Um filme como "Bruna Surfistinha" não convida o espectador esperando dele grandes expectativas e talvez por isso, a experiência de assisti-lo resulte... boa. É bem verdade que o longa recorre a um enredo linear (e muito simplista) ao apresentar a história da jovem Raquel Pacheco, filha adotiva mas bem alimentada da classe média, aluna de escolas tradicionais da elite paulistana (São Luís e Bandeirantes), e que um dia sai de casa e decide virar garota de programa. Da adolescente tímida e deslocada à ascensão no mundo da prostituição, quando adota o nome do título e passa a publicar num blog suas aventuras com clientes, o roteiro toma atalhos para explicar os motivos que a levaram escolher essa vida. Em 'O Doce Veneno do Escorpião', livro que serviu de base para essa adaptação (muito livre, diga-se), conhecemos uma adolescente bem nascida e cleptomaníaca, que usa roupas da moda e parece tratar o sexo como rebeldia, masturbando garotos em baladas. No filme, nas poucas cenas do passado, Raquel tem dinheiro negado pelo pai, não sai à noite e, quando rouba, o roteiro a perdoa: é por questão de vingança e não compulsão! A vitimização da personagem se estende às cenas no presente. Outro exemplo: no livro, Bruna dá a entender que deixou o privê onde convivia com outras garotas de programa porque quis; no filme, ela sai martirizada, expulsa por assumir uma culpa que não teve. Essa insistência em simplificar carências e sentimentos confusos, embora legítimos, termina reforçando uma imagem de fragilidade e frivolidade que tem, ironicamente, muito de machista. Cabem ressalvas também ao dia-a-dia da profissão, mostrado aqui sem julgamentos, mas se prendendo meramente às curiosidades de sua rotina. Assistimos a tudo como tépidos voyeurs, se divertindo até, mas se incomodando por que o enredo limita-se aos lugares comuns.
Com tantas falhas estruturais no roteiro, é surpreendente que o filme não tenha virado um genuíno abacaxi. E se isso não acontece muito se deve ao diretor estreante em longas-metragens Marcus Baldini. Egresso da publicidade e do mercado de videoclipes, ele mostra segurança ao aplicar ideias e desenvolver o talento de sua equipe. A utilização da trilha sonora como elemento narrativo é um bom exemplo – canções como "Street Spirit (Fade Out)" e "Creep", do Radiohead, são citadas em cenas curtas mas pontuais. O mesmo pode ser dito no trabalho realizado como os atores. Os coadjuvantes em especial estão todos muito bem, com destaque para Drica Morais (uma atriz que dispensa referências), Fabíola Nascimento (de "Estômago") e Guta Ruiz (da série "Alice", da HBO). Nada evidencia a eficácia do cineasta porém, que a maneira como conduz a atuação de sua protagonista. Habilidoso, Baldini consegue um pequeno feito ao amenizar a afetação que costuma caracterizar as performances dramáticas da atriz Deborah Secco, correspondendo em momentos de real sinceridade. Mesmo recorrendo a algumas caras e boca, além de certa respiração arfante (bem típicas da moça), notasse uma atuação esforçada e que vai evoluindo com a personagem. Ainda assim, é fato consumado e seriados como ‘Loucos Por Ela’, exibido no mesmo período, de 2011, não deixa dúvidas: seu verdadeiro timing é mesmo para a comédia. Cercado de boas, e principalmente, más expectativas quando estreou nos cinemas, a obra se tornou rapidamente um sucesso de bilheteria, e como poderia deixar de sê-lo?. O inesperado era que mesmo sem a força para figurar entre os melhores do ano, o filme estava longe de ser a bomba que grande parte do público e mídia esperava. São os acertos da direção que compensam enfim, o roteiro e seu pudor na nudez sincera dos sentimentos.
Logo na primeira cena o longa "Intocáveis" apreende o que, em linhas gerais, se esperaria considerando a sinopse — um roteiro que trata seu protagonista, na dependência de sua vida presa numa cadeira de rodas, com o sentimentalismo de sua condição. Na expectativa do que se espera encontrar surpreende portanto, que no desenlace da mesma cena inicial seja o humor, e não a pieguice melodramática, a nortear essa história. A despeito da beleza instrumental este é um filme onde a melancolia do compositor Ludovico Einaudi faz menos sentido que a pulsação dançante das canções do Earth, Wind & Fire, é isso é bom.
De resumo previsível não será o roteiro e o desenvolvimento correto de cada personagem a melhor captar a atenção do espectador. Afinal, o filme não da conta do que é depender das pessoas na imobilidade de um tetraplégico que não sente nada além de cócegas nas orelhas. Antes pega um exemplo de exceção cujo protagonista é um milionário na precariedade física e emocional da vida de luxo, e cujas vicissitudes da história "baseado em fatos reais" mas parece ter a origem num conto de fadas.
Se o enredo é por demais encantado na ideia de superação, é o humor inserido em instantes inesperados e seu providencial alívio, somado a atuação de Omar Sy como um imigrante problemático, sem modos ou preparo para assumir a função de cuidador que melhor contrapõe a idealização emocional — sobretudo no caso do ator cujo trabalho oferece o pragmatismo de olhar objetivo ao drama da situação. O comum na construção de uma personagem assim seria o ator reforçar a emoção, ter seus momentos olhando o vazio e viver com os olhos marejados. Omar Sy elimina os enfeites e firulas na interpretação, se atendo a urgência da vida que não permite espaço ao sofrimento, não para negá-ló em alienação mas por entender que para sobreviver e preservar a dignidade será preciso subjugar as emoções sem piedade. Nessa visão, o conteúdo motivacional do filme ganha o necessário contraste, onde o tratamento piedoso de sensibilidade excessiva é substituído pela rudeza e que defende tratar o semelhante como um igual, principalmente quando este estiver em desvantagem.
É pela escolha do ator e seu modo de atuar, além do humor inesperado e desarmante que a idéia na essência de uma relação, de enxergar o outro sem vitimismo ou condescendência, faz com que a imagem generalizada representando um enredo de fantasia adquira real e específica personificação.
Enquanto vemos Lore tomar banho e pentear o cabelo, uma voz conta os passos de um jogo de amarelinha que leva do céu até o inferno, sucessivamente regressando ao ponto inicial. A irmã dela, Liesel, está brincando fora de casa quando o cão da família começa a latir. Elas estão na Alemanha nazista. Lore olha pela janela, e vê que um caminhão do Exército alemão chegou. Descendo a escada, ouve a mãe, Asta, e o pai, Peter, conversando. Ele diz que eles poderão levar apenas o que couber no caminhão. Asta não parece satisfeita. A pressa e as poucas explicações revelam não se tratar de uma mera viagem, mas uma fuga. Recolhendo o essencial, descartam objetos, queimam documentos numa grande fogueira improvisada na parte externa da casa. As provas de vida são sacrificadas, assim como o cão, morto com um tiro na cabeça. Em pouco tempo, Lore, Liesel, os gêmeos Gunter e Jürgen, e o bebê Peter fogem com a mãe. Este será apenas o início do calvário desta família de alemães, ou mais precisamente dos filhos dessa nação derrotada.
A guerra acabou. Hitler se suicidou. É primavera na Alemanha das trevas. Os alemães foram finalmente vencidos. A adolescente Lore, filha de nazistas, uma princesa ariana, recebe a missão de guiar sozinha os irmãos pela floresta negra. Lore precisará crescer para sobreviver. O seu percurso pelas estradas enlameadas e pelas aldeias empobrecidas do País será uma entrada brutal na idade adulta e um adeus definitivo a uma inocência que Lore compreenderá ser irrecuperável. Num enredo em tudo simbólico, a viagem de Lore em busca de sobrevivência será também um lento ‘abrir de olhos’ à uma realidade até então alienada pelo filtro de uma educação ideológica. Cada passo deste percurso portanto confrontará a adolescente enxergar além da bolha criada pela família nazista, e daí, pela primeira vez, escolher o seu lado, tomar o seu partido.
Trabalhando sobre uma das três histórias contadas no livro ‘The Dark Room’, de Rachel Seiffert, o roterista Robin Mukherjee e a cineasta australiana Cate Shortland (aqui em seu segundo longa) criam um guião ousado e o tempo todo provocativo. Filmes sobre o holocausto são feitos geralmente pela perspectiva do vilão nazista ou da vítima judia. Em "Lore", são cinco crianças da família do vilão, mas elas são as vítimas, carregam os fatos do mundo nas costas. Ainda assim, paira a questão: a maioria do povo alemão, incluindo sua juventude, sabia o que estava acontecendo de fato, incluindo os campos de extermínio, ou eram enganados pela eficácia da propaganda nazista? Quantos se preocupavam mais com o êxito econômico do regime e ignoravam, propositalmente, a limpeza racial que acontecia paralelamente? São perguntas difíceis e que os roteiristas sabiamente não tentam responder. E é justamente a volatilidade das incertezas que produzem as faíscas de sentimentos conflitantes no espectador. Essa mistura confusa entre querer se aproximar daquelas crianças (pela empatia do sofrimento ali vívido) na mesma medida que se quer distância (pela repulsa do fanatismo ideológico e atrocidades dos pais) é o que torna o filme, enfim, uma experiência inquietante.
Cate Shortland apresenta uma painel realista da Alemanha logo após o fim da Segunda Guerra Mundial. A acuidade aos detalhes imprime um tom de observação 'à quente', como se olhássemos os acontecimentos ocorrendo no calor do momento. O constrangimento no banho coletivo entre as mulheres, o pânico gerado pela onda de estupros, o suicídio como último ato de ‘dignidade’, as formigas caminhando sob os corpos em decomposição cheios das marcas de violência, a reação de choque e negação aos crimes de guerra cometidos no holocausto, a provável discordância entre os próprios alemães com os caminhos da ditadura de Hitler (num franco clima de 'cada um por si e salve-se quem puder'), a falta de dinheiro, a fome desalentadora, a dependência de estranhos para conseguir comida e a solidariedade acompanhada de exigências. Este é um mundo apresentado em close-ups diretos e claustrofóbicos, onde a beleza das cores da natureza, captadas pela lindíssima fotografia de Adam Arkapaw, contrasta com a desolação de um cenário em ruínas e a desesperadora escuridão (da natureza) humana, capaz de atos tão abomináveis quanto animalescos.
Ambientando esta trama cheia de silêncios e sons abafados o compositor alemão Max Richter, de outros bons trabalhos como "Valsa Com Bashir" (2008) & "A Chave De Sarah" (2010), apresenta uma partitura alinhada ao conceito do longa. Seus temas - de andamentos vagarosos e baixíssimos tons - sublinham o desespero mantendo a emoção em rigorosa contenção. Em geral, são orquestrações em nada sentimentais (portanto, próximas do espírito alemão) que visam realçar sutilmente a tensão e não ressaltar o drama. Neste sentido, ‘The Dead Man’ é a faixa que melhor expressa essas idéias. ‘End Credits’, por sua feita, surge no soundtrack como espécie de baixa na guarda, depois de tanta frieza e distanciamento, oferecendo melodia com alguma emoção mais aflorada. Cabe a ‘After Gunter's Death’, contudo, melhor representar o projeto. Com estilo envolvente, sua orquestração lembra um feixe de luz a incidir sob espessa escuridão mas sem conseguir penetrá-la completamente, apenas oferecer vislumbres em meio as sombras. É uma melodia que, embora emule um lado sentimental, não mede esforços em subjugar as emoções e mantê-las rigorosamente controladas. Seu arranjo pode soar frio, severo, até mesmo calculado, mas é desta resistência em não ceder as emoções, ou manipulações banais, que trilha sonora e filme adquirem uma beleza de pungência extraordinária.
A média com que Woody Allen continua lançando filmes é algo notável. Enquanto seus contemporâneos de geração hoje mal conseguem esboçar novos projetos, o americano prossegue tão prolixo quanto nos primeiros anos de carreira. Desde a sua estreia, com o longa "O que é que Há, Gatinha?", em 1965, o cineasta mantém a marca de um filme por ano (quando não dois!). Com uma produtividade tão numerosa é inevitável, todavia, que seus projetos oscilem de nível quanto a excelência ou originalidade. Não é díficil por exemplo vê-lo repetir estruturas de filmes ou mesmo incorrendo em trabalhos decididamente equivocados.
Ainda que os defensores digam que um obra ruim de Woody Allen seja melhor que a média (produzida no cinema americano) este se tornou um argumento questionável quando o autor alcançou seu nível mais alarmante em desgaste artístico, em meados dos anos 2000. Foi uma medida providencial, portanto, o artista ter trocado o cenário da maioria dos seus filmes, a cidade de Nova York, para filmar em outras locações pela Europa. Com a mudança de ares foi possível notar uma renovação surpreendente do gênio criativo de Allen, que apartir de 2005 entrou numa de suas melhores fases, em trabalhos como "Ponto Final - Match Point" (2005), "O Sonho de Cassandra" (2007), "Vicky Cristina Barcelona" (2008) e o maravilhoso "Meia Noite em Paris" (2011). Seu mais recente trabalho, "Blue Jasmine" (2013), é dos títulos que reforçam a boa forma criativa do quase octogenário Woody Allen.
"Blue Jasmine" nos apresenta a personagem-título, que, voando na primeira classe, insiste em contar sua história para a passageira do lado, uma velhinha que parece uma conhecida mas que, na verdade, não reconhece (e nem quer reconhecer) afinidades com a chorosa protagonista. Acostumada à vida de luxo Jasmine agora se encontra na miséria desde que o marido foi preso por fraude, o que a obriga a se mudar para a Califórnia a fim de morar com a irmã, Ginger. Alternando a narrativa entre o presente, que traz a protagonista buscando se adaptar ao cotidiano de trabalhadora, e o passado, que revela as circunstâncias que a levaram até ali, "Blue Jasmine" segue uma corrente bem contemporânea do cinema, ao ambientar personagens em meio aos desvãos da (grave) crise econômica que a Europa e os EUA enfrentaram em 2008. Além do filme de Woody Allen, um certo "Lobo de Wall Street" (2013) causou furor com sua abordagem explosiva de um sujeito que se aproveitou da boa-fé de investidores para aplicar-lhes um baita golpe e que os deixou a beira da falência. Tanto o longa dirigido por Martin Scorsese, quanto "Blue Jasmine" são inspiradas em personagens verídicos que induziram o mercado financeiro - americano, em questão - a uma crise que têm sido comparada a Grande Depressão de 1929!
As questões propostas em "Blue Jasmine" o assemelha a quase um conto moral: afinal, seria Jasmine uma vítima? Ou a arquiteta de seu próprio destino? Devemos enfim nos importar com o quanto está abalada? A protagonista jura não saber das traições do marido e suas falcatruas (talvez, melhor palavra aqui seria 'negar a ver') porém, de certo modo, o espectador jamais dúvida dela. Enquanto pudesse continuar comprando roupas caras e joias, e participando de festas e viagens pelo mundo tudo estaria bem (pra que saber da verdade, não é mesmo?). Pois é nesse tipo de ingenuidade alienada que Allen enquadra a Jasmine do filme e, sinceramente, não se preocupa em oferecer-lhe a menor solidariedade. Pois esse é o primeiro acerto do roteiro. Frívola, esnobe, emocionalmente suscetível e descontrola - o diretor oferece um retrato elegante porém antipático de sua protagonista, e mantém essas características até o final, sem atenuações, ou desvios de rotas além da queda livre rumo ao fundo do poço.
O segundo e mais delicado acerto é suscitar graça no infortúnio dramático mas sem jamais confundir o enredo com uma comédia. Allen força o drama em muitas cenas e de tão exagerado o recurso se torna naturalmente divertido. As crises de pânico da personagem, sua fleuma arrogante em querer provar que continua elegante quando não passa de uma decadente, os momentos em que ela conversa sozinha evidenciando uma mulher que ultrapassou o limite da sanidade a muito tempo - as risadas provocadas por essas situações são pontuais porém o que predomina, na maior parte do longa, é um olhar de impiedosa melancolia e desconfortável humor negro.
Com uma estrutura dramatúrgica notável, Woody Allen, também autor do roteiro, consegue ainda espelhar na sua narrativa elementos da clássica peça de Tennessee Williams, "Um Bonde Chamado Desejo", onde muito da destemperança de sua Jasmine reflete da iludida e perdida personagem da peça, Blanche Dubois. Nesse sentido, a atuação da australiana Cate Blanchett, no limiar da precisão técnica e afetação teatral, é melhor contextualizada quando vista como um espécie de 'homenagem' ao estilo de interpretação (também, altamente teatral) da atriz Vivien Leight, na melhor adaptação cinematográfica da peça, dirigida pelo mestre Elia Kazan (em 1951). À favor de Blanchett, conta ainda o fato de toda transformação vívida pela sua personagem ser encarada sem maquiagem ou grandes transformações físicas (a servi-lhe de muleta): aqui, é apenas a atriz e seu rosto limpo a expor a jornada emocional de sua Jasmine.
