é o melhor da trilogia justamente por ser o que abarca a menor quantidade de conteúdo. desenvolveu melhor, com mais cuidado, mais paciência. ficou bem bom. aqui é que finalmente deu pra curtir a revitalizada da animação puramente dita sem ficar se incomodando com a agilidade estraçalhadora com que o roteiro ia devorando momentos importantes do texto original. no geral, tenta ser ainda mais sóbrio e circunspecto do que foi a adaptação do seriado. não tem mais os escapes cômicos, e uns diálogos ruins também foram cortados. acho que a seleção de material escrito em comparação com a da série foi até superior. alguns diálogos foram remodelados e encaixaram melhor na aura daquele mundo. eu até gostaria de uma ajuda aqui se alguém puder, não to lembrando direito, mas por acaso no seriado é feita a menção ao
estupro sofrido pelo Gatts? Pelo que eu lembre não e pelo menos aqui os roteiristas tiveram guts pra não tirar essa parte, embora tenham tirado, assim como no seriado, e disso eu lembro, aquele afoitamento sexual do Gatts com a Caska, atormentado pelo seu passado, acho que se bem decupada daria uma boa cena.
mas não tem jeito, apesar de essa série fílmica ter me saciado em algumas partes, como numa que eu fiquei carente no seriado - as lutas, me castrou nos momentos de introspecção, de tensão sexual (tem coisa mais 'jogada' que a relação entre o Gatts e a Caska nesses filmes? sem falar no estupro que fizeram com a cena da caverna; a indiferença emocional que é construída exatamente pela não construção de relação nenhuma com os coadjuvantes do bando do falcão e a própria edificação da persona do Griffith que, pelo menos imagino, não "convence" quem não viu a série/leu o mangá), etc. no fim das contas não teve prejuízo conteudista pelo menos, apesar do aperto que foram os dois primeiros filmes, serve como um resumo pra quem não leu/não quer ler as centenas de páginas que ele sintetiza. mas enfim, pelo menos em mim, ficou essa insatisfação pelo descaso(?) com as delicadezas desse mangá/seriado que já é 97,4% do tempo bruto e escatológico. e nossa, me deem o dislike que eu mereço por esse comentário gigantesco, mas prova de como a série era bem mais sensível tá aqui: http:// www .youtube. com /watch?v=yle6VhFKkM0 ; como eu senti falta dessa tão persistente canção embalando os momentos de intimidade, delicadeza, silêncio e desabafo, que compõem grande parte da minha afeição por isso tudo.
não foi a primeira e provavelmente não seria a última vez que alguém usaria o cinema pra contar uma história de injustiça lançando um olhar analítico para a contemporaneidade. o primeiro exemplo que eu conheço, e que exemplo, é o de Consciências Mortas, feito lá em 40 por gente muita sobriedade. mas Jagten não é somente a narração de um evento traumático envolvendo a pedofilia e a propensão da sociedade ao ódio, é um exercício de cinema também. é indispensável notar o paralelo entre a atividade da caça e a comunidade humana. Para o cervo que recebe um tiro absolutamente inesperado, o mundo ainda era uma floresta temperada nórdica com pequenos riachos e atmosfera aprazível e harmoniosa. assim como era a vida e o cotidiano de professor. mas o "o mundo está cheio de maldade", como conclui Theo,
e o final vem pra reforçar essas construções. a última expressão de Lucas é de compreensão,conformismo. após a trégua prolongada, o mundo tratou de relembrá-lo que a caça continua.
beleza, é ousado, inventivo, bem produzido, mas tão caótico, tão quero ser tudo e falar sobre tudo e repousar na atemporalidade, que a montagem do filme e todo seu aparato se perdem algumas vezes e dificultam a composição de um quadro geral condizente com essas pretensões. vale muito como exercício de cinema pelo frenesi criativo q tenta a dupla o tempo todo em simbioses audiovisuais (a musica do compositor regando em igual sintonia o momento de todas as histórias, por exemplo). mas na totalidade acaba misturando tanta coisa, e usando uns artificios não tão convincentes pra dar cara de coesão e homogeneidade q se aproveita pouco dos tantos poucos espalhados pelo filme. apesar disso a mensagem ficou bem dada, quer queira a conectividade e a inter-relação se deem por reencarnação, carma, ou qualquer doideira cosmológica q eu desconheça, as atitudes do individuo transformam seu meio, seu tempo e o mundo invariavelmente.
Tive um flash depois do filme com o Ray Liotta falando "as far as i can remember being a gangster sucks" ou algo assim. Mais que um anti filme-glamour dos mafiosos é um filme sobre a deterioração da relações humanas, sobre como os caminhos da economia livre obsedaram todo. E é muito legal como o Dominik vai usando certos artificios e tecnicas pra dilatar a mensagem com estilo. Baita filme.
Confesso que eu não tava nada convencido com o protagonista e nem com o caminho que a trama tava tomando. Talvez seja uma exaustão minha gradualmente construida pelo numero de filmes coreanos sobre vingança q eu tenho visto nos ultimos dias. E DEUS COMO ELES SE PARECEM. praticamente todos eles tem uma sequencia de investigação parecidíssima e eu acabava só esperando novidades mesmo na direção e na forma como as coisas aconteceriam a partir da metade do filme. mas a atmosfera catartica do ultimo ato me pegou - como aconteceu tambem em tooodos os outros coreanos anteriores haha.
