"no passado, se arriscar, arriscar o coração, trazia somente dor e fracasso. então, a gente fugia. eu já fugi muito. nós perdemos controle sobre nossos desejos, nossos apetites, nossa calma, e nós colhemos o que plantamos. nós fugimos até deixarmos tudo que amamos e que nos ama para trás."
ouvi muito o "western stars" quando lançou. muito legal ver que tantos músicos colaboraram para que o projeto tomasse forma. bruce springsteen dirige um filme homogêneo sobre imagens distintas que apontam para a mesma identidade: a sua, que também é a do homem americano, que vive nas estradas, em cantos de bares, indo de um ponto a outro, mas sem se estabelecer em lugar algum.
acompanhar a história que ele tem a contar é como descobrir que seu avô tem um diário de recordações e ainda vive alimentando-as. springsteen também tem, e compartilha em forma de som e, agora, imagem. ele se coloca como um cowboy solitário que não foge de seu passado, mas vai justamente encontrá-lo, a partir do presente, se reinventando sem perder sua essência.
"nada dura para sempre. temos que dar espaço para as outras pessoas. é uma roda. você chega ao final e alguém toma o seu lugar."
o grande segredo de vivian maier que é revelado não é que ela era uma grande artista, porque todos que a conheciam já sabiam disso (mesmo que pouco soubessem sobre a sua identidade), mas o fato de que ninguém tomou o seu lugar, porque ela sempre esteve numa posição de alteridade, entre as outras pessoas e não acima ou atrás delas. muitos colecionam fotos e vídeos de momentos da própria vida. vivian também fazia isso, mas a partir de seus reflexos, e não sua imagem. assim, ela se conhecia sem precisar se olhar, mas observando a vida ao seu redor, até que aquilo tudo não só se confundisse com ela, mas virasse sua própria história.
aos que clamam que filme de herói é mais atração de parque de diversão do que cinema, nada como ver um filme que se assume como um brinquedo o tempo todo: é colorido, extravagante e, acima de tudo, inconstante. em alguns momentos, é super barulhento e frenético, e em outros, é mais desacelerado, mas sempre inquieto. menos planos diabólicos para destruir o mundo, mais tubarões dublados pelo sylvester stallone e estrelas-do-mar gigantes aterrorizando pessoas (nada mais camp).
a bárbara paz realmente amava o babenco e se interessava genuinamente pela história que queria contar. inclusive, parece que ela aprendeu muito durante o processo de filmagem.
o filme foi se formando aos poucos: começou como um projeto embrionário (você percebe que ela nem sabia direito por qual caminho aquilo iria) e, no fim, literalmente, deu conta de uma vida.
- ver filmes de madrugada torna a experiência muito mais intensa e é um raro momento em que consigo me concentrar totalmente no que estou assistindo.
- no começo, eu pensei: isso tudo é muito intimista, íntimo e delicado, quase algo paticular das personagens, que vivem de modo funcional suas vidas, à espera de um grande segredo.
- a revelação do envolvimento das duas protagonistas mantém o charme e a beleza da descoberta. o primeiro encontro delas com maior privacidade já proporciona um flash de memória de dois minutos cantando de um jeito meio tímido lovesong, do the cure. estamos no contexto de um amor reprimido, mas poderia ser um amor de verão, bem adolescente. ela leva a amiga no quarto e de lá não sai mais.
- o problema da segunda metade é que o filme torna-se estéril e apressado.
de repente, a ronit serve de isca para reviver a ligação da esti com suas raízes. subtrairam de todo aquele sentimento, que carregava consigo bastante profundidade e até fisicalidade, o amor, e o reduziram a um relacionamento de fachada (mesmo que as coisas nunca mais sejam as mesmas) sem envolvimento.
- o filme tem uma estética meio clubber (a cena inicial é sensacional) que é a cara do finzinho dos anos 90. imagino que a sequência do del toro já seja outra pegada.
- quando você vê muito filme com o kris kistofferson, o jeff bridges ou o nick nolte em um curto espaço de tempo, seu cérebro não sabe mais quem é quem.
