Julian Schnabel não filma pessoas, tampouco vultos. Ele filma, sim, o exterior, mas a partir das sensações que estão dentro de uma única personagem, e se conectam com todas as outras. Quando o protagonista vivido pelo subestimado Mathieu Almaric relembra um momento de sua existência em que barbeou seu pai, que diz "não se fazem mais homens assim", a câmera aponta, no reflexo do pai, para uma foto do filho posicionada ao lado, no espelho. Ou seja, todos os caminhos levam ao seu ponto de vista, à sua vivência e sua humanidade. Com o corpo paralisado, ele é o que sua memória e sua imaginação lhe permitem ser: um amálgama de todas as pessoas que conheceu e todos os lugares que visitou. Mesmo sem poder sair do lugar, carrega consigo, como se sugasse, mesmo, movimento. Dá para atrair vida instintivamente mesmo quando a realidade orgânica se encaminha para a morte.
Em diversos momentos, lembrei de "O Som do Silêncio", porque ambos apontam que a impossibilidade não esconde e nem apaga a subjetividade que existe em cada um. Mas é curioso que nenhum dos dois filmes tenha me alcançado plenamente, ainda que esse tenha cena na praia com Tom Waits tocando de fundo, o suficiente para dilacerar meu coração.
A epítome de tudo aquilo que Wes Anderson sabe fazer de melhor, o que inclui, sim, movimentos calculados e muita simetria, mas, pela primeira vez em muitos anos (talvez desde "O Fantástico Senhor Raposo"), eu vejo paixão, fluidez e muito, mas muito conteúdo! Eu não implico com a qualidade do diretor e sim com a sua maneira muitas vezes cartesiana de pensar cinema. Mas eu sinto que aqui ele realmente percebeu que o que faz pode ser encantador. Vi com a minha mãe no cinema e fiquei muito feliz por ela ter sentido que nunca viu nada igual. Viva maneiras diferentes de se expressar (seja por desenho animado, artes plásticas ou manifestos estudantis)! Viva o jornalismo! Viva o cinema! ❤
- Não se manda no amor. - Você disse que no amor não se manda, mas quer que ele fique apaixonado.
Resumo da ópera: Uma adolescente (Pauline) com o mínimo de ingenuidade para a idade, mas com esperteza e inteligência de sobra como elementos compensatórios + adultos (TODOS) encardidos de ruins + outro adolescente (Sylvain) muito mais ingênuo que a menina e sem a personalidade ajustada para ser um tipo de protagonista ou alguém que não sirva de marionete na mão de todo mundo.
Como de costume, Éric Rohmer coloca o espectador na condição de cúmplice das contradições e idiossincrasias de suas personagens. O amor verbalizado sempre está na sua fase ideal, um passo à frente de qualquer manifestação concreta. Fala-se dele o tempo todo, mas para efetivamente vivê-lo é preciso ter disposição. Nem sempre o diretor quer mostrar a chama do amor ardendo, a faísca que gera a paixão, como diz Marion, prima de Pauline. Esse discurso é muito bonito no papo, mas, na prática, há obstáculos como desinteresse e traição. Às vezes, ele tira o foco desse núcleo principal das primas e nos faz ter contato, a sós, com personagens secundárias. No fim das contas, a ideia dele de protagonismo é tão abstrata quanto os conceitos que retrata: se vive por momentos soltos na narrativa, e não por uma unidade, por uma definição.
A definição exata de mixed feelings. Mesmo se eu tivesse gostado, não me tocou em um nível pessoal. Bonito de olhar e de se ouvir, mas só. Bom aprofundamento da complexa relação de amizade/admiração entre Marco e Benigno, mas, independentemente das intenções e nuances, o núcleo central, ainda mais da forma com que é conduzido, me afasta do filme.
"Outras pessoas podem pensar o que quiserem. Meu problema é quando as pessoas ficam no caminho do feminismo ou no caminho de quem está doente, procurando ficar melhor, porque eles não entendem isso. E, se eles não querem acreditar nisso, ou não se preocupam, ok, mas deveriam passar longe de mim."
