Uma boa surpresa. Emiliano Ribeiro demonstra forte segurança na direção, cercado de um ótimo elenco e uma produção esmerada; entretanto, o olhar para temas diversos reflete várias referências de crimes verídicos, é claro, mas acaba deixando o roteiro perdido entre diferentes caminhos; sendo aquele pelo qual ele escolhe seguir no final uma solução pouco arrojada num filme que privilegia a verossimilhança e a crítica social. É impossível não lembrar do caso Von Richthofen, o que não parece ter contribuído para a construção de qualquer mitologia em torno do filme, visto por pouca gente. Merecia uma reavaliação.
Por muito pouco Ruth de Souza não foi a primeira brasileira a ganhar um prêmio de atuação num festival internacional. E teria sido um fato curioso, já que num papel de coadjuvante suas cenas não somam nem dez minutos de duração, embora sejam as mais representativas deste filme importante e da expressividade da atriz. É compreensível que Sinhá Moça tenha alcançado tamanho êxito no circuito europeu, o drama dos escravizados no Brasil deve ter sido no mínimo estarrecedor aos olhos daquele público menos de dez anos depois do holocausto. E eles não souberam nem da missa metade... é o primeiro retrato cinematográfico da escravidão no Brasil e de alguma maneira fica implicado que a abolição foi muito, também, resultado da insubordinação dos escravos. O romance principal não tem tanta importância; tanto faz, não é a melhor parte do filme mesmo. Não tenho dúvidas que as plateias do mundo inteiro concordariam quanto a isso.
Extremamente problemático ideologicamente falando. Gostaria tanto de ler uma crítica feminista neste momento, porque essa d*** comedy pretensamente feminista é tão equivocada quanto esta péssima expressão. Como alguém mencionou muito bem aqui embaixo, Bela Vingança é uma "falha curiosa", profundamente cínica, over the top e fora do tom. Não darei jamais spoiler da experiência desagradável que é a meia hora final, mas que a meu ver entorpeceu demais a trajetória da protagonista rumo a uma imolação no mínimo questionável. De temática semelhante, mas muito superiores, existem Acusados (1988), Ms. 45 (1981) e I May Destroy You (2020).
É fato que existem inúmeras semelhanças entre Bebel, Garota Propaganda e Darling (1965) de John Schlesinger e principalmente Conheço Bem Essa Moça (1965) de Antonio Pietrangeli, outro filme hábil em narrar o drama da garota bonita mas pouco talentosa. Entretanto ninguém deve pensar que Bebel é um pastiche do zeitgeist internacional dos anos 60; embora, novamente, seja possível sim captar ecos de "Swinging London in São Paulo" traduzidas no figurino de Bebel e na representação de uma indústria cultural fulgurante e marcadamente juvenil (tem várias referências à Jovem Guarda). Apesar de tudo isso o filme é uma obra prima um pouco esquecida do Cinema Novo que retrata como poucos a realidade confusa, difusa e ainda assim excitante de um Brasil urbano que impunha uma modernidade de araque sobre os corpos esmagados pela necropolítica. A história desse filme é também a de como uma mulher pode ser sistematicamente encurralada e forçada a se corromper para obter sucesso no meio artístico. Bebel foi mais uma vítima dos homens e da mídia machista e misógina. Ironicamente, as cenas finais revelam de forma sútil que ela aprendeu muito bem a representar. Rossana Ghessa foi simplesmente perfeita. Bebel permanece.
A boca do mundo é um lugar que engole tudo, é onde as pessoas são tragadas e não conseguem mais sair. Esse título metafórico está perfeitamente de acordo com o cenário do filme, o distrito de Atafona no norte fluminense, conhecido pelo avanço do mar sobre as moradias, que produz paisagens distópicas há mais de quarenta anos. É desse lugarejo empobrecido que os personagens de Antônio Pitanga e Sibele Rúbia almejam sair, mas não conseguem; e para onde é atraída a ricaça neurastênica Clarice, que se apaixona por Antônio. A partir daí se estabelece a luta de classes e a tensão racial envolvendo três personagens que caracterizam a paisagem social brasileira: uma branca, um negro e uma mulata. É sobre isso que Antônio Pitanga quis falar com Na Boca do Mundo. O relacionamento entre Clarice e Antônio está fadado ao fracasso desde o início, mesmo que tenham afinidades, não porque Antônio Pitanga não acredita num relacionamento inter-racial (reparem no normalíssimo casal inter-racial vivido por Telma Reston e Milton Gonçalves numa rápida cena envolvendo os caranguejos na estrada) ou porque seu personagem ama Terezinha, é porque Clarice e Antônio pertencem a classes sociais distintas que não se misturam. O roteiro de Leopoldo Serran aponta um final muito ambíguo, aparentemente feminista, mas que não me convenceu. Um filme pouco visto desde sua estreia até os dias de hoje, embora importante. Uma estreia tão auspiciosa de Antônio Pitanga na direção que só justifica o seu esquecimento pelo apagamento do negro na história do cinema nacional.
