o trabalho de roteiro feito aqui é intrigante, corta uma porrada de coisa, acrescenta outras, no geral aparentemente tentou dar um pouco de sobriedade pra porra louquice que é o mangá. apesar dos cortes o espírito foi respeitosamente mantido, e puta merda nessas horas que a gente vê como o audiovisual é legal né. olha como por exemplo a trilha sonora tornou mais fortes alguns momentos que já eram muito bons. mesmo pra época o anime é um pouco preguiçoso nas cenas de ação. em várias delas a linguagem do próprio mangá foi mantida, quase que não há animação de fato. não sei se faltou grana, tempo, ou sei lá, mas esse acabou sendo um dos poucos pontos negativos que me incomodaram durante a assistida geral, mas mesmo assim nada demais. como a maioria dos mangás/animes com pretensões filosóficas, sociológicas, espirituais, etc acaba forçando muito a barra em alguns momentos também. o contraste entre bons diálogos e outros muito ruins irrita, mas aí é crítica talvez pro texto original do Miura e talvez pras próprias convenções dessa arte. mas enfim, gostei pra caramba, grande adaptação, grande sensibilidade no desenvolvimento dos personagens (tem muitos takes que não existem no mangá e que trabalham muito melhor por exemplo que os filmes mais recentes de Berserk pra nos fazer entender os pensamentos do pessoal, etc), enfim apenas reforça que o formato seriado de tv foi meio que o ideal mesmo pra essa translação.
É mesmo uma porreira crua e intrincada, uma viagem ao cerne degenerado das estruturas hierárquicas, a retratação minuciosa do jogo de poderes e interesse da oligarquia policial, tudo num realismo impressionantemente tangível. O mais interessante ainda, é constatar que tudo é construído a partir dos personagens em uma relação de interdependência na relação personagem-roteiro, e portanto pode-se esperar uma das melhores construções de personagens de sempre. Sem firulas nem trucagens baratas, o texto e imagem aproveitam todo tempo que têm pra jogar com as possibilidades, definir trajetórias e enfim emergir a catarse narrativa. Mas os dramas pessoais já são tão atraentes quanto a própria trama geral. Lidando com cada pequena vertente de intriga com grande maturidade, tão logo fica fácil compreender os estados inconstantes de cada um dos envolvidos naquela investigação, partindo do princípio de que a persona de cada um já está devidamente delineada. Os oficiais e agentes se questionam o tempo todo, e essa aura de insegurança vem sempre entrelaçada por aquele conformismo característico dos policiais impotentes, que querem fazer seu trabalho, mas notam em certo ponto que seu maior entrevero não é necessariamente o alvo de investigação. Certo, não é a primeira e certamente não a última que lidamos com essa constatação, mas é daí que vem outro ponto muito positivo. Nada aqui parece descambar à utopia da reconstrução do sistema, etc. Não se trata de rebelar-se contra qualquer coisa, mas de acompanhar, no mesmo ritmo daqueles policiais, uma jornada delicada e complexa que visa a execução adequada das próprias tarefas. Mcnulty, é portanto a síntese dessa entonação conformista e mundana de contar uma história policial. Sem glamour, sem encanto, nem glória, eles baterão cabeça até conseguirem se livrar do caso. No meio de tudo isso, a perspectiva do interior do tráfico e dos viciados é acréscimo fundamental pra construções de personagem, compreensão do panorama geral, e mais um monte de coisas que basta assistir pra compreender. A aproximação gradual com os membros do mercado das drogas, suas relações, suas intimidades, vai criando uma identificação absurda com o contexto, e somam-se assim mais e mais pontos pro realismo e inventividade do roteiro.
A cena do “desfecho” de Wallace é coisa fortíssima, e não tem atestado melhor pra tradução do que o texto criou com essa retratação.
E tudo isso aí acompanhado de um monte de diálogos fabulosos, contextuais, riquíssimos, dotados de tudo que é necessário pra imersão naquele universo. Essa série é provavelmente o que de mais cruel eu já vi sobre o mundo policial. E me atinge em uma particularidade, já que foi na mão contrária de determinadas concepções primitivas sobre o ofício de forma bastante íntima. Os episódios finais são fulminantes dramaticamente, sem apelar a grandes pirotecnias visuais o estado enervante daquele cosmo de intrigas contagia e alcança as grandes proporções. E pra fechar, aida tem aquele season finale extremamente irônico -mas previsível, por tamanha a congruência com o que vinha sendo proposto desde o princípio- e instigante. E simplesmente NÃO poderia ser diferente.
