Atraído pelo evento verdadeiro da falsa identificação do músico (de ascendência hispânica) “Manny” Balestrero, como sendo este responsável pelo assalto à Seguradora “Vidas Associadas“, em dezembro/1952, Hitchcock volta aqui ao tema de sua preferência: a troca de identidades entre o culpado e o inocente, em que este último sempre é confundido com o real criminoso e sempre vivencia um sacrifício desproporcional à gravidade do delito cometido pelo verdadeiro culpado! Essa “lógica” é “quase” que permanente na obra de Hitchcock, resultado de sua forte educação (ou seria “repressão”?) católica na Grã-Bretanha. Devido ao grande apelo religioso da película, que discute os limites da fé (veja-se, por exemplo, a “involução” do comportamento de Rose Balestrero), o cineasta aproveita para traçar um paralelo entre o infortúnio do pobre coitado músico com a própria “via crucis” (Via Sacra) de Cristo. Isso se torna evidente na humilhação do músico ao ter que desfilar em alguns dos locais os quais haviam sido assaltados pelo verdadeiro culpado, a fim de ser reconhecido pelos respectivos proprietários e, assim, ser acusado pelos delitos que não cometera; e a sua peregrinação se estende pelos locais em que estivera antes, em busca de provas para a tentativa de sua absolvição, retornando à estalagem onde passara férias com a família, bem como percorrendo as residências de algumas das pessoas com quem lá mantivera contato, com o objetivo de tentar arrolá-las como testemunhas, mas estas já se encontravam mortas. Em tudo, esse infortúnio se assemelha ao de Cristo (que também não tivera testemunhas em sua defesa) e às estações (paradas) de Sua trajetória desde o Pretório até o local de Seu Calvário. Também a presença dos policiais, ao lado do músico - no carro oficial - é a metáfora dos soldados romanos que ladeavam a peregrinação e o trajeto de Cristo. Daí o desfecho de caráter milagroso que se vê no final do filme, algo semelhante à redenção e ao renascimento da personagem, assim como acontecera com a ressureição e a ascenção de Jesus Cristo! O filme apresenta algumas características noir autênticas, pois a fotografia excelente é expressionista com magníficos contrastes claro-escuro, além do clima de alienação com algumas nuances de paranóia (apresentado pela esposa do músico), sem falarmos no tétrico ambiente da sala de interrogatórios na delegacia de polícia. Aliás, é possível observar no filme, que à época não havia ainda na Constituição americana a emenda “Miranda” (aquela na qual no ato de prisão, o policial notifica o suspeito de por quais motivos ele está sendo preso e de que “tudo que ele disser poderá ser usado contra ele, de que se não tiver um advogado...etc”). Daí o fato de “Manny” (por atitude ingênua sua) ter sido levado para a Delegacia para ser interrogado sem a presença de um advogado. Resta comentar, também, vários aspectos da apresentação/produção do filme, a saber: - Das aparições de Hitchcock em seus filmes, este é o único em que ele é visto falando. - Hitchcock trabalhou aqui com alguns de seus (quase que) permanentes colaboradores, tais como Bernard Hermann (na música), Robert Burks na direção de fotografia, George Tomasini na montagem (edição) do filme e Herbert Colemann, desta vez como co-produtor (e não como assistente de direção). - Esplêndido trabalho da dupla Burks e Tomasini, quando da abertura do filme nos créditos iniciais, pois ocorre a subversão da passagem do tempo nessa parte do filme, em que o intervalo de duração de mais de cinco horas da sessão de danças no clube, são transcorridos e comprimidos na duração da música da orquestra que se ouve nesse início (*). Burks e Tomasini magníficamente realizam a supressão de alguns casais dançantes (**), enquanto outros permanecem sentados às mesas para - logo em seguida - alguns desses espectadores “desaparecerem” no instante em que outros casais dançavam. Toda essa técnica é usada para descrever a passagem das horas, desde o momento inicial (do filme) até o encerramento do baile no “Stork Club”. (*) – Ao contrário da técnica adotada no filme “Rope” (Festim Diabólico, 1948), em que a duração do filme corresponde – aproximadamente - à duração da evolução do tempo na trama desenvolvida na tela. (**) – A sinopse não esclarece se as mulheres citadas como “waving women” (Cherry Hardy e Elizabeth Scott (#)) são – ou não - as que aparecem dançando próximas à câmera, quando surge na tela o crédito de Bernard Hermann na música, ou se são as que aparecem dançando próximas à câmera no salão do “Stork Club”, após a cena em que o detetive Mathews (interpretado pelo ator Charles Cooper) identificou o verdadeiro culpado (interpretado pelo ator Richard Robbins) na 110ª Delegacia de Polícia e, então, ter solicitado à direção do “Stork Club” para que “Manny” lá comparecesse a fim de acompanhar a correta identificação do culpado por Constance Willis (esta interpretada pela atriz Laurinda Barrett) e por Ann James (interpretada pela atriz Doreen Lang). (#) – Não se trata da (grande e magnífica) atriz Lizabeth Scott (nascida “Emma Matzo”), musa dos filmes noir dos anos 1940/1950 e que faleceu em 31 de Janeiro de 2015, aos 92 anos de idade. - Ótimo elenco coadjuvante, a começar pelo ator Harold J. Stone (Detetive Tenente Bowers), um dos grandes coadjuvantes da época de ouro de Hollywwod (fez o papel de pai de Paul Newman no clássico “Marcado pela sarjeta = Somebody Up there likes me”, também de 1956). Destaques também para (além dos já mencionados anteriormente) Vera Miles (como Rose Balestrero), Peggy Webber (como Alice Dennerly, a moça que atende o guichê da Companhia Seguradora), Nehemiah Persoff (como Gini Conforti, o cunhado de “Manny” Balestrero), o britânico Anthony Quayle interpretando o verdadeiro advogado de defesa de “Manny” Balestrero (Frank D. O’Connor), Anna Karen (como a “miss” Duffield), Werner Klemperer (o coronel “Klink” do seriado satírico dos anos 1960 “Guerra, Sombra e Água Fresca”), aqui como o psiquiatra (Dr. Bannay) de Rose Balestrero e, em rápidas aparições, Tuesday Weld (uma das meninas brincando no apartamento de uma das possíveis testemunhas que Manny deseperadamente procurava) e Harry Dean Stanton, quase invisível, como um dos empregados do “Department of Corrections”.
