O título original do filme é "Código desconhecido: relato incompleto de diversas viagens". Assim, Haneke já deixa claro: trata-se de um relato incompleto. O excerto de um problema que não se resolve no filme.
A história gira em torno de três grupos: franceses, romenos e africanos. Embora Haneke sinalize a questão da xefonobia, esta não parece ser a principal questão desta obra. O filme levanta um problema mais amplo: os diferentes códigos culturais e linguísticos que convivem, que se tocam e que se (des)encontram. Neste contexto, o enredo destaca a questão da (in)comunicabilidade e o nosso pré-conceito diante do outro.
Quanto à estrutura, Haneke faz uso de uma linguagem mais experimental, editando bruscamente as cenas, concatenando diversas histórias paralelas, criando uma constante sensação de incompletude. Filme excelente.
É a partir da fantasia que criamos a realidade. Para sobreviver, a criança constrói ilusões necessárias, que são desconstruídas aos poucos pela vida. Crescer dói. "Onde Vivem os Monstros" aborda de forma poética essa "saga" vivida por todos nós. O filme se destaca pela bela fotografia. Vale muito a pena assistir.
Um dos filmes mais lindos que eu já vi. Fotografia perfeita. Destaque para a atuação de Jessica Chastain (que é a encarnação da Graça).
Embora o filme não tenha um enredo tradicional, ele tem um "fio" que liga as diferentes partes: a dicotomia entre a natureza e a graça, tema importante na filosofia.
Das cenas da evolução somos levados até um um primeiro ato de graça, quando um dinossauro decide - por misericórdia - deixar outro sobreviver. A partir desta metáfora, o diretor nos conduz até o convívio de uma família (um protótipo de todas as famílias). Assim, como o início do filme mostra o crescimento da vida na terra, o ambiente familiar mostra o crescimento de três filhos. Neste contexto, entra em destaque a dicotomia natureza/lei X graça/misericórdia na educação das crianças e as suas consequências.
O filme nos leva a pensar sobre a complexidade da palavra vida: desde o ser unicelular até a riqueza da vida cultural humana. Isso tudo está abarcado no sentido da palavra "vida" e aparece interligado na obra de Malick. Assim, o filme propõe mais reflexões do que respostas. Vale a pena para todos os que estão dispostos a pensar nos caminhos daquilo que chamamos "vida".
* Caché = Escondido. Acredito que os filmes de Haneke abrem espaço para diferentes olhares. O meu olhar parte do título “Escondido” para compreender alguns elementos da história e do formato do filme.
Em um filme brilhante, Haneke aborda um assunto tabu (ou “escondido”) entre os europeus: a xenofobia.
Os protagonistas do filme – Georges e Anne – representam um estereótipo da burguesia francesa. Ele apresenta um programa literário na TV pública e ela trabalha em uma editora. Cercados por discussões “intelectuais”, eles se encaixam em um modelo de vida celebrado pela civilização francesa. Na vida íntima, o diálogo entre Georges e Anne é desencontrado: um parece sempre querer esconder algo do outro. Georges e Anne têm um filho adolescente – Pierrot – com o qual também encontram dificuldade de dialogar.
Georges recebe fitas com imagens de seu cotidiano, gravadas por um personagem anônimo, escondido. Essas fitas vão, aos poucos, revelando um assunto que era mantido escondido pelo protagonista.
O suspeito pelas fitas – Majid – é um filho de imigrantes argelinos. Quando crianças, Georges e Majid viveram na mesma casa. Os pais de Georges consideraram adotar Majid depois que os pais deste foram mortos. Devido a algumas mentiras contadas por Georges, Majid foi enviado para um orfanato. As fitas recebidas por Georges levam-no a se lembrar de Majid – lembrança que preferia manter “escondida”.
Neste drama familiar está escondido um drama social, importante para compreender o filme. Imigrantes do norte da África foram levados para a França após a segunda guerra mundial para ajudar na reconstrução do país; contudo, os franceses nunca souberam como lidar com as diferenças culturais e com as imigrações posteriores advindas da mesma região. Além disso, a guerra da Argélia criou uma tensão entre franceses e argelinos que persiste até hoje.
