Ficou na minha cabeça por dias depois de ver. Que cenas maravilhosamente singelas, com diálogos cheios de olhares e silêncios como nas relações mais íntimas. É um pouco sobre a falta de linearidade na vida, no amor. Ou como o amor não basta. Me bateu uma angústia parecida com aquela da cena do filme Closer, quando a Alice pergunta, aos prantos: Why isn't love enough?
Nem o movimento por direitos dos animais ficou isento de críticas. Sou vegana, e senti uma alfinetada ao perceber que o veganismo fica deslocado quando contraposto à relação entre animais humanos e não humanos em um contexto extra-urbano. Mais alguém sentiu esse desconforto?
Pra mim, o filme resumiu os 3 principais pontos de vista sobre nossa relação com os animais não humanos: utilitarismo antiespecista (Mija), abolicionismo antiespecista (os anarquistas) e, claro, o especismo presente em todo o resto dos personagens.
O personagem do Jake Gyllenhaal, que é o mais detestável do filme, representa a mídia oportunista, sensacionalista, corporativista e hipócrita. E que vai sempre estar do lado de quem estiver ganhando o jogo.
Voltar-se à ficção distópica em épocas estranhas é uma maneira de compreender o que não pode ser dito em palavras. A metáfora, às vezes, é a maneira mais eficaz para falar sobre situações anômalas, que não podem ser narradas sem o olhar do estranhamento. Mas, conforme escreve Ursula K. Le Guin na introdução do livro A Mão Esquerda da Escuridão, a ficção científica não é uma previsão. “A única verdade que consigo entender ou expressar define-se, logicamente, como uma mentira. Define-se, psicologicamente, como um símbolo. Define-se, esteticamente, como uma metáfora”.
Escritores de ficção científica não podem falar do futuro. Não são, afinal, meteorologistas. O que fazem é um experimento mental a partir da realidade atual. Portanto, quando George Orwell escreveu 1984, na década de 40, ele não fez previsão nenhuma. Ele descreveu o que já via.
1984 é uma metáfora sobre um regime totalitário. As situações narradas podem parecer hipérboles, distantes - distópicas. Mas os elementos que compõem o regime do onisciente Grande Irmão eram visíveis já naquela época. Hoje, especialmente, estão extrapolados na realidade cotidiana. Só não vê quem não quer.
O filme 1984 (1956), de Michael Anderson, é uma adaptação do romance homônimo. O livro de fato é muito mais profundo, mas fazer essa comparação é chover no molhado. Não é possível transmitir, em uma hora e meia, a construção complexa de um romance de mais de trezentas páginas. Mas o filme, que se apega na medida do possível com grande fidelidade à narração do livro, consegue apresentar um resumo simples e até inovador para a época em que foi lançado, sem a pretensão de parecer muito futurístico.
É impossível não lembrar do candidato Jair Bolsonaro ao ver, no filme, um membro do partido em cima de um palanque, incitando o ódio à um público zangado. O ódio é fundamental para o partido se manter no poder. As pessoas estão revoltadas, insatisfeitas, infelizes? A culpa é da Eurásia. E viva a Oceania. Viva o Grande Irmão. A guerra, portanto, se justifica, e mais do que isso: denota paz.
Outro aspecto que 1984 descreve é o fenômeno das fake news - que não é novo, sempre vale lembrar, mas está exacerbado hoje. “Quem controla o passado, controla o futuro. Quem controla o presente, controla o passado” é a máxima. O Ministério da Verdade é responsável por reescrever, ou “retificar” a história. Só existe o que interessa ao partido. Os traidores são apagados da própria existência.
É importante destacar que os únicos vigiados são os membros do partido, equivalentes à uma classe média alta. O proletariado, que detêm o verdadeiro poder de revolução, é oprimido por outras vias. “As massas nunca se revoltarão espontaneamente, e nunca se revoltarão apenas por ser oprimidas. Com efeito, se não se lhes permite ter padrões de comparação, nem ao menos se darão conta de que são oprimidas”, escreve Orwell.
Apesar da boa adaptação da história na tela, os personagens são apresentados com muita superficialidade. Julia (Jan Sterling) perde sua personalidade vívida e subversiva e é diminuída a uma amante. No livro, Winston é o narrador em primeira pessoa e por isso é possível delinear com mais clareza seus pensamentos, sua relação com o regime e sua revolta sutil. No filme, Winston é interpretado pelo ator Edmond O'Brien, que tem o desafio de transmitir nas feições e nos diálogos a inteireza do personagem.