Como assim nenhum comentário para a mais intensa parceria entre Claude Sautet e Romy Schneider? De musa, Romy passou aqui à força motriz do filme, lhe amparando e impulsionando como poucas atrizes são hábeis de fazer; embora Uma história simples não seja mais um exercício de fotogenia, é na realidade um filme construído sobre a (bela) maturidade de Romy Schneider interpretando uma mulher ordinária que valoriza sua independência, toma atitudes questionáveis, se equivoca, muda de ideia, pensa naqueles que quer bem mas sobremaneira em si mesma. Uma história simples porém importante.
Admiro o tamanho apreço que o diretor demonstra pela plasticidade, o design de som; em suma, o apuro estético de Verlust, que é realmente muito bem filmado. Mas só isso não basta. O filme foi construído demais em torno do alter ego de Marina e faz ela estar presente o tempo inteiro mesmo sem nos oferecer nada. Achei interessante esse jogo de fantasmagoria da cantora quase sempre presente mas aparecendo e falando muito pouco. Entretanto não acredito que o filme se proponha a ser lido através de uma colagem de canções de Marina Lima. Os conflitos surgem e se dissipam quase instantaneamente, não há nem no que se aprofundar. Muito mal escrito.
Ótimo roteiro do famoso ficcionista norte-americano Irwin Shaw mesclando dois contos de sua autoria. Jean Seberg praticamente reprisa o papel da jovem estadunidense em Paris que a tornou famosa internacionalmente três anos antes, guardadas as devidas proporções, é claro. As visões de Shaw e do seu compatriota, Robert Parrish, desta estória passada em Paris é notavelmente pessimista, desiludida e melancólica; tem um sopro de nouvelle vague, é verdade, mas sem jamais ser francês. Um filme esquecido que merece ser redescoberto.
É curioso como a representação do sexo neste filme pode chocar as audiências atualmente, quando essa representação era quase que praxe no cinema brasileiro no início da década de 80; é um fenômeno específico daquela época. Eu prefiro me ater ao porquê dessas cenas. Walter Hugo Khouri foi um cineasta que explorava a nudez feminina e o erotismo desde a década de 50, portanto parecia natural que o diretor abusasse da nudez em plena abertura política; entretanto, é sabido que a partir dos anos 70 ele teve que fazer concessões aos produtores (alguns advindos da pornochanchada) para conseguir financiamento, o que obviamente incrementou muito as cenas de sexo em seus filmes e explica a profusão de closes em seios, bundas e vulvas; inevitavelmente isso pode conferir-lhes um sentido gratuito ou até mesmo apelativo, mas coerente dentro do gênero erótico. É possível traçar vários paralelos entre Amor Estranho Amor e Pretty Baby (1978) de Louis Malle - crianças num bordel, prostituição infantil -, mas Khouri é muito mais ousado e eu diria excessivo na exposição do Marcelo Ribeiro, com certeza por ele ser um menino e não a Brooke Shields; diferente também é a abordagem do contato da criança com o sexo, que se volta em Amor... mais sobre os efeitos desse contato na psique da criança do que no seu consequente comportamento social, como no filme de Malle. Tanto a prostituição quanto o incesto não foram temas incomuns na filmografia de Khouri, mas considero que neste filme ele tenha abordado a prostituição mais superficialmente e de modo machista, do que em Palácio dos Anjos, seu filme de 1970 que versa sobre o mesmo assunto de modo mais analítico e é muito superior ao longa de 1982. Interessante como a crítica social, quase nunca presente nos filmes do cineasta, neste aparece bem delineada, mas sútil: a política brasileira é desde muito tempo um verdadeiro bordel. A fotografia de Antonio Meliande é linda e beneficiada pelo bom uso da mansão Jafet. Impossível também não destacar a marca registrada do diretor: os close-ups que ele fazia (Khouri operou a câmera em muitos de seus filmes, talvez a maioria) dos atores, os de Vera Fischer aqui atingem um outro patamar; pela caracterização e o rosto anguloso dela, se assemelham aos quadros da pintora Tamara de Lempicka. Um bom filme que se tornou polêmico por motivos calhordas e moralistas.