Uma execução muito interessante. Uma produção minuciosa e delicada no fino trato de figurino, ambientação e fotografia. Nunca li o livro, e de momento afirmo que nem pretendo, pois tenho uma infinidade de outros à frente na lista de espera, mas imagino que o roteiro tenha buscado seguir os passos cronológicos da dramaturgia à rigor da literatura original. Portanto algumas das coisas que mais me incomodaram no decorrer da série devem provavelmente ser oriundas do conto primitivo. Nessa continuidade dramática eu fico acossado com as infindáveis intrigas calcadas em um maníqueismo tão banal e inexpressivo. A luta do bem contra o mal, dos honrados contra os excessivamente cruéis e indecorosos, é expressa em tom prosaico, quase novelesco. Personagens tentam esconder sua unilateralidade latente através de um monte de diálogos modernosos, cheio de linguagem bastante mundana, abusando dos palavrões e crueza. O que pra deixar claro, não me incomoda em nada, aliás é um ponto bem bacana da série, que abeira os espectadores, mas é em essencia uma máscara pra escassez criativa da persona de cada um ali. E quando o texto intenta algum aprofundamento nesse sentido, o resultado é quase sempre furo na água. De qualquer forma, é emulando as intrigas de poder que cimentaram todas civilizações do planeta, que é criado o ambiente de constante confabulação e espreitas políticas que certamente consegue cativar e manter o interesse até que, é claro, ecloda algum conflito e que a trama se estreite para o estopim pra não frustrar ninguém. Nesse aspecto, não tenho muito do que reclamar senão da complexidade abusiva desse universo particular. Sucintamente: são nomes demais! Ás vezes personagens entram no negócio sem nunca terem sido antes mencionados ou sequer exibidos em tela, aí fica aquela confusão de memória em que se eu não parar a exibição pra procurar saber de quem se trata, o incômodo não abandona. Mas ainda sim, por vezes esse mundo paralelo consegue impressionar. Os combates são interessantes, e apesar de a história recrear mais pelo ímpeto e interesse no panorama geral, que pelos personagens, as tramas e sub-tramas rasas não incomodam a força da continuidade. O roteiro é cruel e ardiloso, mina situações e personagens em uma espiral de imprevisibilidade que ludibria qualquer espectador incrédulo sobre o potencial do texto. É um monte de decisões inesperadas, súbitas e que não caem em armadilhas de inverossimilhança gritante. A atmosfera emocional convence de que qualquer coisa pode acontecer, a qualquer momento e que qualquer um pode morrer, em qualquer situação. Em suma, um épico medieval que tenta se distanciar do cerceamento de gênero, e apesar de acorrentar-se á ele de outras tantas formas, tem uma porção de pontos positivos que impedem sua limitação à “mais do mesmo”. Uma fábula instigante como história em si. Cheia de ninfetas nuas e despudoradas rodando pelos cenários (HBO segura pra caramba do que faz), violência desmedida, valores morais deturpados, ou pode-se dizer “ainda em construção”, homens que variam um pouco em suas sinas e caminhos, mas que unem-se fatalmente, pela disputa de poderes da nobreza. Sofrem as conseqüências e causalidades de confrontos em que pouco ou nada influenciaram, e tão intensamente defenderão seus valores, enfrentarão dilemas, e lutarão pelas próprias vidas, com o ainda acertadíssimo artifício do texto de criar esse temor constante e generalizado de que o pior está por chegar (o tal do inverno), e portanto a paz armada e espiritual torna-se ideal intangível. Tudo acresce para o prisma fantástico desse universo que não pára de erguer possibilidades.
