talvez, fosse um filme que discutisse a perversidade da natureza humana com muito conteúdo violento - mas evitando o tema da sexualidade -, as pessoas não o achassem tão insólito e bizarro. Entende-se porquê Sade era tão odiado. Entende-se porquê Foucault foi tão enfático em sua História da Sexualidade.
Não se trata de um filme dinâmico e algumas cenas podem ser tão insustentáveis ao olhar, ao ponto de que precisei pulá-las para evitar embrulho no estômago, como aquelas presentes no ciclo da merda, urgh! Ainda assim, dispõe de um conteúdo crítico vasto, sagaz e atualíssimo para além dos sombrios tempos de ascensão de governos nazi-fascistas. Embora aborde as relações de poder e sadismo inscritas em regimes totalitários da extrema direita na metade do séc. XX, em uma releitura da obra de Sade, esse tipo de encenação da violência e desfile de crueldades ainda podem ser observados hoje. Durante o filme, não pude deixar de lembrar, por exemplo, da recente polêmica envolvendo a seita por trás da organização Nxivm, que extorquia e explorava sexualmente mulheres e da qual Allison Mack (a Chloe de Smallville) fazia parte. At long last, Salò se mantém chocante, pois persiste como uma realidade: a humanidade, em qualquer período histórico, abraçaria a perversão no seu lado mais obscuro e íntimo não fosse o freio moral e o senso de responsabilidade perante a si e o outro.
Um sentimento do início ao fim: que difícil será para algum artista superar o olhar expressivo de Maria Falconetti!
Ela tem uma habilidade excepcional de transmitir, em apenas um shot e com tamanha vivacidade, sentimentos de angústia, pesar, devoção e, até mesmo, insanidade. Obviamente, os close-ups contribuíram em realçar o realismo das emoções, mas até hoje não vi quem melhor usasse o olhar para encenar o que se passa no âmago de um personagem. Baita interpretação!
"Kes" é um retrato fidedigno das injustiças cometidas pelas figuras de autoridade no interior do ambiente escolar e de como essas relações hierárquicas abusivas podem moldar a personalidade juvenil, gerando sofrimentos, baixa autoestima e falta de perspectiva. Segue uma abordagem bastante semelhante a de "Os Incompreendidos", de Truffaut, ao apresentar uma juventude incompreendida, marcada pelo abandono familiar e relegada à própria sorte.
Casper me cativou no momento em que passou a contar, em sala de aula, a história da sua relação com Kes. É bonito perceber que, mesmo em meio a tanta dor e desprezo, o personagem tem a capacidade de encontrar um motivo para seguir em frente na figura de um falcão. Nesse sentido, Kes é muito mais que um amigo, ele representa uma trindade: a esperança, a liberdade e o afeto.
Ps.: fiquei desejosa por uma versão desse filme tendo como trilha sonora o álbum Another Brick in the Wall, do Pink Floyd.
Em tempos de pós-verdade e fake news, A Montanha dos Sete Abutres se mantém um clássico atualíssimo que enseja diversas discussões na esfera da ética jornalística. Indispensável para quem se interessa pela temática!
“Eu não fiz nenhuma faculdade, mas sei criar uma boa matéria, porque antes de trabalhar em um jornal, eu os vendia nas ruas. Sabe a primeira coisa que aprendi? Notícias ruins vendem mais. Porque boas notícias não são notícias.”
A Vida Secreta de Walter Mitty
3.8 2,0K Assista AgoraApenas um sentimento de que esse filme realmente falou comigo hoje, por meio daquela perfeita mensagem dentro da carteira presenteada por Sean O'Connell. Ler a logo da LIFE ali foi como encontrar o bilhete que contém a justa sabedoria para o bom viver, dentro de uma garrafa de vidro perdida numa praia qualquer, depois de percorrer um oceano inteiro através do movimento das ondas até chegar por acaso em nossas mãos.
