Além da fotografia lavada, o maior problema do filme é se limitar em tentar ser um drama médico invés de enxergar o caso de Tancredo como (mais do que uma metáfora) a síntese da história política do país.
Para quem passou por Begotten e Incubus, Antrum é mais um na lista de filmes experimentais que se vendem como amaldiçoados.
O filme tem seus exageros, dentre os mais explícitos o mini doc embutido na tentativa de provocar um "efeito Bruxa de Blair". Porém, tem forte apelo ao simbolismo que o torna interessante. Os realizadores estudaram o que queriam colocar e o como fazer, ao ponto de se gabarem e explicarem o uso de alguns.
No entanto fica uma queixa (que não diz respeito ao ritmo):
A fornalha em formato de Baphomet é clichê, poderiam ter utilizado a imagem de Moloch que cumpriria melhor e mais coerentemente o objetivo simbólico-narrativo .
Quanto ao desfecho, não consigo desassociar com a conclusão da jornada pelo Inferno da Divina Comédia, onde o caminho mais rápido para a salvação é chegando ao fundo primeiro.
O bom de rever é quando você redescobre. Ginger Snaps é um dos poucos filmes de lobisomem que sabem trabalhar com a sexualidade como campo latente de confronto.
Neste caso, acontece entre irmãs de personalidades contrastantes (uma para a lasciva, outra para a casta) que possuem uma relação afetiva nos limites do sexual. Quando a primeira, que é mordida, começa a dar vazão/ceder aos impulsos do inconsciente, a outra entra numa busca para "castrá-la". Com o avançar da trama fica evidente que a disputa é pelo domínio da relação, explicitada pelo processo de excitação da contraparte. Afinal, por mais que "a lobisomen" encontre parceiros e a irmã um companheiro, o objeto de desejo de cada uma é a outra.
A grande sacada de Waititi em Jojo Rabbit foi exaltar a infantilidade da absurda fantasia criada por discursos de ódio, especialmente quando institucionalizada. Deste modo, a premissa da "transição da infância para a vida adulta" é subvertida numa trama onde o amadurecimento da subjetividade está diretamente relacionado ao rompimento da alienação. De modo bem trabalhado e repetindo o jogo de contrastes de A Vida é Bela, o humor vem com um gosto amargo e as risadas são estranhas perante a tensão.
O novo filme Ari Aster segue uma premissa ligeiramente comum, porém o diretor de Hereditário não se limita em revisitar o horror folclórico e ressignifica os clichês para explorar o verdadeiro potencial qual poucos títulos anteriores tiveram consciência. Para começar, diferente de O Homem de Palha, ao qual tem sido repetidamente comparado, onde a iminência do perigo que nos leva ao vilarejo, aqui as vítimas são levadas por suas vontades individuais. Utilizando-se da máscara do paganismo e gestos extremos, se olharmos para além do enredo fabular transbordando simbolismo perceberemos que Midsommar denuncia explicitamente como age a maquiavélica máquina de aliciamento dos grupos religiosos. Não se trata apenas das seitas, cuja conotação marginal está fixa no imaginário, e sim também das instituições tradicionais.
Os primeiros minutos são dedicados ao estabelecimento do trauma e do desamparo afetivo da protagonista Dani, esta fragilidade psicológica que estabelece sua rota dentro da trama, e não obstante seu desfecho. Com um visual semelhante a Cristo, Pelle seduz seus amigos com sua paixão e os mistérios só acessíveis através dos iniciados. Se por um lado Hagar possui tradições perturbadoras, noutro seus membros vivem à risca o sentido de comunidade. Não existe ambiente privado e as experiências são compartilhadas, sejam dores ou gozos, fazendo com que os membros exponham fisicamente o conceito construído de grupo, o elo de pertencimento. Enquanto os outros visitantes manifestam ceticismo, aversão completa e até interesses aproveitadores, Dani se vê em forte conflito uma vez que lá ela encontra o alento que a sociedade e as relações contemporâneas não lhe fornecem. É nesta camada do enredo que Aster nos chama atenção para o que já sabemos e, no entanto, majoritariamente ignoramos a favor de discutir divergências culturais.
Não surpreendentemente o mesmo ocorre na recepção do filme. Aster nos provoca com os rituais violentos enquanto aquilo com qual devemos realmente nos atentar não está no primeiro plano, assim como a face nas árvores. O “mal que não espera a noite” a que o subtítulo brasileiro se refere não são os sacerdotes ou qualquer manifestação sobrenatural, é Pelle, cuja aura virtuosa e pacifica serve de isca para alimentar a célula de seu culto, o evangelizador que peregrina em busca de almas. O “bode preto” que se faz ausente é a forma delicada como Pelle e os demais membros convidam e induzem a participação, a perversidade de uma “catequização” voltada para as carências e desejos, e como indivíduos em estados de maior fragilidade emocional e psicológica acabam permitindo-se ser assimilados para suprir desesperadamente tais necessidades. O final de Midsommar é aberto para interpretações, porém me restou a agonia de imaginar que Dani jamais saia de Hagar. Não por imposição, por escolha.