Você percebe que o documentário é bom quando ele pega um assunto que já dá um material rico e não se contenta em ser pragmático ou fazer o básico o tempo todo (só às vezes que a abordagem é mais tradicional), mas, sim, destrinchar, dentro do possível, as vertentes do movimento em questão. O material de arquivo é realmente impressionante, e as ligações, seja com outras bandas da época (como o Nirvana, que sempre esteve conectado ali, no meio) ou com o Manifesto da Primeira Onda do Feminismo, em 1848 (uma informação bem útil para quem não tem o costume de ler sobre isso), só estão ali para acrescentar. Sendo de dentro ou de fora do movimento, é um passeio completo.
A mídia estava preocupada em jogar os holofotes para uma pretensa rivalidade feminina entre a vocalista do Bikini Kill, Kathleen Hanna, e Courtney Love, do Hole, ou então prestava um desserviço público jogando shade em sua carreira, mas suas habilidades artísticas e sua influência de dentro dos inúmeros gêneros com os quais trabalhou superavam as questões externas.
Seja no Bikini Kill, com os sons guturais e os malabarismos e contorcionismos no palco que são a cara da Karen O, ou então o jeitão lo-fi de fazer música no Julie Ruin que certamente influenciou a trend do Bedroom Pop, ou o estilo descolado e divertido com toques eletrônicos do Le Tigre, que com certeza esteve no radar do Cansei de Ser Sexy, havia um pouco dela em toda parte.
O final é obviamente comovente, principalmente porque não se aproveita da condição da cantora (para quem não sabe, ela convive há um bom tempo com a doença de Lyme) para explorar um lado maniqueísta dessa sensível questão. Primeiro que ela nunca quis se encaixar no padrão de glamour da fama, e segundo que, a coragem que ela tinha no palco, permaneceu tendo em casa, falando abertamente do que tem, se mostrando disponível para a câmera sem nenhum tipo de pudor ou arrependimento. A consequência disso era achar disposição física e mental para se manter ativa em um outro projeto, e até isso ela conseguiu!
Quem já conhecia se sente contemplado e, quem não, se sente instigado a procurar e pesquisar. Material não falta.
Ok, vamos com calma porque tenho muito a ponderar. Seria muito oportuno (e até gostaria de fazer isso) eu pegar a primeira hora e analisar separadamente do resto do filme, porque, de maneira voluntária ou não (na dúvida, defino como (in)voluntária), Ridley Scott sai totalmente de qualquer tipo de definição convencional de seu cinema (não vi Conselheiros do Crime, mas imagino que seja a outra exceção e, não à toa, tem má reputação, ainda que esteja passando por certo revisionismo na internet), abraçando tudo o que há de melhor no cinema camp (devido às sensações que tive, do estilo de filmar aos longos takes constrangedores, passando pelo uso abrupto da música, fiz associações que foram de Almodóvar ao começo de "Fome Animal") sem nenhum tipo de pudor. É engraçado estar na sala de cinema relativamente cheia nesse momento porque algumas pessoas nem sabem como reagir.
O problema, e aí entra minha principal reclamação, é que o segundo ato parece ter sido dirigido por outra pessoa, e o terceiro também. Entendo as críticas ao elenco, mas honestamente, não os julgo (tirando o Jared Leto, porque há uns 15 anos ele tem sempre o mesmo sonho em que alguém diz que ele é bom ator e ninguém aparece para acordá-lo), porque estavam apenas cumprindo ordem. Se soa forçado em alguns momentos, é porque a direção errou a mão. A interação da Gaga com o Driver funciona justamente entre a ingenuidade da meia hora inicial, que proporciona momentos casuais de uma relação de casal, e a paixão intensa da meia hora seguinte (o que é aquela cena de sexo??? Meu Deus do céu), porque depois tudo é morno. Al Pacino manda bem quando tem que gritar (vide em "Fogo Contra Fogo" ou "Um Domingo Qualquer") e o resto está... Ok, eu acho.
Essas duas partes que eu disse que se desconectam do início refletem a necessidade constante do cinema hollywoodiano de lançar mil biopics genéricas e parecidas de ascensão e queda por ano, todas querendo emular o que Scorsese fez em "Touro Indomável" e "Os Bons Companheiros" décadas atrás, mas sem sucesso. Já o final é um revenge movie para lá de aguado também. Eu daria três estrelas, mas não descreveria com exatidão a descrepância da minha reação.