Calvin Clifford Baxter (C. C. Baxter) é um corretor de seguros (leia-se: “um pau para toda a obra”) que sonha, um dia, atingir o topo da sua carreira na seguradora em que trabalha. Na verdade, ele é um crápula! Cede seu apartamento para aventuras sexuais tanto para os colegas, quanto para seus chefes imediatos, em troca de benefícios e promoções no trabalho. Se olharmos mais de perto, veremos que toda a seguradora se assemelha a um prostíbulo, com encontros sexuais entre secretárias, telefonistas (e até uma bela ascensorista, Fran Kubelik) com empregados e gerentes da companhia, inclusive o Diretor Presidente (Jeff Sheldrake), que já fôra amante de sua secretária (Miss Olsen) e, agora, tem a bela Fran como amante! Imaginando ser esta descompromissada e não fazendo parte da “troupe” das orgias em seu apartamento, Baxter se apaixona por Kubelik; mas Fran estava apaixonada por Sheldrake e, em encontro com ele, na noite de Ano Novo no apartamento de Baxter, descobre mesmo que fôra ludibriada e que Sheldrake não se divorciará para ficar com ela; Fran tenta, então, cometer suicídio mas é socorrida em tempo por Baxter...e daí nasce o amor entre eles! Ou seja, Wilder retrata em Baxter um procedimento que vai do sórdido ao sublime! (A metáfora da ascensão do elevador pelas mãos de quem se tornou a paixão de Baxter!) A visão mais corriqueira e evidente na obra de Wilder (*) refere-se ao comportamento dos indivíduos volúveis, sem caráter, que facilmente se sujeitam a ações ou têm atitudes imorais e desonestas com o objetivo de serem bem sucedidos na vida e não medem esforços para isso (que o digam o Charles Tatum de “Ace in the Hole/The big carnival = montanha dos sete abutres”, 1951, ou o Walter Neff de “Double Indemnity = Pacto de Sangue”, 1944 ou, ainda, o sargento J. J. Sefton de “Stalaag 17 = Inferno nº 17”, 1953). A lente de Wilder enxerga um mundo corrupto em que os humanos, no mínimo, se vendem como prostitutas. Como disse Moustache para o Nestor Patou, de “Irma La Douce”, 1963: “Não seja tão honesto em um mundo desonesto”; daí, sempre o escárnio (com inteligência) e a crítica virulenta dos filmes de Wilder. Não por acaso é ele o mestre da comédia mordaz e do cinema crítico do comportamento do ser humano. Nada mais desolador e deprimente do que ver o Don Birman (= Ray Milland) de “Lost weekend = Farrapo Humano”, 1945, mentir e perder o fim de semana sucumbindo totalmente à bebida (até roubando para conseguí-la) em vez de escrever o livro que prometera. (*) – Conforme o ponto de vista ela pode ser multifacetada.
Roteirista fracassado, sem emprego e endividado, Joseph C. Gillis (*) é o arquétipo da vítima ideal, pois encontrando-se amargurado pelos acontecimentos em sua vida, sua ambição e ingenuidade o leva a transpor o perímetro e a adentrar a área do horizonte de eventos da qual não é mais possível retornar, sendo extremamente poderosa a força de tração exercida pelo “buraco negro” que o atraiu, ou seja, a paranóica mulher fatal Norma Desmond: “Eu sou grande! Os filmes é que ficaram pequenos!” (**) (e Gillis responde: “Eu sabia que havia algo de errado com eles”). A frase de Desmond dá toda a dimensão paradoxal da grandiosidade da indústria do cinema e ao mesmo tempo da insânia que acomete muitos daqueles em que nela transitam. Com roteiro de Charles Brackett (#), D. M. Marshmann Jr. e do próprio Wilder, o filme faz uma crítica virulenta ao sistema do “show business”, pois com a mesma facilidade e rapidez com que coloca as estrelas em seu firmamento, retira-lhes o ponto de apoio e as descarta como lixo, quando (e porque) delas nada mais há de lucrativo a se extrair; é a metáfora do sistema que come a sua carne, bebe o seu sangue e palita os dentes com seus ossos, com a maestria de manter em voce a ilusão de ainda estar vivo (nada mais explícito do que ver a indústria cinematográfica realimentando a loucura de Norma Desmond). Uma cena emblemática (e muito poderosa) é a que mostra Desmond no estúdio da Paramount, sentada na cadeira de De Mille (quando este se afasta para falar ao telefone com o assistente de produção Gordon Cole), e um microfone suspenso em movimento por uma guia esbarra no chapéu de Desmond e esta, ao se virar e reconhecer o microfone, o afasta para longe com desprezo sintetizando todo o sentimento de repulsa da maior estrela do cinema mudo ao cinema falado. O filme todo é belíssimo, com cena final magnífica (esta, competentemente dirigida pela dupla Wilder/von Ströhein), digna dos grandes dramas de Hollywood, retratando o supremo (e ao mesmo tempo belíssimo) delírio da atriz que possue a 7ª arte no sangue (+)(§). Nesse momento, é grande a comoção do telespectador ao observar a fisionomia de enorme tristeza e amargura de Max (e quem sabe até do próprio ator von Strönhein, dada à sua dramaticidade na cena) na percepção de quão distante da realidade estava sua deusa, objeto eterno de sua adoração. Como Ed Sikov observou, Wilder não permite o “close” final de Desmond com o objetivo de demonstrar que não somente ela, mas toda a indústria do cinema estão desfocados de um mundo real. Filme “noir” puro pois contém todos os elementos temáticos e visuais desse tipo de filme (***): desfecho triste, fotografia expressionista (contrastes claro-escuro (principalmente nas cenas de sessão de cinema particular na residência de Desmond e dos diálogos entre Gillis e Max na garagem da mansão), clima de alienação, paranóia e insânia (&)), narrativa em voz “over” (e em “flashback”) na 1ª pessoa (realizada pela própria personagem – Joe Gillis - que já morreu), anti-herói ingênuo, amargurado e ambicioso, presença da mulher fatal e a grande cidade americana como pano de fundo. (*) - Wilder não perde a oportunidade e aproveita para escarnecer da personagem Joe Gillis na cena em que o mordomo Max (interpretado por Erich von Ströhein) recebe o telefonema da aspirante a roteirista, Betty Schaefer (interpretada por Nancy Olson) procurando por Gillis, e a descarta negando a presença de Joe Gillis na residência. Ao ser inquirido por Norma Desmond quem era ao telefone, Max responde: “Não era nada, madame; somente alguém procurando por um cachorro perdido. Nosso número de telefone deve ser parecido com o do canil”. (**) – “Great stars have great pride” (Simplesmente...soberbo!!!). (#) – Brackett (que também foi o produtor do filme) brigou muito com Wilder durante a elaboração do roteiro. Brackett já havia sido o roteirista de Wilder nos filmes: 1 - “Five graves to Cairo = Cinco covas no Egito” (1943), este também com a participação de Erich von Ströhein no papel do Marechal de Campo Erwin Rommel; 2 – “Lost weekend = Farrapo Humano” (1945), primeiro filme a tratar o alcoolismo como doença. (***) - Outro “noir” excelente de Wilder (e – talvez - superior a “Sunset Boulevard”) é “Double Indemnity = Pacto de sangue” (1944), baseado em estória de James M. Cain, em que a mulher fatídica Phyllis Dietrichson (magníficamente interpretada por Barbara Stanwyck) fascina e, por isso mesmo, convence o corretor de seguros sem caráter Walter Neff (interpretado por Fred MacMurray), a matar seu marido pela indenização do seguro e depois o elimina com um tiro. (&) – Fotografia expressionista do excelente John F. Seitz, um dos grandes fotógrafos dos filmes “noir” dos anos 1940/1950. Outros grandes e ótimos diretores de fotografia – dentre muitos – dos filmes “noir” foram: John Alton (“Moeda Falsa = T-Men”, 1948), George E. Diskant (“Amarga Esperança = They live by night”, 1948), Burnett Guffey (“Na teia do destino = The Reckless moment”, 1949), Harry J. Wild (“Até a vista, querida = Murder my sweet”, 1944), Woody Bredell (“A dama fantasma = Phantom Lady”, 1944) e Nicholas Musuraca (“Out of the past = Fuga ao passado”, 1947). (+) – A exemplo do inescrupuloso Charles Tatum, de “Ace in the Hole/The big carnival = A montanha dos sete abutres”, (também de Wilder) que possuía o jornalismo nas veias: Ao final, antes de cair morto ele diz: “Mr. Boot? O que voce acharia de ganhar $1000,00/dia? Sou um jornalista de $1.000,00/dia, mas trabalharia até de graça”. (§) – Surpreendentemente Gloria Swanson não ganhou o OSCAR pelo seu desempenho neste filme. A ganhadora do OSCAR de 1951 fôra Judy Holliday, por sua atuação em “Born Yesterday = Nascida Ontem” e que também vencera Bette Davis e Anne Baxter, ambas concorrendo por suas atuações em “All about Eve = A malvada”. Situações como essa fizeram – ao longo dos anos, inclusive anteriores a 1951 – a fama da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood (por não premiar quem – aos olhos da maioria dos analistas – mereceria).