A maldição de It sempre será sua segunda metade. A piada "o livro é bom, mas não gostei do final" é uma autocrítica feita a obra que, de fato, surpreende no primeiro segmento e depois despenca numa viagem lisérgica que desconstrói o argumento inicial sem apresentar uma "coerência substituta" em seu tardio flerte com Lovecraft.
Não me surpreende que o filme de Steven Universe seja sobre responsabilidade afetiva. Faz parte de toda a proposta da Rebecca Sugar e foi uma decisão feliz.
A versão de 2019 é de fato visualmente exuberante e nostalgicamente precisa, contudo tem problemas narrativos. As cenas são mal conectadas, a maioria dos saltos de tempo que ocorrem são estranhos e há furos que, completando o cenário, causam confusão. A direção de dublagem também incomoda em personagens específicos, vi em inglês, mas para ser justo, dentre todas as vozes a única que realmente é digna desta crítica é a do Pumba.
Argumentar que a culpa da grande perda da dramaticidade, um dos fatores responsáveis por tornar a animação de 1994 um dos melhores títulos da Disney, é da representação fidedigna dos animais que removeu a expressividade humana é justa. Eu, por outro lado, aponto o roteiro pouco aproveitado e a montagem feita às pressas como verdadeiros responsáveis. Temos cenas maravilhosas que não atingem seu potencial por causa de ritmo, principalmente.
Por fim, a última coisa que gostaria de dizer é: saudades do Jorgeh Ramos.
Além de ser um dos mockumentaries mais bem fechados na fórmula, respeitando de forma rigorosa a própria linguagem que camufla, consegue trabalhar bem a tensão e as expectativas para atingir seu ponto máximo não só numa das cenas verdadeiramente mais assustadoras do gênero (que funciona exclusivamente por conta da construção anterior), como também na sua melancólica resolução.
Quando se entende realmente o que é o Horror Cósmico e sua complexidade de execução, pode-se afirmar que Aniquilação é o melhor herdeiro (e talvez até o equivalente desta geração) de O Enigma do Outro Mundo, de Carpenter.
Fábula certa executada para o público errado. O problema sequer está no roteiro, muito menos no lúdico (que inclusive é cativante), mas em escolhas quanto ao tratamento. Por exemplo, o filme do Christopher Robin se disfarça de infantil enquanto toda a mensagem é direcionada aos pais e funciona como tal. No caso de Loja de Unicórnios, temos uma história voltada para jovens que na maior parte do tempo se utiliza de uma linguagem típica para o público infantil e esquece de trabalhar com a lacuna.
Como não constrói uma ponte capaz de "moldar" o espectador para a experiência desejada, não me surpreende que tanta gente esteja o rotulando de "bobinho". Mas para quem estiver mais aberto perceberá que Brie Larson fez bom trabalho tendo em mãos um roteiro tão delicado, apenas faltou mais experiência na direção para jogar melhor com o público. E mesmo que tivesse, nem mesmo os mais consagrados diretores conseguem sempre ser bem sucedidos neste quesito.
Tomei coragem de rever Vingadores - Era de Ultron e me depararei com um filme diferente do que me lembrava, e do que a maioria se lembra. Fugindo das divertidas caricaturas presentes no primeiro Vingadores, nesta sequência temos um trabalho de desenvolvimento de personagens onde as batalhas reais não estão nas sequências de ação, estão em suas mentes. São disputas internas e de discurso que se elevam ao campo da ética.
Para começar, não devemos comparar o vilão com o original dos quadrinhos, pois há uma grande diferença de pensamento entre eles. Se entendermos o Ultron do filme como a personalização do desejo de Stark e nos atentarmos na fala do vilão em seu primeiro encontro com a equipe de heróis, podemos reconhecer que robô é na verdade uma espécie radical de revolucionário niilista. A base do raciocínio de Ultron é proteger a humanidade, porém a reconhece como fraca e aprisoada à primitivos valores morais que invés de modificarem a realidade reforçam o status quo. Não se trata de um conflito entre homem e máquina, e sim uma tentativa extrema de superar o homem contemporâneo para a chegada da "Era do Übermensch": do homem racional que controla seu próprio destino sem depender de terceiros (ou esperar salvamento ou reparação divina) e livre das amarras de uma moral antiquada.