P.S.: Segundo Ridley Scott, o Brasil é famoso por ser um lugar onde as pessoas dançam salsa.
- Qual o seu manequim? 50? - Não, eu prefiro roupas justas. Elas me deixam mais magro.
Goste-se ou não dos dois Batmans de Schumacher, é inegável que ele foi o que mais chegou perto de criar uma identidade fixa para o universo do Homem-Morcego, seus parceiros e vilões (funcionam como dupla até mais do que os heróis, vide o diálogo que eu usei de exemplo entre o Homem-Gelo do Schwarzenegger e a Poison Ivy da Uma Thurman) e a cidade de Gotham em geral, para onde a localização do mundo parece apontar com exclusividade. Não existe nada além das personagens principais + a presença fixa do mordomo Alfred, aqui mais debilitado do que nunca, mas ainda funcional. Literalmente todo o resto é ornamento, inclusive as pessoas. Elas só estão lá para reagirem ao embate do bem contra o mal como em um palco de circo de luxo, sempre de forma genérica. São uma massa programada para atuar de forma igual, sem distinção.
P.S. inútil de comparação entre celebridades: Alicia Silverstone e Greta Gerwig são parecidas.
Tudo nesse filme remete à dinâmica do Fast Food, e a própria Geração MTV, da qual Gregg Araki faz parte, estava inserida nisso. Noites mal dormidas em quartos de hotéis, canais de notícia sem o menor conteúdo, idas e vindas em drive-thru de lanchonetes de quinta e sexo casual sem muito apego. O filme não faz questão de apresentar mais do que isso, ou mesmo de introduzir situações que não sejam puramente aleatórias (uma cabeça falante estourada, um cara que toma um tiro e perde o braço, um cowboy que toma uma facada nas partes íntimas). E é claro que o elenco pedia alguém que desse conta dessa esquisitice super bem-vinda: Parker Posey, que sempre rouba a cena, mesmo quando aparece por poucos minutos. Rose McGowan está ótima de protagonista, bem diferente de outros papeis dos anos 90, onde fez personagens mais padrões, como em "Pânico" ou "Um Crime Entre Amigas".
P.S.: Banda Slowdive, esse coração é por você e pela audácia do Araki em fechar o filme com a faixa "Blue Skied an' Clear" (aka a melhor música do mundo), do álbum "Pygmalion". Fosse o filme que fosse, subiria no meu conceito com essa sacada.
Ao longo dos anos 80, Jonathan Demme demonstrou um interesse natural em filmar o movimento e as interferências que essa escolha acarretava em suas tramas. Suas personagens sempre iam de lugar a outro buscando algum tipo de destino, cruzavam as fronteiras entre os seus desejos e o que a vida podia oferecer a elas. Não à toa, seus filmes desse período não apenas possuem uma trilha sonora recheada, como são musicados, porque o ritmo que envolve a narrativa é constante. Tendo um bom ouvido pop, treinado para identificar aquilo que tem energia capaz de sustentar as motivações de seus protagonistas, em 1985 ele resolveu dirigir um filme-concerto dos Talking Heads, que nada mais é do que uma fusão de individualidades que, somadas, forma, mais do que uma banda, um senso de coletividade, que sempre fez da diferença, sua maior força, sua maior união. Um descontraído David Byrne entra no palco e começa a tocar, de um jeito desengonçado, mas característico, o mega-hit Psycho Killer. Seus movimentos ocupam todo o espaço cênico. São suas mãos que efetivamente tocam a guitarra, mas é seu corpo que está se expressando com a plateia. É como se cada uma daquelas notas que ele tocasse absorvesse o calor, a energia que ele emana. É quase como se a música, ali, em sua forma mais simples, tomasse conta de todo o ambiente. Um homem se contorcendo todo para ficar em pé e ainda assim mantendo uma postura digna de aplausos, sem nunca deixar de segurar o violão. Quando os outros membros aparecem, o equilíbrio vai sendo estabelecido, mas a sensação é a mesma de antes: eles usam uma parte do corpo para tocar, mas cada passo, cada marca que eles deixam naquele palco, é uma performance nova, que se renova a cada música. Quem disse que o cantor, quando está em um show, não vira ator? Saber conviver com os limites físicos do espaço sem ser consumido por ele é o grande desafio do artista, afinal. Byrne e companhia podem até balançar, mas nunca caem. Que bom que existe a câmera e a percepção de Demme para, respectivamente, filmar e registrar tudo aquilo que ocorre, sem interferir no saldo final do espetáculo. O diretor amplia o campo de visão do público de um show tradicional, e ao acrescentar doses de apuro técnico, uma explosão de cores e luzes, que se unem à ocupação natural daquele espaço, Demme faz um cinema de encaixe, em que cada música tem algo a dizer sobre a construção narrativa desse espetáculo.