Na cena da tortura, um plano longo, fixo, demonstra o processo da implantação de uma semente de incerteza em Winston. Dois mais dois é quatro? É cinco? É seis? O fascínio que o personagem O'Brien exerce sobre Winston é representado visualmente pelos planos contra-plongée que dão a impressão de sua superioridade. Quando Winston se sente por fim tão humilhado e diminuído, torturado, colocado frente a frente com seu pior medo, com todas as suas certezas questionadas à exaustão, ele corre ao abraço de O’Brien, que o acolhe: irremediavelmente alienado, ele agora ama o Grande Irmão. É inofensivo.
"Pois existe a trajetória, e a trajetória não é apenas um modo de ir. Somos nós mesmos. Em matéria de viver, nunca se pode chegar antes. A via-crucis não é um descaminho, é a passagem única, não se chega senão através dela e com ela. A insistência é o nosso esforço, a desistência é o prêmio".
esse trecho de "a paixão de g.h", da clarice lispector, define bem, mas a essência da ideia já é um clichê: a beleza está no caminho, e não no destino. por isso não é possível encurtar o caminho e querer saber a resposta logo de cara. a resposta não está no final, e é inútil entrar no quarto: a esperança é um fim em si mesma
A interdependência entre as histórias que é evidenciada ao longo do filme mostra a interconexão das ações humanas, o efeito dominó que cada pequeno ato causa em um todo. Incita a reflexão: até que ponto podemos julgar condutas isoladas, quando não conhecemos o contexto em que são cometidas? O filme representa as barreiras que dividem a humanidade em um "cada um por si", na falta de empatia e compreensão pela experiência individual. Ao conhecer a vivência de cada um nessas histórias que se cruzam, quem realmente pode ser julgado?
por mais filmes que desconstruam a imagem criada das guerras no cinema, cheia de demonstrações de honra e patriotismo, e mostre o que ela realmente é: bullshit
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10.000 Km
3.6 127 Assista AgoraFicou na minha cabeça por dias depois de ver. Que cenas maravilhosamente singelas, com diálogos cheios de olhares e silêncios como nas relações mais íntimas. É um pouco sobre a falta de linearidade na vida, no amor. Ou como o amor não basta. Me bateu uma angústia parecida com aquela da cena do filme Closer, quando a Alice pergunta, aos prantos: Why isn't love enough?
Okja
4.0 1,3K Assista AgoraNem o movimento por direitos dos animais ficou isento de críticas. Sou vegana, e senti uma alfinetada ao perceber que o veganismo fica deslocado quando contraposto à relação entre animais humanos e não humanos em um contexto extra-urbano. Mais alguém sentiu esse desconforto?
Pra mim, o filme resumiu os 3 principais pontos de vista sobre nossa relação com os animais não humanos: utilitarismo antiespecista (Mija), abolicionismo antiespecista (os anarquistas) e, claro, o especismo presente em todo o resto dos personagens.
O personagem do Jake Gyllenhaal, que é o mais detestável do filme, representa a mídia oportunista, sensacionalista, corporativista e hipócrita. E que vai sempre estar do lado de quem estiver ganhando o jogo.
O Futuro do Mundo
3.5 53Voltar-se à ficção distópica em épocas estranhas é uma maneira de compreender o que não pode ser dito em palavras. A metáfora, às vezes, é a maneira mais eficaz para falar sobre situações anômalas, que não podem ser narradas sem o olhar do estranhamento. Mas, conforme escreve Ursula K. Le Guin na introdução do livro A Mão Esquerda da Escuridão, a ficção científica não é uma previsão. “A única verdade que consigo entender ou expressar define-se, logicamente, como uma mentira. Define-se, psicologicamente, como um símbolo. Define-se, esteticamente, como uma metáfora”.
Escritores de ficção científica não podem falar do futuro. Não são, afinal, meteorologistas. O que fazem é um experimento mental a partir da realidade atual. Portanto, quando George Orwell escreveu 1984, na década de 40, ele não fez previsão nenhuma. Ele descreveu o que já via.
1984 é uma metáfora sobre um regime totalitário. As situações narradas podem parecer hipérboles, distantes - distópicas. Mas os elementos que compõem o regime do onisciente Grande Irmão eram visíveis já naquela época. Hoje, especialmente, estão extrapolados na realidade cotidiana. Só não vê quem não quer.