A chave para enxergar esta motivação está num detalhe que passa muitas vezes desapercebida: Ultron passa mais tempo falando sobre evoluir, aperfeiçoamento, do que sobre aniquilação, erradicação ou extinção. O robô não se posiciona como o Super-Homem de Nietzsche pois têm surtos emotivos (o que surpreendentemente se sustenta entendendo-o como um ser consciente muito jovem, em outras palavras, infantil), no entanto se coloca na tarefa de abrir o caminho para sua alvorada dando fim a humanidade inferior, começando pelos últimos homens (quem a humanidade quer ser, não quem deveria ser): os Vingadores. Isto está presente na aliança que o vilão faz com os gêmeos Maximoff, como também é o motivo de sua dissolução.
Novamente se distanciando dos quadrinhos, os irmãos Wanda e Pietro são dois humanos que a HYDRA aperfeiçoou em sua busca por humanos superiores, porém, assim como o próprio Ultron, ainda não são os almejados übermensch. Além de serem frutos de um mesmo "percurso evolutivo" ainda há o desejo de combater os "últimos homens" da sociedade capitalista ocidental. Não é atoa que os gêmeos sejam originais do Leste Europeu e indica o problema da associação. A região é conhecida por ter sofrido - só na sua história recente - invasão dos nazistas, o pior do regime socialista soviético e um abismo social econômico graças ao mercado global. Logo, Ultron interpreta equivocadamente o relato deles sobre a experiência de infância: dois dias presos diante um míssil Stark até perceberem que nada e nem ninguém os salvaria além deles mesmos. A motivação dos Maximoff, se desvinculada da bagagem histórica, pode mesmo soar como um momento de transvalorização, de superação dos valores que sustentam o status de dependência; contudo, o que os gêmeos encarnavam era um anseio de reparação histórica contra as potências mundiais e suas hipocrisias. Quando Wanda descobre as intenções reais de Ultron, sua moral e consciência de classe são acionadas, ocorrendo a ruptura. Os princípios individualistas de Ultron entram em conflito direto com a ética e sofrem a primeira derrota.
Outro ponto que surge, desta vez explícito, é o desejo do indivíduo de superar "Deus". Ultron tem uma forma humanoide, mas é privado de uma feição humana. É uma silhueta de seu criador Tony Stark em seu traje de Homem de Ferro. Mesmo que ao longo do filme vá se tornando mais robusto, o que Ultron considera ideal e digno é o corpo de Visão. Apesar de ser um androide, Visão possui uma aparência humana, um rosto humano. Ele é a superação da humanidade, a superação do Criador, é o Übermensch. Ou será que não? Tudo o que percebemos do Visão são projeções de Ultron, suas idealizações. Quando os Vingadores raptam o androide e lhe dão vida, somos introduzidos a outro ideal de evolução humana. Um menos radical. Ele é racional e herda um longo repertório de valores que, combinados, formam uma moral quase messianista. Visão não é apresentado como melhor que os Vingadores ou que Ultron por possuir aquilo que falta em cada lado, e sim não ter justamente o que existe em ambos: obsessão, tanto pelo mundo físico quanto individualista.
Ao decorrer dessa batalha no campo simbólico, a narrativa de Era de Ultron descarta o übermensch em favorecimento da metaética. Para reforçar essa interpretação, e a ironia presente, lembro que Ultron se reveste de vibranium, o material mais resistente do mundo de acordo com o filme, e utiliza milhares corpos enquanto o Visão é o único personagem capaz de ficar intangível. Ou seja, o materialismo niilista é subjugado pelo ideal de universalismo moral, se desdobrando de modo inusitadamente interessante quando os dois robôs dialogam no desfecho. Ambos concordam sobre a fraqueza humana e de sua necessidade de superação, só que é a autocrítica de Visão ao reconhecer sua inexperiência perante as complexidades sócio-culturais ao seu redor que finalmente desarma Ultron. Somos surpreendidos por um discreto embate filosófico sobre "olhar o outro" onde a arrogância e o sentimento de superioridade de Ultron são derrotados e dispostos como ultrapassados. O fato do vilão se modificar fisicamente repetidas vezes e apresentar pouca evolução psicológica expressa justamente sua auto-percepção. São os outros que tem que mudar a maneira de pensar, não ele.
Se formos gentis, é possível afirmar que Era de Ultron acaba flertando sem querer com Frankenstein: a criatura está acima de ser dada como má ou boa, a fábula é sobre o perigo da intelectualidade imatura e egoísta. Por outro lado, é óbvio de que se trata de um discurso individualismo x altruísmo constantemente presente na clássica construção do herói. Mas se não fosse essa ótica moralista já estabelecida na narrativa, Ultron provaria sem esforço que possuí argumentos convincentes e poderíamos enxergá-lo como personagem bem escrito.