- o stephen dorff nasceu para fazer filhinho de papai rico e bonito, e existe um wesley snipes antes e outro depois de blade.
costumo conversar bastante sobre cinema com um colega e, ao descrever os finais de alguns filmes do david fincher (especialmente seven), ele usa um adjetivo que sempre me intriga, e eu nunca havia percebido que não precisava ser algo pejorativo: "mirabolante", palavra que, no google, juntando as definições, funciona como um aparato, um dispositivo que expõe os excessos. esse movimento acaba revelando um paradoxo: assim como fincher, shyamalan tenta se provar e se explicar, mas seu filme é inexplicável. muita gente teve problema com os últimos 15 minutos, mas eu acho que, justamente por romper com uma tentativa de final mais sóbrio, que vinha se encaminhando, não me incomodou. no fim da sessão, o que mais havia me frustrado acabou me envolvendo, porque, mesmo alterando a percepção dos fatos a cada segundo, o filme é consciente disso, e a função de shyamalan aqui é ser literalmente um observador, um manipulador que controla as reações do público de cima, preservando um pouco de magia. não é nenhuma obra-prima, mas dá para se divertir bastante.
quando eu era pequeno, era traumatizado com palhaços e não conseguia ver os filmes do tim burton. não me parece ter sido coincidência. pee-wee aparenta ser um filme sobre a busca por uma bicicleta, mas é muitas coisas antes disso. é um verdadeiro desfile de situações inusitadas que envolvem elefantes coloridos, um homem de dois metros sendo perseguido por um touro e twisted sister tocando em hollywood. o veículo de transporte é só um meio para se chegar a esses fins. acaba sendo um ensaio, ainda pouco amadurecido, para chegar a beetlejuice, sua forma mais refinada. mas os efeitos práticos, as dancinhas e as homenagens ao horror e a fantasia já estavam aqui. é o tipo de filme pra ver e desligar o cérebro.
"fiquei curioso para saber como isso começou. agora eu sei. os sentimentos podem aparecer de surpresa."
durante o filme, o tempo, com suas unidades de medida, só consegue ser distinto entre o casal de protagonistas e entre o público depois que aquele sentimento intenso de amor não consumado é domado. a partir daí, ele continua existindo, mas o tempo passa a se mover livremente na narrativa, porque não vive em função do relacionamento. por parte considerável da história, tudo o que está ao redor do casal é meramente decorativo. roupas são trocadas a todo instante, relógios aparecem e desaparecem sem que saibamos quantos segundos, minutos, horas ou dias se passaram entre uma cena e outra e troca-se de cenário à vontade. o mais importante disso tudo é que nós não vemos os rostos, e sequer sabemos os nomes, de seus pares, e nem de quem os substitui em seus apartamentos, um localizado ao lado do outro. o amor é a mais concreta das coisas abstratas. ele não tem forma, mas cabe nos corredores de um quarto de hotel, onde ninguém o vê, mas todos sabem que ele existe, por mais que se tente fazer um segredo disso.
p.s.: muito bom saber que, como deve ter servido de referência para a maioria das tramas de amor não consumado do cinema, o kar-wai se influenciou por "um corpo que cai". às vezes os cônjuges parecem mais espectros, fantasmas mesmo, do que pessoas, com identidades definidas.
"sidney é mais do que um baixista: é um desastre fabuloso. uma metáfora. ele incorpora a dimensão da geração niilista."
sid vicious foi um artista cuja ascensão foi uma metáfora para o fracasso. enquanto muitos saíram do poço para a fama, ele sempre foi um símbolo antes de ter reconhecimento por merecimento. sabendo disso, o diretor alex cox não poderia se importar menos em fazer um filme "fiel à realidade". na verdade, funciona melhor nas sequências mais abstratas. afinal, sid & nancy viviam uma eterna fantasia onde o amor era o começo e o fim de tudo, então não é de se estranhar que o filme pareça meio avulso, suspenso na natureza.
nada no filme é estável, sequer confiável. o narrador vai e vem e nunca cria raízes com o público. as personagens simplesmente levitam pela trama, flutuam entre as cenas sem estabelecerem uma identidade fixa. mortos e vivos; corpos e espíritos: é possível ser um e ser outro. ninguém é dono de ninguém, nem de si. há uma confluência entre o novo e o clássico e as imagens se misturam, vêm de outros filmes, outras referências, tipo o cinema policial, noir e variações de hitchock em um "corpo que cai". a única certeza é que tudo é incerto.