No fim, nem o fato do diretor recorrer a um de seus cacoetes (o inevitável personagem nervoso e neurótico, como um decalque homônimo do próprio Woody Allen) se torna um defeito. Muito porque, não importa quantos ansiolíticos sua protagonista tome para se acalmar - nenhum comprimido fará desaparecer a ameaça contínua de (um novo) colapso nervoso e a sensação que sua derrocada ao fundo do poço não chegou nem na metade. Diferente do jasmim (a planta) que floresce a noite, ganhando vida depois que escurece, Jasmine (a mulher) não saberá transformar sua desgraça ou reconhecer outros tons além dos azuis melancólicos na sua condição de pobreza. Na conclusão que se chega Woody Allen acertou em cheio em não enxergar apenas drama numa estória, à rigor, impregnada de elementos da divina comédia humana, para expor sua protagonista pois, muito dos infortúnios e tragédias dela se equivalem na mesma moeda do seu revés patético. É portanto uma pobreza bem menos material e muito mais advinda do vazio da alma. É como dizem - têm pessoas que são tão pobres que possuem apenas dinheiro. No caso de Jasmine, restou apenas a miséria existencial.
Numa decisão difícil, arriscada e necessária uma mulher mergulha novamente nas águas escuras da tragédia, as mesmas que sua irmã um dia se afagara, em busca de alguma limpidez, purificação e diluição de suas dores. Narrado em primeira pessoa e, portanto, suscetível as acusações de que sua representação não passa de mero exercício egocêntrico (ainda mais considerando tratar-se de um acontecimento familiar), o que impressiona no documentário 'Elena' (2013) é justamente a maneira como torna uma história intima e muito particular tão profundamente próximo do espectador, reverberando em múltiplos significados o choque da ruptura e relações interrompidas.
Na melhor das escolhas a cineasta Petra Costa não apenas reúne o mosaico de pistas dispersas deixadas pela irmã morta como cria uma interessante correlação do suicídio com o mito de Ofélia – a representação do destino trágico feminino apartir do século XIX – e, indo mais fundo, alinha diferentes gerações de mulheres dentro da própria família, desde o início tão próximas e familiares a sensação de tristeza. O que durante todo filme Petra perscruta mas acertadamente não responde é como mãe e irmã mais nova conseguiram sobreviver as próprias perplexidades emocionais e a mais velha sucumbiu ao desespero depressivo. Certamente porque quais fossem as respostas nada mudará a experiência dolorosa de acompanhar o desabrochar tão cheio de sonhos de uma menina em tenra idade e cujo ardor foi precocemente definhado, ressequido, murcho. Tão obstinada e incontornável de oferecer a alma ao julgamento do mundo insensível. Tão suscetível e insegura de transpor o medo e horror do fracasso em pleno rito adolescente, num processo que por vezes desumaniza e turva o discernimento. São esses arranjos que fazem o espectador se ver enfim, na personagem título. Em maior ou menor grau, em algum ponto da vida, somos ou já fomos todos Elena.
Particularmente o documentário oferece dois momentos marcantes envolvendo imagem e música. Num deles, Petra Costa dança no meio da rua, em meio as luzes difusas dos postes. A cena em questão ganha vida através das notas sensíveis de Vitor Araújo, jovem pianista pernambucano que empresta a sua 'Valsa Pra Lua' ao longa-metragem. O tema carrega algumas influências - as mais perceptíveis do maestro Philip Glass, em especial o score realizado no filme 'As Horas' (2002) - mas nada que tire o brilho particular desta bela melodia com quase 7 minutos de duração. Muito porque seu clima outonal, de folhas despencando de uma velha árvore, possui uma subjetividade que se adequa bem a transição de um estado de coisas - do raio de sol para um céu de chumbo, da flutuação num ponto delicado a um corte abrupto, das lembranças que confortam as emoções que sufocam. Auxiliada pelas imagens e um pequeno poema a faixa complementa com superlativa exatidão, a valsa sutilíssima de Petra Costa e os extremos de sua emoção: "As memórias vão com o tempo, se desfazem, mas algumas não encontram consolo, só algum alivio nas pequenas brechas da poesia. Você... é a minha memória inconsolável, feita de pedra e de sombra. E é dela que tudo nasce e dança".
Na cena que melhor ilustra o encontro das 'memórias inconsoláveis' (e individuais da diretora) com um oceano de outras mulheres (outras histórias, outras tragédias) e o processo final do luto, têm-se o segundo grande momento na junção entre imagem + música do filme. “Turn To Water”, cantada pela americana Maggie Clifford, possui letra inspirada num trecho de uma novela de Guimarães Rosa chamada Dão-Lalalão, publicada no livro “Corpo de Baile”. “Estou adoecida de amor. Põe a mão… em mim… viro água”, diz o texto e, também, a letra. Evocando o ar etéreo que se segue à brutalidade emocional da perda, a canção é um lullaby delicado e algo sombrio, cujos acordes (que parecem cair feito gotas, trepidando e ressoando ondas sutis num rio sereno) lembram também um prenúncio, um anúncio de transformação. Já as imagens possuem um poder imagético mais eloquente e porque não assombroso, tornando uma pequena correnteza num mar de mulheres flutuando entrelaçadas, como representando a resiliência do espírito humano diante da tragédia. “Se ela me convence que a vida não vale a pena, eu tenho que morrer com ela”, diz uma voz. E para não pôr fim à própria vida, Petra precisara enfim encenar sua própria morte, a morte dela e de Elena, formulando sentido para aquilo que não tem nenhum e renascendo de novo no líquido (uterino?) cujas águas mais parecem lágrimas.
"Refém da Paixão" é o tipo de filme que solicita de antemão a boa vontade para sua trama. Como a história do garoto que cuida da mãe depressiva após o fim do casamento e que numa manhã de verão são abordados dentro de um supermercado por um fugitivo da prisão, sendo forçados a levá-lo para casa, é toda filtrada pelos tons de melodrama, o espectador se torna, ele próprio, um refém obrigado a 'cooperar' com o longa. Só assim para engolir, por exemplo, um sequestro realizado com uma gentileza impensável para esse tipo de crime. E ainda a descoberta que o foragido é mais amigável que os noticiários fazem supor. Mais: que é um bom cozinheiro, um homem com forte presença (para o filho), um sedutor com poder desarmante (para a mulher). Seu roteiro defende enfim, e de maneira bem discutível, o argumento de uma mulher que se tornou prisioneira de si mesma e que precisará de um homem (um bandido!) para se libertar da solidão, mas não sem antes tornar-se Refém da Paixão! Pelo amor de Deus, né, minha gente...
A direção de Jason Reitman (dos superestimados "Juno" e "Amor sem escalas") é discreta e eficaz, a fotografia faz bom uso de cores intensas - sobretudo para suscitar o clima sufocante de calor - e as atuações são boas, do competente Josh Brolin à sempre ótima Kate Winslet, que juntos constroem uma interessante justaposição entre a rudeza masculina e a fragilidade feminina. A atriz aliás, constrói com muita sensibilidade a dimensão emocional de uma mulher amortecida pela tristeza e solidão, e que vagarosamente têm o desejo novamente despertado - pena contudo, o roteiro recorrer a lugares comuns. No mais, é um programão para românticos inveterados e que não ligam para manipulações emocionais que assaltam o bom juízo...
De experimentos musicais como "The Miners Hymns" (2011), trabalhos de maior visibilidade como "Obsessão Perigosa" (2013) - último registro do falecido Cory Monteith (da série "Glee") - e "Os Suspeitos" (2013) do premiado diretor Denis Villeneuve, ou ainda ao que é seu melhor resultado até aqui no documentário "Copenhagen Dreams" (2012), uma característica marcante do compositor islandês Jóhann Jóhannsson é a sonoridade ora sombria e contida, ora melancólica e gélida de suas trilhas sonoras. Portanto, num primeiro momento, a guinada por um estilo solar e sentimental poderia ser tido como uma evolução a cinzenta rigidez musical. Poderia... caso o score de "A Teoria de Tudo" não obedecesse tão fielmente as tintas (melo)dramáticas e tom manipulativo do filme. "The Theory Of Everything" é a cinebiografia do físico e cosmólogo britânico Stephen Hawking, autor de importantes teoremas sobre a origem do universo mas que no longa é vítima duma fórmula talvez mais esmagadora que a força gravitacional dos corpos celestes - as famigeradas adaptações biográficas que disfarçam empatia motivacional quando buscam reconhecimento egocêntrico no Oscar através de uma abordagem acadêmica, quadrada, hollywoodiana.
Alinhando trilha e filme a impressão final é que Jóhannsson abriu mesmo uma concessão ao seu estilo, produzindo uma competente partitura contudo tão cheia de referência que praticamente não se percebe sua assinatura autoral. Aliás, referência é o que não falta e vai (tome nota) do romantismo de Lennie Niehaus em "As Pontes de Madison", o minimalismo de Clint Eastwood em "Menina de Ouro" (coincidência ou não, cuja protagonista também sofre uma lesão na medula e fica paralisada como Hawking), os violinos evocativos de Abel Korzeniowski de "Direito de Amar", o piano "narrativo" de Philip Glass em "As Horas", as orquestrações cheia de dubiedade de Mychael Nymann em "O Piano", a delicadeza terna de Alexandre Desplat em "Coco Antes de Chanel", a nostalgia de Ennio Morricone em "Cinema Paradiso" e por vai... A favor de Jóhann é preciso reconhecer seu talento em tornar coeso um repertório extenso (de 27 tracks!) e com numerosas influências. O problema porém é a trilha ser quase impessoal ao parecer de muitos artistas, menos do compositor islandês, o que favorecesse a idéia de concessão industrial e não evolução artística. É de conhecimento geral que ao sair de um ponto underground e alternativo e migrar para o centro do show business, como é caso de hollywood, um artista tende a diluir o que lhe é particular e uniformizar ao que é padrão. O soundtrack de "A Teoria de Tudo" sugere esse futuro "oscarizado", "seguro" e pouco criativo a Jóhann Jóhannsson. Todavia, espera-se que seus trabalhos posteriores contradiga essa impressão.
Filmes tendo como mote a figura do discípulo e o mentor é quase um gênero cinematográfico em si. E de tão parecidos, não surpreende que o exemplo mais lembrado pra definir grande parte dessas produções consiga ser sintetizado através de um título: "Ao Mestre, Com Carinho" (1967). São poucos os longas que ousam subverter as regras do altruísmo como estopim pra superação e ir além de lugares comuns. Dos projetos recentes o mais efetivo a romper clichês foi, sem dúvida, o devastador "Cisne Negro" (2010), uma perturbadora viagem à mente de uma personagem que anseia aceitação, reconhecimento e alcançar a "perfeição". Ainda que não vá até as últimas consequências o mesmo espírito desbravador e impetuoso é também encontrado no recente "Whiplash - Em Busca da Perfeição" (2014) do estreante Damien Chazelle.
O filme conta a relação de um aluno e um professor de música, o primeiro baterista e que tenta se destacar no mar de músicos dum conservatório e o segundo buscando extrair o talento de uma big band como que canalizando água de pedra. Nesse processo brutal, se mistura ao líquido lágrimas, suor, sangue e um turbilhão que revolve o lodo da profundidade. A questão é que quando a sujeira emerge à superfície o que se vê ainda é a limpidez, como se o método violento fosse filtrado pra se alcançar uma estranha purificação.
O roteiro escrito pelo próprio Chazelle é um trunfo por não se render ao esquematismo. Sim, o aluno sofre um bocado e é agoniante vê-lo quase ser esmagado pelo veterano tutor porém, em última análise, o novato sabe que sem essa força de rolo compressor ele seria mais um entre muitos - daí se sujeitar. Quanto ao mentor choca perceber que a sua motivação beira a vilania - com direto a tapas na cara, tortura psicológica e xingamentos que vão de "viadinho" e "chupador de pau" ladeira abaixo... - mas que, nas entrelinhas, é bem mais complexa e oriunda dum amor impiedoso a arte.
Chazelle filma bem perto essa trama e, assim como Aronofsky, compõe em detalhes o oficio dos personagens. Um exemplo - ainda em paralelo - é que em "Cisne Negro" Darren revelava um pormenor importante, com as bailarinas rasgando e amaciando as sapatilhas pra lacear nos pés. Em "Whiplash" Damien desvela o acumulo de pigarros nos instrumentos de sopro, que caem encharcando o chão e descortinam uma minúcia poucas vezes revelada. Além de surpreender na condução narrativa, com o uso da edição frenética (e precisa), Chazelle extrai atuações irrepreensíveis do seu elenco. Miles Teller se torna aqui um nome a ser seguido, enquanto o experiente J.K. Simmons e que lembra o nosso Raul Cortez, tem a oportunidade da sua vida (no cinema). O destemor corajoso dos atores acaba sendo a representação mais aparente de todos envolvidos nesse belo projeto.
Muitos filmes dirão ser importantes mais ainda nessa fase do Oscar, fazendo o público crer que ser indicado (ou mesmo vencer) possui alguma correlação de qualidade. Ainda que esteja longe de qualquer favoritismo, caso o improvável aconteça e "Whiplash" venha obter nomeações não titubeie: o filme não precisa porra nenhuma de oscar pra chamar sua atenção, o que ele merece é o reconhecimento justamente ao refutar o que é defendido por esse prêmio.
Se a idéia de unir Juliette Binoche, Kristen Stewart e Chloë Grace Moretz num mesmo elenco parece boa, o diretor Olivier Assayas provará com seu entediante roteiro o contrário. "Acima das Nuvens" é mais uma vez, o retrato da atriz veterana em crise com a implacável passagem do tempo. Insegurança profissional, fracassos pessoais e os bastidores da indústria cultural com sua crueldade, frivolidade e egocentrismo. O enunciado é interessante, assim como os simbolismos da trama (a passagem de nuvens por um imenso desfiladeiro e que assume a forma de uma serpente é uma poderosa imagem), contudo é fácil se distanciar da trama pela condução totalmente boring de Assayas, um diretor francamente superestimado. Kristen Stewart repete maneirismos, Cloë Moretz não tem muito o que fazer e Juliette Binoche segura sem esforço o filme nas costas. Pra quem já enfrentou papéis realmente desafiadores, Binoche é mesmo uma atriz bem "Acima das Nuvens", sobretudo em filmes com pretensão de altitude mas sem a densidade de elevação.
"Eu e Você" (2012) possui alguns achados: a caracterização verossímil do ator Jacopo Olmo Antinori com as marcas no seu rosto refutando a odiosa imagem publicitária dos produtos anti-acne e seus modelos de pele perfeita. A trilha sonora de temas inesperados, como uma versão em italiano de Space Oddity ("Ragazzo Solo, Ragazza Sola"), do Bowie e a utilização da maravilhosa "Rebellion" (Lies), do Arcade Fire. E a direção sempre envolve do cineasta Bernardo Bertolucci, extraindo do mínimo enredo uma representação cheia de simbolismos. Ainda assim, e aqui esta um ponto negativo, a recorrência de temas da sua obra (a juventude e o incesto) não rende um roteiro que explora, ao máximo, o intimismo dos personagens e seus dilemas psicológicos e existenciais. Sobre o mesmo rito de passagem forçoso, com jovens relutando abandonar a infância e invariavelmente crescer, o diretor produziu filmes mais palpitantes como "Os Sonhadores" (2003). Embora de simplicidade eficaz "Io & Te" é mesmo um complemento menor ao mais interessante "The Dreamers".