A maior parte do filme (ariscaria entre 70%) bebe diretamente do OVA de 1993. O que eles retomam da mangá se encaixa de modo desajeitado justamente pelo problema de condensar uma obra do tamanho de Gunnm. O investimento de Cameron e o respeito estilístico de Rodriguez à obra realmente foram um diferencial para superar o perigoso Uncanny Valley. Não saí desapontado porque não esperava grandes coisas, porém ainda há um longo caminho para Hollywood adaptar realmente bem as mangás. Alita foi um bom primeiro passo nessa direção.
A pornochanchada "A Super Fêmea" é uma inusitada faca de dois gumes. Todo o machismo e objetificação feminina que sustenta esse peculiar gênero são elevados tão ao extremo que geram um reflexo infantil e ridículo desta mesma cultura, tendo de mediação/contraponto a ponderação e o explícito incômodo da personagem-título. O reforço desta leitura vem com a escolha da ex-miss Brasil Vera Fischer para o papel desta mulher cuja sina de despertar descontroladamente o desejo em os todos homens lhe é imposta pelo mercado. A comparação da personagem com a manequim inflável (isso mesmo que você leu) não poderia ser mais objetiva. O tesão reside nos outros, não na musa.
Claro que a crítica não é apresentada da melhor forma, porém o suficiente para incomodar o espectador ansioso por um besteirol à brasileira mesmo sem que ele entenda os motivos.
Comparar o novo Suspiria com o clássico de Argento é um erro perdoável. São obras bem diferentes que partem da mesma ideia e cada uma tem qualidades de suas respectivas naturezas.
Se Argento (no ápice da forma) entrega uma obra afiadíssima no ritmo e no suspense paranoico, Guadagnino segue a nova tendência dentro do gênero de se negar ao susto premeditado optando investir no desenvolvimento de personagens e simbolismo. O que alguns chamam de "pós-terror", apesar de eu julgar o termo terrivelmente equivocado.
O problema da nova versão, cujo maior acerto foi evitar ser uma refilmagem, foi o excesso de pretensão. Argento conhecia as limitações e potencialidades do seu Suspiria, já Guadagnino focou demais no filme que idealizava ser sem se atentar devidamente no filme que lhe era possível. O resultado é que o seu Suspiria é muito longo e majoritariamente sem ritmo, dependendo de um espectador já pronto para a obra invés de construí-lo e cativá-lo.
Fora isso, a resolução me frustra. Não porque é ruim, nada disso, mas pelo fato de soar quase Ex-Machina pela falta indícios nas duas horas e meia de duração. Como os melhores suspenses, não era necessário nada gritante, e sim aqueles detalhes sutis que inicialmente ignoramos e que fazem total sentindo quando a revelação ocorre. O Sexto Sentido é excelente nessa construção e esse cuidado faria total diferença para que o desfecho tivesse o real impacto que merecia.
A fotografia de Cuarón é tão bela e as mise-en-scènes tão orgânicas que houve momentos em que eu não sabia para onde olhar. A multidão realmente existe neste filme.
Após refletir, não pude negar que esse filme seja um enorme onanismo de Von Trier. Como muitos já sacaram, A Casa que Jack Construiu é sobre ele mesmo, porém está longe de ser de fato auto-crítico. Na verdade, é quase uma provocação. Von Trier quer nos ensinar como assistir as suas polêmicas obras e alfineta os "moralistas" que supostamente o "perseguem". Na máxima narcisista, se coloca no patamar de Dante como gênio injustiçado por seus contemporâneos, mas que diferente do escritor reconhece que seu lugar é no Inferno. Não na perspectiva cristã, e sim que sua essência se nega render-se e redimir-se com a ética para que possa se unir a outros mestres no paraíso da arte canonizada. Não, Von Trier prefere ser a contra-posição, o antagonista. Von Trier, com todo seu refinamento estético, prefere ser o Diabo.
O Paciente - O Caso Tancredo Neves
3.4 65Além da fotografia lavada, o maior problema do filme é se limitar em tentar ser um drama médico invés de enxergar o caso de Tancredo como (mais do que uma metáfora) a síntese da história política do país.
Zumbis no Canavial: O Documentário
4.1 6O chocante é como a história de um filme perdido argentino é capaz de também sintetizar toda a história da cinematografia brasileira.
Antrum: O Filme Mais Mortal Já Feito
2.8 60 Assista AgoraPara quem passou por Begotten e Incubus, Antrum é mais um na lista de filmes experimentais que se vendem como amaldiçoados.
O filme tem seus exageros, dentre os mais explícitos o mini doc embutido na tentativa de provocar um "efeito Bruxa de Blair". Porém, tem forte apelo ao simbolismo que o torna interessante. Os realizadores estudaram o que queriam colocar e o como fazer, ao ponto de se gabarem e explicarem o uso de alguns.
No entanto fica uma queixa (que não diz respeito ao ritmo):
A fornalha em formato de Baphomet é clichê, poderiam ter utilizado a imagem de Moloch que cumpriria melhor e mais coerentemente o objetivo simbólico-narrativo .