A temporada mais catártica e visceral de todas, literalmente. Os dramas estão em estado de efervescência sem precedentes, a narrativa está caótica e frenética como nunca, e a sucessão de eventos que levarão ao clímax derradeiro é nada menos que estonteante. Como nas temporadas anteriores, e marca registrada da série, aqui tem tudo de bom que fez do programa, algo tão grandioso; atuações incríveis, roteiro firme, abordagem verossímil e palpável, narrativa constante e aparato técnico suficiente para sustentar, surpreender e inovar. Na declarada guerra espiritual de Walter, o desfecho se aproxima, a enxurrada de desventuras em que culminarão suas decisões é tão previsível quanto impressionante. Um conto moderno, arrojado, elegante. Das mais virtuosas alegorias já criadas para instaurar um universo de análise humana. Em meio á toda à guerra social e psicológica dos personagens, aos conflitos e tensões do hostil e imprevisível mundo do crime, estão dois homens em uma jornada de auto-conhecimento, de busca. Homens que erram, que agem espasmódicamente, impulsivos e compulsivos, sob a mais natural prerrogativa do mundo, o dinheiro. E tamanha simplicidade reflete o potencial deste maravilhoso roteiro. São tramas e subtramas compondo um mundo particular e simultaneamente universal. Toda a força estética e imagética ecoa em alto e bom tom nas diversas sequências de poder dramático impar. Seja naquele espetacular Aaron Paul explodindo durante a reunião de ajuda aos dependentes químicos, seja no icônico Cranston prostrado sob um chão de terra, desfacelado, e emoldurado pelo jogo de câmera. Tudo converge ao colapso absoluto da situação, e do ser humano. Os personagens secundários, além de desempenharem papel importante na trama, ainda fomentam novas experiências e sensações. A interação de cada um deles com o núcleo principal define novas diretrizes para uma mesma jornada, criando variações dentro do contexto. Aí entra a meritocracia do roteiro, novamente. Se toda jornada de Walter e Jesse, é um gigante pretexto para o enfrentamente de seus demônios, há de se fazer com que seja interessante. Apesar de cair em um lugar comum aqui, nunca deixo de sempre ressaltar a inventividade de Vince Gilligan ao criar e orquestrar -com capacidade irrefutável- a jornada errante da dupla ao submundo das drogas. Cheio de surpresas e tensões, o texto jamais se permite dar passos em falso nas armadilhas do marasmo e do pragmatismo. Tudo ali é magistralmente orquestrado para que os simbolismos não soem gratuitos, e que isso tudo jamais torne-se desinteressante. Assim como nas temporadas anteriores, são levantadas e derrubadas em mesma proporção as expectativas, as possibilidades, os conflitos, é tudo de uma riqueza inefável. As proporções estão cada vez maiores, e um certo Gus, construído cirurgicamente pela disposição que somente uma série pode propiciar no processo criativo, representa o quão alto está o nível de emergência na torre de babel da jornada de White e Pinkman. E tamanho é o antagonismo entre o metódico e calculista dono da Pollos Hermanos e o químico, que esta guerra precisava de um fim, que ensaiava-se aos trancos e barrancos há muito tempo. Neste ponto, a identificação já é tão forte, tão intrinseca, que me pego ofegante diante de todas as informações e balbúrdias situacionais. A relação intimista da química com tudo com compõe a vida. As relações fundamentais entre os personagens, a exposição de seus íntimos, suas dualidades, contradições. A divagação entre os limites da moralidade. Construções dramáticas impecáveis. Enfim,arrebatadora, frenética e caótica. Esta é a poderosa quarta temporada de Breaking Bad, e já tenho sérias dúvidas quanto ao que conseguirei dizer na próxima, os adjetivos me estão ficando cada vez mais escassos diante de tamanha grandeza. Só posso sentir gratidão por ser contemporâneo à um dos maiores trabalhos já feitos e poder contemplá-lo assim, em seu pleno estado de concepção artística. Puro. Certamente ainda galgo a passos lentos meu caminho no mundo das séries, mas esta é certamente a única que pode inquietar a plenitude de Six Feet Under no meu topo hierarquico.
É talvez a temporada que mais locomova a narrativa alegórica, em detrimento das evoluções constantes de subtramas. O teor dramático segue em escala alta e bem dosada, sem pieguice. Roteiro firme demais, construindo e desconstruindo tensões, brincando com expectativas e analisando cada vez mais. A adesão dos novos e necessários personagens não sobrecarrega o contingente do núcleo artístico de forma alguma. As tramas são bem narradas, mantendo o ritmo ágil que compõs a série nas temporadas anteriores, e com o profissionalismo de sempre. Todos os atores estão muito bem, ninguém soa deslocado. Se agora as proporções estão maiores, bem como os riscos, tudo ainda gira em torno da inquietação interna das personagens e de como essas pequenas guerras se concluirão. As coisas jamais parecem estar exatamente em seus lugares, sinal do poderio técnico/narrativo/analítico que é sempre ponto alto da série. Os personagens estão em constante conflito interno, em plena e vigente ebulição emocional, confrontados pelas suas próprias decisões. Incertos e por vezes imcompreensíveis, são contraditórios, impulsivos. Humanos. Retratados por boas escolhas de angulações, por bons diálogos simbólicos, por certas montagens sonoras, e até pela pequena ode do episódio Fly. Se tem uma convencionalidade ou outra, trucagens narrativas, quaisquer banalidades que pudessem reduzir a sua totalidade, tudo é sempre calcado em uma verossimilhança impressionante, que movimenta constantemente a cosmovisão da série sem decréscimo de interesse. E o final de temporada é demonstração da força e capacidade do roteiro em trabalhar nossas expectativas, mesmo quando acreditamos já ter visto toda possibilidade em torno da situação. Há sempre ótimas surpresas convincentes, frenéticas e bem decupadas para reavivar o organismo pulsante da trama. Épico demais!
