Se por um lado é fácil ser seduzido pela liberdade descomplicada com que Mouramateus explora referências, aplicando-as com algum sentido a produzir pequenos achados poéticos - os melhores exemplos estão na dança coreografada das atrizes ao som de “Fuck You” (Tomcraft) e no coral de vozes cantando na escuridão “L'Amour Toujours” (Gigi D'Agostino), com a ausência de função narrativa não atrapalhando nem diminuindo o prazer pop de assistir esses momentos, no melhor estilo Tarantino – por outro é desconfortável acompanhar um enredo tateando superficialmente sem conseguir dar consistência a inquietude dos personagens. E não ajuda nada atores recitando suas falas ou uma desnecessária e quase risível citação metalinguística. Quer dizer, o exercício metalinguístico é até coerente se levarmos em conta que com a queda de luz no apartamento onde a trama desenrola o próprio roteiro sofreu um black out e caiu num vazio (dentro do vazio) discursivo.
Enquanto espera no quarto de um apartamento para mais um programa, um jovem é tomado por um mal-estar. Uma ansiedade crescente e que evolui rapidamente a angústia e o pânico. A respiração ofegante, a excitação, a sensação tremenda de não conseguir sair do turbilhão. Neste estado não surpreende sua incapacidade em desrosquear um simples frasco de tranquilizante desequilibrado nas mãos. Prestes a sucumbir ao transtorno do pânico eis que surge no quarto o filho do seu cliente perguntando pelo pai. "Ele saiu por um momento. Por que você não volta a dormir", diz o sujeito. "Mas tem um monstro em baixo da minha cama", retruca o menino. "Os monstros não existem. Acredite em mim", insiste o homem que segundos atrás se debatia num pesadelo particular, talvez tentando acreditar na própria mentira.
É evidente que estes dois personagens espelham devastações semelhantes, onde o medo, a solidão e a busca de afeto confunde a definição entre quem é o adulto e a criança. Afinal, enquanto o mais velho parece tão indefeso como um garotinho, o mais novo experimenta a sensação de abandono tão comum entre os crescidos. O mais interessante no curta "The Boy Next Door" (2008), do então estreante Gregor Schmidinger, é como o roteiro utiliza clichês da temática gay - como a prostituição e jovens protagonistas bonitos e atraentes - além de subverter a controvérsia de expor uma criança em contexto sexual para trilhar caminhos inesperados e que desarmam as (más) expectativas. Por mais incomum que seja essa situação, de um michê e o filho de um cliente, Schmidinger consegue evoluir este mote com dramaticidade verossímil e extrair de passagens bastante sentimentais, como a criança tentando comprar o tempo do garoto de programa afim que este seja seu amigo, toda delicadeza necessária para não resvalar em forçadas soluções redentoras, com isso tornando comovente sua história.
Diferente da sinopse que afirma que os personagens “encontraram em seus opostos a solução para os seus problemas”, o especial nesse curta é o enredo não oferecer transformações românticas a personagens tão solitários e carentes, mantendo a ótica realista dos conflitos para conseguir verdadeiramente emocionar. A questão agora é o espectador conter o medo de ter essa história, de recorte impecável, transformada futuramente num longa-metragem. Haja pílula para suportar o "monstro" que costuma acometer essas adaptações.
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O Completo Estranho
3.4 3Se por um lado é fácil ser seduzido pela liberdade descomplicada com que Mouramateus explora referências, aplicando-as com algum sentido a produzir pequenos achados poéticos - os melhores exemplos estão na dança coreografada das atrizes ao som de “Fuck You” (Tomcraft) e no coral de vozes cantando na escuridão “L'Amour Toujours” (Gigi D'Agostino), com a ausência de função narrativa não atrapalhando nem diminuindo o prazer pop de assistir esses momentos, no melhor estilo Tarantino – por outro é desconfortável acompanhar um enredo tateando superficialmente sem conseguir dar consistência a inquietude dos personagens. E não ajuda nada atores recitando suas falas ou uma desnecessária e quase risível citação metalinguística. Quer dizer, o exercício metalinguístico é até coerente se levarmos em conta que com a queda de luz no apartamento onde a trama desenrola o próprio roteiro sofreu um black out e caiu num vazio (dentro do vazio) discursivo.
The Boy Next Door
3.6 45Enquanto espera no quarto de um apartamento para mais um programa, um jovem é tomado por um mal-estar. Uma ansiedade crescente e que evolui rapidamente a angústia e o pânico. A respiração ofegante, a excitação, a sensação tremenda de não conseguir sair do turbilhão. Neste estado não surpreende sua incapacidade em desrosquear um simples frasco de tranquilizante desequilibrado nas mãos. Prestes a sucumbir ao transtorno do pânico eis que surge no quarto o filho do seu cliente perguntando pelo pai. "Ele saiu por um momento. Por que você não volta a dormir", diz o sujeito. "Mas tem um monstro em baixo da minha cama", retruca o menino. "Os monstros não existem. Acredite em mim", insiste o homem que segundos atrás se debatia num pesadelo particular, talvez tentando acreditar na própria mentira.
É evidente que estes dois personagens espelham devastações semelhantes, onde o medo, a solidão e a busca de afeto confunde a definição entre quem é o adulto e a criança. Afinal, enquanto o mais velho parece tão indefeso como um garotinho, o mais novo experimenta a sensação de abandono tão comum entre os crescidos. O mais interessante no curta "The Boy Next Door" (2008), do então estreante Gregor Schmidinger, é como o roteiro utiliza clichês da temática gay - como a prostituição e jovens protagonistas bonitos e atraentes - além de subverter a controvérsia de expor uma criança em contexto sexual para trilhar caminhos inesperados e que desarmam as (más) expectativas. Por mais incomum que seja essa situação, de um michê e o filho de um cliente, Schmidinger consegue evoluir este mote com dramaticidade verossímil e extrair de passagens bastante sentimentais, como a criança tentando comprar o tempo do garoto de programa afim que este seja seu amigo, toda delicadeza necessária para não resvalar em forçadas soluções redentoras, com isso tornando comovente sua história.
Diferente da sinopse que afirma que os personagens “encontraram em seus opostos a solução para os seus problemas”, o especial nesse curta é o enredo não oferecer transformações românticas a personagens tão solitários e carentes, mantendo a ótica realista dos conflitos para conseguir verdadeiramente emocionar. A questão agora é o espectador conter o medo de ter essa história, de recorte impecável, transformada futuramente num longa-metragem. Haja pílula para suportar o "monstro" que costuma acometer essas adaptações.