O Poço
3.7 2,1K Assista AgoraA metáfora é explicita devido ao tom de emergência da denúncia, muito bem montada por sinal. A simplicidade da ideia é a que torna tão chocante.
Quanto ao desfecho, não consigo desassociar com a conclusão da jornada pelo Inferno da Divina Comédia, onde o caminho mais rápido para a salvação é chegando ao fundo primeiro.
Possuída
3.3 286O bom de rever é quando você redescobre. Ginger Snaps é um dos poucos filmes de lobisomem que sabem trabalhar com a sexualidade como campo latente de confronto.
Neste caso, acontece entre irmãs de personalidades contrastantes (uma para a lasciva, outra para a casta) que possuem uma relação afetiva nos limites do sexual. Quando a primeira, que é mordida, começa a dar vazão/ceder aos impulsos do inconsciente, a outra entra numa busca para "castrá-la". Com o avançar da trama fica evidente que a disputa é pelo domínio da relação, explicitada pelo processo de excitação da contraparte. Afinal, por mais que "a lobisomen" encontre parceiros e a irmã um companheiro, o objeto de desejo de cada uma é a outra.
Jojo Rabbit
4.2 1,6K Assista AgoraA grande sacada de Waititi em Jojo Rabbit foi exaltar a infantilidade da absurda fantasia criada por discursos de ódio, especialmente quando institucionalizada. Deste modo, a premissa da "transição da infância para a vida adulta" é subvertida numa trama onde o amadurecimento da subjetividade está diretamente relacionado ao rompimento da alienação. De modo bem trabalhado e repetindo o jogo de contrastes de A Vida é Bela, o humor vem com um gosto amargo e as risadas são estranhas perante a tensão.
Ad Astra: Rumo às Estrelas
3.3 850 Assista AgoraÉdipo no Espaço.
Midsommar: O Mal Não Espera a Noite
3.6 2,8K Assista AgoraO novo filme Ari Aster segue uma premissa ligeiramente comum, porém o diretor de Hereditário não se limita em revisitar o horror folclórico e ressignifica os clichês para explorar o verdadeiro potencial qual poucos títulos anteriores tiveram consciência. Para começar, diferente de O Homem de Palha, ao qual tem sido repetidamente comparado, onde a iminência do perigo que nos leva ao vilarejo, aqui as vítimas são levadas por suas vontades individuais. Utilizando-se da máscara do paganismo e gestos extremos, se olharmos para além do enredo fabular transbordando simbolismo perceberemos que Midsommar denuncia explicitamente como age a maquiavélica máquina de aliciamento dos grupos religiosos. Não se trata apenas das seitas, cuja conotação marginal está fixa no imaginário, e sim também das instituições tradicionais.
Os primeiros minutos são dedicados ao estabelecimento do trauma e do desamparo afetivo da protagonista Dani, esta fragilidade psicológica que estabelece sua rota dentro da trama, e não obstante seu desfecho. Com um visual semelhante a Cristo, Pelle seduz seus amigos com sua paixão e os mistérios só acessíveis através dos iniciados. Se por um lado Hagar possui tradições perturbadoras, noutro seus membros vivem à risca o sentido de comunidade. Não existe ambiente privado e as experiências são compartilhadas, sejam dores ou gozos, fazendo com que os membros exponham fisicamente o conceito construído de grupo, o elo de pertencimento. Enquanto os outros visitantes manifestam ceticismo, aversão completa e até interesses aproveitadores, Dani se vê em forte conflito uma vez que lá ela encontra o alento que a sociedade e as relações contemporâneas não lhe fornecem. É nesta camada do enredo que Aster nos chama atenção para o que já sabemos e, no entanto, majoritariamente ignoramos a favor de discutir divergências culturais.
Não surpreendentemente o mesmo ocorre na recepção do filme. Aster nos provoca com os rituais violentos enquanto aquilo com qual devemos realmente nos atentar não está no primeiro plano, assim como a face nas árvores. O “mal que não espera a noite” a que o subtítulo brasileiro se refere não são os sacerdotes ou qualquer manifestação sobrenatural, é Pelle, cuja aura virtuosa e pacifica serve de isca para alimentar a célula de seu culto, o evangelizador que peregrina em busca de almas. O “bode preto” que se faz ausente é a forma delicada como Pelle e os demais membros convidam e induzem a participação, a perversidade de uma “catequização” voltada para as carências e desejos, e como indivíduos em estados de maior fragilidade emocional e psicológica acabam permitindo-se ser assimilados para suprir desesperadamente tais necessidades. O final de Midsommar é aberto para interpretações, porém me restou a agonia de imaginar que Dani jamais saia de Hagar. Não por imposição, por escolha.