Como disse muito bem o membro Guigas, esta temporada é absolutamente sensorial. Não sei nem quais os termos e expressões que escolho para definir como foi a experiência que foi assistir à segunda temporada de Breaking Bad. Desde já uma das minhas séries favoritas de sempre. Se em algum momento da season eu já estava convicto de que não poderia superar narrativa-dramaticamente o poderio da primeira parte, após assistir ao final eu me senti arrebatado como poucas vezes na vida. Se a identificação e a imersão são os pontos mais fortes da trama, quando tudo vem à tona no episódio final, eu me senti tanto quanto ou ainda MAIS angustiado que Walter. Impotente, indagado, inquieto, um turbilhão de sentimentos e sensações passou-me pela mente, e só consegui retornar á minha rotina alguns bons minutos depois. Um espetáculo dramático, poético que atinge patamares altamente seletos no meu pequeno acervo mental. Por tudo que experimentei, vivenciei e senti com esta maravilhosa temporada, em que se muitas vezes ocorre o flerte com a previsibilidade, há sempre o alento acalentador da surpresa, ainda que nos mínimos detalhes. Podemos ter um panorama geral da situação, mas nunca temos a convicção sentimental sobre os personagens, é um constante tiroteio entre sentimentos, angustias, incertezas e tentativas. É das mais bem elaboradas alegorias (a incursão ao mundo do crime), para instaurar um universo absolutamente humano. É poesia na tv.
Colhuda pra caramba, a primeira temporada de Breaking Bad é o prólogo especialíssimo para essa que é uma das histórias mais interessantes dos últimos tempos. Impressionante como o ritmo é sempre constante e a imersão sempre eficaz. Evento após evento estamos caminhando juntos com Walter, e essa jornada comunica, troca diretamente conosco. Pleiteando sua premissa e execução em temas já debatidos no próprio cinema, e com algumas sequências que remetem a ele, a trama se desenvolve no ritmo e medida certos. A história de um homem que cansado da sua vida sem perspectivas e da monotonia que encabeça seu modo de vida há 50 anos, resolve embarcar em um mundo diferente. Um mundo onde o extraordinário é frequente, e o dinheiro é bom. Dificil não se sentir identificado. Os momentos explosivos de personalidade de Walter constroem gradualmente o que aparenta mais uma dessas grandiosas descontruções de personagem, rumo à suposta degradação. Bem, é uma série, né? Tem que manter o ritmo e entreter durante episódios e episódios á fio, né? Portanto sim, tem algumas conveniências e trucagens narrativas pra fomentar a trama, mas aí que entra o mérito. Tudo é tão bem comedido e palpável que sem forçar muito, logo estamos familiarizados à tudo e passando pela mesma angustia existencial de Walter. Por falar em personagens, a trama pareceu desenhar de forma interessantíssima um panorama de abertura pra eles, tornando tudo muito convergente à sua execução. Desde a ótima idéia do cunhado policial, até a esposa conservadora, e todos em uma conjectura construtiva rica. Personagens controversos, turtuosos e angustiados por dúvidas, como é o próprio humano. Dos tais momentos extraordinários, extrai-se sempre experiências incríveis, e as sequências dessa primeira temporada são todas excelentes. Desde as fulminantes sequências do trailer, os assassinatos, o fulminato; e em todas elas Walter sai transformado de alguma forma. Junto do também bom Aaron Paul, Bryan Cranston garante toda essência e força dramática de uma série em que tudo acontece por questionamentos genuinamente humanos e as suas relações. Fantástico.