Com adianta o título o protagonista é uma dessas aves soturnas que sobrevoa em torno de sangue e tragédias capturando a violência e vendendo seu conteúdo às redes de televisão. De tempos em tempos surgem obras com intuito de refletir sobre os caminhos do jornalismo. Foi assim em "Rede de Intrigas" (1976); "Bastidores da Notícia" (1987), "Mera Coincidência" (1997) e atualmente a série "The Newsroom" (2012– ). Em "O abutre" os limites morais e éticos da mídia são (ex)postos em ângulos extremos, resultando igualmente em extremos opostos. Se por um lado o roteiro do estreante na direção Dan Gilroy é pertinente a reflexão dos (des)caminhos do jornalista (ensandecida por um furo de reportagem que aumente a audiência ou a venda de jornais), e a sociedade de consumo (aterrorizada ao mesmo tempo que fascinada pela violência), por outro o personagem amoral vivido pelo ator Jake Gillenhaal e ótimo durante quase todo filme, cai numa caricatura desnecessária ao final arrancando-lhe a verossimilhança cruel e humana pra cair na afetação da denúncia. É evidente que o público esta interessado no tema, extremamente oportuno, envolvendo manipulação e a imoralidade em se buscar audiência, contudo ao tomar o caminho mais fácil do estereótipo sensacionalista, Dan Gilroy terminou por ceder ao discurso que buscava criticar.
A melhor coisa que um filme como "August, Verão em L.A." (2011) trás é a constatação que mesmo com atores lindos e viris é possível apresentar uma trama indisfarçadamente gay sem recorrer a afetação, teatralidade ou apelo trágico. Detalhes pequenos pra alguns mas significativo desses tempos de reavaliação dos estereótipos na produção temática LGBT. Se o roteiro fetichista pouco evolui o entrecho, sobre as dificuldades de um casal em manter uma relação fixa com o retorno dum amante do passado, e a trilha sonora cópia descarada e equivocadamente o trabalho do argentino Gustavo Santaolalla, dando a entender que estamos vendo um dramalhão social quando a tensão é de ordem sexual, são aspectos dramáticos à revelar outras problemáticas que o cinema queer precisa superar.
Drama moralista onde um homem tenta culpar (e punir) um outro após ter sido contaminado com HIV numa transa casual. Que este seja um momento decisivo pra repassar a vida inteira, pregressa e futura, é uma sinopse que por si só daria um filme tocante todavia, ao ceder à argumentação condenatória e de vitimização hipócrita "24°Dia, O Prazo Final" reforça apenas mais um ato falho de um roteiro covarde. Além de não investigar o comportamento de risco de pessoas individualmente reprimidas e socialmente discriminadas, a gravidade do longa esta numa máxima que o protagonista enrustido não assume: qual a parcela de responsabilidade de alguém que aceita praticar sexo sem proteção? Isso filme não discute.
É fato: vivemos em tempos onde praticamente todos estão conectados à internet, felizes ou tristes vendendo uma imagem que represente o melhor de si mesmo. Pelo próprio exercício individual de navegação é tentador dizer que a internet reforça a solidão das pessoas, em contrapondo a sua própria finalidade de comunicação. Que a popularização dessa ferramenta suscite preocupações de como ela é utilizada - sobretudo aos pais diante dos filhos cada vez mais precoces - é uma legitimidade compreensível e que deve ser constantemente pautada em reflexão, ainda mais pela velocidade com as mudanças das relações interpessoais estão acontecendo. Todavia demonizar a internet como o grande problema da sociedade moderna é uma abreviação rasteira na qual o novo filme do diretor Jason Reitman se presta.
"Homens, Mulheres e Filhos" é uma pretensiosa adaptação do livro homônimo escrito pelo americano Chad Kultgen, onde uma dezena de personagens têm seus conflitos esboçados mas cujo roteiro não aprofunda nada, apenas recorre a clichês do gênero "sonho americano" destroçado pra botar a culpa de tudo na internet. O que não falta ao roteiro é exemplo triste: jovens depressivos, suicidas, anoréxicos, viciados em pornografia, além de casais adúlteros que - surpresa - utilizam sites para encontrar eventuais parceiros. Dois exemplos chama atenção pela moralização extrema: mães, uma ultraprotetora e que rastreia tudo o que a filha navega pelo computador e celular, e outra que prática uma espécie de pedofilia consentida, postando fotos nuas da filha pra usuários "que paguem bem". A questão não é se essas possibilidades podem ou não acontecer - há um 50% pra tudo nesse vida - mas na concentração de exemplos ruins e praticamente nenhum que mostre o quanto a internet pode, sim, ser benéfica.
Nesse sentido é coincidência que todos os personagens não passem de burgueses cuja acesso as informações é tratado como um grande problema (melo)dramático? A narrativa pretensiosa filosofando sobre espaço, planetas e universo apenas reafirma o mimimi moralista conectado unicamente a pseudo-profundidade do roteiro. Ao contrário do que promete o filme não trás uma abordagem original sobre a insatisfação na era tecnologica que vivemos, resultando um tanto cotidiano aos dilemas juvenis ou de maturidade. Que o ser humano busque na virtualidade compensar frustrações é uma verdade a ser defendida, mas daí julgar a internet como um local de "dor e tristezas" absolutas é um tanto reducionista. A quantidade de vezes que alguém se conecta nas redes sociais, ou mesmo permanecem 24horas logado, é preocupante mas vale portanto penalizar a web pelo malefício? Parafraseando o título do sucesso protagonizado pelo ator Ansel Elgort, e que esta no elenco de "Homens, Mulheres e Filhos", pra Jason Reitman a culpa não é das estrelas, mas apenas da bendita internet!
Interessante exercício de suspense psicológico, onde as reminiscências conflituosas da infância moldam personagens cujos problemas beiram a psicopatia. Em certo sentido, o longa é um retrocesso na reavaliação da identidade gay feito pelos LGBT's nos últimos tempos, resvalando para uma série de lugares comuns do imaginário homofóbico, mas pode ser visto também como espécie de resposta da geração atual à gerações passadas, reprimida pela intolerância sexual do passado e que mesmo diante dos novos tempos de liberalidade insiste permanecer enrustida. Ao reagir de maneira extrema o protagonista vivido por Sean Paul Lockhart quer se vingar do amante arrancando-o à força do armário e, pasmem, para o seu próprio bem. Que haja morte nesse processo é mais um clichê pra soma e, verdade seja dita, não é fácil superar traumas emocionais inclusive a homofobia internalizada pois os tempos eram outros. Porém por mais estranho que pareça a tortura psicológica trás um curioso sentido de recomeço na vida da vítima.
Ainda que seja um dos melhores diretores contemporâneos os filmes do americano David Fincher são inconstantes. Não pela banalização dos enredos - já que o conteúdo dos seus longas trazem sempre uma abordagem intrigante e profunda sobre um tema - mas por nem sempre emaranhar o espectador nas tramas e inquietações dos seus projetos. No intervalo de longas surpreendentes como o eletrizante "Seven", o pancadão "Clube da Luta", o tocante "O Curioso Caso de Benjamin Button" e o hiper prolixo "A Rede Social", obras menos sedutoras costumam marcar ponto. Caso de "O Quarto do Pânico", "Zodíaco" e agora o recente "Garota Exemplar". Digam o que quiserem sobre a estrutura do roteiro - uma interessante desconstrução de personagens e espécie de representação extrema de relacionamentos onde o jogo de aparências não passa de um grande teatro, público e privado - o fato, é que mesmo com a direção impecável, a fotografia e edição precisa, além da trilha sonora ideal, "Garota Exemplar" demora engatar, seduz aqui e acolá mas não trás o espectador pra dentro do enredo com a mesma voracidade desafiadora e ousada de suas obras mais audaciosas. Duas horas e meia depois a conclusão é que se pode viver muito bem sem (re)assistir ao longa.
O mérito obtido pela estreante diretora Gia Coppola em "Palo Alto", (2014), é compor um retrato da juventude sem cair no recorrente niilismo ou tragédia de 9 entre 10 obras com essa temática. Por melhores que sejam alguns longas como "Paranoid Park" (2007) e "As Virgens Suicidas" (1999) esse viés digamos catártico acaba reforçando aspectos de uma fase onde tudo parece extremo, mas cujas reais transformações - ou mesmo violência - ocorrem de maneira mais implícita. Em contrapartida, o que sobra a autores como Gus Van Saint e Sofia Coppola, na evocação interior e climática dum estado de espírito tão difícil em capturar como do jovem, falta ainda a imagética da iniciante Gia. Adaptado do romance homônimo do ator James Franco, o longa traça um perfil da apatia juvenil com personagens tão ansiosos para viver mas sem encontrar um sentido de conexão com seus pares e consigo mesmo. Seja em festas regadas a álcool e sexo casual, seja cometendo delitos mais graves (ao provocar um acidente de carro por embriaguez), seja sofrendo a investida de adultos ora dissimulados ora negligentes, as primeiras experiências da idade aqui parece apenas causar desorientação e muita aflição. Encenando situações que poderiam resvalar facilmente ao trágico a escolha por um registro moderado mais verossímil e que não excede em resoluções forçadas é certamente o grande acerto da cineasta como realizadora. Contudo, é preciso reconhecer que esta narrativa carece de pungência e uma deliberação para mergulhar o espectador não na rotina apática mas nos conflitos interiores dos jovens. Afora que no saldo final o filme não trás nada de novo a temática, acumulando boas escolhas ao delinear uma paisagem à distância mas não evoluindo para especificar as figuras que compõem essa imagem.
Mais que a referência ao avô Francis Ford, é nítida a influência da tia Sofia nesse debut, mesmo porque Gia Coppola esteve nos sets de alguns trabalhos dela, ao que parece, estabelecendo uma conexão de parentesco e estilo familiar. Há muito da linguagem narrativa e visual dos filmes de Sofia em "Palo Alto", seja na narração contemplativa simulando a passagem entediada do tempo (por vezes, também testando a paciência do espectador), ou na subjetividade do olhar e ausência de diálogos, ou ainda no uso sensível da fotografia associada a trilha sonora sempre impecável. "Palo Alto" mostra que Gia entendeu esses códigos dramáticos precisando agora do trabalhoso esforço artístico para encontrar uma maneira (a sua) de produzir obras onde forma e conteúdo tenham maior coesão e força narrativa. Para tanto terá de superar o excesso de expectativa, a própria inexperiência e a emulação de estilos "alheios" caso queira mais que filmes de embalagem impecável mas cujo conteúdo carece de substância e algum frescor. Entre todos os elementos do filme, gostaria de destacar a trilha sonora assinada pelo compositor Devonte Hynes, que atende também pelo nome Blood Orange, e cujos temas foram subaproveitados no longa, mas após ouvir o score confesso ter ficado na dúvida se era o caso de lamentar ou mesmo render alguma menção. Além de serem curtos demais, os temas são repartidos em dezenove faixas muito semelhantes entre si, criando um repertório - vejam que coincidência - pouco coeso (pela repetição) e sem inspiração melódica. Sem querer ser chato mas já sendo, bateu um saudade danada do Air...
O trailer de "In Bloom" entrega um enredo que, realmente, não promete nada além dos lugares comuns da temática GLS, mas bastam alguns minutos na exibição do longa para perceber que a expectativa (ruim) pode surpreender ainda mais... negativamente. Kurt e Paul forma um casal de namorados que mesmo apaixonados caem na rotina de discutir relação. O que antes era caloroso como o verão, período em que a história inicia, logo ganha tons de melancolia (outonal) e um cinzento prenúncio de separação. Kurt, que é um traficante de drogas, não resiste a atração sexual por um cliente e passa questionar seus sentimentos pelo namorado, sob a ótica do próprio egoísmo e a confusão que as drogas lhe causam. Rompido a relação, contudo, toda experiência vivida pelos personagens em separado servirá apenas para apimentar os conflitos amorosos, fazendo-os retornar inevitavelmente um ao outro. Nesse percurso, é claro que o roteiro amigo dará um força aos apaixonados, inserindo em cena um serial killer que toca o terror nos figurantes, mas preserva o casal protagonista da tragédia, dando até - vejam que maravilha - uma ajudinha na reconciliação!
Chris Michael Birkmeier, também autor do roteiro, cria um filme muito irregular. Mesmo não anunciando algo tão diferente no argumento romântico era de esperar uma tentativa sua em desvencilhar toda trama de clichês do gênero temático, porém a medida que avança a história seu longa consegue apenas se entregar aos... clichês. Vejamos: o contexto do gay com as drogas não cai na marginalidade evidente, porém substitui o inferninho underground pelas festas nos apartamentos da juventude classe média. Ou seja, troca o seis pelo meia dúzia. Toda relação do casal segue o passo a passo comum de longas consagrados como "Namorados Pra Sempre" (2010), uma inspiração confessa de Birkmeier, mas se perde nas referências genéricas e soluções rasteiras. Nesse sentido, o contexto com usuários de droga é desnecessário afinal, o amor é algo potente, devastador e que detona conflitos sem precisar de auxilio. Uma ideia bem defendida na obra de Derek Cianfrance e esquecida por Chris Michael. E como não poderia deixar de ser, a dupla principal de atores é jovem, bonita e super descolada... na aparência. Pois esses personagens não passam de egocêntricos, onde todos os demais em volta precisam estar sempre aposto para socorrer o casal. A tão elogiada fotografia, cheio de filtros a lá instagram, apenas reforça o individualismo (e vaidade) dos personagens, quando não da própria geração que retrata - tão ansiosa em viver emoções reais mas presa num mundo de faz-de-conta, idealizando desfechos românticos por não tolerar finais tristes.
Nada exemplifica a reduzida visão artística de Chris Michael Birkmeier que a criação de uma subtrama envolvendo um nerd (Eddie), tímido mas simpático, e que começa a cercar o agora solteiro Paul. Que este último dê um chega pra lá no esquisitão é um direito que lhe cabe, mas daí o roteiro tornar Eddie uma vitima do tal serial killer apenas para lembrar ao antigo namorado que Paul ainda o ama (sim, é Kurt quem socorre o sujeito) é um completo absurdo. "In Bloom" é um filme que exige do espectador a identificação com seus personagens apaixonados, mas apela pra um MiMiMi tão romanceado e vaidoso que o resultado é o extremo insuportável. Confesso que os 87 minutos do filme demoraram pelo menos o dobro disso pra acabar...
"Chef" não trás mudanças significativas no menu dos filmes culinários, com os dilemas pessoais pesando na balança e interpondo no lado profissional do protagonista, para transformar sua rotina auto-centrada e retomar as conexões familiares. Para compensar, o diretor Jon Favreau aplica a narrativa àquela divertida camaradagem masculina dos tempos de "Swings" (996), contrabalançando num tempero agridoce a dose de sentimentalismo que excede no roteiro. Salpica ainda porções generosas de saborosa salsa na trilha sonora, estimulando o bom gosto e o paladar do público. E por fim, apresenta as tonalidades certas no acabamento ao dispor na mesma bandeja o personagem Carl e seu interprete Favreau, este último vindo de uma verdadeira hell's kitchen aprisionado a receita do blockbuster "Homem de Aço", sem poder ousar para não desagradar, mas encontrando em pequenos projetos como este o prazer gastronômico que um bom cozinheiro pode ofertar mesmo com ingredientes dignos de um junk food. E como "Chef" oferece não apenas uma degustação afetuosa como boa companhia, é quase falta de educação reclamar de eventuais falhas no cardápio.
Misto de comédia e romance pueril, "Procura-se Susan Desesperadamente" (1985) ganhou certa aura cult propagada nas sessões da tarde promovidas pela Rede Globo e que induz gerações a concordar com esse rótulo. Pois ouso discordar. No longa, Rosanna Arquette é Roberta, uma dona de casa entediada e sem emoção no casamento. No afã de romance ela acompanha feito espectadora uma historinha romântica desenrolada nos classificados de um jornal (!), onde um casal publica mensagens para se localizar quando viaja pelo país. É claro que não demorará para carente Roberta tentar acompanhar essa relação mais de perto, fascinada principalmente pelo jeito liberal e espontâneo da Susan do título. Num desses arranjos "cinematográficos", mas que lembra um enredo de novela das sete, Roberta troca de identidade com Susan e experimenta o que seria a sua vida, com o agravante de ser agora perseguida por um assassino no encalço dum valioso par de brincos, mas não deixando (convenientemente) de se apaixonar no meio da bagunça. Nesse imbróglio, é coincidência pouca Susan e o marido de Roberta se conhecerem e tentarem desvendar o que está acontecendo, embora no fundo o maridinho adúltero esteja mais preocupado se - vejam só - está sendo traído pela mulher que agora julga ter uma vida secreta.