“(Good news, is no news!)”; essa frase resume e define o jornalismo “marrom” (quem ainda não presenciou na TV o indefectível “veja de novo” em imagens de reportagens sobre a desgraça alheia?). Esse filme, hoje, é um clássico por ser o primeiro (1951) a tratar do tema sobre o jornalismo “marrom”; isto é, o jornalismo que explora a desgraça de terceiros. Qualquer semelhança com o comportamento de parte da imprensa (e de outros segmentos sociais) nos dias de hoje não é mera coincidência. Mas, claro, a sociedade também tem sua parcela de culpa (que não é pequena) ao realimentar esse tipo de comportamento jornalístico. Na época, o filme foi recebido a “pedradas” tanto pela crítica quanto pelas platéias, o que nos permite inferir o quanto o comportamento social mudou – para pior – desde essa época. Filme que deveria ser de visão obrigatória em todos os cursos de jornalismo (“isto é, em aulas de como não se deve fazer jornalismo”), por revelar o comportamento execrável de jornalista (*) que se vale da desgraça de um ser humano para ganhar notoriedade e promoção utilizando-se do infortúnio de terceiros, pois deseja voltar aos jornais de grande circulação onde pretende ser, novamente, bem sucedido (Charles Tatum: “Where’s my desk? Mr. Boot: That’s close the door; maybe on saturday you’ll be out from here. Tatum: Sooner the better!”). Além do extraordinário desempenho do ator Kirk Douglas (como o jornalista inescrupuloso), a excelente direção de Billy Wilder escarnece, magistralmente, do comportamento da sociedade americana a qual, após tomar conhecimento da desgraça do pobre coitado soterrado - pela matéria do jornalista - age impulsivamente como “gado” e acorre para o local do evento com a esperança de satisfazer a curiosidade motivando então, no melhor estilo capitalista, os moradores locais a explorá-los comercialmente, como “abutres sobre a carniça”; daí a paródia de Wilder com (o nome da montanha e, também com) o 2º título original do filme – o “The big carnival”). Simplesmente genial, pois para Wilder quanto mais melindroso um item de comportamento social, melhor (veja-se, por exemplo, o tema do adultério em o “Pecado mora ao lado (The seven year itch, 1954)”, ou a tensão sobre a guerra fria na comédia “Cupido não tem bandeira (One, two, three,...)(**)”, este último feito imediatamente após a URSS levantar o muro de separação entre as duas Berlins (1961). (*) – Um dos alter-egos “high-tech” do Charles Tatum original, foi possível de se ver na telenovela recente (2014/2015) Império da Rede Globo na pele da personagem do ator Paulo Beti. (**) – Billy Wilder queria filmá-lo na própria Berlin, mas não lhe permitiram fazê-lo. Então, foi a Munique e montou um estúdio simulando a cidade de Berlin a fim de representá-la no filme.
Um dos grandes (e dos mais importantes) filmes dos anos 50, baseado em uma peça do dramaturgo William Inge (muito importante nessa época, nos USA) (*). As cenas de abertura do filme, com a chegada do trem à cidade, já mostram a sua importância além de sua semelhança com outro clássico dessa época: “Vidas Amargas (East of Eden), com James Dean”. “Picnic” relata a estória de um jovem, sem eira nem beira, Hal Carter (interpretado por William Holden (**)), cujo único patrimônio é um par de botas, herdado de seu pai, e que chega à aparentemente pacata cidadezinha de Halstead, no Kansas, para visitar o seu ex-colega de Faculdade, Alan Benson (interpretado por Cliff Robertson), filho do maior industrial do local. Em apenas um dia (feriado do dia do trabalho e que é também o último dia de férias escolares), Hal Carter consegue mexer com o comportamento e, principalmente com os sentimentos das pessoas com quem mantém contato, alterando os destinos de algumas das personagens do filme. Inge não perdoa e vai direto na jugular de uma sociedade americana que além de conservadora, estava mofada pelos tabus e recheada de preconceitos em relação às mulheres; não por acaso, situa ele os eventos da peça (e do filme) em uma típica cidadezinha do interior, onde esses sentimentos são mais evidentes e arraigados (que o digam os gerânios das janelas da casa da Sra. Potts, interpretada pela atriz Verna Felton). Como se vê, Madge Owens (interpretada por Kim Novak), por ser a garota mais bonita do local, estaria predestinada a se casar com o rapaz mais rico da cidade e, assim, satisfazer o desejo opressor de sua mãe (interpretada pela excelente Betty Field), característica essa quase que permanente nos rincões da América da primeira metade do século XX (o “american way of life”) e por nossas bandas também...Mas, ao contrário de outras personagens femininas de Inge (*), Madge consegue se libertar, apaixonando-se pelo andarilho recém chegado e indo ao encontro de seu amado em Tulsa (Oklahoma), após a partida dele. O diretor Joshua Logan acertou em cheio, realizando um magnífico filme com o apoio de muitos coadjuvantes competentes e excelentes tais como Arthur O’Connell; Raymond Bailey; Nick Adams; etc e as atrizes Susan Strasberg (filha de um dos fundadores do Actor’s Studio, Lee Strasberg); Elizabeth Wilson (recentemente falecida = 09/05/2015 e à época, em início de carreira); Reta Shaw; e uma (ainda) adolescente Shirley Knight. Mas, a grande atriz do filme é mesmo Rosalind Russell, a “miss Rosemary Sydney, the school teacher”; ante a percepção da passagem inexorável de sua juventude e da cada vez mais presente perspectiva de ficar solteira para sempre, o seu comovente comportamento desesperante torna o filme um clássico e mostra o grande talento dessa magnífica atriz. Também merecem destaques a excelente fotografia do filme, a escolha de suas locações (que por sinal, fôra realizado em diversos locais do Kansas e não somente em Halstead. Também aqui no Brasil, nos anos 50, havia muitas cidadezinhas iguais a Halstead) e, principalmente as músicas - não somente o tema musical principal do filme e algumas sessões de “jazz” - mas sobretudo a dança do casal apaixonado ao som da belíssima “Moonglow”, a qual eleva a película ao panteão dos grandes filmes de Hollywood e o torna, realmente, um ícone eterno do maior dos sentimentos humanos: o amor (#). Para os românticos, ver esse filme é mesmo sempre um dia de namorados. A lamentar, apenas, o fato de que o filme sucumbe a um dos (também) preconceituosos comportamentos da sociedade americana da época: o racismo, pois o filme retrata a sociedade local como formada apenas de pessoas brancas. (*) - Inge fez, dentre outras, mais uma peça magistral, com a mesma crítica e que também virou filme sob a competente direção do magnífico Elia Kazan; “Splendor in the grass = Clamor do sexo”; neste, uma Dennie Loomis (magistralmente interpretada por Natalie Wood) sucumbe ao comportamento opressivo de uma sociedade americana extremamente preconceituosa e repressiva dos anos 20. (**) – William Holden foi um ator nato por excelência e, talvez, tenha sido um dos mais requisitados por Hollywood nos anos 50. Veja-se, por exemplo (somente para citar alguns de sua filmografia dessa década): “As pontes do Toko-ri”, “Inferno 17”, “Crepúsculo dos Deuses”, “Sabrina”, “Nascida ontem”, “Suplício de uma saudade”, “A ponte do Rio Kwai”, etc. (#) – Outros dois grandes filmes que apresentam casais dançando ao som de belíssimas músicas e que tornam tais filmes memoráveis, são: 1 - “...E o vento levou = ...Gone with the wind” (1939), no qual Clark Gable e Vivian Leigh abrem o baile realizado para angariar fundos para o exército confederado e, 2 – “Da terra nascem os homens = The Big Country” (1958), em que Gregory Peck e Carroll Baker iniciam a dança inaugural de seu noivado (ao som de uma magnífica valsa), na fazenda de Carroll Baker.