Berserk
4.5 189 Assista Agorao trabalho de roteiro feito aqui é intrigante, corta uma porrada de coisa, acrescenta outras, no geral aparentemente tentou dar um pouco de sobriedade pra porra louquice que é o mangá. apesar dos cortes o espírito foi respeitosamente mantido, e puta merda nessas horas que a gente vê como o audiovisual é legal né. olha como por exemplo a trilha sonora tornou mais fortes alguns momentos que já eram muito bons. mesmo pra época o anime é um pouco preguiçoso nas cenas de ação. em várias delas a linguagem do próprio mangá foi mantida, quase que não há animação de fato. não sei se faltou grana, tempo, ou sei lá, mas esse acabou sendo um dos poucos pontos negativos que me incomodaram durante a assistida geral, mas mesmo assim nada demais. como a maioria dos mangás/animes com pretensões filosóficas, sociológicas, espirituais, etc acaba forçando muito a barra em alguns momentos também. o contraste entre bons diálogos e outros muito ruins irrita, mas aí é crítica talvez pro texto original do Miura e talvez pras próprias convenções dessa arte. mas enfim, gostei pra caramba, grande adaptação, grande sensibilidade no desenvolvimento dos personagens (tem muitos takes que não existem no mangá e que trabalham muito melhor por exemplo que os filmes mais recentes de Berserk pra nos fazer entender os pensamentos do pessoal, etc), enfim apenas reforça que o formato seriado de tv foi meio que o ideal mesmo pra essa translação.
The Wire (1ª Temporada)
4.6 170 Assista AgoraÉ mesmo uma porreira crua e intrincada, uma viagem ao cerne degenerado das estruturas hierárquicas, a retratação minuciosa do jogo de poderes e interesse da oligarquia policial, tudo num realismo impressionantemente tangível.
O mais interessante ainda, é constatar que tudo é construído a partir dos personagens em uma relação de interdependência na relação personagem-roteiro, e portanto pode-se esperar uma das melhores construções de personagens de sempre. Sem firulas nem trucagens baratas, o texto e imagem aproveitam todo tempo que têm pra jogar com as possibilidades, definir trajetórias e enfim emergir a catarse narrativa. Mas os dramas pessoais já são tão atraentes quanto a própria trama geral.
Lidando com cada pequena vertente de intriga com grande maturidade, tão logo fica fácil compreender os estados inconstantes de cada um dos envolvidos naquela investigação, partindo do princípio de que a persona de cada um já está devidamente delineada. Os oficiais e agentes se questionam o tempo todo, e essa aura de insegurança vem sempre entrelaçada por aquele conformismo característico dos policiais impotentes, que querem fazer seu trabalho, mas notam em certo ponto que seu maior entrevero não é necessariamente o alvo de investigação. Certo, não é a primeira e certamente não a última que lidamos com essa constatação, mas é daí que vem outro ponto muito positivo. Nada aqui parece descambar à utopia da reconstrução do sistema, etc. Não se trata de rebelar-se contra qualquer coisa, mas de acompanhar, no mesmo ritmo daqueles policiais, uma jornada delicada e complexa que visa a execução adequada das próprias tarefas. Mcnulty, é portanto a síntese dessa entonação conformista e mundana de contar uma história policial. Sem glamour, sem encanto, nem glória, eles baterão cabeça até conseguirem se livrar do caso.
No meio de tudo isso, a perspectiva do interior do tráfico e dos viciados é acréscimo fundamental pra construções de personagem, compreensão do panorama geral, e mais um monte de coisas que basta assistir pra compreender. A aproximação gradual com os membros do mercado das drogas, suas relações, suas intimidades, vai criando uma identificação absurda com o contexto, e somam-se assim mais e mais pontos pro realismo e inventividade do roteiro.
A cena do “desfecho” de Wallace é coisa fortíssima, e não tem atestado melhor pra tradução do que o texto criou com essa retratação.
E tudo isso aí acompanhado de um monte de diálogos fabulosos, contextuais, riquíssimos, dotados de tudo que é necessário pra imersão naquele universo.
Essa série é provavelmente o que de mais cruel eu já vi sobre o mundo policial. E me atinge em uma particularidade, já que foi na mão contrária de determinadas concepções primitivas sobre o ofício de forma bastante íntima.
Os episódios finais são fulminantes dramaticamente, sem apelar a grandes pirotecnias visuais o estado enervante daquele cosmo de intrigas contagia e alcança as grandes proporções. E pra fechar, aida tem aquele season finale extremamente irônico -mas previsível, por tamanha a congruência com o que vinha sendo proposto desde o princípio- e instigante. E simplesmente NÃO poderia ser diferente.