"Procura-se Susan Desesperadamente" é um filme cujo apelo (em muito sentidos) é questionável. Não convence com seu roteiro ingênuo, cheio de furos e um tanto sem graça; não corresponde na atuação das protagonistas - Arquette e Madonna são completamente insossas, a primeira caprichando nas caretas inexpressivas e a segunda emprestando sua persona de mulher rebelde apenas para ficar no 'strike a pose' -; e até o descolado figurino de Susan/Madonna pode obter reservas, uma vez que, em última análise, apenas reforça o estereótipo de liberalismo feminino na "mensagem" do filme. Diferente de outros exemplos de "sessão da tarde", o longa dirigido por Susan Seidelman não possui a ingenuidade (minimamente) agradável de "Uma Linda Mulher"; o choque delicado ao espelhar outro lado de si como "Quero Ser Grande"; a jornada sentimental e transformadora de um "Conta Comigo"; o humor pop e cartunesco de "O Máskara", ou o tom dark e comovente de "Edward Mãos de Tesoura". "Desperately Seeking Susan" tenta juntar de tudo um pouco mas não consegue formar nada além de referências simplistas, se esforçando para captar a imagem do jovem de sua época mas esquecendo de pensar numa história que provoque o espectador de qualquer tempo. Para aqueles que se deixaram seduzir pelo filme através da popstar Madonna, o melhor mesmo é passar no Youtube e assistir ao vídeo de "Into The Groove", um resume relativamente fiel (e de bem mais agradável) do longa e seus 104 minutos descartáveis, com a vantagem de acompanhar uma narrativa contagiante, de cintilantes sintetizadores no maravilhoso tema musical. "Live out your fantasy here with me/ Just let the music set you free". That's All...
Ricardo O esta preso num rotina vazia. Seja assistindo vídeos com depoimentos de mulheres revelando taras sexuais (e procurando-as depois para satisfazer seus desejos), ou discutindo com sua ex namorada (por não querer se prender numa relação mas sem conseguir se separar) o personagem parece comprimir ideais do homem moderno - individualista, niilista, devoto ao prazer e descrente do futuro - e que comparece em teses de mestrado às pencas. Num primeiro momento, a impressão é do filme tomando essa direção mais árduo, com uma mulher gritando "Não tínhamos combinado que você iria me estuprar. Me violenta!", numa abordagem a lá "Ninfomaníaca" do desejo tomado de perversão. Só que o diretor Damien Odoul parece pouco interessado em desenvolver os meandros escuros do argumento, ironizando a postura intectual nesse debate, e preferindo dar a controvérsia um revés de humor.
Para tanto convoca um ator conhecido (Mathieu Amalric) para protagonizar cenas de sexo explícito mas numa trama sem tesão, como que dizendo ao espectador mais afoito "Você quer sexo e nudez, eu lhe darei em troca de drama psicológico". Divaga em torno do erotismo fetichista com, digamos, a precisão da banalidade - "O macaco luta, a mulher se deita de costas. O homem coloca as pernas da mulher nos seus ombros e espeta a sua haste de jade em direção da xoxota (e com sorriso maldito!)" - e produz ainda momentos de visível deboche, como o xingamento à atônitos turistas passeando de barco ("Paris vos manda a merda. Reajam bando de idiotas") ou na cena do personagem título enfeitiçado (como cachorro diante do frango de padaria) por uma mulher levantando a saia, olhando pra trás e conferindo se foi 'notada' (em público).
No resumo final, contudo, essas escolhas acabam soando como mera provocação ao senso comum, sem dúvida divertidas, mas que empacam o enredo num incomodo meio termo, indeciso entre criticar (com ironia) ou desenrolar (com seriedade) a trama. Algo perceptível em recursos 'autorais', como a narrativa descontinua, ritmo lento e cenas de sexo grotesco. Mesmo que crie um retrato torto mas com inesperado humor (talvez involuntário) de um personagem fadado ao psicologismo 'de tese', o também roteirista Damien Odoul não sabe o que fazer com seu menino-homem, reduzindo seu filme numa abordagem condescendente, onde o infantil Ricardo é compreendido por (quase) todos, relevado em sua (acomodada) errância e mazela. Um pouco de rigor não faria mal ao personagem título e ao próprio Odoul, talvez o mais perdido entre todos.
Certos filmes por mais tentem esconder-se atrás de artifícios e disfarces, tão logo avança a metragem acabam desmascarando a si próprios e seu conteúdo dissimulado. Ainda mais se a tentativa de persuasão ocorrer num argumento que disfarça drama por romance, vende ficção num pseudo-documentário e, claro, capricha no teor sexual para contribuir com o 'realismo'. Pois essas e outras artimanhas são usadas (e abusadas) pelo diretor Cory Krueckeberg em "Getting Go, the Go Doc Project" (2013). O longa trás como protagonista um rapaz intitulado 'Doc', que se formou no curso de cinema e precisa de um material para completar sua graduação. Curioso pela vida noturna de Nova York mas travado de cair na esbórnia por conta própria, Doc une então o útil ao agradável: decide produzir um documentário sobre a rotina de um Go-Go Boy na qual costuma visualizar fotos pela internet e evidentemente esta atraído. "Qual é o seu propósito?", pergunta o dançarino. "Acho que estou tentando encontrar uma história através da sua", desconversa Doc.
Krueckeberg tenta contextualizar a banalidade de sua narrativa, buscando referências no papa da POP ART, Andy Warhol, e cujo trabalho definiu o 'vazio' americano. Warhol é filho direto da chamada “indústria cultural” e cujo trabalho se notabilizou através da crítica irônica à massificação, comparando celebridades a centenas de latas de sopa Campbell’ em paródia ao consumo, e também numa salutar auto-crítica da vocação voyeurística, assumindo sua superficialidade sem pudor. O artista costumava repetir como um mantra ser “profundamente superficial” quando lhe perguntavam como gostaria de ser visto: da mesma maneira como a Marilyn de seus quadros - com o mesmo rosto indiferente, retratado em inúmeras variações cromáticas de tinta acrílica.
O filme mostra quão atual ainda é a visão conceitual de Warhol. Assim como muitos da sua geração, Doc parece obcecado em se filmar 24 horas, dissecando em fotos e vídeos um auto-retrato atraente mas inventado, e cuja imagem sem sentido parece revelar algo da própria alma. Tire as latas de sopa vindas das prateleiras de supermercado e ponha no lugar corpos expostos numa Web Cam's e teremos os mesmos 'indiferentes' retratados em inúmeras variações cromáticas, agora, de pixel virtual. Mas diferente do humor perverso e auto-crítico que Warhol imprimia em seus (melhores) trabalhos, Krueckeberg se leva a sério demais tornando seu enredo num reality show encantado e nada criterioso, misturando o documentário, o drama, a ficção novelesca e a cumplicidade testemunhal para dissimular intenções francamente sexuais, numa trama de rápida afinidade e paixão prontamente correspondida. Bastam surgir as reproduções dos vídeos experimentais de Warhol, como "Kiss", "Eat" e "Sleep", com seus títulos sugestivos, para entender o verdadeiro intento no 'Blow Job' do personagem Doc.
Idealmente, "Getting Go, the Go Doc Project" trata de um sujeito que consegue sair da própria bolha (virtual), vivenciando uma experiência de contato físico e emocional verdadeiro com outra pessoa. Mudança esta que ganha uma interessante e equivalente representação visual pela luz emitida na boate onde o Go-Go trabalha, com os azuis melancólicos dando lugar a um cenário vermelho incandescente. E ainda um eficaz complemento narrativo pela (ótima) trilha sonora - entre todos os recursos, de longe, este é o que melhor contribui ao projeto -, e cujo destaque são as canções do grupo de pop-barroco The Irrepressibles, especialmente "I'll Maybe Let You". O problema contudo é o roteiro tentar abarcar temas complexos sem escopo para desenvolvê-los, recorrendo a certa afetação autoral (idealizada e sentimental) para encobrir o egocentrismo voyeur e fetichista dos personagens, numa relação que parte dum devaneio erótico, evolui na conformidade sexual, cai nas inevitáveis DR's e deriva em (muitos) clichês no estilo 'a vida imita a arte' e vice-versa.
Cory Krueckeberg fez um curioso filme que não desagrada enquanto se assiste mas passa a incomodar quando se reflete sobre seu conteúdo. Sim, Doc sabia muito bem o que queria quando questionado de seu projeto, e Go aceitou ser filmado porque queria ter sua vida (mais) exposta ou, como definiu, ter seu Andy Warhol particular. Diferente do que sugestiona o desfecho, esta não é uma história de auto-descoberta e transformação para romper com a auto-imagem, ao contrário, é um filme que espelha a paisagem interior dos personagens dentro de seus cotidianos superficiais mas não sabe (ou não tem coragem) para traduzir o que vê e prefere manter o mesmo discurso genérico e aprazível, e acomodado, pra satisfazer o público do cinema Queer e o cinéfilo em geral. Parte de um mal-estar contemporâneo para apenas se contentar agradável com sua cota de romance explícito e pornografia sentimental. Só que "Getting Go, the Go Doc Project" sai perdendo quando comparado a um longa pornô, que pode ter um enredo como mera desculpa para sua ação ou ainda nenhuma pretensão autoral, mas ao menos é bem mais honesto no que se propõe ser.
Reinier e Yosvani são conhecidos de pelada num campinho de terreno baldio. Após um socorrer o outro diante de um roubo ambos avançam no que inicialmente se torna uma amizade. Frequentam as casas um do outro, se encontram em baladas, afinam um círculo de parentesco comum, entre esposas e namoradas. Após uma noite de bebedeira, Yosvani se surpreende quando Reinier o beija antes de se despedir, e o inesperado parece despertar algo no amigo. Yosvani se confunde com Reinier acreditando que, por fazer programas com outros homens, o rapaz cederia facilmente ao seu interesse. Mas para Reinier transar por dinheiro difere do praticado para justificar afeto, ainda mais com alguém do mesmo sexo! 'Yo no soy un maricón', retruca quando Yosvani tenta agarrá-lo num banheiro. Ocorre que a essa altura instalou-se um desejo irreprimível entre esses dois rapazes, o que faz primeiramente que se entreguem a atração física e depois tentem remediar as implicações desses seus encontros, para enfim reagir de maneira diversa diante dessa situação.
Dirigido pelo cubano Antonio Hens, o filme "A Partida" (2013) guarda semelhanças em sua estrutura dramática com o longa 'O Segredo de Brokeback Mountain' (2005), onde indivíduos cultivam os ideais heterossexuais e fogem da imagem padrão gay, mas contraditoriamente são surpreendidos por um desejo comum. De fato, esse é um dos acertos do filme, com personagens sem um comportamento homo evidente e vivendo uma realidade que os identificaria como héteros, porém no meio disso surge um desvio erótico bissexual e se perde (ou ganha) referências da identidade sexual. Para personagens que não se identificam como gays, e acreditam resguardar a condição 'de homem' apenas não praticando sexo anal, como encarar essa nova e confusa situação? A princípio, da maneira mais fácil, negando e exercendo a homofobia internalizada. O contexto do futebol, portanto, não é coincidência nesse enredo. Ele reforça os mesmos ideais héteros opressivos igual a imagem dos cowboys Jack Twist & Ennis Del Mar.
Antonio Hens filtra aquela Cuba superficialmente encantada para turistas - pátria do rum, dos charutos e da salsa - dando lugar apropriadamente a um registro realista, onde o sentido de 'submundo' se tornou relativo, uma vez que toda ilha de Fidel Castro virou um 'favelão', com biscates, negociações escusas e prostituição rendendo aos moradores mais que empregos regulares. O cenário mostrado no longa é o mesmo que do escritor Pedro Juan Gutiérrez em livros como 'Trilogia Suja de Havana' & 'Animal Tropical': um lugar sensual e ensolarado, mas tão paupérrimo e socialmente degradado que a beleza, quando ela existe, está por demais escondida para ser notada em meio a miséria. A tintura descascando nas paredes, as casas apertadas, o calor intenso, a violência e o crime praticado livremente; a imagem da falência na gestão econômica e política do país não precisa de uma cenografia elaborada uma vez que o contexto social urbano é suficientemente verossímil para ambientar esse enredo.
Com o isolamento político e o embargo à marcas internacionais, o mercado negro é atualmente a opção comercial mais viável na ilha cubana. Pois outro acerto do filme é seu roteiro fazer um pertinente paralelo entre a situação econômica do regime castrista e a conduta dos protagonistas sem resvalar no maniqueísmo. Financeiramente é de pouco valia que Reinier e Yosvani se relacionem. Ambos são casados, tem filhos, e vivem de ajudar suas famílias - Yosvani mora de favor na casa do sogro, onde o ajuda vendendo mercadorias contrabandeadas, e Reinier é o próprio arrimo financeiro, se prostituindo para pagar as contas com aprovação da mulher e da sogra. Vivem portanto a beira da marginalidade e experimentam relações homossexuais consentidas, mas relevadas na condição que sejam ocasionais e não interfira no interessante dos parentes. Algo enfim coerente num sistema que 'fecha os olhos' ao que se pratica na escuridão, mas não aceita que esse comportamento se torne 'visível'.
Hens arranca atuações naturalistas do elenco, mas todas elas moduladas e expressivas em nuances. Vale destacar contudo as bravas atuações de Milton García & Reinier Díaz que se entregam em cenas de sexo cheias de energia e são filmados sujos, suados e com poros visivelmente inflamados. É revelador e bastante inesperado que o cineasta, no ato de uma transa num terraço, direcione sua câmera nas imperfeições de um dos atores sem receio de mostrar o lado pouco estético no (belo) corpo dos garotos. Se o argumento caminha para a previsível tragédia dos 'amantes gays condenados', ao menos contextualiza seu enredo e torna coerente com o cenário brutal que circunda os personagens. Além de transpirar sinceridade e acuidade nas atuações, o que o filme propõe de interessante é a visão oposta entre os protagonistas quanto ao amor e o dinheiro. E mesmo com o paralelo inicial, diferente da obra de Ang Lee, "A Partida" não é um filme sobre amor correspondido. Enquanto o oportuno Reinier é mais prático e se adapta a crueldade do meio, Yosvani paga caro ao se entregar a paixão desnorteada, no lugar errado e, talvez, para a pessoa errada. É comovente a forma como este último doa seu coração ao companheiro, e sofre desprotegido e desamparado, mas infelizmente de nada vale a beleza desse seu gesto em meio a tanta miséria (da alma) humana
É curioso como o roteiro do drama francês "Nosso Paraíso" não evolui praticamente em nada sua trama, tornando a sinopse quase um spoiler tamanha ausência de nuances, sutilezas e subtextos. Isso porque o diretor Gaël Morel esta interessado apenas em criar uma enfeitada estória de amor marginal. Enamora-se do contexto gay envolvendo prostituição e instinto assassino, mas ao invés de aprofundar as pulsações de desejo e morte prefere simplesmente contemplar as ações dos personagens, e valorizá-los como representantes de uma subversão social. É elucidativo que a maioria das vitimas do protagonista-assassino sejam homens de terno e gravata, entre 40-50 anos, como que simbolizando a burguesia.
A forma como o diretor filma os cenários, com o submundo lindamente fotografado, expõe uma visão ingênua e filtrada por excessiva elegância, numa trama que deveria desvelar não apenas a beleza dos corpos, mas a sujeira sombria da alma. Realmente impressiona um jovem autor como Gaël Morel ter uma visão tão maniqueísta, tão idealizada e tão ultrapassada do gay moderno, além de fetichizar a perversão e oferecer uma visão rasteira de psicopatia, aqui filtrada inicialmente por um insatisfação social e depois resvalada em motivações românticas, sem encarar as origens desse lado doentio. É sintomático também que toda essa narrativa esteja limitada ao presente e não revele nada sobre o passado dos personagens.