Além da questão de Georges com Majid, Haneke apresenta outros elementos que tematizam o conflito entre europeus e imigrantes. Exemplos: - Logo no início do filme, o conflito com um jovem imigrante africano que está pedalando “na contra-mão”; - As imagens de uma intervenção italiana no mundo árabe que são sobrepostas à ligação de Anne em busca de seu filho; Estas referências compõem um quadro, que amplia a presença do tema "imigração" no cotidiano dos personagens do filme.
Duas cenas me parecem especialmente importantes: (1) Georges aparece em uma sala de edição em seu trabalho, assistindo um episódio de seu programa literário. Nesta cena, ele decide que se edite parte da emissão, retirando a opinião de um dos participantes. A cena remete à ideia de uma gravação controlada, na qual Georges seleciona o que pode ser escondido. (2) Na seqüência da cena anterior, Georges vai até a casa da Majid, suspeito pelas gravações anônimas. Majid diz “Eu chamei você aqui porque gostaria que você estivesse presente” e se suicida. Majid, que tinha sido colocado em um lugar de invisibilidade social, convoca Georges a estar presente diante de seu sofrimento. Nesta seqüência de cenas, Haneke levanta o mal-estar de Georges diante de sua história com “Maijd”. Ele foi obrigado a relembrar que foi o responsável pela internação de Majid num orfanato, mas parece não se sentir realmente culpado. Para ele Majid não é um “igual” na sociedade. Georges gostaria de poder manter essa história simplesmente escondida - “editá-la”, cortá-la do enredo de sua vida. A posição de Georges diante de Majid representa a posição da sociedade francesa diante da comunidade argelina.
Os filmes de Haneke tem uma estrutura distinta do cinema de Holywood. No meu ponto de vista, o significado de seus filmes não está em uma conclusão (cenas finais), mas no problema que o filme como um todo constrói. Assim, os seus filmes levantam questões, mas não apresentam soluções. Para se compreender a tão debatida (e misteriosa?) cena final, acredito que é importante observar a seqüência de 3 cenas que concluem o filme: (1) Georges volta para casa e mais uma vez mente para sua esposa, “escondendo” o problema. Ele toma alguns remédios e se deita; assim como a burguesia francesa, ele se omite e finge que este conflito étnico não lhe diz respeito. (2) O episódio de Majid (no passado) sendo levado violentamente para um orfanato. A cena remete à histórica relação de poder dos franceses sobre os argelinos; (3) A cena da escola mostra o filho de Majid se aproximando do filho de Georges. Realidade comum na França contemporânea, observamos dois estudantes de origens diferentes – um francês e um imigrante – convivendo em um espaço público. Esta cena sutil explicita uma grande questão diante do espectador: como os franceses e os argelinos irão lidar com os conflitos do passado daqui para frente? Assim, problema é deixado em aberto diante de nós, sem uma resolução.
O diretor brinca com as nossas expectativas: afinal, quem é o personagem “escondido”, responsável pela gravação das fitas? Em minha opinião, não existe resposta para esta pergunta. Afinal, o que Haneke parece querer indicar é que há algo mais importante que tenta se manter escondido: a xenofobia.
Além das questões sócio-políticas presentes no filme, Haneke utiliza de maneira muito interessante ideias em torno da “gravação de imagens”. O personagem principal é um apresentador de TV. O seu trabalho é ter a sua imagem gravada. Contudo, algumas gravações que não estão em seu controle surgem e o forçam a retomar questões "escondidas" no passado.
Além disso, é interessante perceber a relação entre a primeira e a última cena do filme. No início temos uma tomada da casa de Georges, filmada com a câmera parada. A cena nos leva a procurar o que pode estar “escondido” nela. Descobrimos em seguida que se trata de uma das fitas enviadas para Georges. Em diferentes momentos do filme, tomadas semelhantes são mostradas, "brincando" com a nossa expectativa: Qual é a natureza desta cena? Esta é mais uma das gravações anônimas? Neste jogo de imagens, o diretor encerra o filme com uma tomada esteticamente semelhante à inicial. Haneke faz com que nos perguntemos: esta cena (a conversa do filho de Majid com Pierrot) é mais uma gravação do observador anônimo? E uma vez mais caímos no jogo do diretor, procurando o que pode estar “escondido” na cena.
Código Desconhecido
3.7 79 Assista AgoraO título original do filme é "Código desconhecido: relato incompleto de diversas viagens". Assim, Haneke já deixa claro: trata-se de um relato incompleto. O excerto de um problema que não se resolve no filme.