Game of Thrones (1ª Temporada)
4.6 2,3K Assista AgoraUma execução muito interessante. Uma produção minuciosa e delicada no fino trato de figurino, ambientação e fotografia. Nunca li o livro, e de momento afirmo que nem pretendo, pois tenho uma infinidade de outros à frente na lista de espera, mas imagino que o roteiro tenha buscado seguir os passos cronológicos da dramaturgia à rigor da literatura original. Portanto algumas das coisas que mais me incomodaram no decorrer da série devem provavelmente ser oriundas do conto primitivo.
Nessa continuidade dramática eu fico acossado com as infindáveis intrigas calcadas em um maníqueismo tão banal e inexpressivo. A luta do bem contra o mal, dos honrados contra os excessivamente cruéis e indecorosos, é expressa em tom prosaico, quase novelesco. Personagens tentam esconder sua unilateralidade latente através de um monte de diálogos modernosos, cheio de linguagem bastante mundana, abusando dos palavrões e crueza. O que pra deixar claro, não me incomoda em nada, aliás é um ponto bem bacana da série, que abeira os espectadores, mas é em essencia uma máscara pra escassez criativa da persona de cada um ali. E quando o texto intenta algum aprofundamento nesse sentido, o resultado é quase sempre furo na água.
De qualquer forma, é emulando as intrigas de poder que cimentaram todas civilizações do planeta, que é criado o ambiente de constante confabulação e espreitas políticas que certamente consegue cativar e manter o interesse até que, é claro, ecloda algum conflito e que a trama se estreite para o estopim pra não frustrar ninguém. Nesse aspecto, não tenho muito do que reclamar senão da complexidade abusiva desse universo particular. Sucintamente: são nomes demais! Ás vezes personagens entram no negócio sem nunca terem sido antes mencionados ou sequer exibidos em tela, aí fica aquela confusão de memória em que se eu não parar a exibição pra procurar saber de quem se trata, o incômodo não abandona. Mas ainda sim, por vezes esse mundo paralelo consegue impressionar.
Os combates são interessantes, e apesar de a história recrear mais pelo ímpeto e interesse no panorama geral, que pelos personagens, as tramas e sub-tramas rasas não incomodam a força da continuidade. O roteiro é cruel e ardiloso, mina situações e personagens em uma espiral de imprevisibilidade que ludibria qualquer espectador incrédulo sobre o potencial do texto. É um monte de decisões inesperadas, súbitas e que não caem em armadilhas de inverossimilhança gritante. A atmosfera emocional convence de que qualquer coisa pode acontecer, a qualquer momento e que qualquer um pode morrer, em qualquer situação.
Em suma, um épico medieval que tenta se distanciar do cerceamento de gênero, e apesar de acorrentar-se á ele de outras tantas formas, tem uma porção de pontos positivos que impedem sua limitação à “mais do mesmo”.
Uma fábula instigante como história em si. Cheia de ninfetas nuas e despudoradas rodando pelos cenários (HBO segura pra caramba do que faz), violência desmedida, valores morais deturpados, ou pode-se dizer “ainda em construção”, homens que variam um pouco em suas sinas e caminhos, mas que unem-se fatalmente, pela disputa de poderes da nobreza. Sofrem as conseqüências e causalidades de confrontos em que pouco ou nada influenciaram, e tão intensamente defenderão seus valores, enfrentarão dilemas, e lutarão pelas próprias vidas, com o ainda acertadíssimo artifício do texto de criar esse temor constante e generalizado de que o pior está por chegar (o tal do inverno), e portanto a paz armada e espiritual torna-se ideal intangível. Tudo acresce para o prisma fantástico desse universo que não pára de erguer possibilidades.
Breaking Bad (4ª Temporada)
4.7 1,2K Assista AgoraA temporada mais catártica e visceral de todas, literalmente. Os dramas estão em estado de efervescência sem precedentes, a narrativa está caótica e frenética como nunca, e a sucessão de eventos que levarão ao clímax derradeiro é nada menos que estonteante.
Como nas temporadas anteriores, e marca registrada da série, aqui tem tudo de bom que fez do programa, algo tão grandioso; atuações incríveis, roteiro firme, abordagem verossímil e palpável, narrativa constante e aparato técnico suficiente para sustentar, surpreender e inovar.
Na declarada guerra espiritual de Walter, o desfecho se aproxima, a enxurrada de desventuras em que culminarão suas decisões é tão previsível quanto impressionante.