"Assisti Ciao! Manhattan de John Palmer e não sei o que dizer sobre. Eu discordo dos críticos que disseram que o filme é um insulto a Edie Sedgwick. Acho que não e eu adorava ela. Achei o filme muito mais sútil e muito mais complexo do que parece superficialmente. Esta é a minha primeira impressão. É o filme mais interessante sobre a cultura das drogas que eu já vi e é também um filme misterioso. Ciao! Manhattan é o Cidadão Kane dos drogados; tem até mesmo o seu próprio Rosebud. Claro, o filme não é tão importante nem tão bom quanto Cidadão Kane, é um filme menor. E eu talvez ainda possa desgostar dele quando revê-lo. Mas a primeira visualização deixou algumas boas notas e sentimentos misteriosos em mim."
Vadim meets Buñuel. A fotografia de Claude Renoir (sim, o neto do pintor impressionista) é encantadora e preenche de tons até os cenários mais escuros do filme, compondo contrastes dramáticos mesmo ao utilizar cores bastante chamativas. O galã Mel Ferrer sobra na estória, desde o minuto em que se impõe a forte tensão sexual entre as magnéticas Elsa Martinelli e Annette Stroyberg - a última em seu melhor momento no cinema.
Um bom filme de Vadim sobre o ótimo livro de Christiane Rochefort. Acontece que o diretor e roteirista não conseguiu transpor nem metade da pesada carga sexual do romance, nem as terríveis violências cometidas por Renaud a Geneviève; o que terminou atenuando demais o roteiro ao ponto perigoso onde ele derrapa num sentimentalismo quase tacanho. Bardot e Hossein desempenham bem os seus papeis, embora seja impossível desenvolver qualquer empatia por Renaud, um personagem eternamente asqueroso. É um filme datado, mas não se engane; O repouso do guerreiro não é a história do triunfo do amor (burguês) romântico, é sobre as fronteiras da servidão humana. A cena final com a bela trilha de Michel Magne é memorável.
O que esperar de um filme italiano sobre gângsteres, rodado nos Estados Unidos e com um elenco internacional com backgrounds tão variados? Tudo ou nada; entretanto, Machine Gun McCain ficou no meio do caminho. Não é um bom filme sobre máfia; sobressai algumas cenas dramáticas e a sequência do roubo - muito bem dirigida por Montaldo, que já vinha de um bom trabalho anterior (Grand Slam), que girava em torno de um roubo ocorrido durante o carnaval carioca. Embora superior àquele longa, Machine tem um roteiro cheio de falhas, que podem ser atribuídas ao infeliz corte de mais de vinte minutos da versão original para o release norte-americano que parece ser o único em circulação. Contudo, francamente, dificilmente se explicaria a personagem de Britt Ekland, completamente despropositada. Já Cassavetes, sempre parecendo desconfortável em frente à câmera, de fato desgostoso com o sistema, representou brilhantemente McCain, um bandido durão mais para um misantropo, melancólico; um papel talhado para Steve McQueen. A participação especialíssima de Gena Rowlands é simplesmente linda, amarga e faz valer a pena assistir um filme cheio de peculiaridades.
Revendo a cópia restaurada em 4k, é perfeitamente compreensível o impacto do público norte-americano com o Tecnicolor made in France; não é apenas a fotografia do veterano Armand Thirard, é o cenário deslumbrante de St. Tropez, o sol intenso que chamusca, abrilhanta as cores. E Deus criou a mulher é um filme que teve a façanha de catapultar três nomes franceses ao estrelato internacional: Brigitte Bardot, Roger Vadim e St. Tropez. Vadim foi genial ao antecipar a Nouvelle vague em alguns anos, e essa antecipação veio também às expensas de Bardot na medida em que o filme se ampara nela. Porque BB era a própria novidade, se ela mesma disse que era Juliette, então nunca antes fora vista tamanha espontaneidade na tela do cinema. Juliette tem a mesma orfandade, a mesma consciência imaculada e a sexualidade desinibida da Lolita de Nabokov; desbocada, veste calça jeans; é amante dos animais, das crianças e dos homens. Em suma, o seu pecado é amar demais, mais que a um único homem ao mesmo tempo. Vadim, por amar Bardot e em extensão Juliette, é inevitavelmente machista por inculpa-la e puni-la com o matrimônio, intragavelmente machista por transforma-la em objeto. O casamento, que começa com briga e buquê jogado no chão no meio da rua, surge aí como instituição falida, fadado ao fracasso devido ao afamado apetite sexual de Juliette. Ela é um perigo aos homens, eles dizem, mas não a deixam em paz. É a volta da femme fatale, mas agora menor de idade e sem intenção de ferir. Por fim, Juliette, amada por Vadim, não merecia ser castigada por dançar, beber ou amar quem quisesse, mas reparada outra vez através do casamento. Um arroubo moralista sem dúvidas engendrado para o público norte-americano, assim como a nudez milimétricamente filmada de BB. Um filme feito para chocar e encantar plateias auto afirmadas como moralmente ilibadas.