é isso o que o público quer! ninguém aguenta mais demagogia.
esse filme é tão consciente de seu tom satírico e, parafraseando o título, politicamente incorreto, que ele corre o risco o tempo todo de ser levado pelo viés literal. fico imaginando a discussão que causaria se lançado hoje, e, na época, deve ter feito polêmica, mas, como é dos anos 90, a essa altura já caiu no esquecimento.
quando você subtrai a eloquência do discurso político, perde-se a credibilidade. toda a pompa do debate, o cenário arranjado para passar ao espectador um tom de sobriedade, vira um mero artifício, e a impressão de realidade articulada pela mídia, que quer extrair da figura do político a imagem de alguém que não apenas passa um tom de respeito, como deve ser respeitado, se torna fake, de fachada. falar verdades ao vivo significa expor as mentiras (e a banalidade) da coisa toda.
"caro diário, sou feliz somente no mar, no trajeto entre uma ilha que acabo de deixar e outra para a qual estou indo"
é muito lindo de ver alguém na casa dos 40 e poucos anos se encantando pela vida com o olhar inédito de uma criança, se entregando mesmo aos momentos e percebendo que não há nada a perder, e ter medo de passar ridículo é se fechar e não viver a vida em sua plenitude. aqui, moretti não é só alguém que registra imagens e está em comunhão com as belas paisagens de seu país, mas também um ser que, ao mesmo tempo, se posiciona de forma crítica (a cena em que ele dá uma de analista e desconstrói a visão romântica de um crítico de cinema é muito boa) perante a articulação do pensamento, mas também se vê refém de fatos mais objetivos dos quais ele não pode argumentar nem contra nem a favor, apenas aceitar, como questões de saúde e convenções sociais. mesmo com tantas nuances, o filme nunca perde o jeito descompromissado, de ser um diário que moretti compartilha com o público, mas que também é muito particular dessa fase de sua vida.
como eu li em um comentário, lupin é um herói oriental cuja origem dialoga muito com as tramas rocambolescas de detetive do ocidente, em que o protagonista é meio malandro e possui literalmente várias cartas na manga. a maioria dos filmes do miyazaki tem um quê de magia e contemplação, são obras místicas que são mais sentidas do que vividas, mas "o castelo de cagliostro" é um organismo em ação constante, sempre em reprodução. o tom farsesco do lupin, de ser o que não é, e todos seus truques usados para distrair seus adversários me lembram do inspetor buginga, personagem de desenho que virou filme.
- proust escreveu que a morte pode chegar esta tarde. proust me dá medo. não amanhã, nem daqui a um ano. esta tarde.
- mas já é noite, vai ficar para amanhã.
o filme tem várias dessas sacadinhas de se mostrar acima de uma posição intelectual que ele mesmo prega. não me pareceu entediante, mas, sim, entediado com as suas próprias ideias, até sufocado por elas. o filme tenta criticar a vida enquanto vitrine de artigos caros, onde cada pessoa e sua função na sociedade possuem um valor simbólico que esconde um grande vazio, mas as tentativas de desconstruir essa visão e fazer comentários irônicos em relação a isso não funcionam, e não tornam o filme mais inteligente. na verdade, ele é tão obcecado consigo mesmo que acaba beirando o exibicionismo, o fetiche, ficando refém do próprio pedantismo que tenta criticar, e isso é estampado na figura do protagonista, que não enxerga a própria hipocrisia e suas contradições. me lembrou o "sinédoque, nova york", um filme que eu estimava muito com meus 18 anos e hoje considero um exercício de ego e pretensão.
eu adoro a capacidade que o cinema tem de me emocionar com as histórias mais improváveis. aqui, a personagem da sandra bullock, assim como as de barbra streisand em "o espelho tem duas faces" e amy irving em "crossing delancey", duas outras comédias românticas americanas dos anos 80/90 que servem mais aos propósitos de pessoas solteiras e solitárias, que moram sozinhas, do que casais apaixonados, é uma outsider quando o assunto é estabilidade dentro de um relacionamento, porque ela mal dá conta de sua vida. gosto de como todos esses filmes exploram a vida caótica na cidade grande e a mobilidade urbana acelerada como um obstáculo no caminho da "felicidade": tá todo mundo tão envolto na rotina e nos altos e baixos do emprego que não há muito espaço para sorrir ou performar bem-estar.