Um conto moderno, arrojado, elegante. Das mais virtuosas alegorias já criadas para instaurar um universo de análise humana. Em meio á toda à guerra social e psicológica dos personagens, aos conflitos e tensões do hostil e imprevisível mundo do crime, estão dois homens em uma jornada de auto-conhecimento, de busca. Homens que erram, que agem espasmódicamente, impulsivos e compulsivos, sob a mais natural prerrogativa do mundo, o dinheiro. E tamanha simplicidade reflete o potencial deste maravilhoso roteiro. São tramas e subtramas compondo um mundo particular e simultaneamente universal.
Toda a força estética e imagética ecoa em alto e bom tom nas diversas sequências de poder dramático impar. Seja naquele espetacular Aaron Paul explodindo durante a reunião de ajuda aos dependentes químicos, seja no icônico Cranston prostrado sob um chão de terra, desfacelado, e emoldurado pelo jogo de câmera. Tudo converge ao colapso absoluto da situação, e do ser humano.
Os personagens secundários, além de desempenharem papel importante na trama, ainda fomentam novas experiências e sensações. A interação de cada um deles com o núcleo principal define novas diretrizes para uma mesma jornada, criando variações dentro do contexto. Aí entra a meritocracia do roteiro, novamente.
Se toda jornada de Walter e Jesse, é um gigante pretexto para o enfrentamente de seus demônios, há de se fazer com que seja interessante. Apesar de cair em um lugar comum aqui, nunca deixo de sempre ressaltar a inventividade de Vince Gilligan ao criar e orquestrar -com capacidade irrefutável- a jornada errante da dupla ao submundo das drogas. Cheio de surpresas e tensões, o texto jamais se permite dar passos em falso nas armadilhas do marasmo e do pragmatismo. Tudo ali é magistralmente orquestrado para que os simbolismos não soem gratuitos, e que isso tudo jamais torne-se desinteressante.
Assim como nas temporadas anteriores, são levantadas e derrubadas em mesma proporção as expectativas, as possibilidades, os conflitos, é tudo de uma riqueza inefável.
As proporções estão cada vez maiores, e um certo Gus, construído cirurgicamente pela disposição que somente uma série pode propiciar no processo criativo, representa o quão alto está o nível de emergência na torre de babel da jornada de White e Pinkman. E tamanho é o antagonismo entre o metódico e calculista dono da Pollos Hermanos e o químico, que esta guerra precisava de um fim, que ensaiava-se aos trancos e barrancos há muito tempo.
Neste ponto, a identificação já é tão forte, tão intrinseca, que me pego ofegante diante de todas as informações e balbúrdias situacionais.
A relação intimista da química com tudo com compõe a vida. As relações fundamentais entre os personagens, a exposição de seus íntimos, suas dualidades, contradições. A divagação entre os limites da moralidade. Construções dramáticas impecáveis. Enfim,arrebatadora, frenética e caótica. Esta é a poderosa quarta temporada de Breaking Bad, e já tenho sérias dúvidas quanto ao que conseguirei dizer na próxima, os adjetivos me estão ficando cada vez mais escassos diante de tamanha grandeza.
Só posso sentir gratidão por ser contemporâneo à um dos maiores trabalhos já feitos e poder contemplá-lo assim, em seu pleno estado de concepção artística. Puro.
Certamente ainda galgo a passos lentos meu caminho no mundo das séries, mas esta é certamente a única que pode inquietar a plenitude de Six Feet Under no meu topo hierarquico.
Breaking Bad (3ª Temporada)
4.6 838É talvez a temporada que mais locomova a narrativa alegórica, em detrimento das evoluções constantes de subtramas. O teor dramático segue em escala alta e bem dosada, sem pieguice.
Roteiro firme demais, construindo e desconstruindo tensões, brincando com expectativas e analisando cada vez mais.
A adesão dos novos e necessários personagens não sobrecarrega o contingente do núcleo artístico de forma alguma. As tramas são bem narradas, mantendo o ritmo ágil que compõs a série nas temporadas anteriores, e com o profissionalismo de sempre. Todos os atores estão muito bem, ninguém soa deslocado.
Se agora as proporções estão maiores, bem como os riscos, tudo ainda gira em torno da inquietação interna das personagens e de como essas pequenas guerras se concluirão.
As coisas jamais parecem estar exatamente em seus lugares, sinal do poderio técnico/narrativo/analítico que é sempre ponto alto da série. Os personagens estão em constante conflito interno, em plena e vigente ebulição emocional, confrontados pelas suas próprias decisões. Incertos e por vezes imcompreensíveis, são contraditórios, impulsivos. Humanos. Retratados por boas escolhas de angulações, por bons diálogos simbólicos, por certas montagens sonoras, e até pela pequena ode do episódio Fly.