Espectacular filme de Mark Rydell que aborda a dicotomia e incerteza de um homem diante da afeição de sua esposa (pela qual nutre um amor já desgastado, porém ainda desejável) e o amor de sua amante. É a célebre situação do homem que ama simultâneamente duas mulheres, igualmente ou não, e se vê diante de uma indefinida opção. O filme joga com questões relativas a probabilidades, pois ao se decidir pelo amor da amante (e a ela isso comunicar), a personagem de Richard Gere sela o seu destino para a eternidade. Isto permite nos remeter – conceitualmente e por semelhança - à Física Quântica, mais específicamente ao processo de medição das grandezas físicas da estrutura da matéria, pois antes de se efetuar qualquer medição no interior da matéria esta se encontra em um estado de “superposição” das grandezas físicas (o famoso “gato de Schrödinger”) em que estas só assumem um estado definido quando o ser humano realiza, efetivamente, a medição no interior da matéria. A analogia é evidente com a decisão da personagem de Richard Gere, pois ao se definir ele em favor da amante é como se obtivéssemos o valor da grandeza que estávamos procurando no interior da matéria, pois até então a indecisão da personagem nos remetia à indefinição do valor da grandeza física que estávamos procurando. Mas, dentre outras interpretações possíveis, uma bem corriqueira nos diz sobre as conseqüências da tomada de decisões (para o nosso próprio bem ou não, em favor de nossa própria segurança ou não, etc...) e que também nos remete à óbvia incerteza dessas conseqüências. Apesar do trágico destino da personagem Vincent Eastman, realçado na magnífica metáfora da sua perda de vida (extraído de sua memória com o seu definhamento nas cenas de seu casamento com a personagem de Lolita Davidovitch (Olívia Marshak), e em seus mergulhos no lago a observar o barco de sua esposa e filha se afastar para sempre de si e, em seguida, seguir em um mergulho final atrás de Olívia, caracterizado pela sua perda de vida), o final do filme nos revela que as conseqüências de sua decisão ocultaram os determinantes reais que motivaram o comportamento da personagem de Richard Gere, a tal ponto de induzir a esposa a ter uma idéia errônea (sem esta saber) sobre a sua decisão com relação à amante e, ainda, como respeito às circunstâncias da tragédia, nenhuma delas desejou revelar à outra o que sabia. Sem dúvida, o filme se destaca como um evento de probabilidades assumindo um carácter determinístico quando impulsionado pela única restrição impeditiva à aleatoriedade de uma decisão: a menina “red hair”.
Eu já o havia visto na TV nos anos 70. Estruturalmente, o filme enfatiza princípios básicos fundamentais do sistema judiciário americano utilizados por algumas de suas Cortes criminais. O veredito deve ser unânime (e não por maioria simples) sobre a condenação ou a absolvição do réu. Os jurados devem decidir com certeza absoluta sobre os fatos do processo. Havendo qualquer “dúvida razoável” sobre esses fatos - aceita por todos os jurados - então o veredito deve ser pela absolvição do réu. O corpo de jurados é um mosaico da sociedade americana, compondo indivíduos com interesses, visões e atividades tão diversas quanto um relojoeiro e um corretor de bolsa de valores, um arquiteto e um vendedor, um bancário e um pintor de residências, etc., o que caracteriza outra ênfase do filme em revelar a importância dessa composição do júri por pessoas distintas da sociedade, sem nenhuma conexão prévia entre si, mostrando que o fortalecimento de um sistema judiciário advém justamente desse tipo de formação, tornando irrelevante a identificação pessoal dos membros do júri. Daí o fato de os jurados serem identificados apenas pela sua ordem de convocação e não pelos seus nomes. Para se chegar ao veredito, deve-se debater o tema da acusação no julgamento (*) o que expõe problemas pessoais de alguns membros do júri, como por exemplo, o preconceito e o racismo demonstrado pelo jurado nº 10 contra o réu adolescente oriúndo de etnia economicamente minoritária, ou as questões familiares não resolvidas pelo jurado nº 3 o qual projeta no acusado a imagem do único filho e destila contra o réu toda a sua frustração e revolta por não ter obtido o resultado que desejava para o futuro do filho. A versão cinematográfica original (1957) peca por não apresentar nenhum negro na composição dos jurados (o que está em conformidade com o comportamento da sociedade americana dos anos 50. Porém, o roteirista Reginald Rose e Lumet perderam aqui – a meu ver - a grande oportunidade de serem revolucionários à época ao não inserir nenhum negro no corpo de jurados). Esse fator foi corrigido na versão de 1997 na qual quatro homens negros integram o júri. A ausência de mulheres nessa formação é compreensível pela intenção do autor/roteirista em constituir o júri somente com homens (advindo daí o título do filme), mas o motivo maior é mesmo um dos verdadeiros temas do filme (a discussão sobre a pena de morte, tema por demais masculino à época e, talvez ainda hoje o seja). Assim, a intenção do autor/roteirista estaria satisfeita em evitar qualquer sentimento maternal em relação ao acusado, o que poderia conduzir - desde o início do julgamento – a se ter mais de um jurado em favor da inocência do réu (o que implicaria em se ter também um título diferente para o filme). Devido à densidade emocional e temperamental e à intensidade dramática da personagem do jurado nº 3, a dramaturgia teatral e cinematográfica americana procura reservar para atores de primeira linha a interpretação desse papel (**). Isso é evidente em ambas as versões cinematográficas e, em ambas, esse filme é de visão obrigatória não somente pela comparação do desempenho magnífico do elenco em seus respectivos papéis, mas também e principalmente pelo apelo humanitário e de justiça que o roteiro desperta e proporciona. Da versão de 1957, o último ator a falecer foi Jack Klugman (o jurado nº 5, o segundo que muda o seu voto), em 24/12/2012. (*) - O filme, na realidade, aborda dois temas profundos: A discussão sobre a pena de morte e a verdade que se esconde atrás das aparências. Rose e Lumet foram aqui no “rastro (ou como se diz, “no vácuo”) do filme clássico noir que o magnífico cineasta vienense Fritz Lang (com roteiro de Douglas Morrow) fizera no ano anterior (1956; aliás o último filme de Lang feito nos USA) e que discute esses mesmos temas: “Suplício de uma alma (Beyond a reasonable doubt)”. (**) – Lee J. Cobb (o jurado nº 3 na versão de 1957) foi um grande ator de teatro e do cinema americano. Em 1949 a peça de teatro do dramaturgo Arthur Miller, “A morte do caixeiro viajante (Death of a salesman)” foi agraciada com o prêmio Pulitzer e Lee J. Cobb a interpretou no teatro fazendo (com grande sucesso) a personagem título (Willy Loman). A peça critica o regime capitalista em que este não permite a todos os cidadãos a mesma oportunidade de serem bem sucedidos economicamente na vida. Esse foi um dos motivos pelos quais Arthur Miller (que fizera parte, no passado, do Partido Comunista Americano) fôra chamado a depor perante o Comitê de Atividades Anti-Americanas (o chamado “McCarthismo”), nos anos 50. A esse propósito, a peça de Arthur Miller (que também virou filme) “As bruxas de Salém (The crucible, 1953)” é uma metáfora (e cai como uma luva) sobre o McCarthismo (vale a pena ver).