Da leva de filmes sobre vingança do cinema coreano recente esse é talvez o que mais se aproxime de Oldboy no desfecho da saga vingativa. Apesar de optar por fazer as coisas de forma até bastante convencional, consegue prender a atenção. principalmente na ultima parte do filme. Perde talvez pela falta de visceralidade. Por exemplo, um desses filmes que eu mais gostei foi o Chaser, que mesmo tendo uns pressupostos menos elaborados conquistou mais pela intensidade da narrativa. Incomodou tambem a lentidão da trama pra ir se construindo na primeira parte e por todos os acontecimentos fora da trama principal. alias isso é algo que ainda me incomoda nesses filmes, os personagens são muito chatos, desinteressantes, bobos. Isso pode e provavelmente vai parecer um preconceito, mas nem é da atuação dos coreanos, me parece ser do roteiro mesmo. claro que também tem essas coisas no cinema "daqui", mas enfim choque cultural e td mais. Fora isso bom filme, tá na média dessa esteira coreana interessante, maaas fica a cautela com esse mote que tá bem perto do desgaste.
Impressionante pra mim ver o sem número de pessoas, daquelas que se inclinam a fazer análises aprofundadas da natureza de Prometheus, chegando mesmo a criar teorias grandiloquentes de resposta para o universo ignorarem a essência desse filme abertura - destruir para construir. A tônica do filme todo é essa, e nesse sentido, e somente nele, ele se faz bom sci-fi. Os fragmentos desse conceito estão salpicados por todo o filme até que o David resolve entregar a paçoca ainda com a própria sentença falada. Mas convenhamos que não precisavamos de muito mais dicas. Aquele prólogo estranho em que o engenheiro bebe a cana crioula intergalática e se desfaz a nível celular finda no quê? Na reconstrução!!! Peguem o negócio aí de novo e vejam que antes do enunciado de Prometheus deixar a tela, o que vemos não é sequência do esfacelamento genético, mas sim a sua reconstrução a partir de novas micromoléculas. Além disso, em plano mais aberto vemos algo bem parecido com a divisão celular ocorrendo. É a vida recomeçando ou não é? Mas é verdade, o roteiro tenta obstinadamente massacrar o filme. Seja com seu panteão de personagens péssimos e seus diálogos, seja com o acovardamento de proposição. Porra, o sci-fi não é feito só de coragem nos designs e na tecnologia de ponta. Cadê o peito desses caras pra sequer elaborar uma conclusão, que até poderia ser refutada nas sequências, mas algo que me diga que eles botaram o senso criativo pra trabalhar e ousaram um pouquinho? O que fica é a noção da esterilidade cultural dos responsáveis pelo filme, ao explorar tão pouco o que se já se tem em retóricas filosóficas pra sedimentar a construção do escopo do roteiro. À parte de tudo que trabalhou contra o filme, que gostoso que foi essa intertextualidade tão íntima e explícita com Alien, o deslumbrante uso da cg que criou ambientes fantásticos no novo planeta. A atmosfera, que vem tropeçando e terminando de calçar a sapatilha, desajeitada, mas consegue se estabelecer e preponderar no ato mais urgente do filme. A fotografia escura dos interiores, retomando o que de melhor eu vi por exemplo em Pandorum. Enfim, no geral foi bem menos decepcionante do que pintaram pra mim até eu conseguir assistir. E como hoje já sabemos, é a porta de entrada para o que pode ser uma nova trilogia, e nessa tarefa vai bem.
Existencialismo? Roteiro? pra mim essas coisinhas são só a rebarba de chantilly. A massa deliciosa com a qual eu me farto tá na estética. Tá na união de tudo que há de melhor no período da Nova Hollywood com o noir e o sci-fi. Tá no climão taciturno, imundo; ma atmosfera decadente e desglamourizada; nos personagens todos profundamente emoldurados no pessimismo de seu mundo; na composição predominantemente notívaga das cidades futurísticas, no clima constantemente chuvoso que a fotografia capta com atenção. Tudo é muito cuidadoso e muito acolhedor. E é por isso que funciona, e é por isso que eu adoro.
podia ser uma crítica ao consumismo tão poderosa quanto a feita por cronenberg à televisão em Videodrome, mas tem uns momentos especialmente ruins que incomodam. no geral é divertido.
"Um animal tem que ser muito provocado e humilhado antes de morder, de reagir." A aproximação daqueles dois mundos, acontece exatamente porque a nossa realidade municia essa relação. Ao longo do tempo e da observância é que nota-se que elos frágeis é que separam algumas realidades aparentemente divergentes, e que tudo resume-se a lutar contra um mundo inexoravelmente hostil e pouco acolhedor a quem necessita de aconchego, de afago, de paz. As marcas do passado podem manifestar-se de formas diferentes, mas desembocam na questão da reação. Como o animal há tanto acuado e espreitado pela crueldade de seu meio irá responder? A redenção, o recomeço, ou mesmo a conformidade são todos caminhos árduos. E o bom trabalho do Paddy nos faz compreender pequenos cosmos sentimentais que embalam aquele núcleo. Na verdade, o trabalho é ainda melhor como retratação, recriação. É um pouco do que road movies "sujos", e outros filmes com miseráveis financeiros e sentimentais já fizeram, mas com a elegância e limpidez tipicamente britânicos. Até a trilha sonora serve em muito pra incutir naquela atmosfera. É um trabalho bem feito sim.
certo, tudo bem, beleza. mas essa história dos troll farejarem cristãos? que porra de idéia imbecil é essa? sério, eu queria saber se faz parte da mitologia, das histórias, etc, ou se foi uma invenção super babaca do roteiro pra incrementar a nocividade dos bichos. fora isso, como já cansaram de dizer embaixo, tem uma execução boa pro baixo orçamento, os trolls são muito legais, designs muito inventivos (nem tanto) e tal e coisa. a tentativa do mockumentary, mesmo que assumida, ainda martela bastante durante o filme e propicia aquela ceninha bem besta do final. e o suspense também é super capenga. a cena em que tentam criar a aura definitiva, no filme, de terror e agonia, falha muito feio. mas é isso: como disse mais ou menos aquela locução do canal space, é uma revisitada bacana pra câmera subjetiva. e pensar essa proposta de filme em outro formato é praticamente redundante.