Às vezes estamos tão desconectados da realidade, vivendo de forma apática e tão distantes dos nossos sonhos, que esquecemos que o propósito último se encontra nas variadas experiências de ver o mundo e senti-lo. E como o fotógrafo nos lembra: o que é belo não clama por atenção. Mas para vê-lo, precisamos ir ao seu encontro, nos deparar com os perigos que virão, olhar atrás dos muros e chegar mais perto.
O mais importante sobre isso é que não se exige uma câmera para registrar o belo, basta voltar os olhos para dentro daquele precioso momento e ali ficar, no interior dele durante o tempo que nos for necessário. É também este o significado de atenção plena e talvez por isso que, ao menos para mim, estas sejam as ocasiões em que verdadeiramente me sinto completa e todo o vazio natural da existência se esgota, porque ali me preencho com a autêntica beleza de estar presente percebendo o mundo e sentindo-o. Este o sentido que me integra à experiência de viver e que posso revisitar sempre, em qualquer tempo ou lugar.
Diante dessa premissa, a melhor instrução de todas as pistas desvendadas por Walter Mitty é: uma vez aqui, divirta-se nessa viagem!
Pedaços De Uma Mulher
3.8 544 Assista AgoraDentre tantas reflexões sobre a maternidade e o luto precoce, esse filme traz uma problemática que ultimamente todas as mulheres héteros e cis que conheço reclamam: seus companheiros só dão apoio quando as coisas estão bem. Quando tudo vai mal e desmorona, elas que segurem a barra delas, a deles e a da relação. Nos primeiros trinta minutos pensamos "que marido e pai incrível ele vai ser!", mas no restante do filme vemos a sua transformação no que realmente é, mais um cara babaca.
Gosto de Cereja
4.0 224 Assista Agoravais abdicar de experimentar o gosto das cerejas? - isto bem que poderia ser uma epígrafe de "o mito de sísifo".
O Barato de Iacanga
4.2 76Mano do céu, o Brasil de 2020 precisa de mais pessoas como a senhorinha deste diálogo:
- Deu muita confusão o outro festival?
- Deu, deu bastante.
- Mesmo assim, é a favor?
- Mesmo assim, eu sou a favor. Eu acho bacana, os hippies.
- E você estava dizendo agora há pouco o quê? Muita sem-vergonhice, como é?
- Eu acho bastante depravação. Eles abusam bastante.
- Mesmo assim, você é a favor do festival?
- Sou a favor.
HAHAHAHAHAHA VIREI FÃ
Jovens, Loucos e Rebeldes
3.7 447 Assista AgoraLinklater, Linklater, ainda bem que você cresceu...
Vidas sem Destino
3.7 657Teria adorado assisti-lo durante o final da minha adolescência, hoje não.
Tio Boonmee, Que Pode Recordar Suas Vidas Passadas
3.6 196Belíssima fotografia-viva, mas confesso que não consegui estabelecer o pacto ficcional com o filme. Não sei se porquê me falta algum conhecimento sobre a cultura tailandesa ou mesmo a respeito do budismo, mas o caso foi que mesmo tendo me deixado levar despretensiosamente pelas paisagens, cores, e simbolismos evocados, não consegui apreciá-lo por inteiro.
Dias Selvagens
3.8 72Ouvir "Perfídia" durante uma passagem tocante do filme deixou um lastro de melancolia que só "O amor nos tempos do cólera" me causou até hoje.
Coringa
4.4 4,1K Assista AgoraComentário necessário:
VIDA ETERNA AO SUS ❤️
É Apenas o Fim do Mundo
3.5 302 Assista Agora"Enfim, é assim que após uns doze anos de ausência e apesar do medo, eu decidi voltar a vê-los. Há uma gama de motivações, que vem de nós mesmos, que não se relaciona a ninguém mais além de nós, que nos impulsiona a sair pela vida afora, a não olhar para trás. Da mesma forma, existe uma variedade tão grande de motivações quanto essas que nos fazem voltar. Foi assim que após todos esses anos, tomei a decisão de voltar atrás. De fazer a viagem...
para anunciar minha morte. Anunciá-la eu próprio e sentir poder dar a mim mesmo e aos outros, pela última vez... a ilusão de estar até este extremo senhor de mim mesmo".