nem na maior das minhas ilusões eu imaginaria que o filme mais dolorosamente triste (e humano), que mais arrebatou comigo e me fez sentir mais e pensar (e consequentemente escrever) menos seria dirigido pelo lars von trier. em algum lugar distante, eu estou conseguindo extrair palavras dessa nuvem esfumaçada que está rondando minha cabeça nesse momento, mas, por enquanto, fico com o choque do impacto.
p.s.: emily watson não atua para si, mas representa uma força cuja energia é sempre transferível para os outros. sua disposição enquanto atriz é, literalmente, traduzida na tela, enquanto personagem. ela é delicada, sim, mas nunca frágil, porque ela acredita, e, aqui, a fé é o que move o esforço. além dela, katrin catrildge, mais famosa por suas colaborações com mike leigh, foi (e é) uma atriz gigante, cujo legado merece ser preservado ou, no caso, descoberto.
em um set de filmagem, toda a equipe da produção já é decomposta em personagens cumprindo funções individuais que afetam o coletivo, e esses acontecimentos externos, que ocorrem no universo pré-fabricado e programado das interações que precedem o filme, alteram a percepção da unidade formada por essa troca. em outras palavras, o produto final, o que é encenado, só existe porque, antes de a câmera entrar em ação, já há um roteiro sujeito a improviso e imprevistos de como cada um vai contribuir (ou não) para enquadrar aquela realidade montada em ficção.
mário peixoto conseguiu transformar uma sequência de imagens das ondas do mar colidindo com uma rocha em uma sinfonia em que, por associação, o movimento ocasionado pelo momento sintoniza com o ritmo das notas musicais da trilha sonora. seria muito simples, mas tem muito o que olhar, muito o que destrinchar. de um ato tão mundano, nasce algo grandioso. a repetição engata e gera ritmo, torna-se poesia filmada em diversos ângulos e tons.
"roube qualquer coisa que ressoe em você, que inspire ou abasteça sua imaginação. devore filmes antigos, filmes novos, músicas, livros, pinturas, fotografias, poemas, sonhos, conversas aleatórias, arquitetura, pontes, sinais de rua, árvores, nuvens, bacias hidrográficas, luz e sombras. para roubar, selecione apenas coisas que falam diretamente à sua alma. se você assim fizer, seu trabalho (e furto) será diferente."
que filme esquisito e... errado. é super feio e mal montado, mas eu nem sei se isso conta como defeito, porque é tudo proposital, e na época deve ter feito sentido para alguém (na verdade, faz até hoje, porque muita gente gosta). além de caótico (um adjetivo que geralmente tem conotação positiva para mim) é desorientado, como o próprio hulk. aliás, eu não o considero atrativo o suficiente para ter um filme solo. gosto de sua origem e tudo mais, mas acho too much e até cansativo de acompanhar. funciona mais como um experimento que deu errado do que como um filme bem acabado.
acho que gosto dos filmes de herói que refletem um lado mais carismático, apesar de curtir filmes com aprofundamento psicológico. gosto de filme do gênero com piadoca, cujo protagonista tira sarro de si mesmo, e que seja mais despojado. por isso, o homem-aranha do sam raimi é perfeito pra mim: é espirituoso e tem um bom coração. já deadpool só é forçado mesmo.
Western Stars
4.4 4"no passado, se arriscar, arriscar o coração, trazia somente dor e fracasso. então, a gente fugia. eu já fugi muito. nós perdemos controle sobre nossos desejos, nossos apetites, nossa calma, e nós colhemos o que plantamos. nós fugimos até deixarmos tudo que amamos e que nos ama para trás."
ouvi muito o "western stars" quando lançou. muito legal ver que tantos músicos colaboraram para que o projeto tomasse forma. bruce springsteen dirige um filme homogêneo sobre imagens distintas que apontam para a mesma identidade: a sua, que também é a do homem americano, que vive nas estradas, em cantos de bares, indo de um ponto a outro, mas sem se estabelecer em lugar algum.
acompanhar a história que ele tem a contar é como descobrir que seu avô tem um diário de recordações e ainda vive alimentando-as. springsteen também tem, e compartilha em forma de som e, agora, imagem. ele se coloca como um cowboy solitário que não foge de seu passado, mas vai justamente encontrá-lo, a partir do presente, se reinventando sem perder sua essência.