It: Capítulo Dois
3.4 1,5K Assista AgoraA maldição de It sempre será sua segunda metade. A piada "o livro é bom, mas não gostei do final" é uma autocrítica feita a obra que, de fato, surpreende no primeiro segmento e depois despenca numa viagem lisérgica que desconstrói o argumento inicial sem apresentar uma "coerência substituta" em seu tardio flerte com Lovecraft.
Steven Universo: O Filme
4.2 60 Assista AgoraNão me surpreende que o filme de Steven Universe seja sobre responsabilidade afetiva. Faz parte de toda a proposta da Rebecca Sugar e foi uma decisão feliz.
O Rei Leão
3.8 1,6K Assista AgoraEu amo Rei Leão, porém terei que ser duro:
A versão de 2019 é de fato visualmente exuberante e nostalgicamente precisa, contudo tem problemas narrativos. As cenas são mal conectadas, a maioria dos saltos de tempo que ocorrem são estranhos e há furos que, completando o cenário, causam confusão. A direção de dublagem também incomoda em personagens específicos, vi em inglês, mas para ser justo, dentre todas as vozes a única que realmente é digna desta crítica é a do Pumba.
Argumentar que a culpa da grande perda da dramaticidade, um dos fatores responsáveis por tornar a animação de 1994 um dos melhores títulos da Disney, é da representação fidedigna dos animais que removeu a expressividade humana é justa. Eu, por outro lado, aponto o roteiro pouco aproveitado e a montagem feita às pressas como verdadeiros responsáveis. Temos cenas maravilhosas que não atingem seu potencial por causa de ritmo, principalmente.
Por fim, a última coisa que gostaria de dizer é: saudades do Jorgeh Ramos.
Lake Mungo
3.2 290Além de ser um dos mockumentaries mais bem fechados na fórmula, respeitando de forma rigorosa a própria linguagem que camufla, consegue trabalhar bem a tensão e as expectativas para atingir seu ponto máximo não só numa das cenas verdadeiramente mais assustadoras do gênero (que funciona exclusivamente por conta da construção anterior), como também na sua melancólica resolução.
Surpreendentemente temos um inusitado precursor de A Ghost Story.
Aniquilação
3.4 1,6K Assista AgoraQuando se entende realmente o que é o Horror Cósmico e sua complexidade de execução, pode-se afirmar que Aniquilação é o melhor herdeiro (e talvez até o equivalente desta geração) de O Enigma do Outro Mundo, de Carpenter.
Cemitério Maldito
2.7 891"I don't want to be buried in a new Pet Sematary
I don't want to watch this film again" ♪
Loja de Unicórnios
2.8 252Fábula certa executada para o público errado. O problema sequer está no roteiro, muito menos no lúdico (que inclusive é cativante), mas em escolhas quanto ao tratamento. Por exemplo, o filme do Christopher Robin se disfarça de infantil enquanto toda a mensagem é direcionada aos pais e funciona como tal. No caso de Loja de Unicórnios, temos uma história voltada para jovens que na maior parte do tempo se utiliza de uma linguagem típica para o público infantil e esquece de trabalhar com a lacuna.
Como não constrói uma ponte capaz de "moldar" o espectador para a experiência desejada, não me surpreende que tanta gente esteja o rotulando de "bobinho". Mas para quem estiver mais aberto perceberá que Brie Larson fez bom trabalho tendo em mãos um roteiro tão delicado, apenas faltou mais experiência na direção para jogar melhor com o público. E mesmo que tivesse, nem mesmo os mais consagrados diretores conseguem sempre ser bem sucedidos neste quesito.
Vingadores: Era de Ultron
3.7 3,0K Assista AgoraTomei coragem de rever Vingadores - Era de Ultron e me depararei com um filme diferente do que me lembrava, e do que a maioria se lembra. Fugindo das divertidas caricaturas presentes no primeiro Vingadores, nesta sequência temos um trabalho de desenvolvimento de personagens onde as batalhas reais não estão nas sequências de ação, estão em suas mentes. São disputas internas e de discurso que se elevam ao campo da ética.
Para começar, não devemos comparar o vilão com o original dos quadrinhos, pois há uma grande diferença de pensamento entre eles. Se entendermos o Ultron do filme como a personalização do desejo de Stark e nos atentarmos na fala do vilão em seu primeiro encontro com a equipe de heróis, podemos reconhecer que robô é na verdade uma espécie radical de revolucionário niilista. A base do raciocínio de Ultron é proteger a humanidade, porém a reconhece como fraca e aprisoada à primitivos valores morais que invés de modificarem a realidade reforçam o status quo. Não se trata de um conflito entre homem e máquina, e sim uma tentativa extrema de superar o homem contemporâneo para a chegada da "Era do Übermensch": do homem racional que controla seu próprio destino sem depender de terceiros (ou esperar salvamento ou reparação divina) e livre das amarras de uma moral antiquada.