Lançado no mesmo ano (mas meses antes) que Mata Hari da MGM com Greta Garbo no papel principal, Desonrada possui uma estória obviamente inspirada na vida da espiã holandesa; entretanto, a "Mata Hari" da Paramount é patriótica, bem resolvida, solta frases atrevidas a todo tempo e carrega consigo um gato preto como amuleto durante o filme inteiro. Ambos filmes sem dúvida possuem conteúdos ousados para os padrões de 1931, mas Desonrada é narrativamente mais avançado e visualmente superior à Mata Hari da Metro; oferece à Dietrich um material mais versátil que o usual para exibir os seus recursos como atriz - ampliado, mas não tão diferente das outras mulheres imorais que ela estava acostumada a interpretar. Destaque também para o casamento perfeito entre Von Sternberg e o diretor de fotografia Lee Garmes, criadores de imagens cheias de sombras e planos muito peculiares.
Atlantic City, um balneário decadente da costa leste nos anos setenta, foi o cenário escolhido para a segunda incursão de Louis Malle em solo norte-americano. Dessa vez, ele parece ainda mais fascinado pela cultura popular dos EUA. Curiosamente, a cidade então à beira da bancarrota, foi salva pela liberação da operação dos cassinos, poucos anos antes das filmagens deste Atlantic City de Malle. Aqui, a jogatina não é o centro da história, mas está sempre presente, assim como deve ser na Atlantic City da vida real. Dinheiro e drogas são como dados lançados num jogo de azar o tempo inteiro, e o jogo é em si fonte de vitória ou derrota. E só aqueles que se arriscam a jogar conseguem realizar os seus sonhos, é o que faz o personagem do sensacional Burt Lancaster. Tudo é questão de sorte ou azar. Excelente metáfora.
Se em 1965 já foi difícil engolir esse filme cafona, cujo roteiro é inverossímil, imagine hoje em dia; nem Carroll Baker caracterizada de Marilyn Monroe interpretando Jean Harlow salva.
É um filme interessante pra se pensar em seu contexto também; Harvey Kietel vinha do sensacional Bad Lieutenant, talvez o melhor filme do Ferrara; já Madonna estava no auge da carreira e das polêmicas; a gravadora dela bancou parcialmente a produção, então havia bastante metalinguagem. De fato, Kietel está ótimo e Madonna em um dos seus momentos mais descontraídos e vulneráveis no cinema, mas essa história de filme dentro de um filme gira em círculos no jogo perigoso e enfadonho do personagem de Kietel que você percebe rapidamente que não quer participar. Melhora um pouco, embora se perca nas cenas em videotape, inevitavelmente lembrando o Sex, Lies... pelo voyeurismo indigesto, mas sem a mesma força daquele. Restam alguns bons diálogos mordazes, mas nenhum material erótico no qual supostamente baseou-se a sua divulgação.
Esse hoje esquecido produto da filmografia de Malle e Bardot causou bastante furor na época do seu lançamento, em parte devido à premissa original de revelar os danos causados pela fama e também por estrelar Brigitte Bardot interpretando os dramas vividos por ela na vida real, em um personagem cheio de semelhanças com a sua própria biografia. Considerando apenas as informações acima Vida Privada prometia muito, mas o roteiro não conseguiu se aprofundar verdadeiramente no caráter de Jill; então o filme se desenvolve burocraticamente, o romance do casal principal não empolga nunca e a potência acaba se reduzindo às poucas e efetivas cenas de impacto narrativo, como a do elevador, a melhor. É um filme que envelheceu mal, embora consiga levantar discussões importantes, não tão datadas assim. Ótimas sequências em Spoleto.
Condenado à Liberdade
2.5 5Uma boa surpresa. Emiliano Ribeiro demonstra forte segurança na direção, cercado de um ótimo elenco e uma produção esmerada; entretanto, o olhar para temas diversos reflete várias referências de crimes verídicos, é claro, mas acaba deixando o roteiro perdido entre diferentes caminhos; sendo aquele pelo qual ele escolhe seguir no final uma solução pouco arrojada num filme que privilegia a verossimilhança e a crítica social. É impossível não lembrar do caso Von Richthofen, o que não parece ter contribuído para a construção de qualquer mitologia em torno do filme, visto por pouca gente. Merecia uma reavaliação.
Isadora
3.5 20 Assista AgoraLindo...