Uma mistura do mito de pigmaleão, com o rolo de Nero com Sporus, e o resultado é um sci-fi noir mutante. A narrativa é muito eficiente, apesar da simplicidade da dicotomia do "x anos atrás; de volta ao presente", e a divisão dos atos é também sabiamente calculada pra sedimentar a atmosfera da última parte. Ainda tem um outro link nas entrelinhas que destaca a relativização analítica dos sexos e do sexismo através do choque da troca de papéis – vide Vera constatando que deixara de ser o leopardo. Mas é menos chocante do que muitas outras peripécias que o próprio Almodovar já criou, e carrega na previsibilidade do roteiro um abismo sobre o qual nem tentou contornar, eu acho. No saldo final, ainda assim é um dos melhores do ano, dentre os que vi, óbvio.
Divertidaço e ainda incrivelmente melhor que muito pastiche das últimas décadas. Apesar de contar mesmo com muitas sequências pueris pra caramba, tem uns momentos de genialidade que impressionam. Cary Grant hilário, com um gestual apuradíssimo e mostrando mesmo a própria volatilidade interpretativa. Na verdade o elenco todo tá ótimo, mas cada ingerida do Grant foi particularmente sobressalente em diversão. Ainda paira toda a grande ironia do fato de o macaco ser o grande criador da juventude (analogias e tal), de o casal encontrar mais diversão em aventuras "solo" do que na cartilha usual de entretenimento, etc.
Eu abri as portas da mente pro Apichatpong, como vinha ensaiando há um tempão, mas aí o cara vai direto é na alma! Que coisa mais linda! Por mais antiquado e até bobo, talvez, não dá pra não dizer que isso aqui é contemplação e mais contemplação. A universalidade temática imensa que pode ser facilmente linkada com a projeção invade com sutileza as nossas percepções. O eixo distante nos põe a observar toda a imensidão de cada quadro sem que percamos também o calor de certas reações.. eu queria dizer um monte de coisa sobre o filme e continuar aporrinhando os comentadores/leitores dessas páginas com minha falácia, mas o conforto é meio que inefável mesmo. Mas esse sentimento, esse afago delicado, não é quebrado com mais crueldade pela proposta do segundo ato em diante, pois infelizmente, em parte do caminho, um pouco de todos nós acabou conformando-se com a vida relapsa, com a opacidade sentimental, com as marteladas, e os tubos que sugam tudo e recondicionam nossa forma de ser, etc. É estranho portanto, chegar a um final pessimista(?) e constatar que a sensação ainda é a de alento? Ou seria esse ímpeto o de reencontrar o afeto e a sensibilidade num mundo cada vez menos receptivo a eles? Num faço idéia, mas sei que o filme é lindo e figura definitiva na estante de sei lá qual lobo da minha memória.
Uma nostalgia filmada lindíssima que só poderia mesmo estar - como um dos tantos espelhos da praia - a refletir a criatividade astuciosa de Agnes. Nessa viagem errante pelo passado, a diretora não poupa os auto-questionamentos, as incertezas, mesmo após 80 de anos de vida. Pra reverberar essa consciência coletiva de muitos artistas sobre a incoesão da existência. Mas apesar disso, o filme, como a mulher, é determinado. E para além de uma divagação imagética, faz questão de pintar um quadro sobre as alegrias, as tristezas, as certezas, os amigos, os amores, as transições e todo o resto que é nossa certeza em vida.
Caramba! Que filmaço arrebatador do caramba. É o Bergman levando sua teatralidade à última potência, aliando toda a força da cenografia com a dramaturgia. Construindo uma atmosfera terrível de agonia e desespero, consegue imergir qualquer um na sua ameaçadora insegurança. Nas cenas de maior ebulição dramática eu sou diretamente atirado no caldeirão de assuntos que compõem o grande mote do filme e da obra bergmaniana. Junto aos gritos a aflição, aos sussuros o tormento. A profundamente eficaz análise de cada uma das mulheres, com os flashs, os raccords invadidos pelo vermelho, os diálogos que se disfarçam de monólogos... Todo o tom do filme reafirma essa perspectiva de que o Bergman tá realmente jogando em frente à câmera tudo aquilo que o atormenta de qualquer forma. Na análise da autenticidade da inerência amorosa à estrutura familiar; naquela cena impressionante do padre em desabafo, etc. Mas a grande questão aqui, não é o Bergman ser um artista depressivo que pinta sua obra com as cores de suas insuficiências, mas alguém com domínio absurdo de seu aparato. Muito mais importante que constatar essa pessoalidade intima dele nos seus filmes é notar a maestria com a qual ele transmite. Pra variar. E não dá também pra resumir a mérito todo dessa obra-prima ao Ingmar. Todo o núcleo feminino tá absurdamente bom. Estão externadas com precisão cada uma das grandes tormentas mais profundamente íntimas das mulheres. Seja nos gritos ou nos sussurros. Enfim, como eu demorei tanto pra ver isso?
Uma jornada terrívelmente densa pelo interior de uma câmera desvela o próprio cinema pro sueco. Na odisseia cruel, as duas personagens desconstroem suas máscaras
e revelam-se apenas um só ser, que exprime-se de formas diferentes para existir.