A Fotografia Oculta de Vivian Maier
4.4 106"nada dura para sempre. temos que dar espaço para as outras pessoas. é uma roda. você chega ao final e alguém toma o seu lugar."
o grande segredo de vivian maier que é revelado não é que ela era uma grande artista, porque todos que a conheciam já sabiam disso (mesmo que pouco soubessem sobre a sua identidade), mas o fato de que ninguém tomou o seu lugar, porque ela sempre esteve numa posição de alteridade, entre as outras pessoas e não acima ou atrás delas. muitos colecionam fotos e vídeos de momentos da própria vida. vivian também fazia isso, mas a partir de seus reflexos, e não sua imagem. assim, ela se conhecia sem precisar se olhar, mas observando a vida ao seu redor, até que aquilo tudo não só se confundisse com ela, mas virasse sua própria história.
O Esquadrão Suicida
3.6 1,3K Assista Agoraaos que clamam que filme de herói é mais atração de parque de diversão do que cinema, nada como ver um filme que se assume como um brinquedo o tempo todo: é colorido, extravagante e, acima de tudo, inconstante. em alguns momentos, é super barulhento e frenético, e em outros, é mais desacelerado, mas sempre inquieto. menos planos diabólicos para destruir o mundo, mais tubarões dublados pelo sylvester stallone e estrelas-do-mar gigantes aterrorizando pessoas (nada mais camp).
Babenco: Alguém Tem que Ouvir o Coração e Dizer Parou
4.0 64a bárbara paz realmente amava o babenco e se interessava genuinamente pela história que queria contar. inclusive, parece que ela aprendeu muito durante o processo de filmagem.
o filme foi se formando aos poucos: começou como um projeto embrionário (você percebe que ela nem sabia direito por qual caminho aquilo iria) e, no fim, literalmente, deu conta de uma vida.
Desobediência
3.7 721 Assista Agora[diário de uma pessoa insone n° 1520]
- ver filmes de madrugada torna a experiência muito mais intensa e é um raro momento em que consigo me concentrar totalmente no que estou assistindo.
- no começo, eu pensei: isso tudo é muito intimista, íntimo e delicado, quase algo paticular das personagens, que vivem de modo funcional suas vidas, à espera de um grande segredo.
- a revelação do envolvimento das duas protagonistas mantém o charme e a beleza da descoberta. o primeiro encontro delas com maior privacidade já proporciona um flash de memória de dois minutos cantando de um jeito meio tímido lovesong, do the cure. estamos no contexto de um amor reprimido, mas poderia ser um amor de verão, bem adolescente. ela leva a amiga no quarto e de lá não sai mais.
- o problema da segunda metade é que o filme torna-se estéril e apressado.
de repente, a ronit serve de isca para reviver a ligação da esti com suas raízes. subtrairam de todo aquele sentimento, que carregava consigo bastante profundidade e até fisicalidade, o amor, e o reduziram a um relacionamento de fachada (mesmo que as coisas nunca mais sejam as mesmas) sem envolvimento.
Blade: O Caçador de Vampiros
3.2 356 Assista Agoratrês observações:
- o filme tem uma estética meio clubber (a cena inicial é sensacional) que é a cara do finzinho dos anos 90. imagino que a sequência do del toro já seja outra pegada.
- quando você vê muito filme com o kris kistofferson, o jeff bridges ou o nick nolte em um curto espaço de tempo, seu cérebro não sabe mais quem é quem.
- o stephen dorff nasceu para fazer filhinho de papai rico e bonito, e existe um wesley snipes antes e outro depois de blade.
Popeye
2.6 150 Assista Agorase esse filme fosse 100% musical E todo cantado pela shelley duvall, seria perfeito.