Por mais que não caia na tentação de julgar seus personagens, "Nosso Paraíso" apresenta aspectos que, para alguns, o torna moralista. Com sua abordagem enfeitada do amor marginal, e dá-lhe violinos ‘dramatizando’ a relação dos amantes, o enredo assimila de maneira superficial temas como a psicopatia, instinto assassino, sexo promíscuo e contexto gay, numa embalagem tão romanceada quanto incoerente. Ocorre que esse clichê já bem caro ao gênero não torna apenas seus personagens em estereótipos malditos, mas reforça em última análise o preconceito generalizado contra o homossexual
Bruna Surfistinha
2.9 3,0K Assista AgoraUm filme como "Bruna Surfistinha" não convida o espectador esperando dele grandes expectativas e talvez por isso, a experiência de assisti-lo resulte... boa. É bem verdade que o longa recorre a um enredo linear (e muito simplista) ao apresentar a história da jovem Raquel Pacheco, filha adotiva mas bem alimentada da classe média, aluna de escolas tradicionais da elite paulistana (São Luís e Bandeirantes), e que um dia sai de casa e decide virar garota de programa. Da adolescente tímida e deslocada à ascensão no mundo da prostituição, quando adota o nome do título e passa a publicar num blog suas aventuras com clientes, o roteiro toma atalhos para explicar os motivos que a levaram escolher essa vida. Em 'O Doce Veneno do Escorpião', livro que serviu de base para essa adaptação (muito livre, diga-se), conhecemos uma adolescente bem nascida e cleptomaníaca, que usa roupas da moda e parece tratar o sexo como rebeldia, masturbando garotos em baladas. No filme, nas poucas cenas do passado, Raquel tem dinheiro negado pelo pai, não sai à noite e, quando rouba, o roteiro a perdoa: é por questão de vingança e não compulsão! A vitimização da personagem se estende às cenas no presente. Outro exemplo: no livro, Bruna dá a entender que deixou o privê onde convivia com outras garotas de programa porque quis; no filme, ela sai martirizada, expulsa por assumir uma culpa que não teve. Essa insistência em simplificar carências e sentimentos confusos, embora legítimos, termina reforçando uma imagem de fragilidade e frivolidade que tem, ironicamente, muito de machista. Cabem ressalvas também ao dia-a-dia da profissão, mostrado aqui sem julgamentos, mas se prendendo meramente às curiosidades de sua rotina. Assistimos a tudo como tépidos voyeurs, se divertindo até, mas se incomodando por que o enredo limita-se aos lugares comuns.
Com tantas falhas estruturais no roteiro, é surpreendente que o filme não tenha virado um genuíno abacaxi. E se isso não acontece muito se deve ao diretor estreante em longas-metragens Marcus Baldini. Egresso da publicidade e do mercado de videoclipes, ele mostra segurança ao aplicar ideias e desenvolver o talento de sua equipe. A utilização da trilha sonora como elemento narrativo é um bom exemplo – canções como "Street Spirit (Fade Out)" e "Creep", do Radiohead, são citadas em cenas curtas mas pontuais. O mesmo pode ser dito no trabalho realizado como os atores. Os coadjuvantes em especial estão todos muito bem, com destaque para Drica Morais (uma atriz que dispensa referências), Fabíola Nascimento (de "Estômago") e Guta Ruiz (da série "Alice", da HBO). Nada evidencia a eficácia do cineasta porém, que a maneira como conduz a atuação de sua protagonista. Habilidoso, Baldini consegue um pequeno feito ao amenizar a afetação que costuma caracterizar as performances dramáticas da atriz Deborah Secco, correspondendo em momentos de real sinceridade. Mesmo recorrendo a algumas caras e boca, além de certa respiração arfante (bem típicas da moça), notasse uma atuação esforçada e que vai evoluindo com a personagem. Ainda assim, é fato consumado e seriados como ‘Loucos Por Ela’, exibido no mesmo período, de 2011, não deixa dúvidas: seu verdadeiro timing é mesmo para a comédia. Cercado de boas, e principalmente, más expectativas quando estreou nos cinemas, a obra se tornou rapidamente um sucesso de bilheteria, e como poderia deixar de sê-lo?. O inesperado era que mesmo sem a força para figurar entre os melhores do ano, o filme estava longe de ser a bomba que grande parte do público e mídia esperava. São os acertos da direção que compensam enfim, o roteiro e seu pudor na nudez sincera dos sentimentos.
Intocáveis
4.4 4,1K Assista AgoraLogo na primeira cena o longa "Intocáveis" apreende o que, em linhas gerais, se esperaria considerando a sinopse — um roteiro que trata seu protagonista, na dependência de sua vida presa numa cadeira de rodas, com o sentimentalismo de sua condição. Na expectativa do que se espera encontrar surpreende portanto, que no desenlace da mesma cena inicial seja o humor, e não a pieguice melodramática, a nortear essa história. A despeito da beleza instrumental este é um filme onde a melancolia do compositor Ludovico Einaudi faz menos sentido que a pulsação dançante das canções do Earth, Wind & Fire, é isso é bom.
De resumo previsível não será o roteiro e o desenvolvimento correto de cada personagem a melhor captar a atenção do espectador. Afinal, o filme não da conta do que é depender das pessoas na imobilidade de um tetraplégico que não sente nada além de cócegas nas orelhas. Antes pega um exemplo de exceção cujo protagonista é um milionário na precariedade física e emocional da vida de luxo, e cujas vicissitudes da história "baseado em fatos reais" mas parece ter a origem num conto de fadas.
Se o enredo é por demais encantado na ideia de superação, é o humor inserido em instantes inesperados e seu providencial alívio, somado a atuação de Omar Sy como um imigrante problemático, sem modos ou preparo para assumir a função de cuidador que melhor contrapõe a idealização emocional — sobretudo no caso do ator cujo trabalho oferece o pragmatismo de olhar objetivo ao drama da situação. O comum na construção de uma personagem assim seria o ator reforçar a emoção, ter seus momentos olhando o vazio e viver com os olhos marejados. Omar Sy elimina os enfeites e firulas na interpretação, se atendo a urgência da vida que não permite espaço ao sofrimento, não para negá-ló em alienação mas por entender que para sobreviver e preservar a dignidade será preciso subjugar as emoções sem piedade. Nessa visão, o conteúdo motivacional do filme ganha o necessário contraste, onde o tratamento piedoso de sensibilidade excessiva é substituído pela rudeza e que defende tratar o semelhante como um igual, principalmente quando este estiver em desvantagem.
É pela escolha do ator e seu modo de atuar, além do humor inesperado e desarmante que a idéia na essência de uma relação, de enxergar o outro sem vitimismo ou condescendência, faz com que a imagem generalizada representando um enredo de fantasia adquira real e específica personificação.
Lore
3.8 128 Assista AgoraEnquanto vemos Lore tomar banho e pentear o cabelo, uma voz conta os passos de um jogo de amarelinha que leva do céu até o inferno, sucessivamente regressando ao ponto inicial. A irmã dela, Liesel, está brincando fora de casa quando o cão da família começa a latir. Elas estão na Alemanha nazista. Lore olha pela janela, e vê que um caminhão do Exército alemão chegou. Descendo a escada, ouve a mãe, Asta, e o pai, Peter, conversando. Ele diz que eles poderão levar apenas o que couber no caminhão. Asta não parece satisfeita. A pressa e as poucas explicações revelam não se tratar de uma mera viagem, mas uma fuga. Recolhendo o essencial, descartam objetos, queimam documentos numa grande fogueira improvisada na parte externa da casa. As provas de vida são sacrificadas, assim como o cão, morto com um tiro na cabeça. Em pouco tempo, Lore, Liesel, os gêmeos Gunter e Jürgen, e o bebê Peter fogem com a mãe. Este será apenas o início do calvário desta família de alemães, ou mais precisamente dos filhos dessa nação derrotada.
A guerra acabou. Hitler se suicidou. É primavera na Alemanha das trevas. Os alemães foram finalmente vencidos. A adolescente Lore, filha de nazistas, uma princesa ariana, recebe a missão de guiar sozinha os irmãos pela floresta negra. Lore precisará crescer para sobreviver. O seu percurso pelas estradas enlameadas e pelas aldeias empobrecidas do País será uma entrada brutal na idade adulta e um adeus definitivo a uma inocência que Lore compreenderá ser irrecuperável. Num enredo em tudo simbólico, a viagem de Lore em busca de sobrevivência será também um lento ‘abrir de olhos’ à uma realidade até então alienada pelo filtro de uma educação ideológica. Cada passo deste percurso portanto confrontará a adolescente enxergar além da bolha criada pela família nazista, e daí, pela primeira vez, escolher o seu lado, tomar o seu partido.
Trabalhando sobre uma das três histórias contadas no livro ‘The Dark Room’, de Rachel Seiffert, o roterista Robin Mukherjee e a cineasta australiana Cate Shortland (aqui em seu segundo longa) criam um guião ousado e o tempo todo provocativo. Filmes sobre o holocausto são feitos geralmente pela perspectiva do vilão nazista ou da vítima judia. Em "Lore", são cinco crianças da família do vilão, mas elas são as vítimas, carregam os fatos do mundo nas costas. Ainda assim, paira a questão: a maioria do povo alemão, incluindo sua juventude, sabia o que estava acontecendo de fato, incluindo os campos de extermínio, ou eram enganados pela eficácia da propaganda nazista? Quantos se preocupavam mais com o êxito econômico do regime e ignoravam, propositalmente, a limpeza racial que acontecia paralelamente? São perguntas difíceis e que os roteiristas sabiamente não tentam responder. E é justamente a volatilidade das incertezas que produzem as faíscas de sentimentos conflitantes no espectador. Essa mistura confusa entre querer se aproximar daquelas crianças (pela empatia do sofrimento ali vívido) na mesma medida que se quer distância (pela repulsa do fanatismo ideológico e atrocidades dos pais) é o que torna o filme, enfim, uma experiência inquietante.
Cate Shortland apresenta uma painel realista da Alemanha logo após o fim da Segunda Guerra Mundial. A acuidade aos detalhes imprime um tom de observação 'à quente', como se olhássemos os acontecimentos ocorrendo no calor do momento. O constrangimento no banho coletivo entre as mulheres, o pânico gerado pela onda de estupros, o suicídio como último ato de ‘dignidade’, as formigas caminhando sob os corpos em decomposição cheios das marcas de violência, a reação de choque e negação aos crimes de guerra cometidos no holocausto, a provável discordância entre os próprios alemães com os caminhos da ditadura de Hitler (num franco clima de 'cada um por si e salve-se quem puder'), a falta de dinheiro, a fome desalentadora, a dependência de estranhos para conseguir comida e a solidariedade acompanhada de exigências. Este é um mundo apresentado em close-ups diretos e claustrofóbicos, onde a beleza das cores da natureza, captadas pela lindíssima fotografia de Adam Arkapaw, contrasta com a desolação de um cenário em ruínas e a desesperadora escuridão (da natureza) humana, capaz de atos tão abomináveis quanto animalescos.
Ambientando esta trama cheia de silêncios e sons abafados o compositor alemão Max Richter, de outros bons trabalhos como "Valsa Com Bashir" (2008) & "A Chave De Sarah" (2010), apresenta uma partitura alinhada ao conceito do longa. Seus temas - de andamentos vagarosos e baixíssimos tons - sublinham o desespero mantendo a emoção em rigorosa contenção. Em geral, são orquestrações em nada sentimentais (portanto, próximas do espírito alemão) que visam realçar sutilmente a tensão e não ressaltar o drama. Neste sentido, ‘The Dead Man’ é a faixa que melhor expressa essas idéias. ‘End Credits’, por sua feita, surge no soundtrack como espécie de baixa na guarda, depois de tanta frieza e distanciamento, oferecendo melodia com alguma emoção mais aflorada. Cabe a ‘After Gunter's Death’, contudo, melhor representar o projeto. Com estilo envolvente, sua orquestração lembra um feixe de luz a incidir sob espessa escuridão mas sem conseguir penetrá-la completamente, apenas oferecer vislumbres em meio as sombras. É uma melodia que, embora emule um lado sentimental, não mede esforços em subjugar as emoções e mantê-las rigorosamente controladas. Seu arranjo pode soar frio, severo, até mesmo calculado, mas é desta resistência em não ceder as emoções, ou manipulações banais, que trilha sonora e filme adquirem uma beleza de pungência extraordinária.
Blue Jasmine
3.7 1,7K Assista AgoraA média com que Woody Allen continua lançando filmes é algo notável. Enquanto seus contemporâneos de geração hoje mal conseguem esboçar novos projetos, o americano prossegue tão prolixo quanto nos primeiros anos de carreira. Desde a sua estreia, com o longa "O que é que Há, Gatinha?", em 1965, o cineasta mantém a marca de um filme por ano (quando não dois!). Com uma produtividade tão numerosa é inevitável, todavia, que seus projetos oscilem de nível quanto a excelência ou originalidade. Não é díficil por exemplo vê-lo repetir estruturas de filmes ou mesmo incorrendo em trabalhos decididamente equivocados.
Ainda que os defensores digam que um obra ruim de Woody Allen seja melhor que a média (produzida no cinema americano) este se tornou um argumento questionável quando o autor alcançou seu nível mais alarmante em desgaste artístico, em meados dos anos 2000. Foi uma medida providencial, portanto, o artista ter trocado o cenário da maioria dos seus filmes, a cidade de Nova York, para filmar em outras locações pela Europa. Com a mudança de ares foi possível notar uma renovação surpreendente do gênio criativo de Allen, que apartir de 2005 entrou numa de suas melhores fases, em trabalhos como "Ponto Final - Match Point" (2005), "O Sonho de Cassandra" (2007), "Vicky Cristina Barcelona" (2008) e o maravilhoso "Meia Noite em Paris" (2011). Seu mais recente trabalho, "Blue Jasmine" (2013), é dos títulos que reforçam a boa forma criativa do quase octogenário Woody Allen.
"Blue Jasmine" nos apresenta a personagem-título, que, voando na primeira classe, insiste em contar sua história para a passageira do lado, uma velhinha que parece uma conhecida mas que, na verdade, não reconhece (e nem quer reconhecer) afinidades com a chorosa protagonista. Acostumada à vida de luxo Jasmine agora se encontra na miséria desde que o marido foi preso por fraude, o que a obriga a se mudar para a Califórnia a fim de morar com a irmã, Ginger. Alternando a narrativa entre o presente, que traz a protagonista buscando se adaptar ao cotidiano de trabalhadora, e o passado, que revela as circunstâncias que a levaram até ali, "Blue Jasmine" segue uma corrente bem contemporânea do cinema, ao ambientar personagens em meio aos desvãos da (grave) crise econômica que a Europa e os EUA enfrentaram em 2008. Além do filme de Woody Allen, um certo "Lobo de Wall Street" (2013) causou furor com sua abordagem explosiva de um sujeito que se aproveitou da boa-fé de investidores para aplicar-lhes um baita golpe e que os deixou a beira da falência. Tanto o longa dirigido por Martin Scorsese, quanto "Blue Jasmine" são inspiradas em personagens verídicos que induziram o mercado financeiro - americano, em questão - a uma crise que têm sido comparada a Grande Depressão de 1929!
As questões propostas em "Blue Jasmine" o assemelha a quase um conto moral: afinal, seria Jasmine uma vítima? Ou a arquiteta de seu próprio destino? Devemos enfim nos importar com o quanto está abalada? A protagonista jura não saber das traições do marido e suas falcatruas (talvez, melhor palavra aqui seria 'negar a ver') porém, de certo modo, o espectador jamais dúvida dela. Enquanto pudesse continuar comprando roupas caras e joias, e participando de festas e viagens pelo mundo tudo estaria bem (pra que saber da verdade, não é mesmo?). Pois é nesse tipo de ingenuidade alienada que Allen enquadra a Jasmine do filme e, sinceramente, não se preocupa em oferecer-lhe a menor solidariedade. Pois esse é o primeiro acerto do roteiro. Frívola, esnobe, emocionalmente suscetível e descontrola - o diretor oferece um retrato elegante porém antipático de sua protagonista, e mantém essas características até o final, sem atenuações, ou desvios de rotas além da queda livre rumo ao fundo do poço.
O segundo e mais delicado acerto é suscitar graça no infortúnio dramático mas sem jamais confundir o enredo com uma comédia. Allen força o drama em muitas cenas e de tão exagerado o recurso se torna naturalmente divertido. As crises de pânico da personagem, sua fleuma arrogante em querer provar que continua elegante quando não passa de uma decadente, os momentos em que ela conversa sozinha evidenciando uma mulher que ultrapassou o limite da sanidade a muito tempo - as risadas provocadas por essas situações são pontuais porém o que predomina, na maior parte do longa, é um olhar de impiedosa melancolia e desconfortável humor negro.
Com uma estrutura dramatúrgica notável, Woody Allen, também autor do roteiro, consegue ainda espelhar na sua narrativa elementos da clássica peça de Tennessee Williams, "Um Bonde Chamado Desejo", onde muito da destemperança de sua Jasmine reflete da iludida e perdida personagem da peça, Blanche Dubois. Nesse sentido, a atuação da australiana Cate Blanchett, no limiar da precisão técnica e afetação teatral, é melhor contextualizada quando vista como um espécie de 'homenagem' ao estilo de interpretação (também, altamente teatral) da atriz Vivien Leight, na melhor adaptação cinematográfica da peça, dirigida pelo mestre Elia Kazan (em 1951). À favor de Blanchett, conta ainda o fato de toda transformação vívida pela sua personagem ser encarada sem maquiagem ou grandes transformações físicas (a servi-lhe de muleta): aqui, é apenas a atriz e seu rosto limpo a expor a jornada emocional de sua Jasmine.