A história gira em torno de três grupos: franceses, romenos e africanos. Embora Haneke sinalize a questão da xefonobia, esta não parece ser a principal questão desta obra. O filme levanta um problema mais amplo: os diferentes códigos culturais e linguísticos que convivem, que se tocam e que se (des)encontram. Neste contexto, o enredo destaca a questão da (in)comunicabilidade e o nosso pré-conceito diante do outro.
Quanto à estrutura, Haneke faz uso de uma linguagem mais experimental, editando bruscamente as cenas, concatenando diversas histórias paralelas, criando uma constante sensação de incompletude. Filme excelente.
Onde Vivem os Monstros
3.8 2,4K Assista AgoraÉ a partir da fantasia que criamos a realidade. Para sobreviver, a criança constrói ilusões necessárias, que são desconstruídas aos poucos pela vida. Crescer dói. "Onde Vivem os Monstros" aborda de forma poética essa "saga" vivida por todos nós. O filme se destaca pela bela fotografia. Vale muito a pena assistir.
A Árvore da Vida
3.4 3,1K Assista AgoraUm dos filmes mais lindos que eu já vi. Fotografia perfeita. Destaque para a atuação de Jessica Chastain (que é a encarnação da Graça).
Embora o filme não tenha um enredo tradicional, ele tem um "fio" que liga as diferentes partes: a dicotomia entre a natureza e a graça, tema importante na filosofia.
Das cenas da evolução somos levados até um um primeiro ato de graça, quando um dinossauro decide - por misericórdia - deixar outro sobreviver. A partir desta metáfora, o diretor nos conduz até o convívio de uma família (um protótipo de todas as famílias). Assim, como o início do filme mostra o crescimento da vida na terra, o ambiente familiar mostra o crescimento de três filhos. Neste contexto, entra em destaque a dicotomia natureza/lei X graça/misericórdia na educação das crianças e as suas consequências.
O filme nos leva a pensar sobre a complexidade da palavra vida: desde o ser unicelular até a riqueza da vida cultural humana. Isso tudo está abarcado no sentido da palavra "vida" e aparece interligado na obra de Malick. Assim, o filme propõe mais reflexões do que respostas. Vale a pena para todos os que estão dispostos a pensar nos caminhos daquilo que chamamos "vida".
Caché
3.8 384 Assista Agora* Caché = Escondido.
Acredito que os filmes de Haneke abrem espaço para diferentes olhares. O meu olhar parte do título “Escondido” para compreender alguns elementos da história e do formato do filme.
Em um filme brilhante, Haneke aborda um assunto tabu (ou “escondido”) entre os europeus: a xenofobia.
Os protagonistas do filme – Georges e Anne – representam um estereótipo da burguesia francesa. Ele apresenta um programa literário na TV pública e ela trabalha em uma editora. Cercados por discussões “intelectuais”, eles se encaixam em um modelo de vida celebrado pela civilização francesa. Na vida íntima, o diálogo entre Georges e Anne é desencontrado: um parece sempre querer esconder algo do outro. Georges e Anne têm um filho adolescente – Pierrot – com o qual também encontram dificuldade de dialogar.
Georges recebe fitas com imagens de seu cotidiano, gravadas por um personagem anônimo, escondido. Essas fitas vão, aos poucos, revelando um assunto que era mantido escondido pelo protagonista.
O suspeito pelas fitas – Majid – é um filho de imigrantes argelinos. Quando crianças, Georges e Majid viveram na mesma casa. Os pais de Georges consideraram adotar Majid depois que os pais deste foram mortos. Devido a algumas mentiras contadas por Georges, Majid foi enviado para um orfanato. As fitas recebidas por Georges levam-no a se lembrar de Majid – lembrança que preferia manter “escondida”.
Neste drama familiar está escondido um drama social, importante para compreender o filme. Imigrantes do norte da África foram levados para a França após a segunda guerra mundial para ajudar na reconstrução do país; contudo, os franceses nunca souberam como lidar com as diferenças culturais e com as imigrações posteriores advindas da mesma região. Além disso, a guerra da Argélia criou uma tensão entre franceses e argelinos que persiste até hoje.