Sinhá Moça
3.5 14Por muito pouco Ruth de Souza não foi a primeira brasileira a ganhar um prêmio de atuação num festival internacional. E teria sido um fato curioso, já que num papel de coadjuvante suas cenas não somam nem dez minutos de duração, embora sejam as mais representativas deste filme importante e da expressividade da atriz. É compreensível que Sinhá Moça tenha alcançado tamanho êxito no circuito europeu, o drama dos escravizados no Brasil deve ter sido no mínimo estarrecedor aos olhos daquele público menos de dez anos depois do holocausto. E eles não souberam nem da missa metade... é o primeiro retrato cinematográfico da escravidão no Brasil e de alguma maneira fica implicado que a abolição foi muito, também, resultado da insubordinação dos escravos. O romance principal não tem tanta importância; tanto faz, não é a melhor parte do filme mesmo. Não tenho dúvidas que as plateias do mundo inteiro concordariam quanto a isso.
Pink Narcissus
3.6 44O filme mais queer que eu já vi depois de O mágico de Oz...
Bela Vingança
3.8 1,3K Assista AgoraExtremamente problemático ideologicamente falando. Gostaria tanto de ler uma crítica feminista neste momento, porque essa d*** comedy pretensamente feminista é tão equivocada quanto esta péssima expressão. Como alguém mencionou muito bem aqui embaixo, Bela Vingança é uma "falha curiosa", profundamente cínica, over the top e fora do tom. Não darei jamais spoiler da experiência desagradável que é a meia hora final, mas que a meu ver entorpeceu demais a trajetória da protagonista rumo a uma imolação no mínimo questionável. De temática semelhante, mas muito superiores, existem Acusados (1988), Ms. 45 (1981) e I May Destroy You (2020).
Bebel, Garota Propaganda
3.5 10É fato que existem inúmeras semelhanças entre Bebel, Garota Propaganda e Darling (1965) de John Schlesinger e principalmente Conheço Bem Essa Moça (1965) de Antonio Pietrangeli, outro filme hábil em narrar o drama da garota bonita mas pouco talentosa. Entretanto ninguém deve pensar que Bebel é um pastiche do zeitgeist internacional dos anos 60; embora, novamente, seja possível sim captar ecos de "Swinging London in São Paulo" traduzidas no figurino de Bebel e na representação de uma indústria cultural fulgurante e marcadamente juvenil (tem várias referências à Jovem Guarda). Apesar de tudo isso o filme é uma obra prima um pouco esquecida do Cinema Novo que retrata como poucos a realidade confusa, difusa e ainda assim excitante de um Brasil urbano que impunha uma modernidade de araque sobre os corpos esmagados pela necropolítica. A história desse filme é também a de como uma mulher pode ser sistematicamente encurralada e forçada a se corromper para obter sucesso no meio artístico. Bebel foi mais uma vítima dos homens e da mídia machista e misógina. Ironicamente, as cenas finais revelam de forma sútil que ela aprendeu muito bem a representar. Rossana Ghessa foi simplesmente perfeita. Bebel permanece.
Na Boca do Mundo
4.0 3A boca do mundo é um lugar que engole tudo, é onde as pessoas são tragadas e não conseguem mais sair. Esse título metafórico está perfeitamente de acordo com o cenário do filme, o distrito de Atafona no norte fluminense, conhecido pelo avanço do mar sobre as moradias, que produz paisagens distópicas há mais de quarenta anos. É desse lugarejo empobrecido que os personagens de Antônio Pitanga e Sibele Rúbia almejam sair, mas não conseguem; e para onde é atraída a ricaça neurastênica Clarice, que se apaixona por Antônio. A partir daí se estabelece a luta de classes e a tensão racial envolvendo três personagens que caracterizam a paisagem social brasileira: uma branca, um negro e uma mulata. É sobre isso que Antônio Pitanga quis falar com Na Boca do Mundo. O relacionamento entre Clarice e Antônio está fadado ao fracasso desde o início, mesmo que tenham afinidades, não porque Antônio Pitanga não acredita num relacionamento inter-racial (reparem no normalíssimo casal inter-racial vivido por Telma Reston e Milton Gonçalves numa rápida cena envolvendo os caranguejos na estrada) ou porque seu personagem ama Terezinha, é porque Clarice e Antônio pertencem a classes sociais distintas que não se misturam. O roteiro de Leopoldo Serran aponta um final muito ambíguo, aparentemente feminista, mas que não me convenceu. Um filme pouco visto desde sua estreia até os dias de hoje, embora importante. Uma estreia tão auspiciosa de Antônio Pitanga na direção que só justifica o seu esquecimento pelo apagamento do negro na história do cinema nacional.