No fim, nem o fato do diretor recorrer a um de seus cacoetes (o inevitável personagem nervoso e neurótico, como um decalque homônimo do próprio Woody Allen) se torna um defeito. Muito porque, não importa quantos ansiolíticos sua protagonista tome para se acalmar - nenhum comprimido fará desaparecer a ameaça contínua de (um novo) colapso nervoso e a sensação que sua derrocada ao fundo do poço não chegou nem na metade. Diferente do jasmim (a planta) que floresce a noite, ganhando vida depois que escurece, Jasmine (a mulher) não saberá transformar sua desgraça ou reconhecer outros tons além dos azuis melancólicos na sua condição de pobreza. Na conclusão que se chega Woody Allen acertou em cheio em não enxergar apenas drama numa estória, à rigor, impregnada de elementos da divina comédia humana, para expor sua protagonista pois, muito dos infortúnios e tragédias dela se equivalem na mesma moeda do seu revés patético. É portanto uma pobreza bem menos material e muito mais advinda do vazio da alma. É como dizem - têm pessoas que são tão pobres que possuem apenas dinheiro. No caso de Jasmine, restou apenas a miséria existencial.
Elena
4.2 1,3K Assista AgoraNuma decisão difícil, arriscada e necessária uma mulher mergulha novamente nas águas escuras da tragédia, as mesmas que sua irmã um dia se afagara, em busca de alguma limpidez, purificação e diluição de suas dores. Narrado em primeira pessoa e, portanto, suscetível as acusações de que sua representação não passa de mero exercício egocêntrico (ainda mais considerando tratar-se de um acontecimento familiar), o que impressiona no documentário 'Elena' (2013) é justamente a maneira como torna uma história intima e muito particular tão profundamente próximo do espectador, reverberando em múltiplos significados o choque da ruptura e relações interrompidas.
Na melhor das escolhas a cineasta Petra Costa não apenas reúne o mosaico de pistas dispersas deixadas pela irmã morta como cria uma interessante correlação do suicídio com o mito de Ofélia – a representação do destino trágico feminino apartir do século XIX – e, indo mais fundo, alinha diferentes gerações de mulheres dentro da própria família, desde o início tão próximas e familiares a sensação de tristeza. O que durante todo filme Petra perscruta mas acertadamente não responde é como mãe e irmã mais nova conseguiram sobreviver as próprias perplexidades emocionais e a mais velha sucumbiu ao desespero depressivo. Certamente porque quais fossem as respostas nada mudará a experiência dolorosa de acompanhar o desabrochar tão cheio de sonhos de uma menina em tenra idade e cujo ardor foi precocemente definhado, ressequido, murcho. Tão obstinada e incontornável de oferecer a alma ao julgamento do mundo insensível. Tão suscetível e insegura de transpor o medo e horror do fracasso em pleno rito adolescente, num processo que por vezes desumaniza e turva o discernimento. São esses arranjos que fazem o espectador se ver enfim, na personagem título. Em maior ou menor grau, em algum ponto da vida, somos ou já fomos todos Elena.
Particularmente o documentário oferece dois momentos marcantes envolvendo imagem e música. Num deles, Petra Costa dança no meio da rua, em meio as luzes difusas dos postes. A cena em questão ganha vida através das notas sensíveis de Vitor Araújo, jovem pianista pernambucano que empresta a sua 'Valsa Pra Lua' ao longa-metragem. O tema carrega algumas influências - as mais perceptíveis do maestro Philip Glass, em especial o score realizado no filme 'As Horas' (2002) - mas nada que tire o brilho particular desta bela melodia com quase 7 minutos de duração. Muito porque seu clima outonal, de folhas despencando de uma velha árvore, possui uma subjetividade que se adequa bem a transição de um estado de coisas - do raio de sol para um céu de chumbo, da flutuação num ponto delicado a um corte abrupto, das lembranças que confortam as emoções que sufocam. Auxiliada pelas imagens e um pequeno poema a faixa complementa com superlativa exatidão, a valsa sutilíssima de Petra Costa e os extremos de sua emoção: "As memórias vão com o tempo, se desfazem, mas algumas não encontram consolo, só algum alivio nas pequenas brechas da poesia. Você... é a minha memória inconsolável, feita de pedra e de sombra. E é dela que tudo nasce e dança".
Na cena que melhor ilustra o encontro das 'memórias inconsoláveis' (e individuais da diretora) com um oceano de outras mulheres (outras histórias, outras tragédias) e o processo final do luto, têm-se o segundo grande momento na junção entre imagem + música do filme. “Turn To Water”, cantada pela americana Maggie Clifford, possui letra inspirada num trecho de uma novela de Guimarães Rosa chamada Dão-Lalalão, publicada no livro “Corpo de Baile”. “Estou adoecida de amor. Põe a mão… em mim… viro água”, diz o texto e, também, a letra. Evocando o ar etéreo que se segue à brutalidade emocional da perda, a canção é um lullaby delicado e algo sombrio, cujos acordes (que parecem cair feito gotas, trepidando e ressoando ondas sutis num rio sereno) lembram também um prenúncio, um anúncio de transformação. Já as imagens possuem um poder imagético mais eloquente e porque não assombroso, tornando uma pequena correnteza num mar de mulheres flutuando entrelaçadas, como representando a resiliência do espírito humano diante da tragédia. “Se ela me convence que a vida não vale a pena, eu tenho que morrer com ela”, diz uma voz. E para não pôr fim à própria vida, Petra precisara enfim encenar sua própria morte, a morte dela e de Elena, formulando sentido para aquilo que não tem nenhum e renascendo de novo no líquido (uterino?) cujas águas mais parecem lágrimas.
Refém da Paixão
3.7 504"Refém da Paixão" é o tipo de filme que solicita de antemão a boa vontade para sua trama. Como a história do garoto que cuida da mãe depressiva após o fim do casamento e que numa manhã de verão são abordados dentro de um supermercado por um fugitivo da prisão, sendo forçados a levá-lo para casa, é toda filtrada pelos tons de melodrama, o espectador se torna, ele próprio, um refém obrigado a 'cooperar' com o longa. Só assim para engolir, por exemplo, um sequestro realizado com uma gentileza impensável para esse tipo de crime. E ainda a descoberta que o foragido é mais amigável que os noticiários fazem supor. Mais: que é um bom cozinheiro, um homem com forte presença (para o filho), um sedutor com poder desarmante (para a mulher). Seu roteiro defende enfim, e de maneira bem discutível, o argumento de uma mulher que se tornou prisioneira de si mesma e que precisará de um homem (um bandido!) para se libertar da solidão, mas não sem antes tornar-se Refém da Paixão! Pelo amor de Deus, né, minha gente...
A direção de Jason Reitman (dos superestimados "Juno" e "Amor sem escalas") é discreta e eficaz, a fotografia faz bom uso de cores intensas - sobretudo para suscitar o clima sufocante de calor - e as atuações são boas, do competente Josh Brolin à sempre ótima Kate Winslet, que juntos constroem uma interessante justaposição entre a rudeza masculina e a fragilidade feminina. A atriz aliás, constrói com muita sensibilidade a dimensão emocional de uma mulher amortecida pela tristeza e solidão, e que vagarosamente têm o desejo novamente despertado - pena contudo, o roteiro recorrer a lugares comuns. No mais, é um programão para românticos inveterados e que não ligam para manipulações emocionais que assaltam o bom juízo...
A Teoria de Tudo
4.1 3,4K Assista AgoraDe experimentos musicais como "The Miners Hymns" (2011), trabalhos de maior visibilidade como "Obsessão Perigosa" (2013) - último registro do falecido Cory Monteith (da série "Glee") - e "Os Suspeitos" (2013) do premiado diretor Denis Villeneuve, ou ainda ao que é seu melhor resultado até aqui no documentário "Copenhagen Dreams" (2012), uma característica marcante do compositor islandês Jóhann Jóhannsson é a sonoridade ora sombria e contida, ora melancólica e gélida de suas trilhas sonoras. Portanto, num primeiro momento, a guinada por um estilo solar e sentimental poderia ser tido como uma evolução a cinzenta rigidez musical. Poderia... caso o score de "A Teoria de Tudo" não obedecesse tão fielmente as tintas (melo)dramáticas e tom manipulativo do filme. "The Theory Of Everything" é a cinebiografia do físico e cosmólogo britânico Stephen Hawking, autor de importantes teoremas sobre a origem do universo mas que no longa é vítima duma fórmula talvez mais esmagadora que a força gravitacional dos corpos celestes - as famigeradas adaptações biográficas que disfarçam empatia motivacional quando buscam reconhecimento egocêntrico no Oscar através de uma abordagem acadêmica, quadrada, hollywoodiana.
Alinhando trilha e filme a impressão final é que Jóhannsson abriu mesmo uma concessão ao seu estilo, produzindo uma competente partitura contudo tão cheia de referência que praticamente não se percebe sua assinatura autoral. Aliás, referência é o que não falta e vai (tome nota) do romantismo de Lennie Niehaus em "As Pontes de Madison", o minimalismo de Clint Eastwood em "Menina de Ouro" (coincidência ou não, cuja protagonista também sofre uma lesão na medula e fica paralisada como Hawking), os violinos evocativos de Abel Korzeniowski de "Direito de Amar", o piano "narrativo" de Philip Glass em "As Horas", as orquestrações cheia de dubiedade de Mychael Nymann em "O Piano", a delicadeza terna de Alexandre Desplat em "Coco Antes de Chanel", a nostalgia de Ennio Morricone em "Cinema Paradiso" e por vai... A favor de Jóhann é preciso reconhecer seu talento em tornar coeso um repertório extenso (de 27 tracks!) e com numerosas influências. O problema porém é a trilha ser quase impessoal ao parecer de muitos artistas, menos do compositor islandês, o que favorecesse a idéia de concessão industrial e não evolução artística. É de conhecimento geral que ao sair de um ponto underground e alternativo e migrar para o centro do show business, como é caso de hollywood, um artista tende a diluir o que lhe é particular e uniformizar ao que é padrão. O soundtrack de "A Teoria de Tudo" sugere esse futuro "oscarizado", "seguro" e pouco criativo a Jóhann Jóhannsson. Todavia, espera-se que seus trabalhos posteriores contradiga essa impressão.
Whiplash: Em Busca da Perfeição
4.4 4,1K Assista AgoraFilmes tendo como mote a figura do discípulo e o mentor é quase um gênero cinematográfico em si. E de tão parecidos, não surpreende que o exemplo mais lembrado pra definir grande parte dessas produções consiga ser sintetizado através de um título: "Ao Mestre, Com Carinho" (1967). São poucos os longas que ousam subverter as regras do altruísmo como estopim pra superação e ir além de lugares comuns. Dos projetos recentes o mais efetivo a romper clichês foi, sem dúvida, o devastador "Cisne Negro" (2010), uma perturbadora viagem à mente de uma personagem que anseia aceitação, reconhecimento e alcançar a "perfeição". Ainda que não vá até as últimas consequências o mesmo espírito desbravador e impetuoso é também encontrado no recente "Whiplash - Em Busca da Perfeição" (2014) do estreante Damien Chazelle.
O filme conta a relação de um aluno e um professor de música, o primeiro baterista e que tenta se destacar no mar de músicos dum conservatório e o segundo buscando extrair o talento de uma big band como que canalizando água de pedra. Nesse processo brutal, se mistura ao líquido lágrimas, suor, sangue e um turbilhão que revolve o lodo da profundidade. A questão é que quando a sujeira emerge à superfície o que se vê ainda é a limpidez, como se o método violento fosse filtrado pra se alcançar uma estranha purificação.
O roteiro escrito pelo próprio Chazelle é um trunfo por não se render ao esquematismo. Sim, o aluno sofre um bocado e é agoniante vê-lo quase ser esmagado pelo veterano tutor porém, em última análise, o novato sabe que sem essa força de rolo compressor ele seria mais um entre muitos - daí se sujeitar. Quanto ao mentor choca perceber que a sua motivação beira a vilania - com direto a tapas na cara, tortura psicológica e xingamentos que vão de "viadinho" e "chupador de pau" ladeira abaixo... - mas que, nas entrelinhas, é bem mais complexa e oriunda dum amor impiedoso a arte.
Chazelle filma bem perto essa trama e, assim como Aronofsky, compõe em detalhes o oficio dos personagens. Um exemplo - ainda em paralelo - é que em "Cisne Negro" Darren revelava um pormenor importante, com as bailarinas rasgando e amaciando as sapatilhas pra lacear nos pés. Em "Whiplash" Damien desvela o acumulo de pigarros nos instrumentos de sopro, que caem encharcando o chão e descortinam uma minúcia poucas vezes revelada. Além de surpreender na condução narrativa, com o uso da edição frenética (e precisa), Chazelle extrai atuações irrepreensíveis do seu elenco. Miles Teller se torna aqui um nome a ser seguido, enquanto o experiente J.K. Simmons e que lembra o nosso Raul Cortez, tem a oportunidade da sua vida (no cinema). O destemor corajoso dos atores acaba sendo a representação mais aparente de todos envolvidos nesse belo projeto.
Muitos filmes dirão ser importantes mais ainda nessa fase do Oscar, fazendo o público crer que ser indicado (ou mesmo vencer) possui alguma correlação de qualidade. Ainda que esteja longe de qualquer favoritismo, caso o improvável aconteça e "Whiplash" venha obter nomeações não titubeie: o filme não precisa porra nenhuma de oscar pra chamar sua atenção, o que ele merece é o reconhecimento justamente ao refutar o que é defendido por esse prêmio.
Acima das Nuvens
3.6 400Se a idéia de unir Juliette Binoche, Kristen Stewart e Chloë Grace Moretz num mesmo elenco parece boa, o diretor Olivier Assayas provará com seu entediante roteiro o contrário. "Acima das Nuvens" é mais uma vez, o retrato da atriz veterana em crise com a implacável passagem do tempo. Insegurança profissional, fracassos pessoais e os bastidores da indústria cultural com sua crueldade, frivolidade e egocentrismo. O enunciado é interessante, assim como os simbolismos da trama (a passagem de nuvens por um imenso desfiladeiro e que assume a forma de uma serpente é uma poderosa imagem), contudo é fácil se distanciar da trama pela condução totalmente boring de Assayas, um diretor francamente superestimado. Kristen Stewart repete maneirismos, Cloë Moretz não tem muito o que fazer e Juliette Binoche segura sem esforço o filme nas costas. Pra quem já enfrentou papéis realmente desafiadores, Binoche é mesmo uma atriz bem "Acima das Nuvens", sobretudo em filmes com pretensão de altitude mas sem a densidade de elevação.
Eu e Você
3.5 190"Eu e Você" (2012) possui alguns achados: a caracterização verossímil do ator Jacopo Olmo Antinori com as marcas no seu rosto refutando a odiosa imagem publicitária dos produtos anti-acne e seus modelos de pele perfeita. A trilha sonora de temas inesperados, como uma versão em italiano de Space Oddity ("Ragazzo Solo, Ragazza Sola"), do Bowie e a utilização da maravilhosa "Rebellion" (Lies), do Arcade Fire. E a direção sempre envolve do cineasta Bernardo Bertolucci, extraindo do mínimo enredo uma representação cheia de simbolismos. Ainda assim, e aqui esta um ponto negativo, a recorrência de temas da sua obra (a juventude e o incesto) não rende um roteiro que explora, ao máximo, o intimismo dos personagens e seus dilemas psicológicos e existenciais. Sobre o mesmo rito de passagem forçoso, com jovens relutando abandonar a infância e invariavelmente crescer, o diretor produziu filmes mais palpitantes como "Os Sonhadores" (2003). Embora de simplicidade eficaz "Io & Te" é mesmo um complemento menor ao mais interessante "The Dreamers".