Essa análise tipicamente bergmaniana é instituida por recursos desconcertantes como as elipses quebradiças e incômodas, até a abominável cena do diálogo na mesa. São vários os artifícios que ele cria pra que gradualmente estejamos inseridos no grito existencial silencioso da Elisabeth. Em todas as vezes que assisti, o ultimo desaquecimento me dá a impressão de que acabo de estar numa legítima viagem ao interior do cinema. Por várias razões que são até óbvias, eu acho. Talvez seja um dos maiores expoentes de materialização daquele conceito do Godard sobre as motivações que levam o sueco a filmar. Bergman se despe através da câmera para buscar respostas. E usualmente me arrasta também pra esse precipício.
David Carradine é mesmo o apice do filme, que como encenação da primeira grande jornada de Woody é meio débil sim. Mas pelas excelentes escolhas musicais, o timing, o estilo bastante simples e a boa recriação da Depressão em um tom road melancólico - algo de Vinhas da Ira -, acaba valendo muito. Nem que como singela homenagem ao que foi o verdadeiro espírito de Guthrie. Sem dificuldade, qualquer um consegue altear a aura real desse músico fascinante, obstinado e selvagem. No fim, tudo o que importa é o walking and talking, o sing while walk. E de certa forma, o filme soube apreender essa natureza e transmití-la. Tal feito é o que culmina no final convencional e lindo.
Muito superior a Beijos Proibidos, Truffaut filma o domicílio como um personagem particular. Mais que um costume do cinema francês e do próprio diretor, os planos sequencia pelos campos estreitos da casa e o enquadramento sempre elaborado, nos falam quão importante é a familiaridade com o ambiente domiciliar e também a sua extensão, que compreende à toda a pequena vila filmada com a harmonia daquela de Rear Window. No mais tá com uma carga de diálogos inspiradíssimos, situações deliciosamente bem filmadas, etc. Vai funcionar bem pra quem realmente se deixar levar pelo romance, os desdobramentos, as variações, mas também é facil de despertar aversão por quem iniciar a sessão com um pouco de má vontade, afinal o filme não economiza no enfoque a nuances dramáticas calcadas unicamente na banalidade das relações. Mas os muitos bons momentos e o timing sempre preciso do Truffaut, criam um filme bastante gostoso e fluido.
Para além do niilismo arraigado e engarrafado pra presente junto com o rolo do filme, tem todo um desenvolvimento magnífico pelas mãos de Smith. O mesmo diretor do intrigante Triângulo do Medo, oferece um horror medieval pesado e talvez sem precedentes, criando uma atmosfera de pavor e hostilidade absolutamente agonizantes. Se as personagens são um tanto desinteressantes, e não escondem o tempo todo que são mero invólucro pra transmissão de mensagem, esta vem acompanhada de muito sangue, violência e crueldade que pulsam em favor do criticismo ideológico do filme. O intertexto é mesmo sobre o fanatismo religioso e suas consequências catastróficas, aliando insensatez, intolerância e rivalismo. Pegando carona (possivelmente) no período histórico da peste bubonica, onde certamente rolaram barbáries parecidas com as do filme, em torno das divergentes correntes de pensamento religioso propulsionadas pelo constante temor da doença, o roteiro ambienta bem o cenário pra essa trip infernal, e a fotografia se encarrega de contextualizar. Mas o que vale de verdade aqui é a câmera acelerada e inquieta, a aura de floresta macabra de Blair Witch, e a força de cada contorno dramático a que o mote inclina-se dentro de cada novo ato. No fim, aquilo sobre o que a gente não tem convicção é o que instaura o medo real. E pra qual lado você vai pender é irrelevante.
Uma revisitada e pronto, virou o Scorsese favorito. Numa bad trip notívaga toda virtuosa, o mestre apropria-se da atmosfera soturna que ele mesmo já tinha ajudado a estabelecer e cria um dos maiores pesadelos do cinema. Revestido com tudo de bom que as possibilidades do cinema dispõem. Olhando de cima, parece mesmo que o Martin resolveu dar um rolê pra falar sobre o porquê gosta tanto de cinema. E o roteiro é absolutamente espetacular. O paralelo com O Grito apesar de bastante explicito se dá também em vários detalhes e contextos bem construídos, que podem até formalizar pros olhares mais compromissados uma elaborada crítica ao homem moderno, encalacrado na rotina maçante, sem poder gritar. Desesperado e angustiado no meio de um mundo maluco. No mais, o filme pode ser simplesmente uma proposição pra fuga à rotina. Uma ida ao cinema.
Mais indiciativo que a van dos ladrões "devolvendo" o Paul na porta do trabalho pra mais um dia entendiante de expediente, não tem.
Um exercício estético expressionista que dialoga com o surrealismo, um poço de onde certamente os Coens içaram alguns baldes, é muita coisa porque é um filmaço, é atestado de genialidade do Scorsa.
Bergman lança de seu olhar sombrio pra compor uma tenebrosa perspectiva sobre a perturbação da guerra, em via de mão alternativa ao modelo "sobre guerra" tradicional. Alegoriza as relações humanas e as reações através da análise do condicionamento e do controle socio/psicológico. Li que era a época em que o diretor houvera lido 1984, a distopia de Orwell. E conhecedor de tal informação, o paralelo entre as obras ganha bastante substancia para além das suspeitas.