Desde que comecei minha jornada pela franquia "A Hora do Pesadelo", eu sempre idealizei um Freddy Krueger muito específico, que não havia aparecido nos outros dois filmes. Por mais que eu adore o primeiro (tenho minhas ressalvas com o segundo), lá ele cumpria muito mais o papel do típico assassino frio e calculista do slasher convencional, e o filme era mais sóbrio. Aqui, Wes Craven volta, mas assina apenas o roteiro. Dá para perceber o toque dele na opção por focar os 30 minutos iniciais em uma história de origem, onde a ex-protagonista Nancy retorna, dessa vez como uma bem-sucedida psicóloga que visita o ambiente onde foi criada para falar sobre sua história de superação (pegou a referência, Sidney Prescott?), mas ao mesmo tempo É um filme de Chuck Russell, aqui em seu primeiro trabalho, mas já consolidando sua principal marca que seria expandida nos dois filmes posteriores ("A Bolha Assassina" e "O Máskara"): a falta de escrúpulos.
Por um lado, há uma mensagem importante sobre o sonho como metáfora para o poder e a importância de se discutir e ter acesso aos traumas que desencadeiam transtornos. Por outro, Freddy não poderia se importar menos. Ele confronta as pessoas de todas as formas, até mesmo usando seringa nas mãos, sempre atacando o grupo de adolescentes através da exploração de suas maiores fraquezas.
Mas o que é mais legal no filme é justamente o que o nome induz: todos eles são guerreiros. Da Nancy ao Doutor Neil, passando por todos os pacientes, trata-se de um protagonismo compartilhado. Normalmente não há muito discurso motivacional nesse tipo de filme, mas esse o faz sem ser piegas.
Esse filme me dá a intensa e constante sensação de que ele encobre uma realidade fabricada. A protagonista (ou uma delas), Millie, vivida com segurança por Shelley Duval, banca uma vida convicta, cheia de certezas, e, do lado de fora de seu apartamento e do hospital em que trabalha, onde tudo é inerte, vive de aparências, em um mundo de convenções sociais onde ninguém tem paciência para ouvi-la, e ela finge que não sabe disso. Se quando está com sua colega de quarto Pinky (Sissy Spaceck, também excelente), a claustrofobia a incomoda, quer sempre sair de casa e ignorar aquele recorte de sua vida, em frente aos vizinhos, parece que se influencia pela textura da cor da parede, um roxo muito vivo, ao ponto de soar fake, e entra em um clima celebratório que só esconde sua tristeza, só esconde um tipo de introspecção que ela não quer explorar, porque não quer ser igual ao rebanho. E é aí que entra o diálogo crucial do filme. Como diferenciar duas pessoas iguais que agem como diferentes? Ou como reconhecer duas pessoas diferentes que agem como iguais? As perguntas parecem distantes entre si, mas o caminho para respondê-las é o mesmo: é preciso enxergar as coisas como são. O problema é que existem muitas camadas interpretativas até chegar a essa conclusão, e é com isso que Altman brinca, manipulando as expectativas do público a todo instante.
Ainda entra uma terceira pessoa, Willie, que está na trama justamente para representar o enigmático, o inatingível. Sua personalidade omissa resvala em todos os momentos em que Pinky e Millie parecem ter suas identidades trocadas, ou serem o oposto umas das outras. Willie seria, então, um intermédio, um ponto de contato entre a introspecção e a extroversão, entre o silêncio e o diálogo.
O final opta justamente pela quebra das teorias: pouco importa o nome ou a identidade dessas pessoas, porque suas representações são vagas na narrativa. Existe sempre a questão do simbolismo, da dicotomia, alterando suas funções na trama.