Uma História Simples
3.8 1Como assim nenhum comentário para a mais intensa parceria entre Claude Sautet e Romy Schneider? De musa, Romy passou aqui à força motriz do filme, lhe amparando e impulsionando como poucas atrizes são hábeis de fazer; embora Uma história simples não seja mais um exercício de fotogenia, é na realidade um filme construído sobre a (bela) maturidade de Romy Schneider interpretando uma mulher ordinária que valoriza sua independência, toma atitudes questionáveis, se equivoca, muda de ideia, pensa naqueles que quer bem mas sobremaneira em si mesma. Uma história simples porém importante.
As Feras
3.2 20Quem diria que Khouri decretaria morte ao macho em seu penúltimo filme. Uma grata surpresa. Imperdível.
Verlust
2.5 8Admiro o tamanho apreço que o diretor demonstra pela plasticidade, o design de som; em suma, o apuro estético de Verlust, que é realmente muito bem filmado. Mas só isso não basta. O filme foi construído demais em torno do alter ego de Marina e faz ela estar presente o tempo inteiro mesmo sem nos oferecer nada. Achei interessante esse jogo de fantasmagoria da cantora quase sempre presente mas aparecendo e falando muito pouco. Entretanto não acredito que o filme se proponha a ser lido através de uma colagem de canções de Marina Lima. Os conflitos surgem e se dissipam quase instantaneamente, não há nem no que se aprofundar. Muito mal escrito.
Paris, Cidade das Ilusões
3.4 1Ótimo roteiro do famoso ficcionista norte-americano Irwin Shaw mesclando dois contos de sua autoria. Jean Seberg praticamente reprisa o papel da jovem estadunidense em Paris que a tornou famosa internacionalmente três anos antes, guardadas as devidas proporções, é claro. As visões de Shaw e do seu compatriota, Robert Parrish, desta estória passada em Paris é notavelmente pessimista, desiludida e melancólica; tem um sopro de nouvelle vague, é verdade, mas sem jamais ser francês. Um filme esquecido que merece ser redescoberto.
Amor Estranho Amor
2.7 420É curioso como a representação do sexo neste filme pode chocar as audiências atualmente, quando essa representação era quase que praxe no cinema brasileiro no início da década de 80; é um fenômeno específico daquela época. Eu prefiro me ater ao porquê dessas cenas. Walter Hugo Khouri foi um cineasta que explorava a nudez feminina e o erotismo desde a década de 50, portanto parecia natural que o diretor abusasse da nudez em plena abertura política; entretanto, é sabido que a partir dos anos 70 ele teve que fazer concessões aos produtores (alguns advindos da pornochanchada) para conseguir financiamento, o que obviamente incrementou muito as cenas de sexo em seus filmes e explica a profusão de closes em seios, bundas e vulvas; inevitavelmente isso pode conferir-lhes um sentido gratuito ou até mesmo apelativo, mas coerente dentro do gênero erótico. É possível traçar vários paralelos entre Amor Estranho Amor e Pretty Baby (1978) de Louis Malle - crianças num bordel, prostituição infantil -, mas Khouri é muito mais ousado e eu diria excessivo na exposição do Marcelo Ribeiro, com certeza por ele ser um menino e não a Brooke Shields; diferente também é a abordagem do contato da criança com o sexo, que se volta em Amor... mais sobre os efeitos desse contato na psique da criança do que no seu consequente comportamento social, como no filme de Malle. Tanto a prostituição quanto o incesto não foram temas incomuns na filmografia de Khouri, mas considero que neste filme ele tenha abordado a prostituição mais superficialmente e de modo machista, do que em Palácio dos Anjos, seu filme de 1970 que versa sobre o mesmo assunto de modo mais analítico e é muito superior ao longa de 1982. Interessante como a crítica social, quase nunca presente nos filmes do cineasta, neste aparece bem delineada, mas sútil: a política brasileira é desde muito tempo um verdadeiro bordel. A fotografia de Antonio Meliande é linda e beneficiada pelo bom uso da mansão Jafet. Impossível também não destacar a marca registrada do diretor: os close-ups que ele fazia (Khouri operou a câmera em muitos de seus filmes, talvez a maioria) dos atores, os de Vera Fischer aqui atingem um outro patamar; pela caracterização e o rosto anguloso dela, se assemelham aos quadros da pintora Tamara de Lempicka. Um bom filme que se tornou polêmico por motivos calhordas e moralistas.