O filme 1984 (1956), de Michael Anderson, é uma adaptação do romance homônimo. O livro de fato é muito mais profundo, mas fazer essa comparação é chover no molhado. Não é possível transmitir, em uma hora e meia, a construção complexa de um romance de mais de trezentas páginas. Mas o filme, que se apega na medida do possível com grande fidelidade à narração do livro, consegue apresentar um resumo simples e até inovador para a época em que foi lançado, sem a pretensão de parecer muito futurístico.
É impossível não lembrar do candidato Jair Bolsonaro ao ver, no filme, um membro do partido em cima de um palanque, incitando o ódio à um público zangado. O ódio é fundamental para o partido se manter no poder. As pessoas estão revoltadas, insatisfeitas, infelizes? A culpa é da Eurásia. E viva a Oceania. Viva o Grande Irmão. A guerra, portanto, se justifica, e mais do que isso: denota paz.
Outro aspecto que 1984 descreve é o fenômeno das fake news - que não é novo, sempre vale lembrar, mas está exacerbado hoje. “Quem controla o passado, controla o futuro. Quem controla o presente, controla o passado” é a máxima. O Ministério da Verdade é responsável por reescrever, ou “retificar” a história. Só existe o que interessa ao partido. Os traidores são apagados da própria existência.
É importante destacar que os únicos vigiados são os membros do partido, equivalentes à uma classe média alta. O proletariado, que detêm o verdadeiro poder de revolução, é oprimido por outras vias. “As massas nunca se revoltarão espontaneamente, e nunca se revoltarão apenas por ser oprimidas. Com efeito, se não se lhes permite ter padrões de comparação, nem ao menos se darão conta de que são oprimidas”, escreve Orwell.
Apesar da boa adaptação da história na tela, os personagens são apresentados com muita superficialidade. Julia (Jan Sterling) perde sua personalidade vívida e subversiva e é diminuída a uma amante. No livro, Winston é o narrador em primeira pessoa e por isso é possível delinear com mais clareza seus pensamentos, sua relação com o regime e sua revolta sutil. No filme, Winston é interpretado pelo ator Edmond O'Brien, que tem o desafio de transmitir nas feições e nos diálogos a inteireza do personagem.
Na cena da tortura, um plano longo, fixo, demonstra o processo da implantação de uma semente de incerteza em Winston. Dois mais dois é quatro? É cinco? É seis? O fascínio que o personagem O'Brien exerce sobre Winston é representado visualmente pelos planos contra-plongée que dão a impressão de sua superioridade. Quando Winston se sente por fim tão humilhado e diminuído, torturado, colocado frente a frente com seu pior medo, com todas as suas certezas questionadas à exaustão, ele corre ao abraço de O’Brien, que o acolhe: irremediavelmente alienado, ele agora ama o Grande Irmão. É inofensivo.
Stalker
4.3 501 Assista Agora"Pois existe a trajetória, e a trajetória não é apenas um modo de ir. Somos nós mesmos. Em matéria de viver, nunca se pode chegar antes. A via-crucis não é um descaminho, é a passagem única, não se chega senão através dela e com ela. A insistência é o nosso esforço, a desistência é o prêmio".
esse trecho de "a paixão de g.h", da clarice lispector, define bem, mas a essência da ideia já é um clichê: a beleza está no caminho, e não no destino. por isso não é possível encurtar o caminho e querer saber a resposta logo de cara. a resposta não está no final, e é inútil entrar no quarto: a esperança é um fim em si mesma
Me Chame Pelo Seu Nome
4.1 2,6K Assista Agora"Parce qu'était lui, parce qu'était moi"
eu nunca vou me recuperar desse tiro
Babel
3.9 996 Assista AgoraA interdependência entre as histórias que é evidenciada ao longo do filme mostra a interconexão das ações humanas, o efeito dominó que cada pequeno ato causa em um todo. Incita a reflexão: até que ponto podemos julgar condutas isoladas, quando não conhecemos o contexto em que são cometidas? O filme representa as barreiras que dividem a humanidade em um "cada um por si", na falta de empatia e compreensão pela experiência individual. Ao conhecer a vivência de cada um nessas histórias que se cruzam, quem realmente pode ser julgado?
A Felicidade Não Se Compra
4.5 1,2K Assista Agoramuitos filmes são capazes de emocionar, mas só o Capra te faz chorar de alegria. esse filme devia ser obrigatório.
"Strange, isn't it? Each man's life touches so many other lives. When he isn't around he leaves an awful hole, doesn't he?"
Tangerinas
4.3 243por mais filmes que desconstruam a imagem criada das guerras no cinema, cheia de demonstrações de honra e patriotismo, e mostre o que ela realmente é: bullshit