O Homem Errado
3.9 96 Assista AgoraAtraído pelo evento verdadeiro da falsa identificação do músico (de ascendência hispânica) “Manny” Balestrero, como sendo este responsável pelo assalto à Seguradora “Vidas Associadas“, em dezembro/1952, Hitchcock volta aqui ao tema de sua preferência: a troca de identidades entre o culpado e o inocente, em que este último sempre é confundido com o real criminoso e sempre vivencia um sacrifício desproporcional à gravidade do delito cometido pelo verdadeiro culpado! Essa “lógica” é “quase” que permanente na obra de Hitchcock, resultado de sua forte educação (ou seria “repressão”?) católica na Grã-Bretanha. Devido ao grande apelo religioso da película, que discute os limites da fé (veja-se, por exemplo, a “involução” do comportamento de Rose Balestrero), o cineasta aproveita para traçar um paralelo entre o infortúnio do pobre coitado músico com a própria “via crucis” (Via Sacra) de Cristo. Isso se torna evidente na humilhação do músico ao ter que desfilar em alguns dos locais os quais haviam sido assaltados pelo verdadeiro culpado, a fim de ser reconhecido pelos respectivos proprietários e, assim, ser acusado pelos delitos que não cometera; e a sua peregrinação se estende pelos locais em que estivera antes, em busca de provas para a tentativa de sua absolvição, retornando à estalagem onde passara férias com a família, bem como percorrendo as residências de algumas das pessoas com quem lá mantivera contato, com o objetivo de tentar arrolá-las como testemunhas, mas estas já se encontravam mortas. Em tudo, esse infortúnio se assemelha ao de Cristo (que também não tivera testemunhas em sua defesa) e às estações (paradas) de Sua trajetória desde o Pretório até o local de Seu Calvário. Também a presença dos policiais, ao lado do músico - no carro oficial - é a metáfora dos soldados romanos que ladeavam a peregrinação e o trajeto de Cristo. Daí o desfecho de caráter milagroso que se vê no final do filme, algo semelhante à redenção e ao renascimento da personagem, assim como acontecera com a ressureição e a ascenção de Jesus Cristo!
O filme apresenta algumas características noir autênticas, pois a fotografia excelente é expressionista com magníficos contrastes claro-escuro, além do clima de alienação com algumas nuances de paranóia (apresentado pela esposa do músico), sem falarmos no tétrico ambiente da sala de interrogatórios na delegacia de polícia. Aliás, é possível observar no filme, que à época não havia ainda na Constituição americana a emenda “Miranda” (aquela na qual no ato de prisão, o policial notifica o suspeito de por quais motivos ele está sendo preso e de que “tudo que ele disser poderá ser usado contra ele, de que se não tiver um advogado...etc”). Daí o fato de “Manny” (por atitude ingênua sua) ter sido levado para a Delegacia para ser interrogado sem a presença de um advogado.
Resta comentar, também, vários aspectos da apresentação/produção do filme, a saber:
- Das aparições de Hitchcock em seus filmes, este é o único em que ele é visto falando.
- Hitchcock trabalhou aqui com alguns de seus (quase que) permanentes colaboradores, tais como Bernard Hermann (na música), Robert Burks na direção de fotografia, George Tomasini na montagem (edição) do filme e Herbert Colemann, desta vez como co-produtor (e não como assistente de direção).
- Esplêndido trabalho da dupla Burks e Tomasini, quando da abertura do filme nos créditos iniciais, pois ocorre a subversão da passagem do tempo nessa parte do filme, em que o intervalo de duração de mais de cinco horas da sessão de danças no clube, são transcorridos e comprimidos na duração da música da orquestra que se ouve nesse início (*). Burks e Tomasini magníficamente realizam a supressão de alguns casais dançantes (**), enquanto outros permanecem sentados às mesas para - logo em seguida - alguns desses espectadores “desaparecerem” no instante em que outros casais dançavam. Toda essa técnica é usada para descrever a passagem das horas, desde o momento inicial (do filme) até o encerramento do baile no “Stork Club”.
(*) – Ao contrário da técnica adotada no filme “Rope” (Festim Diabólico, 1948), em que a duração do filme corresponde – aproximadamente - à duração da evolução do tempo na trama desenvolvida na tela.
(**) – A sinopse não esclarece se as mulheres citadas como “waving women” (Cherry Hardy e Elizabeth Scott (#)) são – ou não - as que aparecem dançando próximas à câmera, quando surge na tela o crédito de Bernard Hermann na música, ou se são as que aparecem dançando próximas à câmera no salão do “Stork Club”, após a cena em que o detetive Mathews (interpretado pelo ator Charles Cooper) identificou o verdadeiro culpado (interpretado pelo ator Richard Robbins) na 110ª Delegacia de Polícia e, então, ter solicitado à direção do “Stork Club” para que “Manny” lá comparecesse a fim de acompanhar a correta identificação do culpado por Constance Willis (esta interpretada pela atriz Laurinda Barrett) e por Ann James (interpretada pela atriz Doreen Lang).
(#) – Não se trata da (grande e magnífica) atriz Lizabeth Scott (nascida “Emma Matzo”), musa dos filmes noir dos anos 1940/1950 e que faleceu em 31 de Janeiro de 2015, aos 92 anos de idade.
- Ótimo elenco coadjuvante, a começar pelo ator Harold J. Stone (Detetive Tenente Bowers), um dos grandes coadjuvantes da época de ouro de Hollywwod (fez o papel de pai de Paul Newman no clássico “Marcado pela sarjeta = Somebody Up there likes me”, também de 1956). Destaques também para (além dos já mencionados anteriormente) Vera Miles (como Rose Balestrero), Peggy Webber (como Alice Dennerly, a moça que atende o guichê da Companhia Seguradora), Nehemiah Persoff (como Gini Conforti, o cunhado de “Manny” Balestrero), o britânico Anthony Quayle interpretando o verdadeiro advogado de defesa de “Manny” Balestrero (Frank D. O’Connor), Anna Karen (como a “miss” Duffield), Werner Klemperer (o coronel “Klink” do seriado satírico dos anos 1960 “Guerra, Sombra e Água Fresca”), aqui como o psiquiatra (Dr. Bannay) de Rose Balestrero e, em rápidas aparições, Tuesday Weld (uma das meninas brincando no apartamento de uma das possíveis testemunhas que Manny deseperadamente procurava) e Harry Dean Stanton, quase invisível, como um dos empregados do “Department of Corrections”.
Se Meu Apartamento Falasse
4.3 422 Assista AgoraCalvin Clifford Baxter (C. C. Baxter) é um corretor de seguros (leia-se: “um pau para toda a obra”) que sonha, um dia, atingir o topo da sua carreira na seguradora em que trabalha. Na verdade, ele é um crápula! Cede seu apartamento para aventuras sexuais tanto para os colegas, quanto para seus chefes imediatos, em troca de benefícios e promoções no trabalho. Se olharmos mais de perto, veremos que toda a seguradora se assemelha a um prostíbulo, com encontros sexuais entre secretárias, telefonistas (e até uma bela ascensorista, Fran Kubelik) com empregados e gerentes da companhia, inclusive o Diretor Presidente (Jeff Sheldrake), que já fôra amante de sua secretária (Miss Olsen) e, agora, tem a bela Fran como amante! Imaginando ser esta descompromissada e não fazendo parte da “troupe” das orgias em seu apartamento, Baxter se apaixona por Kubelik; mas Fran estava apaixonada por Sheldrake e, em encontro com ele, na noite de Ano Novo no apartamento de Baxter, descobre mesmo que fôra ludibriada e que Sheldrake não se divorciará para ficar com ela; Fran tenta, então, cometer suicídio mas é socorrida em tempo por Baxter...e daí nasce o amor entre eles! Ou seja, Wilder retrata em Baxter um procedimento que vai do sórdido ao sublime! (A metáfora da ascensão do elevador pelas mãos de quem se tornou a paixão de Baxter!)