Tempo
3.1 1,1K Assista Agoracostumo conversar bastante sobre cinema com um colega e, ao descrever os finais de alguns filmes do david fincher (especialmente seven), ele usa um adjetivo que sempre me intriga, e eu nunca havia percebido que não precisava ser algo pejorativo: "mirabolante", palavra que, no google, juntando as definições, funciona como um aparato, um dispositivo que expõe os excessos. esse movimento acaba revelando um paradoxo: assim como fincher, shyamalan tenta se provar e se explicar, mas seu filme é inexplicável. muita gente teve problema com os últimos 15 minutos, mas eu acho que, justamente por romper com uma tentativa de final mais sóbrio, que vinha se encaminhando, não me incomodou. no fim da sessão, o que mais havia me frustrado acabou me envolvendo, porque, mesmo alterando a percepção dos fatos a cada segundo, o filme é consciente disso, e a função de shyamalan aqui é ser literalmente um observador, um manipulador que controla as reações do público de cima, preservando um pouco de magia. não é nenhuma obra-prima, mas dá para se divertir bastante.
As Grandes Aventuras de Pee-wee
2.8 112 Assista Agoraquando eu era pequeno, era traumatizado com palhaços e não conseguia ver os filmes do tim burton. não me parece ter sido coincidência. pee-wee aparenta ser um filme sobre a busca por uma bicicleta, mas é muitas coisas antes disso. é um verdadeiro desfile de situações inusitadas que envolvem elefantes coloridos, um homem de dois metros sendo perseguido por um touro e twisted sister tocando em hollywood. o veículo de transporte é só um meio para se chegar a esses fins. acaba sendo um ensaio, ainda pouco amadurecido, para chegar a beetlejuice, sua forma mais refinada. mas os efeitos práticos, as dancinhas e as homenagens ao horror e a fantasia já estavam aqui. é o tipo de filme pra ver e desligar o cérebro.
Amor à Flor da Pele
4.3 501 Assista Agora"fiquei curioso para saber como isso começou. agora eu sei. os sentimentos podem aparecer de surpresa."
durante o filme, o tempo, com suas unidades de medida, só consegue ser distinto entre o casal de protagonistas e entre o público depois que aquele sentimento intenso de amor não consumado é domado. a partir daí, ele continua existindo, mas o tempo passa a se mover livremente na narrativa, porque não vive em função do relacionamento. por parte considerável da história, tudo o que está ao redor do casal é meramente decorativo. roupas são trocadas a todo instante, relógios aparecem e desaparecem sem que saibamos quantos segundos, minutos, horas ou dias se passaram entre uma cena e outra e troca-se de cenário à vontade. o mais importante disso tudo é que nós não vemos os rostos, e sequer sabemos os nomes, de seus pares, e nem de quem os substitui em seus apartamentos, um localizado ao lado do outro. o amor é a mais concreta das coisas abstratas. ele não tem forma, mas cabe nos corredores de um quarto de hotel, onde ninguém o vê, mas todos sabem que ele existe, por mais que se tente fazer um segredo disso.
p.s.: muito bom saber que, como deve ter servido de referência para a maioria das tramas de amor não consumado do cinema, o kar-wai se influenciou por "um corpo que cai". às vezes os cônjuges parecem mais espectros, fantasmas mesmo, do que pessoas, com identidades definidas.
Sid & Nancy: O Amor Mata
3.7 371 Assista Agora"sidney é mais do que um baixista: é um desastre fabuloso. uma metáfora. ele incorpora a dimensão da geração niilista."
sid vicious foi um artista cuja ascensão foi uma metáfora para o fracasso. enquanto muitos saíram do poço para a fama, ele sempre foi um símbolo antes de ter reconhecimento por merecimento. sabendo disso, o diretor alex cox não poderia se importar menos em fazer um filme "fiel à realidade". na verdade, funciona melhor nas sequências mais abstratas. afinal, sid & nancy viviam uma eterna fantasia onde o amor era o começo e o fim de tudo, então não é de se estranhar que o filme pareça meio avulso, suspenso na natureza.
Em Trânsito
3.8 48 Assista Agora"até os mortos estão sem criatividade"
nada no filme é estável, sequer confiável. o narrador vai e vem e nunca cria raízes com o público. as personagens simplesmente levitam pela trama, flutuam entre as cenas sem estabelecerem uma identidade fixa. mortos e vivos; corpos e espíritos: é possível ser um e ser outro. ninguém é dono de ninguém, nem de si. há uma confluência entre o novo e o clássico e as imagens se misturam, vêm de outros filmes, outras referências, tipo o cinema policial, noir e variações de hitchock em um "corpo que cai". a única certeza é que tudo é incerto.