https://www.youtube.com/watch?v=sMeRXE8tVc0&feature=youtu.be
Duna: Parte 1
3.8 1,6K Assista AgoraOlha, Villeneuve já se mostrou capaz de conduzir uma obra de ficção científica, mas eu sinceramente sinto que a tarefa de dirigir Dune deveria ser entregue a Jodorowsky. O cara passou a vida inteira idealizando o filme, criou storyboard preparando toda a linguagem visual para ser transportada ao cinema, que inclusive influenciou posteriormente diversos filmes de sci-fi; além do fato de ter uma proposta revolucionária e filosófica para o longa.
Se Frank Herbert é o pai, Jodorowsky é o padrinho.
Incêndios
4.5 1,9KEsse aqui ganhou o prêmio de melhor plot twist da história do cinema.
História pedregosa e, com um plot twist desses, não tem como esquecer.
Sorte Cega
4.1 62 Assista AgoraO medo é tão bem performado no olhar e discurso dos personagens que é quase como um personagem oculto, mas que se encontra presente em todas as três possibilidades narrativas como um fantasma sempre à espreita.
Sorte Cega
4.1 62 Assista AgoraAssim como Kundera estava para a literatura, Kieślowski estava para o cinema: ambos conceberam obras politicamente engajadas e de denúncia frente as atrocidades de regimes autoritários. Ambientado no final da década de 1970 na Polônia subjugada pela URSS, o enredo oferece também uma gama de reflexões que constituem o autêntico movimento da narrativa.
Kieślowski propõe em "Przypadek" um passeio filosófico circundado por questões metafísicas fundamentais: que é a liberdade? temos livre-arbítrio? Deus existe? Esses enigmas percorrem a história revelando que, diante de cada escolha e episódio aleatório ou imprevisível, podemos nos encontrar frente ao limiar de uma nova e singular existência para nós. Uma atitude que tomamos ou deixamos de tomar pode abrir um horizonte de possibilidades para sermos um outro que não este que até aqui se apresentou.
Diante desse pressuposto, a história apresenta três possibilidades do que poderiam ter acontecido a Witek. Em todos os casos, porém, o filme enuncia os mesmos questionamentos ao espectador: qual o momento exato em que passado e futuro se tornam irremediáveis perante as nossas escolhas? onde se escondem e se atravessam as fronteiras do destino? como as vicissitudes do acaso interferem nas nossas decisões? que papel Deus (se existe) desempenha diante do livre-arbítrio e da grande roda da fortuna?
É uma obra tanto ousada, por empreender uma dura crítica ao totalitarismo stalinista em plena URSS, como também perspicaz, na medida em que Kieślowski se utiliza justamente desse cenário ditatorial para abordar o tema da liberdade e a evidente constatação de que cidadão algum pode gozar da plenitude de seus direitos se é vítima de censura ou perseguição ideológica.
Anatomia de um Crime
4.1 133 Assista AgoraDos melhores enredos com temática jurídica que já assisti e um pratão cheio para quem curte as peripécias que o direito penal percorre. Preminger nos apresenta uma sofisticada trama que entrelaça dois crimes cuja autoria e consumação são suspeitáveis e duvidosas, a princípio, ao espectador.
Se de início estamos mais interessados em saber o que realmente aconteceu na fatídica noite do assassinato de Barney Quill, com o desdobrar-se dos fatos, somos embalados docilmente a um cenário de tribunal e arguições onde o que mais nos instiga e estimula o olhar não é mais a cronologia dos eventos ou a veracidade das acusações, mas sim a forma com a qual aquele julgamento vai sendo conduzido, as ardilosas argumentações apresentadas pelas partes, o modo pelo qual as testemunhas do caso são direcionadas pela defesa e acusação a fim de favorecer a um dos lados. E nesse decurso, as atuações de James Stewart e George C. Scott são preciosíssimas para imprimir uma atmosfera de embate jurídico.