O filme é bem literal porque só dá para enxergar o que está além do muro, o que está além da fronteira, se você abre a janela e vê as pessoas por fora, enxergando todas suas questões internas, mas dessa vez livre daquelas barreiras que impõem algum tipo de condição. A abordagem naturalista e documental, típica dos Dardenne, funciona com esse tipo de relato mais intimista. Não há nada sutil no retrato. A ausência de música e a sensação de silêncio, desconforto, se choca com a necessidade de se comunicar, de se expressar. Ao contrário do clichê americano de "Sociedade dos Poetas Mortos" e "Escritores da Liberdade", o professor não é o salvador da pátria. Na verdade, ele não abre mão de seu privilégio para se colocar no lugar do outro, e constantemente se contradiz, abrindo mãos dos preconceitos e do separatismo, da segregação da classe em estereótipos amarrados pelas questões étnicas e culturais, apenas quando lhe condiz, quando está na frente dos outros professores.
Esse filme se utiliza da mesma lógica de "Os Bons Companheiros", mas a inverte. Se lá as mulheres eram donas de casa que, por mais que tivessem momentos de liberdade, acompanhavam seus maridos em festas e fingiam que não sabiam de muita coisa que ocorria pelas sarjetas, aqui elas sabem desde o princípio, e Jonathan Demme não esconde que o cerne da história é a dinâmica doméstica das personagens, as sobras que os "homens da máfia" deixam a quem mora com eles. Torna-se quase impossível se livrar de todos os rastros dessa vida e, além disso, essa omissão gera ciúmes entre as mulheres, como se elas vivessem literalmente à mercê da máfia. Ainda assim, esses homens cheios de si cedem seu protagonismo usual a elas, que estão sempre a par do que está acontecendo e demonstram isso.
A música, seja a composta por David Byrne, eventual colaborador de Demme, que sempre mesclou diferentes ritmos, seja a de outros artistas, muitas vezes tocadas "ao vivo" (como de costume em seus filmes), abrange uma rica diversidade cultural e étnica. Tem até canção cantada em português e participações de Pixies e New Order, mostrando que o diretor adorava passear pelos anos 80 através das tendências sociais e culturais, como já havia demonstrado em "Stop Making Sense" e "Something Wild".
Com exceção da protagonista de Michelle Pfeiffer e da ponta de Alec Baldwin, todos os outros atores escalados sempre foram alçados ao rótulo de coadjuvantes (Mercedes Ruehl, Oliver Platt, Matthew Modine e Joan Cusack, por exemplo) e conviveram muito bem com isso ao longo da carreira. Aqui, eles parecem muito confortáveis em seus papeis. Os looks também são maravilhosos, bem a cara da década e de tudo aquilo que era tendência na moda. É legal como, em tudo que tinha o dedo do diretor, dos filmes que tiveram ou quase tiveram seu dedo ("Miami Blues") aos que dirigiu ("Something Wild"), a trama se envolvia em gêneros e subgêneros como um organismo vivo, mutável, que absorvia influências de um trabalho para outro. Do meio para o fim, o lado cômico sempre se dissolve na ação, na tensão, e, depois que a bolha estoura, a história volta a explorar o que tem de mais romântico/engraçado/sensível. Inclusive, amei as cenas pós-créditos!
P.S.: R.I.P. Dean Stockwell.
P.S. 2: Muito bom ler no final, assim como nos outros filmes, a frase "A luta continua". Depois tenho que pesquisar mais sobre isso!
As pessoas são muito amargas e seletivas em relação à recepção desse filme. Dão uma nota muito baixa e, por mais que seja clichê dizer isso, a fama seria outra se fossem dois homens tirando um fim de semana de folga, e se não fosse uma mulher dirigindo. Hoje seria mais aceito, mas, naquela época, não era.