Berserk: Era de Ouro Ato III: A Queda
4.3 73é o melhor da trilogia justamente por ser o que abarca a menor quantidade de conteúdo. desenvolveu melhor, com mais cuidado, mais paciência. ficou bem bom. aqui é que finalmente deu pra curtir a revitalizada da animação puramente dita sem ficar se incomodando com a agilidade estraçalhadora com que o roteiro ia devorando momentos importantes do texto original. no geral, tenta ser ainda mais sóbrio e circunspecto do que foi a adaptação do seriado. não tem mais os escapes cômicos, e uns diálogos ruins também foram cortados. acho que a seleção de material escrito em comparação com a da série foi até superior. alguns diálogos foram remodelados e encaixaram melhor na aura daquele mundo. eu até gostaria de uma ajuda aqui se alguém puder, não to lembrando direito, mas por acaso no seriado é feita a menção ao
estupro sofrido pelo Gatts? Pelo que eu lembre não e pelo menos aqui os roteiristas tiveram guts pra não tirar essa parte, embora tenham tirado, assim como no seriado, e disso eu lembro, aquele afoitamento sexual do Gatts com a Caska, atormentado pelo seu passado, acho que se bem decupada daria uma boa cena.
no fim das contas não teve prejuízo conteudista pelo menos, apesar do aperto que foram os dois primeiros filmes, serve como um resumo pra quem não leu/não quer ler as centenas de páginas que ele sintetiza. mas enfim, pelo menos em mim, ficou essa insatisfação pelo descaso(?) com as delicadezas desse mangá/seriado que já é 97,4% do tempo bruto e escatológico. e nossa, me deem o dislike que eu mereço por esse comentário gigantesco, mas prova de como a série era bem mais sensível tá aqui: http:// www .youtube. com /watch?v=yle6VhFKkM0 ; como eu senti falta dessa tão persistente canção embalando os momentos de intimidade, delicadeza, silêncio e desabafo, que compõem grande parte da minha afeição por isso tudo.
O Monstro do Ártico
3.2 81 Assista Agoraesse filme em mãos menos convencionais sairia uma obra prima com facilidade.
A Caça
4.2 2,0K Assista Agoranão foi a primeira e provavelmente não seria a última vez que alguém usaria o cinema pra contar uma história de injustiça lançando um olhar analítico para a contemporaneidade. o primeiro exemplo que eu conheço, e que exemplo, é o de Consciências Mortas, feito lá em 40 por gente muita sobriedade.
mas Jagten não é somente a narração de um evento traumático envolvendo a pedofilia e a propensão da sociedade ao ódio, é um exercício de cinema também. é indispensável notar o paralelo entre a atividade da caça e a comunidade humana. Para o cervo que recebe um tiro absolutamente inesperado, o mundo ainda era uma floresta temperada nórdica com pequenos riachos e atmosfera aprazível e harmoniosa. assim como era a vida e o cotidiano de professor. mas o "o mundo está cheio de maldade", como conclui Theo,
e o final vem pra reforçar essas construções. a última expressão de Lucas é de compreensão,conformismo. após a trégua prolongada, o mundo tratou de relembrá-lo que a caça continua.
A Viagem
3.7 2,5K Assista Agorabeleza, é ousado, inventivo, bem produzido, mas tão caótico, tão quero ser tudo e falar sobre tudo e repousar na atemporalidade, que a montagem do filme e todo seu aparato se perdem algumas vezes e dificultam a composição de um quadro geral condizente com essas pretensões. vale muito como exercício de cinema pelo frenesi criativo q tenta a dupla o tempo todo em simbioses audiovisuais (a musica do compositor regando em igual sintonia o momento de todas as histórias, por exemplo). mas na totalidade acaba misturando tanta coisa, e usando uns artificios não tão convincentes pra dar cara de coesão e homogeneidade q se aproveita pouco dos tantos poucos espalhados pelo filme. apesar disso a mensagem ficou bem dada, quer queira a conectividade e a inter-relação se deem por reencarnação, carma, ou qualquer doideira cosmológica q eu desconheça, as atitudes do individuo transformam seu meio, seu tempo e o mundo invariavelmente.
O Homem da Máfia
3.1 592 Assista AgoraTive um flash depois do filme com o Ray Liotta falando "as far as i can remember being a gangster sucks" ou algo assim. Mais que um anti filme-glamour dos mafiosos é um filme sobre a deterioração da relações humanas, sobre como os caminhos da economia livre obsedaram todo. E é muito legal como o Dominik vai usando certos artificios e tecnicas pra dilatar a mensagem com estilo. Baita filme.
Chernobyl: Sinta a Radiação
2.1 1,5Ké um hills have eyes em chernobyl só que muito ruim.
Sem Misericórdia
4.0 80Confesso que eu não tava nada convencido com o protagonista e nem com o caminho que a trama tava tomando. Talvez seja uma exaustão minha gradualmente construida pelo numero de filmes coreanos sobre vingança q eu tenho visto nos ultimos dias. E DEUS COMO ELES SE PARECEM. praticamente todos eles tem uma sequencia de investigação parecidíssima e eu acabava só esperando novidades mesmo na direção e na forma como as coisas aconteceriam a partir da metade do filme. mas a atmosfera catartica do ultimo ato me pegou - como aconteceu tambem em tooodos os outros coreanos anteriores haha.
Da leva de filmes sobre vingança do cinema coreano recente esse é talvez o que mais se aproxime de Oldboy no desfecho da saga vingativa. Apesar de optar por fazer as coisas de forma até bastante convencional, consegue prender a atenção. principalmente na ultima parte do filme. Perde talvez pela falta de visceralidade. Por exemplo, um desses filmes que eu mais gostei foi o Chaser, que mesmo tendo uns pressupostos menos elaborados conquistou mais pela intensidade da narrativa. Incomodou tambem a lentidão da trama pra ir se construindo na primeira parte e por todos os acontecimentos fora da trama principal. alias isso é algo que ainda me incomoda nesses filmes, os personagens são muito chatos, desinteressantes, bobos. Isso pode e provavelmente vai parecer um preconceito, mas nem é da atuação dos coreanos, me parece ser do roteiro mesmo. claro que também tem essas coisas no cinema "daqui", mas enfim choque cultural e td mais. Fora isso bom filme, tá na média dessa esteira coreana interessante, maaas fica a cautela com esse mote que tá bem perto do desgaste.