É fabuloso também as variações de humor e afeições que sentimos diante de cada personagem, especialmente os que estão diretamente envolvidos no caso. Senti isso em particular com a Laura Manion, em razão de alegar ter sofrido estupro. É sabido que, em um tribunal do júri nas décadas de 50/60, o testemunho de uma mulher abusada era (e ainda é) frequentemente nulificado por uma série de narrativas caluniosas que situavam-na no imaginário social como uma pessoa dissimulada, interesseira, infiel e sedutoramente provocativa: em resumo, she was asking for it.
Sob uma ótica histórico-feminista, é de difícil tarefa manter-se neutra diante do testemunho legal de uma mulher que alega ter sido vítima de abuso sexual. Situações como essa fazem resgatar um certo sentimento de incômodo pelo fato de que o Direito no ocidente pouco ou nada tem sido de gentil perante o depoimento feminino nos tribunais. Era exceção dar validade a essa voz, que comumente tinha cor e classe social. Contudo, sob uma perspectiva jurídica, é indispensável manter-se atento e conscientemente imparcial frente as provas, evidências e a constituição dos fatos - do contrário não é possível um julgamento justo. Para mim, esta é uma das atraentes armadilhas que Preminger consegue astuciosamente arremessar aos espectadores, ao atiçar e confundir nossas crenças e valores pessoais.
Bukowski: Born into This
4.5 137Confesso que meu primeiro encontro com Bukowski foi desagradável. Há uns oito anos, comprei "Fabulário Geral do Delírio Cotidiano" porque alguém que admirava na época falava maravilhas do véi. A visão unilateral masculina e evidentemente repleta de misoginia que atravessavam a leitura me fizeram construir uma imagem bem antipática a qualquer coisa que o envolvesse. Até que ano passado li pela primeira vez alguns de seus poemas e vi que, por trás dessa caricatura de velho safado, existia um profundo lastro de sensibilidade na obra poética que reflete a irremediável tragédia da condição humana. Desde então, tenho lido Bukowski com certa frequência e considerado-o um dos maiores poetas do séc. XX. E esse documentário é justamente interessante para conhecer esse outro lado do Buk.
Uma das cenas mais marcantes do documentário é quando Bukowski lê, por engano, "The Shower":
Linda, você trouxe isso pra mim.
"Quando você se afastar,
Faça devagar e suavemente
Faça como se eu tivesse morrendo
No meu sonho em vez da minha vida,
Amém."
Paris, Texas
4.3 696 Assista AgoraParis, Texas: a ausência pode ser nociva, mas o perdão é redentor.
Com a palavra, Arnaldo Antunes
4.2 22Ê Arnaldão inclassificável! Um documentário bem gostosinho para conhecer a sua trajetória artística, suas veredas musicais e poéticas, como elas se cruzam e se imbricam. Arnaldo é um amante da linguagem, da comunicação verbal e não-verbal. Muito me agrada a forma com que ele brinca, tece, faz e refaz aquilo que pode ser expresso e compreendido. E, ainda por cima, esse documentário contém muitas passagens bacanas para refletir a relação da poesia com a filosofia, que abre margem para se pensar o poético como esse campo metafísico de aberturas, de presentificação das inúmeras possibilidades daquilo que pode ser comunicado.
"A gente não sabe a origem da linguagem qual que é, né? Como é que o grunhido virou palavra? Essa origem da linguagem que vem das coisas, que a linguagem presentifica as coisas do mundo... Essa origem que a gente não sabe, mas supõe que possa ter existido, a gente meio que reconstitui isso quando faz poesia".
Loucuras de um Gênio
4.4 71Certo estava Antonin Artaud:
"There is in every madman a misunderstood genius whose idea, shining in his head, frightened people, and for whom delirium was the only solution to the strangulation that life had prepared for him".
R.I.P., Daniel!
1900
4.3 101 Assista AgoraVim aqui só para deixar o meu Bella Ciao à partigiana.
Salò, ou os 120 Dias de Sodoma
3.2 1,0KDepois de assisti-lo, creio que passarei ao menos 24h sem me alimentar. Disgusting.