Politicamente Incorreto
3.2 14é isso o que o público quer! ninguém aguenta mais demagogia.
esse filme é tão consciente de seu tom satírico e, parafraseando o título, politicamente incorreto, que ele corre o risco o tempo todo de ser levado pelo viés literal. fico imaginando a discussão que causaria se lançado hoje, e, na época, deve ter feito polêmica, mas, como é dos anos 90, a essa altura já caiu no esquecimento.
quando você subtrai a eloquência do discurso político, perde-se a credibilidade. toda a pompa do debate, o cenário arranjado para passar ao espectador um tom de sobriedade, vira um mero artifício, e a impressão de realidade articulada pela mídia, que quer extrair da figura do político a imagem de alguém que não apenas passa um tom de respeito, como deve ser respeitado, se torna fake, de fachada. falar verdades ao vivo significa expor as mentiras (e a banalidade) da coisa toda.
Caro Diário
3.7 38"caro diário, sou feliz somente no mar, no trajeto entre uma ilha que acabo de deixar e outra para a qual estou indo"
é muito lindo de ver alguém na casa dos 40 e poucos anos se encantando pela vida com o olhar inédito de uma criança, se entregando mesmo aos momentos e percebendo que não há nada a perder, e ter medo de passar ridículo é se fechar e não viver a vida em sua plenitude. aqui, moretti não é só alguém que registra imagens e está em comunhão com as belas paisagens de seu país, mas também um ser que, ao mesmo tempo, se posiciona de forma crítica (a cena em que ele dá uma de analista e desconstrói a visão romântica de um crítico de cinema é muito boa) perante a articulação do pensamento, mas também se vê refém de fatos mais objetivos dos quais ele não pode argumentar nem contra nem a favor, apenas aceitar, como questões de saúde e convenções sociais. mesmo com tantas nuances, o filme nunca perde o jeito descompromissado, de ser um diário que moretti compartilha com o público, mas que também é muito particular dessa fase de sua vida.
O Castelo de Cagliostro
4.0 146 Assista Agoracomo eu li em um comentário, lupin é um herói oriental cuja origem dialoga muito com as tramas rocambolescas de detetive do ocidente, em que o protagonista é meio malandro e possui literalmente várias cartas na manga. a maioria dos filmes do miyazaki tem um quê de magia e contemplação, são obras místicas que são mais sentidas do que vividas, mas "o castelo de cagliostro" é um organismo em ação constante, sempre em reprodução. o tom farsesco do lupin, de ser o que não é, e todos seus truques usados para distrair seus adversários me lembram do inspetor buginga, personagem de desenho que virou filme.
A Grande Beleza
3.9 463 Assista Agora- proust escreveu que a morte pode chegar esta tarde. proust me dá medo. não amanhã, nem daqui a um ano. esta tarde.
- mas já é noite, vai ficar para amanhã.
o filme tem várias dessas sacadinhas de se mostrar acima de uma posição intelectual que ele mesmo prega. não me pareceu entediante, mas, sim, entediado com as suas próprias ideias, até sufocado por elas. o filme tenta criticar a vida enquanto vitrine de artigos caros, onde cada pessoa e sua função na sociedade possuem um valor simbólico que esconde um grande vazio, mas as tentativas de desconstruir essa visão e fazer comentários irônicos em relação a isso não funcionam, e não tornam o filme mais inteligente. na verdade, ele é tão obcecado consigo mesmo que acaba beirando o exibicionismo, o fetiche, ficando refém do próprio pedantismo que tenta criticar, e isso é estampado na figura do protagonista, que não enxerga a própria hipocrisia e suas contradições. me lembrou o "sinédoque, nova york", um filme que eu estimava muito com meus 18 anos e hoje considero um exercício de ego e pretensão.