Prometheus
3.1 3,4K Assista AgoraImpressionante pra mim ver o sem número de pessoas, daquelas que se inclinam a fazer análises aprofundadas da natureza de Prometheus, chegando mesmo a criar teorias grandiloquentes de resposta para o universo ignorarem a essência desse filme abertura - destruir para construir. A tônica do filme todo é essa, e nesse sentido, e somente nele, ele se faz bom sci-fi.
Os fragmentos desse conceito estão salpicados por todo o filme até que o David resolve entregar a paçoca ainda com a própria sentença falada. Mas convenhamos que não precisavamos de muito mais dicas. Aquele prólogo estranho em que o engenheiro bebe a cana crioula intergalática e se desfaz a nível celular finda no quê? Na reconstrução!!! Peguem o negócio aí de novo e vejam que antes do enunciado de Prometheus deixar a tela, o que vemos não é sequência do esfacelamento genético, mas sim a sua reconstrução a partir de novas micromoléculas. Além disso, em plano mais aberto vemos algo bem parecido com a divisão celular ocorrendo. É a vida recomeçando ou não é?
Mas é verdade, o roteiro tenta obstinadamente massacrar o filme. Seja com seu panteão de personagens péssimos e seus diálogos, seja com o acovardamento de proposição. Porra, o sci-fi não é feito só de coragem nos designs e na tecnologia de ponta. Cadê o peito desses caras pra sequer elaborar uma conclusão, que até poderia ser refutada nas sequências, mas algo que me diga que eles botaram o senso criativo pra trabalhar e ousaram um pouquinho? O que fica é a noção da esterilidade cultural dos responsáveis pelo filme, ao explorar tão pouco o que se já se tem em retóricas filosóficas pra sedimentar a construção do escopo do roteiro.
À parte de tudo que trabalhou contra o filme, que gostoso que foi essa intertextualidade tão íntima e explícita com Alien, o deslumbrante uso da cg que criou ambientes fantásticos no novo planeta. A atmosfera, que vem tropeçando e terminando de calçar a sapatilha, desajeitada, mas consegue se estabelecer e preponderar no ato mais urgente do filme. A fotografia escura dos interiores, retomando o que de melhor eu vi por exemplo em Pandorum. Enfim, no geral foi bem menos decepcionante do que pintaram pra mim até eu conseguir assistir. E como hoje já sabemos, é a porta de entrada para o que pode ser uma nova trilogia, e nessa tarefa vai bem.
Blade Runner: O Caçador de Andróides
4.1 1,6K Assista AgoraExistencialismo? Roteiro? pra mim essas coisinhas são só a rebarba de chantilly. A massa deliciosa com a qual eu me farto tá na estética. Tá na união de tudo que há de melhor no período da Nova Hollywood com o noir e o sci-fi. Tá no climão taciturno, imundo; ma atmosfera decadente e desglamourizada; nos personagens todos profundamente emoldurados no pessimismo de seu mundo; na composição predominantemente notívaga das cidades futurísticas, no clima constantemente chuvoso que a fotografia capta com atenção. Tudo é muito cuidadoso e muito acolhedor. E é por isso que funciona, e é por isso que eu adoro.
A Coisa
2.9 370podia ser uma crítica ao consumismo tão poderosa quanto a feita por cronenberg à televisão em Videodrome, mas tem uns momentos especialmente ruins que incomodam. no geral é divertido.
Um Método Perigoso
3.5 1,1KTiranossauro
4.0 236 Assista Agora"Um animal tem que ser muito provocado e humilhado antes de morder, de reagir."
A aproximação daqueles dois mundos, acontece exatamente porque a nossa realidade municia essa relação. Ao longo do tempo e da observância é que nota-se que elos frágeis é que separam algumas realidades aparentemente divergentes, e que tudo resume-se a lutar contra um mundo inexoravelmente hostil e pouco acolhedor a quem necessita de aconchego, de afago, de paz.
As marcas do passado podem manifestar-se de formas diferentes, mas desembocam na questão da reação. Como o animal há tanto acuado e espreitado pela crueldade de seu meio irá responder? A redenção, o recomeço, ou mesmo a conformidade são todos caminhos árduos. E o bom trabalho do Paddy nos faz compreender pequenos cosmos sentimentais que embalam aquele núcleo. Na verdade, o trabalho é ainda melhor como retratação, recriação.
É um pouco do que road movies "sujos", e outros filmes com miseráveis financeiros e sentimentais já fizeram, mas com a elegância e limpidez tipicamente britânicos. Até a trilha sonora serve em muito pra incutir naquela atmosfera. É um trabalho bem feito sim.
O Caçador de Troll
3.1 377 Assista Agoracerto, tudo bem, beleza. mas essa história dos troll farejarem cristãos? que porra de idéia imbecil é essa? sério, eu queria saber se faz parte da mitologia, das histórias, etc, ou se foi uma invenção super babaca do roteiro pra incrementar a nocividade dos bichos.
fora isso, como já cansaram de dizer embaixo, tem uma execução boa pro baixo orçamento, os trolls são muito legais, designs muito inventivos (nem tanto) e tal e coisa. a tentativa do mockumentary, mesmo que assumida, ainda martela bastante durante o filme e propicia aquela ceninha bem besta do final. e o suspense também é super capenga. a cena em que tentam criar a aura definitiva, no filme, de terror e agonia, falha muito feio.
mas é isso: como disse mais ou menos aquela locução do canal space, é uma revisitada bacana pra câmera subjetiva. e pensar essa proposta de filme em outro formato é praticamente redundante.