A visão mais corriqueira e evidente na obra de Wilder (*) refere-se ao comportamento dos indivíduos volúveis, sem caráter, que facilmente se sujeitam a ações ou têm atitudes imorais e desonestas com o objetivo de serem bem sucedidos na vida e não medem esforços para isso (que o digam o Charles Tatum de “Ace in the Hole/The big carnival = montanha dos sete abutres”, 1951, ou o Walter Neff de “Double Indemnity = Pacto de Sangue”, 1944 ou, ainda, o sargento J. J. Sefton de “Stalaag 17 = Inferno nº 17”, 1953). A lente de Wilder enxerga um mundo corrupto em que os humanos, no mínimo, se vendem como prostitutas. Como disse Moustache para o Nestor Patou, de “Irma La Douce”, 1963: “Não seja tão honesto em um mundo desonesto”; daí, sempre o escárnio (com inteligência) e a crítica virulenta dos filmes de Wilder. Não por acaso é ele o mestre da comédia mordaz e do cinema crítico do comportamento do ser humano. Nada mais desolador e deprimente do que ver o Don Birman (= Ray Milland) de “Lost weekend = Farrapo Humano”, 1945, mentir e perder o fim de semana sucumbindo totalmente à bebida (até roubando para conseguí-la) em vez de escrever o livro que prometera.
(*) – Conforme o ponto de vista ela pode ser multifacetada.
Crepúsculo dos Deuses
4.5 794 Assista AgoraRoteirista fracassado, sem emprego e endividado, Joseph C. Gillis (*) é o arquétipo da vítima ideal, pois encontrando-se amargurado pelos acontecimentos em sua vida, sua ambição e ingenuidade o leva a transpor o perímetro e a adentrar a área do horizonte de eventos da qual não é mais possível retornar, sendo extremamente poderosa a força de tração exercida pelo “buraco negro” que o atraiu, ou seja, a paranóica mulher fatal Norma Desmond: “Eu sou grande! Os filmes é que ficaram pequenos!” (**) (e Gillis responde: “Eu sabia que havia algo de errado com eles”). A frase de Desmond dá toda a dimensão paradoxal da grandiosidade da indústria do cinema e ao mesmo tempo da insânia que acomete muitos daqueles em que nela transitam. Com roteiro de Charles Brackett (#), D. M. Marshmann Jr. e do próprio Wilder, o filme faz uma crítica virulenta ao sistema do “show business”, pois com a mesma facilidade e rapidez com que coloca as estrelas em seu firmamento, retira-lhes o ponto de apoio e as descarta como lixo, quando (e porque) delas nada mais há de lucrativo a se extrair; é a metáfora do sistema que come a sua carne, bebe o seu sangue e palita os dentes com seus ossos, com a maestria de manter em voce a ilusão de ainda estar vivo (nada mais explícito do que ver a indústria cinematográfica realimentando a loucura de Norma Desmond). Uma cena emblemática (e muito poderosa) é a que mostra Desmond no estúdio da Paramount, sentada na cadeira de De Mille (quando este se afasta para falar ao telefone com o assistente de produção Gordon Cole), e um microfone suspenso em movimento por uma guia esbarra no chapéu de Desmond e esta, ao se virar e reconhecer o microfone, o afasta para longe com desprezo sintetizando todo o sentimento de repulsa da maior estrela do cinema mudo ao cinema falado. O filme todo é belíssimo, com cena final magnífica (esta, competentemente dirigida pela dupla Wilder/von Ströhein), digna dos grandes dramas de Hollywood, retratando o supremo (e ao mesmo tempo belíssimo) delírio da atriz que possue a 7ª arte no sangue (+)(§). Nesse momento, é grande a comoção do telespectador ao observar a fisionomia de enorme tristeza e amargura de Max (e quem sabe até do próprio ator von Strönhein, dada à sua dramaticidade na cena) na percepção de quão distante da realidade estava sua deusa, objeto eterno de sua adoração. Como Ed Sikov observou, Wilder não permite o “close” final de Desmond com o objetivo de demonstrar que não somente ela, mas toda a indústria do cinema estão desfocados de um mundo real.
Filme “noir” puro pois contém todos os elementos temáticos e visuais desse tipo de filme (***): desfecho triste, fotografia expressionista (contrastes claro-escuro (principalmente nas cenas de sessão de cinema particular na residência de Desmond e dos diálogos entre Gillis e Max na garagem da mansão), clima de alienação, paranóia e insânia (&)), narrativa em voz “over” (e em “flashback”) na 1ª pessoa (realizada pela própria personagem – Joe Gillis - que já morreu), anti-herói ingênuo, amargurado e ambicioso, presença da mulher fatal e a grande cidade americana como pano de fundo.
(*) - Wilder não perde a oportunidade e aproveita para escarnecer da personagem Joe Gillis na cena em que o mordomo Max (interpretado por Erich von Ströhein) recebe o telefonema da aspirante a roteirista, Betty Schaefer (interpretada por Nancy Olson) procurando por Gillis, e a descarta negando a presença de Joe Gillis na residência. Ao ser inquirido por Norma Desmond quem era ao telefone, Max responde: “Não era nada, madame; somente alguém procurando por um cachorro perdido. Nosso número de telefone deve ser parecido com o do canil”.
(**) – “Great stars have great pride” (Simplesmente...soberbo!!!).
(#) – Brackett (que também foi o produtor do filme) brigou muito com Wilder durante a elaboração do roteiro. Brackett já havia sido o roteirista de Wilder nos filmes:
1 - “Five graves to Cairo = Cinco covas no Egito” (1943), este também com a participação de Erich von Ströhein no papel do Marechal de Campo Erwin Rommel;
2 – “Lost weekend = Farrapo Humano” (1945), primeiro filme a tratar o alcoolismo como doença.
(***) - Outro “noir” excelente de Wilder (e – talvez - superior a “Sunset Boulevard”) é “Double Indemnity = Pacto de sangue” (1944), baseado em estória de James M. Cain, em que a mulher fatídica Phyllis Dietrichson (magníficamente interpretada por Barbara Stanwyck) fascina e, por isso mesmo, convence o corretor de seguros sem caráter Walter Neff (interpretado por Fred MacMurray), a matar seu marido pela indenização do seguro e depois o elimina com um tiro.
(&) – Fotografia expressionista do excelente John F. Seitz, um dos grandes fotógrafos dos filmes “noir” dos anos 1940/1950. Outros grandes e ótimos diretores de fotografia – dentre muitos – dos filmes “noir” foram: John Alton (“Moeda Falsa = T-Men”, 1948), George E. Diskant (“Amarga Esperança = They live by night”, 1948), Burnett Guffey (“Na teia do destino = The Reckless moment”, 1949), Harry J. Wild (“Até a vista, querida = Murder my sweet”, 1944), Woody Bredell (“A dama fantasma = Phantom Lady”, 1944) e Nicholas Musuraca (“Out of the past = Fuga ao passado”, 1947).
(+) – A exemplo do inescrupuloso Charles Tatum, de “Ace in the Hole/The big carnival = A montanha dos sete abutres”, (também de Wilder) que possuía o jornalismo nas veias: Ao final, antes de cair morto ele diz: “Mr. Boot? O que voce acharia de ganhar $1000,00/dia? Sou um jornalista de $1.000,00/dia, mas trabalharia até de graça”.
(§) – Surpreendentemente Gloria Swanson não ganhou o OSCAR pelo seu desempenho neste filme. A ganhadora do OSCAR de 1951 fôra Judy Holliday, por sua atuação em “Born Yesterday = Nascida Ontem” e que também vencera Bette Davis e Anne Baxter, ambas concorrendo por suas atuações em “All about Eve = A malvada”. Situações como essa fizeram – ao longo dos anos, inclusive anteriores a 1951 – a fama da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood (por não premiar quem – aos olhos da maioria dos analistas – mereceria).