Discordo de quem o considera ultrapassado para as definições contemporâneas de "chocante". Ao contrário, o filme perdura como uma das obras mais ousadas e singulares, que ainda tem a capacidade de provocar consternação ao olhar do espectador mesmo passados mais de quarenta anos de sua estréia. É genial e perturbadora, ainda que desagradável e de difícil digestão.
Salò comunica a perversão humana no seu nível mais grotesco de sordidez a partir de uma temática tabu: o sexo e a sexualidade. É um filme que desagrada de muitas maneiras e este, sem dúvidas, é um fator adicional. Talvez, fosse um filme que discutisse a perversidade da natureza humana com muito conteúdo violento - mas evitando o tema da sexualidade -, as pessoas não o achassem tão insólito e bizarro. Entende-se porquê Sade era tão odiado. Entende-se porquê Foucault foi tão enfático em sua História da Sexualidade.
Não se trata de um filme dinâmico e algumas cenas podem ser tão insustentáveis ao olhar, ao ponto de que precisei pulá-las para evitar embrulho no estômago, como aquelas presentes no ciclo da merda, urgh! Ainda assim, dispõe de um conteúdo crítico vasto, sagaz e atualíssimo para além dos sombrios tempos de ascensão de governos nazi-fascistas. Embora aborde as relações de poder e sadismo inscritas em regimes totalitários da extrema direita na metade do séc. XX, em uma releitura da obra de Sade, esse tipo de encenação da violência e desfile de crueldades ainda podem ser observados hoje. Durante o filme, não pude deixar de lembrar, por exemplo, da recente polêmica envolvendo a seita por trás da organização Nxivm, que extorquia e explorava sexualmente mulheres e da qual Allison Mack (a Chloe de Smallville) fazia parte. At long last, Salò se mantém chocante, pois persiste como uma realidade: a humanidade, em qualquer período histórico, abraçaria a perversão no seu lado mais obscuro e íntimo não fosse o freio moral e o senso de responsabilidade perante a si e o outro.
A Paixão de Joana d'Arc
4.5 229 Assista AgoraUm sentimento do início ao fim: que difícil será para algum artista superar o olhar expressivo de Maria Falconetti!
Ela tem uma habilidade excepcional de transmitir, em apenas um shot e com tamanha vivacidade, sentimentos de angústia, pesar, devoção e, até mesmo, insanidade. Obviamente, os close-ups contribuíram em realçar o realismo das emoções, mas até hoje não vi quem melhor usasse o olhar para encenar o que se passa no âmago de um personagem. Baita interpretação!
Kes
4.2 142"Kes" é um retrato fidedigno das injustiças cometidas pelas figuras de autoridade no interior do ambiente escolar e de como essas relações hierárquicas abusivas podem moldar a personalidade juvenil, gerando sofrimentos, baixa autoestima e falta de perspectiva. Segue uma abordagem bastante semelhante a de "Os Incompreendidos", de Truffaut, ao apresentar uma juventude incompreendida, marcada pelo abandono familiar e relegada à própria sorte.
Casper me cativou no momento em que passou a contar, em sala de aula, a história da sua relação com Kes. É bonito perceber que, mesmo em meio a tanta dor e desprezo, o personagem tem a capacidade de encontrar um motivo para seguir em frente na figura de um falcão. Nesse sentido, Kes é muito mais que um amigo, ele representa uma trindade: a esperança, a liberdade e o afeto.
Ps.: fiquei desejosa por uma versão desse filme tendo como trilha sonora o álbum Another Brick in the Wall, do Pink Floyd.
A Montanha dos Sete Abutres
4.4 246 Assista AgoraEm tempos de pós-verdade e fake news, A Montanha dos Sete Abutres se mantém um clássico atualíssimo que enseja diversas discussões na esfera da ética jornalística. Indispensável para quem se interessa pela temática!
“Eu não fiz nenhuma faculdade, mas sei criar uma boa matéria, porque antes de trabalhar em um jornal, eu os vendia nas ruas. Sabe a primeira coisa que aprendi? Notícias ruins vendem mais. Porque boas notícias não são notícias.”