A Pele que Habito
4.2 5,1K Assista AgoraUma mistura do mito de pigmaleão, com o rolo de Nero com Sporus, e o resultado é um sci-fi noir mutante. A narrativa é muito eficiente, apesar da simplicidade da dicotomia do "x anos atrás; de volta ao presente", e a divisão dos atos é também sabiamente calculada pra sedimentar a atmosfera da última parte.
Ainda tem um outro link nas entrelinhas que destaca a relativização analítica dos sexos e do sexismo através do choque da troca de papéis – vide Vera constatando que deixara de ser o leopardo.
Mas é menos chocante do que muitas outras peripécias que o próprio Almodovar já criou, e carrega na previsibilidade do roteiro um abismo sobre o qual nem tentou contornar, eu acho. No saldo final, ainda assim é um dos melhores do ano, dentre os que vi, óbvio.
O Inventor da Mocidade
3.7 71 Assista AgoraDivertidaço e ainda incrivelmente melhor que muito pastiche das últimas décadas.
Apesar de contar mesmo com muitas sequências pueris pra caramba, tem uns momentos de genialidade que impressionam. Cary Grant hilário, com um gestual apuradíssimo e mostrando mesmo a própria volatilidade interpretativa. Na verdade o elenco todo tá ótimo, mas cada ingerida do Grant foi particularmente sobressalente em diversão.
Ainda paira toda a grande ironia do fato de o macaco ser o grande criador da juventude (analogias e tal), de o casal encontrar mais diversão em aventuras "solo" do que na cartilha usual de entretenimento, etc.
Síndromes e um Século
4.0 46Eu abri as portas da mente pro Apichatpong, como vinha ensaiando há um tempão, mas aí o cara vai direto é na alma!
Que coisa mais linda! Por mais antiquado e até bobo, talvez, não dá pra não dizer que isso aqui é contemplação e mais contemplação.
A universalidade temática imensa que pode ser facilmente linkada com a projeção invade com sutileza as nossas percepções. O eixo distante nos põe a observar toda a imensidão de cada quadro sem que percamos também o calor de certas reações.. eu queria dizer um monte de coisa sobre o filme e continuar aporrinhando os comentadores/leitores dessas páginas com minha falácia, mas o conforto é meio que inefável mesmo. Mas esse sentimento, esse afago delicado, não é quebrado com mais crueldade pela proposta do segundo ato em diante, pois infelizmente, em parte do caminho, um pouco de todos nós acabou conformando-se com a vida relapsa, com a opacidade sentimental, com as marteladas, e os tubos que sugam tudo e recondicionam nossa forma de ser, etc.
É estranho portanto, chegar a um final pessimista(?) e constatar que a sensação ainda é a de alento? Ou seria esse ímpeto o de reencontrar o afeto e a sensibilidade num mundo cada vez menos receptivo a eles? Num faço idéia, mas sei que o filme é lindo e figura definitiva na estante de sei lá qual lobo da minha memória.
As Praias de Agnès
4.4 64 Assista AgoraUma nostalgia filmada lindíssima que só poderia mesmo estar - como um dos tantos espelhos da praia - a refletir a criatividade astuciosa de Agnes. Nessa viagem errante pelo passado, a diretora não poupa os auto-questionamentos, as incertezas, mesmo após 80 de anos de vida. Pra reverberar essa consciência coletiva de muitos artistas sobre a incoesão da existência. Mas apesar disso, o filme, como a mulher, é determinado. E para além de uma divagação imagética, faz questão de pintar um quadro sobre as alegrias, as tristezas, as certezas, os amigos, os amores, as transições e todo o resto que é nossa certeza em vida.
Gritos e Sussurros
4.3 472Caramba! Que filmaço arrebatador do caramba.
É o Bergman levando sua teatralidade à última potência, aliando toda a força da cenografia com a dramaturgia. Construindo uma atmosfera terrível de agonia e desespero, consegue imergir qualquer um na sua ameaçadora insegurança.
Nas cenas de maior ebulição dramática eu sou diretamente atirado no caldeirão de assuntos que compõem o grande mote do filme e da obra bergmaniana. Junto aos gritos a aflição, aos sussuros o tormento.
A profundamente eficaz análise de cada uma das mulheres, com os flashs, os raccords invadidos pelo vermelho, os diálogos que se disfarçam de monólogos... Todo o tom do filme reafirma essa perspectiva de que o Bergman tá realmente jogando em frente à câmera tudo aquilo que o atormenta de qualquer forma. Na análise da autenticidade da inerência amorosa à estrutura familiar; naquela cena impressionante do padre em desabafo, etc. Mas a grande questão aqui, não é o Bergman ser um artista depressivo que pinta sua obra com as cores de suas insuficiências, mas alguém com domínio absurdo de seu aparato. Muito mais importante que constatar essa pessoalidade intima dele nos seus filmes é notar a maestria com a qual ele transmite. Pra variar.
E não dá também pra resumir a mérito todo dessa obra-prima ao Ingmar. Todo o núcleo feminino tá absurdamente bom. Estão externadas com precisão cada uma das grandes tormentas mais profundamente íntimas das mulheres. Seja nos gritos ou nos sussurros.
Enfim, como eu demorei tanto pra ver isso?