A Montanha dos Sete Abutres
4.4 246 Assista Agora“(Good news, is no news!)”; essa frase resume e define o jornalismo “marrom” (quem ainda não presenciou na TV o indefectível “veja de novo” em imagens de reportagens sobre a desgraça alheia?). Esse filme, hoje, é um clássico por ser o primeiro (1951) a tratar do tema sobre o jornalismo “marrom”; isto é, o jornalismo que explora a desgraça de terceiros. Qualquer semelhança com o comportamento de parte da imprensa (e de outros segmentos sociais) nos dias de hoje não é mera coincidência. Mas, claro, a sociedade também tem sua parcela de culpa (que não é pequena) ao realimentar esse tipo de comportamento jornalístico. Na época, o filme foi recebido a “pedradas” tanto pela crítica quanto pelas platéias, o que nos permite inferir o quanto o comportamento social mudou – para pior – desde essa época.
Filme que deveria ser de visão obrigatória em todos os cursos de jornalismo (“isto é, em aulas de como não se deve fazer jornalismo”), por revelar o comportamento execrável de jornalista (*) que se vale da desgraça de um ser humano para ganhar notoriedade e promoção utilizando-se do infortúnio de terceiros, pois deseja voltar aos jornais de grande circulação onde pretende ser, novamente, bem sucedido (Charles Tatum: “Where’s my desk? Mr. Boot: That’s close the door; maybe on saturday you’ll be out from here. Tatum: Sooner the better!”). Além do extraordinário desempenho do ator Kirk Douglas (como o jornalista inescrupuloso), a excelente direção de Billy Wilder escarnece, magistralmente, do comportamento da sociedade americana a qual, após tomar conhecimento da desgraça do pobre coitado soterrado - pela matéria do jornalista - age impulsivamente como “gado” e acorre para o local do evento com a esperança de satisfazer a curiosidade motivando então, no melhor estilo capitalista, os moradores locais a explorá-los comercialmente, como “abutres sobre a carniça”; daí a paródia de Wilder com (o nome da montanha e, também com) o 2º título original do filme – o “The big carnival”). Simplesmente genial, pois para Wilder quanto mais melindroso um item de comportamento social, melhor (veja-se, por exemplo, o tema do adultério em o “Pecado mora ao lado (The seven year itch, 1954)”, ou a tensão sobre a guerra fria na comédia “Cupido não tem bandeira (One, two, three,...)(**)”, este último feito imediatamente após a URSS levantar o muro de separação entre as duas Berlins (1961).
(*) – Um dos alter-egos “high-tech” do Charles Tatum original, foi possível de se ver na telenovela recente (2014/2015) Império da Rede Globo na pele da personagem do ator Paulo Beti.
(**) – Billy Wilder queria filmá-lo na própria Berlin, mas não lhe permitiram fazê-lo. Então, foi a Munique e montou um estúdio simulando a cidade de Berlin a fim de representá-la no filme.
Férias de Amor
3.6 29 Assista AgoraUm dos grandes (e dos mais importantes) filmes dos anos 50, baseado em uma peça do dramaturgo William Inge (muito importante nessa época, nos USA) (*). As cenas de abertura do filme, com a chegada do trem à cidade, já mostram a sua importância além de sua semelhança com outro clássico dessa época: “Vidas Amargas (East of Eden), com James Dean”. “Picnic” relata a estória de um jovem, sem eira nem beira, Hal Carter (interpretado por William Holden (**)), cujo único patrimônio é um par de botas, herdado de seu pai, e que chega à aparentemente pacata cidadezinha de Halstead, no Kansas, para visitar o seu ex-colega de Faculdade, Alan Benson (interpretado por Cliff Robertson), filho do maior industrial do local. Em apenas um dia (feriado do dia do trabalho e que é também o último dia de férias escolares), Hal Carter consegue mexer com o comportamento e, principalmente com os sentimentos das pessoas com quem mantém contato, alterando os destinos de algumas das personagens do filme. Inge não perdoa e vai direto na jugular de uma sociedade americana que além de conservadora, estava mofada pelos tabus e recheada de preconceitos em relação às mulheres; não por acaso, situa ele os eventos da peça (e do filme) em uma típica cidadezinha do interior, onde esses sentimentos são mais evidentes e arraigados (que o digam os gerânios das janelas da casa da Sra. Potts, interpretada pela atriz Verna Felton). Como se vê, Madge Owens (interpretada por Kim Novak), por ser a garota mais bonita do local, estaria predestinada a se casar com o rapaz mais rico da cidade e, assim, satisfazer o desejo opressor de sua mãe (interpretada pela excelente Betty Field), característica essa quase que permanente nos rincões da América da primeira metade do século XX (o “american way of life”) e por nossas bandas também...Mas, ao contrário de outras personagens femininas de Inge (*), Madge consegue se libertar, apaixonando-se pelo andarilho recém chegado e indo ao encontro de seu amado em Tulsa (Oklahoma), após a partida dele. O diretor Joshua Logan acertou em cheio, realizando um magnífico filme com o apoio de muitos coadjuvantes competentes e excelentes tais como Arthur O’Connell; Raymond Bailey; Nick Adams; etc e as atrizes Susan Strasberg (filha de um dos fundadores do Actor’s Studio, Lee Strasberg); Elizabeth Wilson (recentemente falecida = 09/05/2015 e à época, em início de carreira); Reta Shaw; e uma (ainda) adolescente Shirley Knight. Mas, a grande atriz do filme é mesmo Rosalind Russell, a “miss Rosemary Sydney, the school teacher”; ante a percepção da passagem inexorável de sua juventude e da cada vez mais presente perspectiva de ficar solteira para sempre, o seu comovente comportamento desesperante torna o filme um clássico e mostra o grande talento dessa magnífica atriz. Também merecem destaques a excelente fotografia do filme, a escolha de suas locações (que por sinal, fôra realizado em diversos locais do Kansas e não somente em Halstead. Também aqui no Brasil, nos anos 50, havia muitas cidadezinhas iguais a Halstead) e, principalmente as músicas - não somente o tema musical principal do filme e algumas sessões de “jazz” - mas sobretudo a dança do casal apaixonado ao som da belíssima “Moonglow”, a qual eleva a película ao panteão dos grandes filmes de Hollywood e o torna, realmente, um ícone eterno do maior dos sentimentos humanos: o amor (#). Para os românticos, ver esse filme é mesmo sempre um dia de namorados.
A lamentar, apenas, o fato de que o filme sucumbe a um dos (também) preconceituosos comportamentos da sociedade americana da época: o racismo, pois o filme retrata a sociedade local como formada apenas de pessoas brancas.
(*) - Inge fez, dentre outras, mais uma peça magistral, com a mesma crítica e que também virou filme sob a competente direção do magnífico Elia Kazan; “Splendor in the grass = Clamor do sexo”; neste, uma Dennie Loomis (magistralmente interpretada por Natalie Wood) sucumbe ao comportamento opressivo de uma sociedade americana extremamente preconceituosa e repressiva dos anos 20.
(**) – William Holden foi um ator nato por excelência e, talvez, tenha sido um dos mais requisitados por Hollywood nos anos 50. Veja-se, por exemplo (somente para citar alguns de sua filmografia dessa década): “As pontes do Toko-ri”, “Inferno 17”, “Crepúsculo dos Deuses”, “Sabrina”, “Nascida ontem”, “Suplício de uma saudade”, “A ponte do Rio Kwai”, etc.