Enquanto Você Dormia
3.5 504 Assista Agoraeu adoro a capacidade que o cinema tem de me emocionar com as histórias mais improváveis. aqui, a personagem da sandra bullock, assim como as de barbra streisand em "o espelho tem duas faces" e amy irving em "crossing delancey", duas outras comédias românticas americanas dos anos 80/90 que servem mais aos propósitos de pessoas solteiras e solitárias, que moram sozinhas, do que casais apaixonados, é uma outsider quando o assunto é estabilidade dentro de um relacionamento, porque ela mal dá conta de sua vida. gosto de como todos esses filmes exploram a vida caótica na cidade grande e a mobilidade urbana acelerada como um obstáculo no caminho da "felicidade": tá todo mundo tão envolto na rotina e nos altos e baixos do emprego que não há muito espaço para sorrir ou performar bem-estar.
O Espelho Tem Duas Faces
3.7 171 Assista Agoraótima dobradinha com "crossing delancey", da joan micklin silver
Fogo Contra Fogo
4.0 662 Assista Agorarevendo e aprendendo.
Ondas do Destino
4.2 335 Assista Agoranem na maior das minhas ilusões eu imaginaria que o filme mais dolorosamente triste (e humano), que mais arrebatou comigo e me fez sentir mais e pensar (e consequentemente escrever) menos seria dirigido pelo lars von trier. em algum lugar distante, eu estou conseguindo extrair palavras dessa nuvem esfumaçada que está rondando minha cabeça nesse momento, mas, por enquanto, fico com o choque do impacto.
p.s.: emily watson não atua para si, mas representa uma força cuja energia é sempre transferível para os outros. sua disposição enquanto atriz é, literalmente, traduzida na tela, enquanto personagem. ela é delicada, sim, mas nunca frágil, porque ela acredita, e, aqui, a fé é o que move o esforço. além dela, katrin catrildge, mais famosa por suas colaborações com mike leigh, foi (e é) uma atriz gigante, cujo legado merece ser preservado ou, no caso, descoberto.
A Noite Americana
4.3 188em um set de filmagem, toda a equipe da produção já é decomposta em personagens cumprindo funções individuais que afetam o coletivo, e esses acontecimentos externos, que ocorrem no universo pré-fabricado e programado das interações que precedem o filme, alteram a percepção da unidade formada por essa troca. em outras palavras, o produto final, o que é encenado, só existe porque, antes de a câmera entrar em ação, já há um roteiro sujeito a improviso e imprevistos de como cada um vai contribuir (ou não) para enquadrar aquela realidade montada em ficção.
Limite
4.0 168 Assista Agoramário peixoto conseguiu transformar uma sequência de imagens das ondas do mar colidindo com uma rocha em uma sinfonia em que, por associação, o movimento ocasionado pelo momento sintoniza com o ritmo das notas musicais da trilha sonora. seria muito simples, mas tem muito o que olhar, muito o que destrinchar. de um ato tão mundano, nasce algo grandioso. a repetição engata e gera ritmo, torna-se poesia filmada em diversos ângulos e tons.
Soul
4.3 1,4K"roube qualquer coisa que ressoe em você, que inspire ou abasteça sua imaginação. devore filmes antigos, filmes novos, músicas, livros, pinturas, fotografias, poemas, sonhos, conversas aleatórias, arquitetura, pontes, sinais de rua, árvores, nuvens, bacias hidrográficas, luz e sombras. para roubar, selecione apenas coisas que falam diretamente à sua alma. se você assim fizer, seu trabalho (e furto) será diferente."
- jim jarmusch
Hulk
2.6 481 Assista Agoraque filme esquisito e... errado. é super feio e mal montado, mas eu nem sei se isso conta como defeito, porque é tudo proposital, e na época deve ter feito sentido para alguém (na verdade, faz até hoje, porque muita gente gosta). além de caótico (um adjetivo que geralmente tem conotação positiva para mim) é desorientado, como o próprio hulk. aliás, eu não o considero atrativo o suficiente para ter um filme solo. gosto de sua origem e tudo mais, mas acho too much e até cansativo de acompanhar. funciona mais como um experimento que deu errado do que como um filme bem acabado.
acho que gosto dos filmes de herói que refletem um lado mais carismático, apesar de curtir filmes com aprofundamento psicológico. gosto de filme do gênero com piadoca, cujo protagonista tira sarro de si mesmo, e que seja mais despojado. por isso, o homem-aranha do sam raimi é perfeito pra mim: é espirituoso e tem um bom coração. já deadpool só é forçado mesmo.