Ciao! Manhattan
3.8 4"Assisti Ciao! Manhattan de John Palmer e não sei o que dizer sobre. Eu discordo dos críticos que disseram que o filme é um insulto a Edie Sedgwick. Acho que não e eu adorava ela. Achei o filme muito mais sútil e muito mais complexo do que parece superficialmente. Esta é a minha primeira impressão. É o filme mais interessante sobre a cultura das drogas que eu já vi e é também um filme misterioso. Ciao! Manhattan é o Cidadão Kane dos drogados; tem até mesmo o seu próprio Rosebud. Claro, o filme não é tão importante nem tão bom quanto Cidadão Kane, é um filme menor. E eu talvez ainda possa desgostar dele quando revê-lo. Mas a primeira visualização deixou algumas boas notas e sentimentos misteriosos em mim."
- Jonas Mekas, The Village Voice, 1973
Rosas de Sangue
3.5 17Vadim meets Buñuel. A fotografia de Claude Renoir (sim, o neto do pintor impressionista) é encantadora e preenche de tons até os cenários mais escuros do filme, compondo contrastes dramáticos mesmo ao utilizar cores bastante chamativas. O galã Mel Ferrer sobra na estória, desde o minuto em que se impõe a forte tensão sexual entre as magnéticas Elsa Martinelli e Annette Stroyberg - a última em seu melhor momento no cinema.
O Repouso do Guerreiro
3.6 11Um bom filme de Vadim sobre o ótimo livro de Christiane Rochefort. Acontece que o diretor e roteirista não conseguiu transpor nem metade da pesada carga sexual do romance, nem as terríveis violências cometidas por Renaud a Geneviève; o que terminou atenuando demais o roteiro ao ponto perigoso onde ele derrapa num sentimentalismo quase tacanho. Bardot e Hossein desempenham bem os seus papeis, embora seja impossível desenvolver qualquer empatia por Renaud, um personagem eternamente asqueroso. É um filme datado, mas não se engane; O repouso do guerreiro não é a história do triunfo do amor (burguês) romântico, é sobre as fronteiras da servidão humana. A cena final com a bela trilha de Michel Magne é memorável.
A Fúria dos Intocáveis
3.7 7 Assista AgoraO que esperar de um filme italiano sobre gângsteres, rodado nos Estados Unidos e com um elenco internacional com backgrounds tão variados? Tudo ou nada; entretanto, Machine Gun McCain ficou no meio do caminho. Não é um bom filme sobre máfia; sobressai algumas cenas dramáticas e a sequência do roubo - muito bem dirigida por Montaldo, que já vinha de um bom trabalho anterior (Grand Slam), que girava em torno de um roubo ocorrido durante o carnaval carioca. Embora superior àquele longa, Machine tem um roteiro cheio de falhas, que podem ser atribuídas ao infeliz corte de mais de vinte minutos da versão original para o release norte-americano que parece ser o único em circulação. Contudo, francamente, dificilmente se explicaria a personagem de Britt Ekland, completamente despropositada. Já Cassavetes, sempre parecendo desconfortável em frente à câmera, de fato desgostoso com o sistema, representou brilhantemente McCain, um bandido durão mais para um misantropo, melancólico; um papel talhado para Steve McQueen. A participação especialíssima de Gena Rowlands é simplesmente linda, amarga e faz valer a pena assistir um filme cheio de peculiaridades.
Beautiful Darling
4.2 1Um documentário lindo sobre uma linda artista. Beautiful <3
...E Deus Criou a Mulher
3.5 113 Assista AgoraRevendo a cópia restaurada em 4k, é perfeitamente compreensível o impacto do público norte-americano com o Tecnicolor made in France; não é apenas a fotografia do veterano Armand Thirard, é o cenário deslumbrante de St. Tropez, o sol intenso que chamusca, abrilhanta as cores. E Deus criou a mulher é um filme que teve a façanha de catapultar três nomes franceses ao estrelato internacional: Brigitte Bardot, Roger Vadim e St. Tropez. Vadim foi genial ao antecipar a Nouvelle vague em alguns anos, e essa antecipação veio também às expensas de Bardot na medida em que o filme se ampara nela. Porque BB era a própria novidade, se ela mesma disse que era Juliette, então nunca antes fora vista tamanha espontaneidade na tela do cinema. Juliette tem a mesma orfandade, a mesma consciência imaculada e a sexualidade desinibida da Lolita de Nabokov; desbocada, veste calça jeans; é amante dos animais, das crianças e dos homens. Em suma, o seu pecado é amar demais, mais que a um único homem ao mesmo tempo. Vadim, por amar Bardot e em extensão Juliette, é inevitavelmente machista por inculpa-la e puni-la com o matrimônio, intragavelmente machista por transforma-la em objeto. O casamento, que começa com briga e buquê jogado no chão no meio da rua, surge aí como instituição falida, fadado ao fracasso devido ao afamado apetite sexual de Juliette. Ela é um perigo aos homens, eles dizem, mas não a deixam em paz. É a volta da femme fatale, mas agora menor de idade e sem intenção de ferir. Por fim, Juliette, amada por Vadim, não merecia ser castigada por dançar, beber ou amar quem quisesse, mas reparada outra vez através do casamento. Um arroubo moralista sem dúvidas engendrado para o público norte-americano, assim como a nudez milimétricamente filmada de BB. Um filme feito para chocar e encantar plateias auto afirmadas como moralmente ilibadas.