(#) – Outros dois grandes filmes que apresentam casais dançando ao som de belíssimas músicas e que tornam tais filmes memoráveis, são:
1 - “...E o vento levou = ...Gone with the wind” (1939), no qual Clark Gable e Vivian Leigh abrem o baile realizado para angariar fundos para o exército confederado e,
2 – “Da terra nascem os homens = The Big Country” (1958), em que Gregory Peck e Carroll Baker iniciam a dança inaugural de seu noivado (ao som de uma magnífica valsa), na fazenda de Carroll Baker.
Intersection: Uma Escolha, Uma Renúncia
2.8 28 Assista AgoraEspectacular filme de Mark Rydell que aborda a dicotomia e incerteza de um homem diante da afeição de sua esposa (pela qual nutre um amor já desgastado, porém ainda desejável) e o amor de sua amante. É a célebre situação do homem que ama simultâneamente duas mulheres, igualmente ou não, e se vê diante de uma indefinida opção. O filme joga com questões relativas a probabilidades, pois ao se decidir pelo amor da amante (e a ela isso comunicar), a personagem de Richard Gere sela o seu destino para a eternidade. Isto permite nos remeter – conceitualmente e por semelhança - à Física Quântica, mais específicamente ao processo de medição das grandezas físicas da estrutura da matéria, pois antes de se efetuar qualquer medição no interior da matéria esta se encontra em um estado de “superposição” das grandezas físicas (o famoso “gato de Schrödinger”) em que estas só assumem um estado definido quando o ser humano realiza, efetivamente, a medição no interior da matéria. A analogia é evidente com a decisão da personagem de Richard Gere, pois ao se definir ele em favor da amante é como se obtivéssemos o valor da grandeza que estávamos procurando no interior da matéria, pois até então a indecisão da personagem nos remetia à indefinição do valor da grandeza física que estávamos procurando. Mas, dentre outras interpretações possíveis, uma bem corriqueira nos diz sobre as conseqüências da tomada de decisões (para o nosso próprio bem ou não, em favor de nossa própria segurança ou não, etc...) e que também nos remete à óbvia incerteza dessas conseqüências. Apesar do trágico destino da personagem Vincent Eastman, realçado na magnífica metáfora da sua perda de vida (extraído de sua memória com o seu definhamento nas cenas de seu casamento com a personagem de Lolita Davidovitch (Olívia Marshak), e em seus mergulhos no lago a observar o barco de sua esposa e filha se afastar para sempre de si e, em seguida, seguir em um mergulho final atrás de Olívia, caracterizado pela sua perda de vida), o final do filme nos revela que as conseqüências de sua decisão ocultaram os determinantes reais que motivaram o comportamento da personagem de Richard Gere, a tal ponto de induzir a esposa a ter uma idéia errônea (sem esta saber) sobre a sua decisão com relação à amante e, ainda, como respeito às circunstâncias da tragédia, nenhuma delas desejou revelar à outra o que sabia. Sem dúvida, o filme se destaca como um evento de probabilidades assumindo um carácter determinístico quando impulsionado pela única restrição impeditiva à aleatoriedade de uma decisão: a menina “red hair”.
12 Homens e Uma Sentença
4.6 1,2K Assista AgoraEu já o havia visto na TV nos anos 70.
Estruturalmente, o filme enfatiza princípios básicos fundamentais do sistema judiciário americano utilizados por algumas de suas Cortes criminais. O veredito deve ser unânime (e não por maioria simples) sobre a condenação ou a absolvição do réu. Os jurados devem decidir com certeza absoluta sobre os fatos do processo. Havendo qualquer “dúvida razoável” sobre esses fatos - aceita por todos os jurados - então o veredito deve ser pela absolvição do réu. O corpo de jurados é um mosaico da sociedade americana, compondo indivíduos com interesses, visões e atividades tão diversas quanto um relojoeiro e um corretor de bolsa de valores, um arquiteto e um vendedor, um bancário e um pintor de residências, etc., o que caracteriza outra ênfase do filme em revelar a importância dessa composição do júri por pessoas distintas da sociedade, sem nenhuma conexão prévia entre si, mostrando que o fortalecimento de um sistema judiciário advém justamente desse tipo de formação, tornando irrelevante a identificação pessoal dos membros do júri. Daí o fato de os jurados serem identificados apenas pela sua ordem de convocação e não pelos seus nomes. Para se chegar ao veredito, deve-se debater o tema da acusação no julgamento (*) o que expõe problemas pessoais de alguns membros do júri, como por exemplo, o preconceito e o racismo demonstrado pelo jurado nº 10 contra o réu adolescente oriúndo de etnia economicamente minoritária, ou as questões familiares não resolvidas pelo jurado nº 3 o qual projeta no acusado a imagem do único filho e destila contra o réu toda a sua frustração e revolta por não ter obtido o resultado que desejava para o futuro do filho. A versão cinematográfica original (1957) peca por não apresentar nenhum negro na composição dos jurados (o que está em conformidade com o comportamento da sociedade americana dos anos 50. Porém, o roteirista Reginald Rose e Lumet perderam aqui – a meu ver - a grande oportunidade de serem revolucionários à época ao não inserir nenhum negro no corpo de jurados). Esse fator foi corrigido na versão de 1997 na qual quatro homens negros integram o júri. A ausência de mulheres nessa formação é compreensível pela intenção do autor/roteirista em constituir o júri somente com homens (advindo daí o título do filme), mas o motivo maior é mesmo um dos verdadeiros temas do filme (a discussão sobre a pena de morte, tema por demais masculino à época e, talvez ainda hoje o seja). Assim, a intenção do autor/roteirista estaria satisfeita em evitar qualquer sentimento maternal em relação ao acusado, o que poderia conduzir - desde o início do julgamento – a se ter mais de um jurado em favor da inocência do réu (o que implicaria em se ter também um título diferente para o filme).
Devido à densidade emocional e temperamental e à intensidade dramática da personagem do jurado nº 3, a dramaturgia teatral e cinematográfica americana procura reservar para atores de primeira linha a interpretação desse papel (**). Isso é evidente em ambas as versões cinematográficas e, em ambas, esse filme é de visão obrigatória não somente pela comparação do desempenho magnífico do elenco em seus respectivos papéis, mas também e principalmente pelo apelo humanitário e de justiça que o roteiro desperta e proporciona. Da versão de 1957, o último ator a falecer foi Jack Klugman (o jurado nº 5, o segundo que muda o seu voto), em 24/12/2012.
(*) - O filme, na realidade, aborda dois temas profundos: A discussão sobre a pena de morte e a verdade que se esconde atrás das aparências. Rose e Lumet foram aqui no “rastro (ou como se diz, “no vácuo”) do filme clássico noir que o magnífico cineasta vienense Fritz Lang (com roteiro de Douglas Morrow) fizera no ano anterior (1956; aliás o último filme de Lang feito nos USA) e que discute esses mesmos temas: “Suplício de uma alma (Beyond a reasonable doubt)”.
(**) – Lee J. Cobb (o jurado nº 3 na versão de 1957) foi um grande ator de teatro e do cinema americano. Em 1949 a peça de teatro do dramaturgo Arthur Miller, “A morte do caixeiro viajante (Death of a salesman)” foi agraciada com o prêmio Pulitzer e Lee J. Cobb a interpretou no teatro fazendo (com grande sucesso) a personagem título (Willy Loman). A peça critica o regime capitalista em que este não permite a todos os cidadãos a mesma oportunidade de serem bem sucedidos economicamente na vida. Esse foi um dos motivos pelos quais Arthur Miller (que fizera parte, no passado, do Partido Comunista Americano) fôra chamado a depor perante o Comitê de Atividades Anti-Americanas (o chamado “McCarthismo”), nos anos 50. A esse propósito, a peça de Arthur Miller (que também virou filme) “As bruxas de Salém (The crucible, 1953)” é uma metáfora (e cai como uma luva) sobre o McCarthismo (vale a pena ver).
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