A chave para enxergar esta motivação está num detalhe que passa muitas vezes desapercebida: Ultron passa mais tempo falando sobre evoluir, aperfeiçoamento, do que sobre aniquilação, erradicação ou extinção. O robô não se posiciona como o Super-Homem de Nietzsche pois têm surtos emotivos (o que surpreendentemente se sustenta entendendo-o como um ser consciente muito jovem, em outras palavras, infantil), no entanto se coloca na tarefa de abrir o caminho para sua alvorada dando fim a humanidade inferior, começando pelos últimos homens (quem a humanidade quer ser, não quem deveria ser): os Vingadores. Isto está presente na aliança que o vilão faz com os gêmeos Maximoff, como também é o motivo de sua dissolução.
Novamente se distanciando dos quadrinhos, os irmãos Wanda e Pietro são dois humanos que a HYDRA aperfeiçoou em sua busca por humanos superiores, porém, assim como o próprio Ultron, ainda não são os almejados übermensch. Além de serem frutos de um mesmo "percurso evolutivo" ainda há o desejo de combater os "últimos homens" da sociedade capitalista ocidental. Não é atoa que os gêmeos sejam originais do Leste Europeu e indica o problema da associação. A região é conhecida por ter sofrido - só na sua história recente - invasão dos nazistas, o pior do regime socialista soviético e um abismo social econômico graças ao mercado global. Logo, Ultron interpreta equivocadamente o relato deles sobre a experiência de infância: dois dias presos diante um míssil Stark até perceberem que nada e nem ninguém os salvaria além deles mesmos. A motivação dos Maximoff, se desvinculada da bagagem histórica, pode mesmo soar como um momento de transvalorização, de superação dos valores que sustentam o status de dependência; contudo, o que os gêmeos encarnavam era um anseio de reparação histórica contra as potências mundiais e suas hipocrisias. Quando Wanda descobre as intenções reais de Ultron, sua moral e consciência de classe são acionadas, ocorrendo a ruptura. Os princípios individualistas de Ultron entram em conflito direto com a ética e sofrem a primeira derrota.
Outro ponto que surge, desta vez explícito, é o desejo do indivíduo de superar "Deus". Ultron tem uma forma humanoide, mas é privado de uma feição humana. É uma silhueta de seu criador Tony Stark em seu traje de Homem de Ferro. Mesmo que ao longo do filme vá se tornando mais robusto, o que Ultron considera ideal e digno é o corpo de Visão. Apesar de ser um androide, Visão possui uma aparência humana, um rosto humano. Ele é a superação da humanidade, a superação do Criador, é o Übermensch. Ou será que não? Tudo o que percebemos do Visão são projeções de Ultron, suas idealizações. Quando os Vingadores raptam o androide e lhe dão vida, somos introduzidos a outro ideal de evolução humana. Um menos radical. Ele é racional e herda um longo repertório de valores que, combinados, formam uma moral quase messianista. Visão não é apresentado como melhor que os Vingadores ou que Ultron por possuir aquilo que falta em cada lado, e sim não ter justamente o que existe em ambos: obsessão, tanto pelo mundo físico quanto individualista.
Ao decorrer dessa batalha no campo simbólico, a narrativa de Era de Ultron descarta o übermensch em favorecimento da metaética. Para reforçar essa interpretação, e a ironia presente, lembro que Ultron se reveste de vibranium, o material mais resistente do mundo de acordo com o filme, e utiliza milhares corpos enquanto o Visão é o único personagem capaz de ficar intangível. Ou seja, o materialismo niilista é subjugado pelo ideal de universalismo moral, se desdobrando de modo inusitadamente interessante quando os dois robôs dialogam no desfecho. Ambos concordam sobre a fraqueza humana e de sua necessidade de superação, só que é a autocrítica de Visão ao reconhecer sua inexperiência perante as complexidades sócio-culturais ao seu redor que finalmente desarma Ultron. Somos surpreendidos por um discreto embate filosófico sobre "olhar o outro" onde a arrogância e o sentimento de superioridade de Ultron são derrotados e dispostos como ultrapassados. O fato do vilão se modificar fisicamente repetidas vezes e apresentar pouca evolução psicológica expressa justamente sua auto-percepção. São os outros que tem que mudar a maneira de pensar, não ele.
Se formos gentis, é possível afirmar que Era de Ultron acaba flertando sem querer com Frankenstein: a criatura está acima de ser dada como má ou boa, a fábula é sobre o perigo da intelectualidade imatura e egoísta. Por outro lado, é óbvio de que se trata de um discurso individualismo x altruísmo constantemente presente na clássica construção do herói. Mas se não fosse essa ótica moralista já estabelecida na narrativa, Ultron provaria sem esforço que possuí argumentos convincentes e poderíamos enxergá-lo como personagem bem escrito.