Quando Duas Mulheres Pecam
4.4 1,1K Assista AgoraUma jornada terrívelmente densa pelo interior de uma câmera desvela o próprio cinema pro sueco. Na odisseia cruel, as duas personagens desconstroem suas máscaras
e revelam-se apenas um só ser, que exprime-se de formas diferentes para existir.
Em todas as vezes que assisti, o ultimo desaquecimento me dá a impressão de que acabo de estar numa legítima viagem ao interior do cinema. Por várias razões que são até óbvias, eu acho. Talvez seja um dos maiores expoentes de materialização daquele conceito do Godard sobre as motivações que levam o sueco a filmar. Bergman se despe através da câmera para buscar respostas. E usualmente me arrasta também pra esse precipício.
Esta Terra é Minha Terra
3.7 18David Carradine é mesmo o apice do filme, que como encenação da primeira grande jornada de Woody é meio débil sim. Mas pelas excelentes escolhas musicais, o timing, o estilo bastante simples e a boa recriação da Depressão em um tom road melancólico - algo de Vinhas da Ira -, acaba valendo muito. Nem que como singela homenagem ao que foi o verdadeiro espírito de Guthrie. Sem dificuldade, qualquer um consegue altear a aura real desse músico fascinante, obstinado e selvagem. No fim, tudo o que importa é o walking and talking, o sing while walk. E de certa forma, o filme soube apreender essa natureza e transmití-la. Tal feito é o que culmina no final convencional e lindo.
Domicílio Conjugal
4.1 111 Assista AgoraMuito superior a Beijos Proibidos, Truffaut filma o domicílio como um personagem particular. Mais que um costume do cinema francês e do próprio diretor, os planos sequencia pelos campos estreitos da casa e o enquadramento sempre elaborado, nos falam quão importante é a familiaridade com o ambiente domiciliar e também a sua extensão, que compreende à toda a pequena vila filmada com a harmonia daquela de Rear Window.
No mais tá com uma carga de diálogos inspiradíssimos, situações deliciosamente bem filmadas, etc. Vai funcionar bem pra quem realmente se deixar levar pelo romance, os desdobramentos, as variações, mas também é facil de despertar aversão por quem iniciar a sessão com um pouco de má vontade, afinal o filme não economiza no enfoque a nuances dramáticas calcadas unicamente na banalidade das relações. Mas os muitos bons momentos e o timing sempre preciso do Truffaut, criam um filme bastante gostoso e fluido.
Morte Negra
3.2 259Para além do niilismo arraigado e engarrafado pra presente junto com o rolo do filme, tem todo um desenvolvimento magnífico pelas mãos de Smith.
O mesmo diretor do intrigante Triângulo do Medo, oferece um horror medieval pesado e talvez sem precedentes, criando uma atmosfera de pavor e hostilidade absolutamente agonizantes. Se as personagens são um tanto desinteressantes, e não escondem o tempo todo que são mero invólucro pra transmissão de mensagem, esta vem acompanhada de muito sangue, violência e crueldade que pulsam em favor do criticismo ideológico do filme.
O intertexto é mesmo sobre o fanatismo religioso e suas consequências catastróficas, aliando insensatez, intolerância e rivalismo. Pegando carona (possivelmente) no período histórico da peste bubonica, onde certamente rolaram barbáries parecidas com as do filme, em torno das divergentes correntes de pensamento religioso propulsionadas pelo constante temor da doença, o roteiro ambienta bem o cenário pra essa trip infernal, e a fotografia se encarrega de contextualizar. Mas o que vale de verdade aqui é a câmera acelerada e inquieta, a aura de floresta macabra de Blair Witch, e a força de cada contorno dramático a que o mote inclina-se dentro de cada novo ato. No fim, aquilo sobre o que a gente não tem convicção é o que instaura o medo real. E pra qual lado você vai pender é irrelevante.
Depois de Horas
4.0 452 Assista AgoraUma revisitada e pronto, virou o Scorsese favorito.
Numa bad trip notívaga toda virtuosa, o mestre apropria-se da atmosfera soturna que ele mesmo já tinha ajudado a estabelecer e cria um dos maiores pesadelos do cinema. Revestido com tudo de bom que as possibilidades do cinema dispõem. Olhando de cima, parece mesmo que o Martin resolveu dar um rolê pra falar sobre o porquê gosta tanto de cinema.
E o roteiro é absolutamente espetacular. O paralelo com O Grito apesar de bastante explicito se dá também em vários detalhes e contextos bem construídos, que podem até formalizar pros olhares mais compromissados uma elaborada crítica ao homem moderno, encalacrado na rotina maçante, sem poder gritar. Desesperado e angustiado no meio de um mundo maluco.
No mais, o filme pode ser simplesmente uma proposição pra fuga à rotina. Uma ida ao cinema.
Mais indiciativo que a van dos ladrões "devolvendo" o Paul na porta do trabalho pra mais um dia entendiante de expediente, não tem.
Um exercício estético expressionista que dialoga com o surrealismo, um poço de onde certamente os Coens içaram alguns baldes, é muita coisa porque é um filmaço, é atestado de genialidade do Scorsa.
O Ovo da Serpente
4.0 130Bergman lança de seu olhar sombrio pra compor uma tenebrosa perspectiva sobre a perturbação da guerra, em via de mão alternativa ao modelo "sobre guerra" tradicional. Alegoriza as relações humanas e as reações através da análise do condicionamento e do controle socio/psicológico. Li que era a época em que o diretor houvera lido 1984, a distopia de Orwell. E conhecedor de tal informação, o paralelo entre as obras ganha bastante substancia para além das suspeitas.