Além da questão de Georges com Majid, Haneke apresenta outros elementos que tematizam o conflito entre europeus e imigrantes. Exemplos:
- Logo no início do filme, o conflito com um jovem imigrante africano que está pedalando “na contra-mão”;
- As imagens de uma intervenção italiana no mundo árabe que são sobrepostas à ligação de Anne em busca de seu filho;
Estas referências compõem um quadro, que amplia a presença do tema "imigração" no cotidiano dos personagens do filme.
Duas cenas me parecem especialmente importantes:
(1) Georges aparece em uma sala de edição em seu trabalho, assistindo um episódio de seu programa literário. Nesta cena, ele decide que se edite parte da emissão, retirando a opinião de um dos participantes. A cena remete à ideia de uma gravação controlada, na qual Georges seleciona o que pode ser escondido.
(2) Na seqüência da cena anterior, Georges vai até a casa da Majid, suspeito pelas gravações anônimas. Majid diz “Eu chamei você aqui porque gostaria que você estivesse presente” e se suicida. Majid, que tinha sido colocado em um lugar de invisibilidade social, convoca Georges a estar presente diante de seu sofrimento.
Nesta seqüência de cenas, Haneke levanta o mal-estar de Georges diante de sua história com “Maijd”. Ele foi obrigado a relembrar que foi o responsável pela internação de Majid num orfanato, mas parece não se sentir realmente culpado. Para ele Majid não é um “igual” na sociedade. Georges gostaria de poder manter essa história simplesmente escondida - “editá-la”, cortá-la do enredo de sua vida. A posição de Georges diante de Majid representa a posição da sociedade francesa diante da comunidade argelina.
Os filmes de Haneke tem uma estrutura distinta do cinema de Holywood. No meu ponto de vista, o significado de seus filmes não está em uma conclusão (cenas finais), mas no problema que o filme como um todo constrói. Assim, os seus filmes levantam questões, mas não apresentam soluções.
Para se compreender a tão debatida (e misteriosa?) cena final, acredito que é importante observar a seqüência de 3 cenas que concluem o filme:
(1) Georges volta para casa e mais uma vez mente para sua esposa, “escondendo” o problema. Ele toma alguns remédios e se deita; assim como a burguesia francesa, ele se omite e finge que este conflito étnico não lhe diz respeito.
(2) O episódio de Majid (no passado) sendo levado violentamente para um orfanato. A cena remete à histórica relação de poder dos franceses sobre os argelinos;
(3) A cena da escola mostra o filho de Majid se aproximando do filho de Georges. Realidade comum na França contemporânea, observamos dois estudantes de origens diferentes – um francês e um imigrante – convivendo em um espaço público. Esta cena sutil explicita uma grande questão diante do espectador: como os franceses e os argelinos irão lidar com os conflitos do passado daqui para frente? Assim, problema é deixado em aberto diante de nós, sem uma resolução.
O diretor brinca com as nossas expectativas: afinal, quem é o personagem “escondido”, responsável pela gravação das fitas? Em minha opinião, não existe resposta para esta pergunta. Afinal, o que Haneke parece querer indicar é que há algo mais importante que tenta se manter escondido: a xenofobia.
Além das questões sócio-políticas presentes no filme, Haneke utiliza de maneira muito interessante ideias em torno da “gravação de imagens”. O personagem principal é um apresentador de TV. O seu trabalho é ter a sua imagem gravada. Contudo, algumas gravações que não estão em seu controle surgem e o forçam a retomar questões "escondidas" no passado.
Além disso, é interessante perceber a relação entre a primeira e a última cena do filme. No início temos uma tomada da casa de Georges, filmada com a câmera parada. A cena nos leva a procurar o que pode estar “escondido” nela. Descobrimos em seguida que se trata de uma das fitas enviadas para Georges. Em diferentes momentos do filme, tomadas semelhantes são mostradas, "brincando" com a nossa expectativa: Qual é a natureza desta cena? Esta é mais uma das gravações anônimas? Neste jogo de imagens, o diretor encerra o filme com uma tomada esteticamente semelhante à inicial. Haneke faz com que nos perguntemos: esta cena (a conversa do filho de Majid com Pierrot) é mais uma gravação do observador anônimo? E uma vez mais caímos no jogo do diretor, procurando o que pode estar “escondido” na cena.