Alita: Anjo de Combate
3.6 813 Assista AgoraA maior parte do filme (ariscaria entre 70%) bebe diretamente do OVA de 1993. O que eles retomam da mangá se encaixa de modo desajeitado justamente pelo problema de condensar uma obra do tamanho de Gunnm. O investimento de Cameron e o respeito estilístico de Rodriguez à obra realmente foram um diferencial para superar o perigoso Uncanny Valley. Não saí desapontado porque não esperava grandes coisas, porém ainda há um longo caminho para Hollywood adaptar realmente bem as mangás. Alita foi um bom primeiro passo nessa direção.
A Super Fêmea
2.6 27Nunca imaginei que faria isso, mas vamos lá.
A pornochanchada "A Super Fêmea" é uma inusitada faca de dois gumes. Todo o machismo e objetificação feminina que sustenta esse peculiar gênero são elevados tão ao extremo que geram um reflexo infantil e ridículo desta mesma cultura, tendo de mediação/contraponto a ponderação e o explícito incômodo da personagem-título. O reforço desta leitura vem com a escolha da ex-miss Brasil Vera Fischer para o papel desta mulher cuja sina de despertar descontroladamente o desejo em os todos homens lhe é imposta pelo mercado. A comparação da personagem com a manequim inflável (isso mesmo que você leu) não poderia ser mais objetiva. O tesão reside nos outros, não na musa.
Claro que a crítica não é apresentada da melhor forma, porém o suficiente para incomodar o espectador ansioso por um besteirol à brasileira mesmo sem que ele entenda os motivos.
Suspíria: A Dança do Medo
3.7 1,2K Assista AgoraComparar o novo Suspiria com o clássico de Argento é um erro perdoável. São obras bem diferentes que partem da mesma ideia e cada uma tem qualidades de suas respectivas naturezas.
Se Argento (no ápice da forma) entrega uma obra afiadíssima no ritmo e no suspense paranoico, Guadagnino segue a nova tendência dentro do gênero de se negar ao susto premeditado optando investir no desenvolvimento de personagens e simbolismo. O que alguns chamam de "pós-terror", apesar de eu julgar o termo terrivelmente equivocado.
O problema da nova versão, cujo maior acerto foi evitar ser uma refilmagem, foi o excesso de pretensão. Argento conhecia as limitações e potencialidades do seu Suspiria, já Guadagnino focou demais no filme que idealizava ser sem se atentar devidamente no filme que lhe era possível. O resultado é que o seu Suspiria é muito longo e majoritariamente sem ritmo, dependendo de um espectador já pronto para a obra invés de construí-lo e cativá-lo.
Fora isso, a resolução me frustra. Não porque é ruim, nada disso, mas pelo fato de soar quase Ex-Machina pela falta indícios nas duas horas e meia de duração. Como os melhores suspenses, não era necessário nada gritante, e sim aqueles detalhes sutis que inicialmente ignoramos e que fazem total sentindo quando a revelação ocorre. O Sexto Sentido é excelente nessa construção e esse cuidado faria total diferença para que o desfecho tivesse o real impacto que merecia.
Roma
4.1 1,4K Assista AgoraA fotografia de Cuarón é tão bela e as mise-en-scènes tão orgânicas que houve momentos em que eu não sabia para onde olhar. A multidão realmente existe neste filme.
A Casa Que Jack Construiu
3.5 788 Assista AgoraApós refletir, não pude negar que esse filme seja um enorme onanismo de Von Trier. Como muitos já sacaram, A Casa que Jack Construiu é sobre ele mesmo, porém está longe de ser de fato auto-crítico. Na verdade, é quase uma provocação. Von Trier quer nos ensinar como assistir as suas polêmicas obras e alfineta os "moralistas" que supostamente o "perseguem". Na máxima narcisista, se coloca no patamar de Dante como gênio injustiçado por seus contemporâneos, mas que diferente do escritor reconhece que seu lugar é no Inferno. Não na perspectiva cristã, e sim que sua essência se nega render-se e redimir-se com a ética para que possa se unir a outros mestres no paraíso da arte canonizada. Não, Von Trier prefere ser a contra-posição, o antagonista. Von Trier, com todo seu refinamento estético, prefere ser o Diabo.
Viva: A Vida é Uma Festa
4.5 2,5K Assista AgoraJá perceberam que esse filme é um mix de Footloose e A Noiva Cadáver?
Paprika
4.2 503 Assista AgoraAssisti novamente por conta de um trabalho e pude reconfirmar: PQP, como eu amo esse filme!!!
A Forma da Água
3.9 2,7KFoi mal, Guillermo. O filme é belíssimo, mas sua obra-prima continua sendo O Labirinto do Fauno.