O Abutre
4.0 2,5K Assista AgoraCom adianta o título o protagonista é uma dessas aves soturnas que sobrevoa em torno de sangue e tragédias capturando a violência e vendendo seu conteúdo às redes de televisão. De tempos em tempos surgem obras com intuito de refletir sobre os caminhos do jornalismo. Foi assim em "Rede de Intrigas" (1976); "Bastidores da Notícia" (1987), "Mera Coincidência" (1997) e atualmente a série "The Newsroom" (2012– ). Em "O abutre" os limites morais e éticos da mídia são (ex)postos em ângulos extremos, resultando igualmente em extremos opostos. Se por um lado o roteiro do estreante na direção Dan Gilroy é pertinente a reflexão dos (des)caminhos do jornalista (ensandecida por um furo de reportagem que aumente a audiência ou a venda de jornais), e a sociedade de consumo (aterrorizada ao mesmo tempo que fascinada pela violência), por outro o personagem amoral vivido pelo ator Jake Gillenhaal e ótimo durante quase todo filme, cai numa caricatura desnecessária ao final arrancando-lhe a verossimilhança cruel e humana pra cair na afetação da denúncia. É evidente que o público esta interessado no tema, extremamente oportuno, envolvendo manipulação e a imoralidade em se buscar audiência, contudo ao tomar o caminho mais fácil do estereótipo sensacionalista, Dan Gilroy terminou por ceder ao discurso que buscava criticar.
Verão em L.A.
2.7 73A melhor coisa que um filme como "August, Verão em L.A." (2011) trás é a constatação que mesmo com atores lindos e viris é possível apresentar uma trama indisfarçadamente gay sem recorrer a afetação, teatralidade ou apelo trágico. Detalhes pequenos pra alguns mas significativo desses tempos de reavaliação dos estereótipos na produção temática LGBT. Se o roteiro fetichista pouco evolui o entrecho, sobre as dificuldades de um casal em manter uma relação fixa com o retorno dum amante do passado, e a trilha sonora cópia descarada e equivocadamente o trabalho do argentino Gustavo Santaolalla, dando a entender que estamos vendo um dramalhão social quando a tensão é de ordem sexual, são aspectos dramáticos à revelar outras problemáticas que o cinema queer precisa superar.
24° Dia - O Prazo Final
3.0 28Drama moralista onde um homem tenta culpar (e punir) um outro após ter sido contaminado com HIV numa transa casual. Que este seja um momento decisivo pra repassar a vida inteira, pregressa e futura, é uma sinopse que por si só daria um filme tocante todavia, ao ceder à argumentação condenatória e de vitimização hipócrita "24°Dia, O Prazo Final" reforça apenas mais um ato falho de um roteiro covarde. Além de não investigar o comportamento de risco de pessoas individualmente reprimidas e socialmente discriminadas, a gravidade do longa esta numa máxima que o protagonista enrustido não assume: qual a parcela de responsabilidade de alguém que aceita praticar sexo sem proteção? Isso filme não discute.
Homens, Mulheres & Filhos
3.6 670 Assista AgoraÉ fato: vivemos em tempos onde praticamente todos estão conectados à internet, felizes ou tristes vendendo uma imagem que represente o melhor de si mesmo. Pelo próprio exercício individual de navegação é tentador dizer que a internet reforça a solidão das pessoas, em contrapondo a sua própria finalidade de comunicação. Que a popularização dessa ferramenta suscite preocupações de como ela é utilizada - sobretudo aos pais diante dos filhos cada vez mais precoces - é uma legitimidade compreensível e que deve ser constantemente pautada em reflexão, ainda mais pela velocidade com as mudanças das relações interpessoais estão acontecendo. Todavia demonizar a internet como o grande problema da sociedade moderna é uma abreviação rasteira na qual o novo filme do diretor Jason Reitman se presta.
"Homens, Mulheres e Filhos" é uma pretensiosa adaptação do livro homônimo escrito pelo americano Chad Kultgen, onde uma dezena de personagens têm seus conflitos esboçados mas cujo roteiro não aprofunda nada, apenas recorre a clichês do gênero "sonho americano" destroçado pra botar a culpa de tudo na internet. O que não falta ao roteiro é exemplo triste: jovens depressivos, suicidas, anoréxicos, viciados em pornografia, além de casais adúlteros que - surpresa - utilizam sites para encontrar eventuais parceiros. Dois exemplos chama atenção pela moralização extrema: mães, uma ultraprotetora e que rastreia tudo o que a filha navega pelo computador e celular, e outra que prática uma espécie de pedofilia consentida, postando fotos nuas da filha pra usuários "que paguem bem". A questão não é se essas possibilidades podem ou não acontecer - há um 50% pra tudo nesse vida - mas na concentração de exemplos ruins e praticamente nenhum que mostre o quanto a internet pode, sim, ser benéfica.
Nesse sentido é coincidência que todos os personagens não passem de burgueses cuja acesso as informações é tratado como um grande problema (melo)dramático? A narrativa pretensiosa filosofando sobre espaço, planetas e universo apenas reafirma o mimimi moralista conectado unicamente a pseudo-profundidade do roteiro. Ao contrário do que promete o filme não trás uma abordagem original sobre a insatisfação na era tecnologica que vivemos, resultando um tanto cotidiano aos dilemas juvenis ou de maturidade. Que o ser humano busque na virtualidade compensar frustrações é uma verdade a ser defendida, mas daí julgar a internet como um local de "dor e tristezas" absolutas é um tanto reducionista. A quantidade de vezes que alguém se conecta nas redes sociais, ou mesmo permanecem 24horas logado, é preocupante mas vale portanto penalizar a web pelo malefício? Parafraseando o título do sucesso protagonizado pelo ator Ansel Elgort, e que esta no elenco de "Homens, Mulheres e Filhos", pra Jason Reitman a culpa não é das estrelas, mas apenas da bendita internet!
Truth
2.5 17Interessante exercício de suspense psicológico, onde as reminiscências conflituosas da infância moldam personagens cujos problemas beiram a psicopatia. Em certo sentido, o longa é um retrocesso na reavaliação da identidade gay feito pelos LGBT's nos últimos tempos, resvalando para uma série de lugares comuns do imaginário homofóbico, mas pode ser visto também como espécie de resposta da geração atual à gerações passadas, reprimida pela intolerância sexual do passado e que mesmo diante dos novos tempos de liberalidade insiste permanecer enrustida. Ao reagir de maneira extrema o protagonista vivido por Sean Paul Lockhart quer se vingar do amante arrancando-o à força do armário e, pasmem, para o seu próprio bem. Que haja morte nesse processo é mais um clichê pra soma e, verdade seja dita, não é fácil superar traumas emocionais inclusive a homofobia internalizada pois os tempos eram outros. Porém por mais estranho que pareça a tortura psicológica trás um curioso sentido de recomeço na vida da vítima.
Garota Exemplar
4.2 5,0K Assista AgoraAinda que seja um dos melhores diretores contemporâneos os filmes do americano David Fincher são inconstantes. Não pela banalização dos enredos - já que o conteúdo dos seus longas trazem sempre uma abordagem intrigante e profunda sobre um tema - mas por nem sempre emaranhar o espectador nas tramas e inquietações dos seus projetos. No intervalo de longas surpreendentes como o eletrizante "Seven", o pancadão "Clube da Luta", o tocante "O Curioso Caso de Benjamin Button" e o hiper prolixo "A Rede Social", obras menos sedutoras costumam marcar ponto. Caso de "O Quarto do Pânico", "Zodíaco" e agora o recente "Garota Exemplar". Digam o que quiserem sobre a estrutura do roteiro - uma interessante desconstrução de personagens e espécie de representação extrema de relacionamentos onde o jogo de aparências não passa de um grande teatro, público e privado - o fato, é que mesmo com a direção impecável, a fotografia e edição precisa, além da trilha sonora ideal, "Garota Exemplar" demora engatar, seduz aqui e acolá mas não trás o espectador pra dentro do enredo com a mesma voracidade desafiadora e ousada de suas obras mais audaciosas. Duas horas e meia depois a conclusão é que se pode viver muito bem sem (re)assistir ao longa.
Palo Alto
3.2 429O mérito obtido pela estreante diretora Gia Coppola em "Palo Alto", (2014), é compor um retrato da juventude sem cair no recorrente niilismo ou tragédia de 9 entre 10 obras com essa temática. Por melhores que sejam alguns longas como "Paranoid Park" (2007) e "As Virgens Suicidas" (1999) esse viés digamos catártico acaba reforçando aspectos de uma fase onde tudo parece extremo, mas cujas reais transformações - ou mesmo violência - ocorrem de maneira mais implícita. Em contrapartida, o que sobra a autores como Gus Van Saint e Sofia Coppola, na evocação interior e climática dum estado de espírito tão difícil em capturar como do jovem, falta ainda a imagética da iniciante Gia. Adaptado do romance homônimo do ator James Franco, o longa traça um perfil da apatia juvenil com personagens tão ansiosos para viver mas sem encontrar um sentido de conexão com seus pares e consigo mesmo. Seja em festas regadas a álcool e sexo casual, seja cometendo delitos mais graves (ao provocar um acidente de carro por embriaguez), seja sofrendo a investida de adultos ora dissimulados ora negligentes, as primeiras experiências da idade aqui parece apenas causar desorientação e muita aflição. Encenando situações que poderiam resvalar facilmente ao trágico a escolha por um registro moderado mais verossímil e que não excede em resoluções forçadas é certamente o grande acerto da cineasta como realizadora. Contudo, é preciso reconhecer que esta narrativa carece de pungência e uma deliberação para mergulhar o espectador não na rotina apática mas nos conflitos interiores dos jovens. Afora que no saldo final o filme não trás nada de novo a temática, acumulando boas escolhas ao delinear uma paisagem à distância mas não evoluindo para especificar as figuras que compõem essa imagem.
Mais que a referência ao avô Francis Ford, é nítida a influência da tia Sofia nesse debut, mesmo porque Gia Coppola esteve nos sets de alguns trabalhos dela, ao que parece, estabelecendo uma conexão de parentesco e estilo familiar. Há muito da linguagem narrativa e visual dos filmes de Sofia em "Palo Alto", seja na narração contemplativa simulando a passagem entediada do tempo (por vezes, também testando a paciência do espectador), ou na subjetividade do olhar e ausência de diálogos, ou ainda no uso sensível da fotografia associada a trilha sonora sempre impecável. "Palo Alto" mostra que Gia entendeu esses códigos dramáticos precisando agora do trabalhoso esforço artístico para encontrar uma maneira (a sua) de produzir obras onde forma e conteúdo tenham maior coesão e força narrativa. Para tanto terá de superar o excesso de expectativa, a própria inexperiência e a emulação de estilos "alheios" caso queira mais que filmes de embalagem impecável mas cujo conteúdo carece de substância e algum frescor. Entre todos os elementos do filme, gostaria de destacar a trilha sonora assinada pelo compositor Devonte Hynes, que atende também pelo nome Blood Orange, e cujos temas foram subaproveitados no longa, mas após ouvir o score confesso ter ficado na dúvida se era o caso de lamentar ou mesmo render alguma menção. Além de serem curtos demais, os temas são repartidos em dezenove faixas muito semelhantes entre si, criando um repertório - vejam que coincidência - pouco coeso (pela repetição) e sem inspiração melódica. Sem querer ser chato mas já sendo, bateu um saudade danada do Air...
In Bloom
3.6 39O trailer de "In Bloom" entrega um enredo que, realmente, não promete nada além dos lugares comuns da temática GLS, mas bastam alguns minutos na exibição do longa para perceber que a expectativa (ruim) pode surpreender ainda mais... negativamente. Kurt e Paul forma um casal de namorados que mesmo apaixonados caem na rotina de discutir relação. O que antes era caloroso como o verão, período em que a história inicia, logo ganha tons de melancolia (outonal) e um cinzento prenúncio de separação. Kurt, que é um traficante de drogas, não resiste a atração sexual por um cliente e passa questionar seus sentimentos pelo namorado, sob a ótica do próprio egoísmo e a confusão que as drogas lhe causam. Rompido a relação, contudo, toda experiência vivida pelos personagens em separado servirá apenas para apimentar os conflitos amorosos, fazendo-os retornar inevitavelmente um ao outro. Nesse percurso, é claro que o roteiro amigo dará um força aos apaixonados, inserindo em cena um serial killer que toca o terror nos figurantes, mas preserva o casal protagonista da tragédia, dando até - vejam que maravilha - uma ajudinha na reconciliação!
Chris Michael Birkmeier, também autor do roteiro, cria um filme muito irregular. Mesmo não anunciando algo tão diferente no argumento romântico era de esperar uma tentativa sua em desvencilhar toda trama de clichês do gênero temático, porém a medida que avança a história seu longa consegue apenas se entregar aos... clichês. Vejamos: o contexto do gay com as drogas não cai na marginalidade evidente, porém substitui o inferninho underground pelas festas nos apartamentos da juventude classe média. Ou seja, troca o seis pelo meia dúzia. Toda relação do casal segue o passo a passo comum de longas consagrados como "Namorados Pra Sempre" (2010), uma inspiração confessa de Birkmeier, mas se perde nas referências genéricas e soluções rasteiras. Nesse sentido, o contexto com usuários de droga é desnecessário afinal, o amor é algo potente, devastador e que detona conflitos sem precisar de auxilio. Uma ideia bem defendida na obra de Derek Cianfrance e esquecida por Chris Michael. E como não poderia deixar de ser, a dupla principal de atores é jovem, bonita e super descolada... na aparência. Pois esses personagens não passam de egocêntricos, onde todos os demais em volta precisam estar sempre aposto para socorrer o casal. A tão elogiada fotografia, cheio de filtros a lá instagram, apenas reforça o individualismo (e vaidade) dos personagens, quando não da própria geração que retrata - tão ansiosa em viver emoções reais mas presa num mundo de faz-de-conta, idealizando desfechos românticos por não tolerar finais tristes.
Nada exemplifica a reduzida visão artística de Chris Michael Birkmeier que a criação de uma subtrama envolvendo um nerd (Eddie), tímido mas simpático, e que começa a cercar o agora solteiro Paul. Que este último dê um chega pra lá no esquisitão é um direito que lhe cabe, mas daí o roteiro tornar Eddie uma vitima do tal serial killer apenas para lembrar ao antigo namorado que Paul ainda o ama (sim, é Kurt quem socorre o sujeito) é um completo absurdo. "In Bloom" é um filme que exige do espectador a identificação com seus personagens apaixonados, mas apela pra um MiMiMi tão romanceado e vaidoso que o resultado é o extremo insuportável. Confesso que os 87 minutos do filme demoraram pelo menos o dobro disso pra acabar...
Chef
3.7 784 Assista Agora"Chef" não trás mudanças significativas no menu dos filmes culinários, com os dilemas pessoais pesando na balança e interpondo no lado profissional do protagonista, para transformar sua rotina auto-centrada e retomar as conexões familiares. Para compensar, o diretor Jon Favreau aplica a narrativa àquela divertida camaradagem masculina dos tempos de "Swings" (996), contrabalançando num tempero agridoce a dose de sentimentalismo que excede no roteiro. Salpica ainda porções generosas de saborosa salsa na trilha sonora, estimulando o bom gosto e o paladar do público. E por fim, apresenta as tonalidades certas no acabamento ao dispor na mesma bandeja o personagem Carl e seu interprete Favreau, este último vindo de uma verdadeira hell's kitchen aprisionado a receita do blockbuster "Homem de Aço", sem poder ousar para não desagradar, mas encontrando em pequenos projetos como este o prazer gastronômico que um bom cozinheiro pode ofertar mesmo com ingredientes dignos de um junk food. E como "Chef" oferece não apenas uma degustação afetuosa como boa companhia, é quase falta de educação reclamar de eventuais falhas no cardápio.
Procura-se Susan Desesperadamente
3.2 172 Assista AgoraMisto de comédia e romance pueril, "Procura-se Susan Desesperadamente" (1985) ganhou certa aura cult propagada nas sessões da tarde promovidas pela Rede Globo e que induz gerações a concordar com esse rótulo. Pois ouso discordar. No longa, Rosanna Arquette é Roberta, uma dona de casa entediada e sem emoção no casamento. No afã de romance ela acompanha feito espectadora uma historinha romântica desenrolada nos classificados de um jornal (!), onde um casal publica mensagens para se localizar quando viaja pelo país. É claro que não demorará para carente Roberta tentar acompanhar essa relação mais de perto, fascinada principalmente pelo jeito liberal e espontâneo da Susan do título. Num desses arranjos "cinematográficos", mas que lembra um enredo de novela das sete, Roberta troca de identidade com Susan e experimenta o que seria a sua vida, com o agravante de ser agora perseguida por um assassino no encalço dum valioso par de brincos, mas não deixando (convenientemente) de se apaixonar no meio da bagunça. Nesse imbróglio, é coincidência pouca Susan e o marido de Roberta se conhecerem e tentarem desvendar o que está acontecendo, embora no fundo o maridinho adúltero esteja mais preocupado se - vejam só - está sendo traído pela mulher que agora julga ter uma vida secreta.