Se tem uma convencionalidade ou outra, trucagens narrativas, quaisquer banalidades que pudessem reduzir a sua totalidade, tudo é sempre calcado em uma verossimilhança impressionante, que movimenta constantemente a cosmovisão da série sem decréscimo de interesse.
E o final de temporada é demonstração da força e capacidade do roteiro em trabalhar nossas expectativas, mesmo quando acreditamos já ter visto toda possibilidade em torno da situação. Há sempre ótimas surpresas convincentes, frenéticas e bem decupadas para reavivar o organismo pulsante da trama.
Épico demais!
Breaking Bad (2ª Temporada)
4.5 774Como disse muito bem o membro Guigas, esta temporada é absolutamente sensorial.
Não sei nem quais os termos e expressões que escolho para definir como foi a experiência que foi assistir à segunda temporada de Breaking Bad. Desde já uma das minhas séries favoritas de sempre.
Se em algum momento da season eu já estava convicto de que não poderia superar narrativa-dramaticamente o poderio da primeira parte, após assistir ao final eu me senti arrebatado como poucas vezes na vida.
Se a identificação e a imersão são os pontos mais fortes da trama, quando tudo vem à tona no episódio final, eu me senti tanto quanto ou ainda MAIS angustiado que Walter. Impotente, indagado, inquieto, um turbilhão de sentimentos e sensações passou-me pela mente, e só consegui retornar á minha rotina alguns bons minutos depois. Um espetáculo dramático, poético que atinge patamares altamente seletos no meu pequeno acervo mental.
Por tudo que experimentei, vivenciei e senti com esta maravilhosa temporada, em que se muitas vezes ocorre o flerte com a previsibilidade, há sempre o alento acalentador da surpresa, ainda que nos mínimos detalhes. Podemos ter um panorama geral da situação, mas nunca temos a convicção sentimental sobre os personagens, é um constante tiroteio entre sentimentos, angustias, incertezas e tentativas.
É das mais bem elaboradas alegorias (a incursão ao mundo do crime), para instaurar um universo absolutamente humano.
É poesia na tv.
Breaking Bad (1ª Temporada)
4.5 1,4K Assista AgoraColhuda pra caramba, a primeira temporada de Breaking Bad é o prólogo especialíssimo para essa que é uma das histórias mais interessantes dos últimos tempos.
Impressionante como o ritmo é sempre constante e a imersão sempre eficaz. Evento após evento estamos caminhando juntos com Walter, e essa jornada comunica, troca diretamente conosco.
Pleiteando sua premissa e execução em temas já debatidos no próprio cinema, e com algumas sequências que remetem a ele, a trama se desenvolve no ritmo e medida certos.
A história de um homem que cansado da sua vida sem perspectivas e da monotonia que encabeça seu modo de vida há 50 anos, resolve embarcar em um mundo diferente. Um mundo onde o extraordinário é frequente, e o dinheiro é bom. Dificil não se sentir identificado.
Os momentos explosivos de personalidade de Walter constroem gradualmente o que aparenta mais uma dessas grandiosas descontruções de personagem, rumo à suposta degradação.
Bem, é uma série, né? Tem que manter o ritmo e entreter durante episódios e episódios á fio, né? Portanto sim, tem algumas conveniências e trucagens narrativas pra fomentar a trama, mas aí que entra o mérito. Tudo é tão bem comedido e palpável que sem forçar muito, logo estamos familiarizados à tudo e passando pela mesma angustia existencial de Walter.
Por falar em personagens, a trama pareceu desenhar de forma interessantíssima um panorama de abertura pra eles, tornando tudo muito convergente à sua execução. Desde a ótima idéia do cunhado policial, até a esposa conservadora, e todos em uma conjectura construtiva rica. Personagens controversos, turtuosos e angustiados por dúvidas, como é o próprio humano.
Dos tais momentos extraordinários, extrai-se sempre experiências incríveis, e as sequências dessa primeira temporada são todas excelentes. Desde as fulminantes sequências do trailer, os assassinatos, o fulminato; e em todas elas Walter sai transformado de alguma forma.
Junto do também bom Aaron Paul, Bryan Cranston garante toda essência e força dramática de uma série em que tudo acontece por questionamentos genuinamente humanos e as suas relações.
Fantástico.
A Sete Palmos (5ª Temporada)
4.8 477 Assista AgoraAlan Ball é um dos maiores genios da nossa geração.
obrigado por tudo