Desonrada
3.8 9Lançado no mesmo ano (mas meses antes) que Mata Hari da MGM com Greta Garbo no papel principal, Desonrada possui uma estória obviamente inspirada na vida da espiã holandesa; entretanto, a "Mata Hari" da Paramount é patriótica, bem resolvida, solta frases atrevidas a todo tempo e carrega consigo um gato preto como amuleto durante o filme inteiro. Ambos filmes sem dúvida possuem conteúdos ousados para os padrões de 1931, mas Desonrada é narrativamente mais avançado e visualmente superior à Mata Hari da Metro; oferece à Dietrich um material mais versátil que o usual para exibir os seus recursos como atriz - ampliado, mas não tão diferente das outras mulheres imorais que ela estava acostumada a interpretar. Destaque também para o casamento perfeito entre Von Sternberg e o diretor de fotografia Lee Garmes, criadores de imagens cheias de sombras e planos muito peculiares.
Atlantic City
3.6 38 Assista AgoraAtlantic City, um balneário decadente da costa leste nos anos setenta, foi o cenário escolhido para a segunda incursão de Louis Malle em solo norte-americano. Dessa vez, ele parece ainda mais fascinado pela cultura popular dos EUA. Curiosamente, a cidade então à beira da bancarrota, foi salva pela liberação da operação dos cassinos, poucos anos antes das filmagens deste Atlantic City de Malle. Aqui, a jogatina não é o centro da história, mas está sempre presente, assim como deve ser na Atlantic City da vida real. Dinheiro e drogas são como dados lançados num jogo de azar o tempo inteiro, e o jogo é em si fonte de vitória ou derrota. E só aqueles que se arriscam a jogar conseguem realizar os seus sonhos, é o que faz o personagem do sensacional Burt Lancaster. Tudo é questão de sorte ou azar. Excelente metáfora.
Harlow, a Vênus Platinada
3.0 3Se em 1965 já foi difícil engolir esse filme cafona, cujo roteiro é inverossímil, imagine hoje em dia; nem Carroll Baker caracterizada de Marilyn Monroe interpretando Jean Harlow salva.
A Degree Of Murder
3.2 1Pierrot le fou meets Jules et Jim na Alemanha. Anita Pallenberg sobressai representando um prefácio da sua personagem em Performance.
Olhos de Serpente
3.8 36 Assista AgoraÉ um filme interessante pra se pensar em seu contexto também; Harvey Kietel vinha do sensacional Bad Lieutenant, talvez o melhor filme do Ferrara; já Madonna estava no auge da carreira e das polêmicas; a gravadora dela bancou parcialmente a produção, então havia bastante metalinguagem. De fato, Kietel está ótimo e Madonna em um dos seus momentos mais descontraídos e vulneráveis no cinema, mas essa história de filme dentro de um filme gira em círculos no jogo perigoso e enfadonho do personagem de Kietel que você percebe rapidamente que não quer participar. Melhora um pouco, embora se perca nas cenas em videotape, inevitavelmente lembrando o Sex, Lies... pelo voyeurismo indigesto, mas sem a mesma força daquele. Restam alguns bons diálogos mordazes, mas nenhum material erótico no qual supostamente baseou-se a sua divulgação.
Vida Privada
3.6 16Esse hoje esquecido produto da filmografia de Malle e Bardot causou bastante furor na época do seu lançamento, em parte devido à premissa original de revelar os danos causados pela fama e também por estrelar Brigitte Bardot interpretando os dramas vividos por ela na vida real, em um personagem cheio de semelhanças com a sua própria biografia. Considerando apenas as informações acima Vida Privada prometia muito, mas o roteiro não conseguiu se aprofundar verdadeiramente no caráter de Jill; então o filme se desenvolve burocraticamente, o romance do casal principal não empolga nunca e a potência acaba se reduzindo às poucas e efetivas cenas de impacto narrativo, como a do elevador, a melhor. É um filme que envelheceu mal, embora consiga levantar discussões importantes, não tão datadas assim. Ótimas sequências em Spoleto.