"Procura-se Susan Desesperadamente" é um filme cujo apelo (em muito sentidos) é questionável. Não convence com seu roteiro ingênuo, cheio de furos e um tanto sem graça; não corresponde na atuação das protagonistas - Arquette e Madonna são completamente insossas, a primeira caprichando nas caretas inexpressivas e a segunda emprestando sua persona de mulher rebelde apenas para ficar no 'strike a pose' -; e até o descolado figurino de Susan/Madonna pode obter reservas, uma vez que, em última análise, apenas reforça o estereótipo de liberalismo feminino na "mensagem" do filme. Diferente de outros exemplos de "sessão da tarde", o longa dirigido por Susan Seidelman não possui a ingenuidade (minimamente) agradável de "Uma Linda Mulher"; o choque delicado ao espelhar outro lado de si como "Quero Ser Grande"; a jornada sentimental e transformadora de um "Conta Comigo"; o humor pop e cartunesco de "O Máskara", ou o tom dark e comovente de "Edward Mãos de Tesoura". "Desperately Seeking Susan" tenta juntar de tudo um pouco mas não consegue formar nada além de referências simplistas, se esforçando para captar a imagem do jovem de sua época mas esquecendo de pensar numa história que provoque o espectador de qualquer tempo. Para aqueles que se deixaram seduzir pelo filme através da popstar Madonna, o melhor mesmo é passar no Youtube e assistir ao vídeo de "Into The Groove", um resume relativamente fiel (e de bem mais agradável) do longa e seus 104 minutos descartáveis, com a vantagem de acompanhar uma narrativa contagiante, de cintilantes sintetizadores no maravilhoso tema musical. "Live out your fantasy here with me/ Just let the music set you free". That's All...
L'histoire de Richard O.
2.8 9Ricardo O esta preso num rotina vazia. Seja assistindo vídeos com depoimentos de mulheres revelando taras sexuais (e procurando-as depois para satisfazer seus desejos), ou discutindo com sua ex namorada (por não querer se prender numa relação mas sem conseguir se separar) o personagem parece comprimir ideais do homem moderno - individualista, niilista, devoto ao prazer e descrente do futuro - e que comparece em teses de mestrado às pencas. Num primeiro momento, a impressão é do filme tomando essa direção mais árduo, com uma mulher gritando "Não tínhamos combinado que você iria me estuprar. Me violenta!", numa abordagem a lá "Ninfomaníaca" do desejo tomado de perversão. Só que o diretor Damien Odoul parece pouco interessado em desenvolver os meandros escuros do argumento, ironizando a postura intectual nesse debate, e preferindo dar a controvérsia um revés de humor.
Para tanto convoca um ator conhecido (Mathieu Amalric) para protagonizar cenas de sexo explícito mas numa trama sem tesão, como que dizendo ao espectador mais afoito "Você quer sexo e nudez, eu lhe darei em troca de drama psicológico". Divaga em torno do erotismo fetichista com, digamos, a precisão da banalidade - "O macaco luta, a mulher se deita de costas. O homem coloca as pernas da mulher nos seus ombros e espeta a sua haste de jade em direção da xoxota (e com sorriso maldito!)" - e produz ainda momentos de visível deboche, como o xingamento à atônitos turistas passeando de barco ("Paris vos manda a merda. Reajam bando de idiotas") ou na cena do personagem título enfeitiçado (como cachorro diante do frango de padaria) por uma mulher levantando a saia, olhando pra trás e conferindo se foi 'notada' (em público).
No resumo final, contudo, essas escolhas acabam soando como mera provocação ao senso comum, sem dúvida divertidas, mas que empacam o enredo num incomodo meio termo, indeciso entre criticar (com ironia) ou desenrolar (com seriedade) a trama. Algo perceptível em recursos 'autorais', como a narrativa descontinua, ritmo lento e cenas de sexo grotesco. Mesmo que crie um retrato torto mas com inesperado humor (talvez involuntário) de um personagem fadado ao psicologismo 'de tese', o também roteirista Damien Odoul não sabe o que fazer com seu menino-homem, reduzindo seu filme numa abordagem condescendente, onde o infantil Ricardo é compreendido por (quase) todos, relevado em sua (acomodada) errância e mazela. Um pouco de rigor não faria mal ao personagem título e ao próprio Odoul, talvez o mais perdido entre todos.
Getting Go, the Go Doc Project
3.4 25Certos filmes por mais tentem esconder-se atrás de artifícios e disfarces, tão logo avança a metragem acabam desmascarando a si próprios e seu conteúdo dissimulado. Ainda mais se a tentativa de persuasão ocorrer num argumento que disfarça drama por romance, vende ficção num pseudo-documentário e, claro, capricha no teor sexual para contribuir com o 'realismo'. Pois essas e outras artimanhas são usadas (e abusadas) pelo diretor Cory Krueckeberg em "Getting Go, the Go Doc Project" (2013). O longa trás como protagonista um rapaz intitulado 'Doc', que se formou no curso de cinema e precisa de um material para completar sua graduação. Curioso pela vida noturna de Nova York mas travado de cair na esbórnia por conta própria, Doc une então o útil ao agradável: decide produzir um documentário sobre a rotina de um Go-Go Boy na qual costuma visualizar fotos pela internet e evidentemente esta atraído. "Qual é o seu propósito?", pergunta o dançarino. "Acho que estou tentando encontrar uma história através da sua", desconversa Doc.
Krueckeberg tenta contextualizar a banalidade de sua narrativa, buscando referências no papa da POP ART, Andy Warhol, e cujo trabalho definiu o 'vazio' americano. Warhol é filho direto da chamada “indústria cultural” e cujo trabalho se notabilizou através da crítica irônica à massificação, comparando celebridades a centenas de latas de sopa Campbell’ em paródia ao consumo, e também numa salutar auto-crítica da vocação voyeurística, assumindo sua superficialidade sem pudor. O artista costumava repetir como um mantra ser “profundamente superficial” quando lhe perguntavam como gostaria de ser visto: da mesma maneira como a Marilyn de seus quadros - com o mesmo rosto indiferente, retratado em inúmeras variações cromáticas de tinta acrílica.
O filme mostra quão atual ainda é a visão conceitual de Warhol. Assim como muitos da sua geração, Doc parece obcecado em se filmar 24 horas, dissecando em fotos e vídeos um auto-retrato atraente mas inventado, e cuja imagem sem sentido parece revelar algo da própria alma. Tire as latas de sopa vindas das prateleiras de supermercado e ponha no lugar corpos expostos numa Web Cam's e teremos os mesmos 'indiferentes' retratados em inúmeras variações cromáticas, agora, de pixel virtual. Mas diferente do humor perverso e auto-crítico que Warhol imprimia em seus (melhores) trabalhos, Krueckeberg se leva a sério demais tornando seu enredo num reality show encantado e nada criterioso, misturando o documentário, o drama, a ficção novelesca e a cumplicidade testemunhal para dissimular intenções francamente sexuais, numa trama de rápida afinidade e paixão prontamente correspondida. Bastam surgir as reproduções dos vídeos experimentais de Warhol, como "Kiss", "Eat" e "Sleep", com seus títulos sugestivos, para entender o verdadeiro intento no 'Blow Job' do personagem Doc.
Idealmente, "Getting Go, the Go Doc Project" trata de um sujeito que consegue sair da própria bolha (virtual), vivenciando uma experiência de contato físico e emocional verdadeiro com outra pessoa. Mudança esta que ganha uma interessante e equivalente representação visual pela luz emitida na boate onde o Go-Go trabalha, com os azuis melancólicos dando lugar a um cenário vermelho incandescente. E ainda um eficaz complemento narrativo pela (ótima) trilha sonora - entre todos os recursos, de longe, este é o que melhor contribui ao projeto -, e cujo destaque são as canções do grupo de pop-barroco The Irrepressibles, especialmente "I'll Maybe Let You". O problema contudo é o roteiro tentar abarcar temas complexos sem escopo para desenvolvê-los, recorrendo a certa afetação autoral (idealizada e sentimental) para encobrir o egocentrismo voyeur e fetichista dos personagens, numa relação que parte dum devaneio erótico, evolui na conformidade sexual, cai nas inevitáveis DR's e deriva em (muitos) clichês no estilo 'a vida imita a arte' e vice-versa.
Cory Krueckeberg fez um curioso filme que não desagrada enquanto se assiste mas passa a incomodar quando se reflete sobre seu conteúdo. Sim, Doc sabia muito bem o que queria quando questionado de seu projeto, e Go aceitou ser filmado porque queria ter sua vida (mais) exposta ou, como definiu, ter seu Andy Warhol particular. Diferente do que sugestiona o desfecho, esta não é uma história de auto-descoberta e transformação para romper com a auto-imagem, ao contrário, é um filme que espelha a paisagem interior dos personagens dentro de seus cotidianos superficiais mas não sabe (ou não tem coragem) para traduzir o que vê e prefere manter o mesmo discurso genérico e aprazível, e acomodado, pra satisfazer o público do cinema Queer e o cinéfilo em geral. Parte de um mal-estar contemporâneo para apenas se contentar agradável com sua cota de romance explícito e pornografia sentimental. Só que "Getting Go, the Go Doc Project" sai perdendo quando comparado a um longa pornô, que pode ter um enredo como mera desculpa para sua ação ou ainda nenhuma pretensão autoral, mas ao menos é bem mais honesto no que se propõe ser.
A Partida
3.4 70Reinier e Yosvani são conhecidos de pelada num campinho de terreno baldio. Após um socorrer o outro diante de um roubo ambos avançam no que inicialmente se torna uma amizade. Frequentam as casas um do outro, se encontram em baladas, afinam um círculo de parentesco comum, entre esposas e namoradas. Após uma noite de bebedeira, Yosvani se surpreende quando Reinier o beija antes de se despedir, e o inesperado parece despertar algo no amigo. Yosvani se confunde com Reinier acreditando que, por fazer programas com outros homens, o rapaz cederia facilmente ao seu interesse. Mas para Reinier transar por dinheiro difere do praticado para justificar afeto, ainda mais com alguém do mesmo sexo! 'Yo no soy un maricón', retruca quando Yosvani tenta agarrá-lo num banheiro. Ocorre que a essa altura instalou-se um desejo irreprimível entre esses dois rapazes, o que faz primeiramente que se entreguem a atração física e depois tentem remediar as implicações desses seus encontros, para enfim reagir de maneira diversa diante dessa situação.
Dirigido pelo cubano Antonio Hens, o filme "A Partida" (2013) guarda semelhanças em sua estrutura dramática com o longa 'O Segredo de Brokeback Mountain' (2005), onde indivíduos cultivam os ideais heterossexuais e fogem da imagem padrão gay, mas contraditoriamente são surpreendidos por um desejo comum. De fato, esse é um dos acertos do filme, com personagens sem um comportamento homo evidente e vivendo uma realidade que os identificaria como héteros, porém no meio disso surge um desvio erótico bissexual e se perde (ou ganha) referências da identidade sexual. Para personagens que não se identificam como gays, e acreditam resguardar a condição 'de homem' apenas não praticando sexo anal, como encarar essa nova e confusa situação? A princípio, da maneira mais fácil, negando e exercendo a homofobia internalizada. O contexto do futebol, portanto, não é coincidência nesse enredo. Ele reforça os mesmos ideais héteros opressivos igual a imagem dos cowboys Jack Twist & Ennis Del Mar.
Antonio Hens filtra aquela Cuba superficialmente encantada para turistas - pátria do rum, dos charutos e da salsa - dando lugar apropriadamente a um registro realista, onde o sentido de 'submundo' se tornou relativo, uma vez que toda ilha de Fidel Castro virou um 'favelão', com biscates, negociações escusas e prostituição rendendo aos moradores mais que empregos regulares. O cenário mostrado no longa é o mesmo que do escritor Pedro Juan Gutiérrez em livros como 'Trilogia Suja de Havana' & 'Animal Tropical': um lugar sensual e ensolarado, mas tão paupérrimo e socialmente degradado que a beleza, quando ela existe, está por demais escondida para ser notada em meio a miséria. A tintura descascando nas paredes, as casas apertadas, o calor intenso, a violência e o crime praticado livremente; a imagem da falência na gestão econômica e política do país não precisa de uma cenografia elaborada uma vez que o contexto social urbano é suficientemente verossímil para ambientar esse enredo.
Com o isolamento político e o embargo à marcas internacionais, o mercado negro é atualmente a opção comercial mais viável na ilha cubana. Pois outro acerto do filme é seu roteiro fazer um pertinente paralelo entre a situação econômica do regime castrista e a conduta dos protagonistas sem resvalar no maniqueísmo. Financeiramente é de pouco valia que Reinier e Yosvani se relacionem. Ambos são casados, tem filhos, e vivem de ajudar suas famílias - Yosvani mora de favor na casa do sogro, onde o ajuda vendendo mercadorias contrabandeadas, e Reinier é o próprio arrimo financeiro, se prostituindo para pagar as contas com aprovação da mulher e da sogra. Vivem portanto a beira da marginalidade e experimentam relações homossexuais consentidas, mas relevadas na condição que sejam ocasionais e não interfira no interessante dos parentes. Algo enfim coerente num sistema que 'fecha os olhos' ao que se pratica na escuridão, mas não aceita que esse comportamento se torne 'visível'.
Hens arranca atuações naturalistas do elenco, mas todas elas moduladas e expressivas em nuances. Vale destacar contudo as bravas atuações de Milton García & Reinier Díaz que se entregam em cenas de sexo cheias de energia e são filmados sujos, suados e com poros visivelmente inflamados. É revelador e bastante inesperado que o cineasta, no ato de uma transa num terraço, direcione sua câmera nas imperfeições de um dos atores sem receio de mostrar o lado pouco estético no (belo) corpo dos garotos. Se o argumento caminha para a previsível tragédia dos 'amantes gays condenados', ao menos contextualiza seu enredo e torna coerente com o cenário brutal que circunda os personagens. Além de transpirar sinceridade e acuidade nas atuações, o que o filme propõe de interessante é a visão oposta entre os protagonistas quanto ao amor e o dinheiro. E mesmo com o paralelo inicial, diferente da obra de Ang Lee, "A Partida" não é um filme sobre amor correspondido. Enquanto o oportuno Reinier é mais prático e se adapta a crueldade do meio, Yosvani paga caro ao se entregar a paixão desnorteada, no lugar errado e, talvez, para a pessoa errada. É comovente a forma como este último doa seu coração ao companheiro, e sofre desprotegido e desamparado, mas infelizmente de nada vale a beleza desse seu gesto em meio a tanta miséria (da alma) humana
Nosso Paraiso
2.6 20É curioso como o roteiro do drama francês "Nosso Paraíso" não evolui praticamente em nada sua trama, tornando a sinopse quase um spoiler tamanha ausência de nuances, sutilezas e subtextos. Isso porque o diretor Gaël Morel esta interessado apenas em criar uma enfeitada estória de amor marginal. Enamora-se do contexto gay envolvendo prostituição e instinto assassino, mas ao invés de aprofundar as pulsações de desejo e morte prefere simplesmente contemplar as ações dos personagens, e valorizá-los como representantes de uma subversão social. É elucidativo que a maioria das vitimas do protagonista-assassino sejam homens de terno e gravata, entre 40-50 anos, como que simbolizando a burguesia.
A forma como o diretor filma os cenários, com o submundo lindamente fotografado, expõe uma visão ingênua e filtrada por excessiva elegância, numa trama que deveria desvelar não apenas a beleza dos corpos, mas a sujeira sombria da alma. Realmente impressiona um jovem autor como Gaël Morel ter uma visão tão maniqueísta, tão idealizada e tão ultrapassada do gay moderno, além de fetichizar a perversão e oferecer uma visão rasteira de psicopatia, aqui filtrada inicialmente por um insatisfação social e depois resvalada em motivações românticas, sem encarar as origens desse lado doentio. É sintomático também que toda essa narrativa esteja limitada ao presente e não revele nada sobre o passado dos personagens.
Por mais que não caia na tentação de julgar seus personagens, "Nosso Paraíso" apresenta aspectos que, para alguns, o torna moralista. Com sua abordagem enfeitada do amor marginal, e dá-lhe violinos ‘dramatizando’ a relação dos amantes, o enredo assimila de maneira superficial temas como a psicopatia, instinto assassino, sexo promíscuo e contexto gay, numa embalagem tão romanceada quanto incoerente. Ocorre que esse clichê já bem caro ao gênero não torna apenas seus personagens em estereótipos malditos, mas reforça em última análise o preconceito generalizado contra o homossexual