Assista sem compromisso. A série é ótima, mas não dialoga com todos os públicos. Apesar de ser um comentário óbvio, por toda série ter seu público-alvo, isso é de vital importância para quem se interessou pela temática – não é uma série que visa o relacionamento da figura de "Deus" com o homem, e sim com as múltiplas definições e culturas dessa palavra, bem como o livro deseja. Recheado de metáforas, American Gods demora a se desenvolver, e nós demoramos a identificar os personagens – demorei um certo tempo pra deixar minha ficha cair quanto alguns deles, mesmo lendo o livro ao mesmo tempo (na verdade, essa demora na identificação demora até mesmo no livro, já que eles não vem com o nome dos deuses nos capítulos e é deixado a livre interpretação até certa parte da narrativa, onde tudo começa a se amarrar). A fotografia é bela, apesar de carregar um ar metade sinistro e metade futurista à lá luzes de neon em todo lugar. Mas entre as categorias técnicas é a trilha sonora que ganha destaque, apesar de, nas edições, ficar bem suave em muitos momentos – ainda sim, consegue roubar a cena durante as metáforas ou explicações, dando um tom macabro e sobrenatural, ao mesmo tempo em que traz a tona o sentimento de uma situação blasé, comum e vulgar.
Não que Neil Gaiman seja marcado por uma escrita ou história misógina, mas a série cumpre seu papel como projeto de uma emissora e carrega seu tom, mostra bem a realidade, por exemplo, de mulheres e negros, ao longo da história – representando-os com todo seu peso e terror nas histórias de vida. Desde rainhas sendo sobrepujadas até o início da compreensão de escravidão, a metáfora do narrador segue seu curso: "E não há fim para a crueldade de um homem ameaçado pela força de uma mulher. Então o que uma Rainha faz, quando isso acontece? Ela se ajoelha. Ela toma e faz o que não quer. E nós assistimos e julgamos facilmente, e fingimos que faríamos tudo diferente no lugar dela". Algo interessante a se notar é que os trejeitos de alguns dos personagens batem quase que perfeitamente como imaginado nos livros, como o caso do Leprechaun – que, diga-se de passagem, roubou a cena inúmeras vezes ao longo dos episódios. A cena de revelação do personagem Mr. Wednesday é algo muito mais forte e profundo que nos livros, por exemplo.
O que me deixou em choque, durante a exibição dos episódios, é justamente essa facilidade que o canal teve em unir o sobrenatural sem freios de censura, dando um tom único – se fosse de outra forma, seria completamente inaceitável e errado. Pode-se dizer, então, que a série acerta nisso: intensificar certas cenas, dando peso e poder – ou delicadeza – a personagens que antes pareciam tão simples – ouso dizer que, no começo dos livros, cheguei a comparar Wednesday com o personagem de O Velho e o Mar (de Hemingway). Ouso dizer ainda que, por mais que não seja a intenção, o ritmo da série é lento no começo, mas tende (também) a se intensificar com ferocidade, pendendo para o caos justo no clímax da temporada – daí o toque bárbaro e, ao mesmo tempo, moderno.
Deuses Americanos (1ª Temporada)
4.1 515 Assista AgoraAssista sem compromisso. A série é ótima, mas não dialoga com todos os públicos. Apesar de ser um comentário óbvio, por toda série ter seu público-alvo, isso é de vital importância para quem se interessou pela temática – não é uma série que visa o relacionamento da figura de "Deus" com o homem, e sim com as múltiplas definições e culturas dessa palavra, bem como o livro deseja. Recheado de metáforas, American Gods demora a se desenvolver, e nós demoramos a identificar os personagens – demorei um certo tempo pra deixar minha ficha cair quanto alguns deles, mesmo lendo o livro ao mesmo tempo (na verdade, essa demora na identificação demora até mesmo no livro, já que eles não vem com o nome dos deuses nos capítulos e é deixado a livre interpretação até certa parte da narrativa, onde tudo começa a se amarrar). A fotografia é bela, apesar de carregar um ar metade sinistro e metade futurista à lá luzes de neon em todo lugar. Mas entre as categorias técnicas é a trilha sonora que ganha destaque, apesar de, nas edições, ficar bem suave em muitos momentos – ainda sim, consegue roubar a cena durante as metáforas ou explicações, dando um tom macabro e sobrenatural, ao mesmo tempo em que traz a tona o sentimento de uma situação blasé, comum e vulgar.
Não que Neil Gaiman seja marcado por uma escrita ou história misógina, mas a série cumpre seu papel como projeto de uma emissora e carrega seu tom, mostra bem a realidade, por exemplo, de mulheres e negros, ao longo da história – representando-os com todo seu peso e terror nas histórias de vida. Desde rainhas sendo sobrepujadas até o início da compreensão de escravidão, a metáfora do narrador segue seu curso: "E não há fim para a crueldade de um homem ameaçado pela força de uma mulher. Então o que uma Rainha faz, quando isso acontece? Ela se ajoelha. Ela toma e faz o que não quer. E nós assistimos e julgamos facilmente, e fingimos que faríamos tudo diferente no lugar dela". Algo interessante a se notar é que os trejeitos de alguns dos personagens batem quase que perfeitamente como imaginado nos livros, como o caso do Leprechaun – que, diga-se de passagem, roubou a cena inúmeras vezes ao longo dos episódios. A cena de revelação do personagem Mr. Wednesday é algo muito mais forte e profundo que nos livros, por exemplo.
O que me deixou em choque, durante a exibição dos episódios, é justamente essa facilidade que o canal teve em unir o sobrenatural sem freios de censura, dando um tom único – se fosse de outra forma, seria completamente inaceitável e errado. Pode-se dizer, então, que a série acerta nisso: intensificar certas cenas, dando peso e poder – ou delicadeza – a personagens que antes pareciam tão simples – ouso dizer que, no começo dos livros, cheguei a comparar Wednesday com o personagem de O Velho e o Mar (de Hemingway). Ouso dizer ainda que, por mais que não seja a intenção, o ritmo da série é lento no começo, mas tende (também) a se intensificar com ferocidade, pendendo para o caos justo no clímax da temporada – daí o toque bárbaro e, ao mesmo tempo, moderno.