Os relacionamentos são cíclicos, mas não são fechados em si. Entre o começo e o fim, existem inúmeras paradas para reajustes no meio e variações de posições e condições. Saber que o sentido de uma relação não é calculável, não tem precisão matemática, ajuda a amenizar muita frustração, e te faz entender (e aceitar) incongruências espalhadas por aí como clichês. Afinal, querer ficar sozinho não é o único fator que irá afastar ou aproximar pessoas de você. É tudo sobre o quanto você se convence disso. Na área amorosa, um achismo, uma tentação, só vira afirmação se você confia na sua intuição e age com base nela. Pensar muito vai nos levando a rótulos ("estou só", "sou só", "estou com alguém", "estou ficando com alguém"), que às vezes querem dizer a mesma coisa. Dentro dessa lógica infinita, a personalidade vai e vem, se dissolve entre as ambições, entre as fases. O legal dessas comédias é que tem muita nuance em jogo: o cara mais aparentemente imaturo é sempre o que mais aprende (e surpreende).
Tudo isso para dizer que "Sexo Casual?", comédia americana dirigida e protagonizada por mulheres disponível na Netflix (uma surpresa e tanto para o horário das 2h da manhã) repete tudo isso que eu falei, mas de forma mais simples, didática e criativa, sendo, inclusive, responsável socialmente em relação à disseminação de doenças sexualmente transmissíveis (o filme foi lançado na época da AIDS). Além de divertido, é consciente.
P.S.: Bruna, esse texto é para você, pela dica de filme para você ver e pela conversa que tivemos ontem.
P.S. 2: Andrew Dice Clay é o brutamontes que todos queriam ter ao lado. Sua personagem pode não ser muito esperta, mas é sensível e esforçada em mudar. Me lembra o Nicolas Cage nos filmes românticos.
Mesmo um Verhoeven mais comedido e tradicional consegue ser mais inventivo que a maioria dos filmes de qualquer outro cineasta. Esse aqui é melhor do que a fama que o precede. Como de costume em suas obras, o protagonista de Kevin Bacon é destituído de qualquer senso de moralidade, e ele é a cara do filme, mas seu rosto está sempre coberto ou escondido. Como em um filme slasher, não confiamos nele. Tentamos prestar atenção nos movimentos de câmera, mas seus passos estão dispersos, espalhados por todo o quadro. O filme começa como um experimento científico, tendo como pano de fundo um laboratório, e termina como um jogo de gato e rato, um teste de sobrevivência, recheado de convenções do gênero que homenageia: as personagens boazinhas vão sendo eliminadas uma a uma e o "homem invisível" do título tem múltiplas vidas, é quase impossível de superá-lo. Definitivamente não é um mau filme, e, em comparação com o de 2020, não perde tanto assim.
"Não estamos no Século XV! Caímos da razão para essa encenação supersticiosa. Isso não é um ato de fé. Essa é a mais primitiva demonstração de ignorância que eu já vi".
Aos que dizem que cinema é fuga e fantasia de maneira pejorativa, como se fosse um mero escapismo, um convite à alienação por algumas horas, é importante saber que toda obra de ficção pode ser racionalizada, e vice-versa. Afinal, enquanto vemos um filme, acreditamos 100% que aquela é a nossa verdade, tomamos emprestadas as convicções (ou a ausência delas) das personagens. Em Alucarda, temos um grupo religioso fanático que acredita estar lidando com o sobrenatural, com o diabo encarnado no corpo de duas adolescentes. No extremo oposto, o médico local se utiliza da sua da sua formação voltada para a instrumentalização da razão para provar seu ponto. Mas a imagem se mostra mais poderosa que os argumentos no meio audiovisual. Ninguém contesta o que vê, mesmo se estivermos falando de um acontecimento incrível. Isso se aplica tanto às personagens, que estão do lado de dentro da tela, quanto ao público, que observa de fora.
Esse é um filme econômico, tanto quanto à sua duração, quanto à construção de cenário, mas o que ele tem de mais precário em questões orçamentárias, ele tem de mais poderoso na forma como se utiliza de expressões: de raiva, angústia e ódio. É um filme violento, não apenas visualmente, mas também porque pressupõe uma urgência em propagar sua mensagem.
Nunca fui de tentar explicar ou anotar/classificar sonhos. Os melhores são justamente aqueles cuja sequência lógica nós esquecemos (pouco importa sua estrutura/a ordem dos fatos), mas cujas sensações ficam conosco. Quando sentimos tristeza, raiva ou alegria, podemos, em questão de segundos, retornar àquele território onde tudo era possível, mas, agora, aquilo que soava como faz de conta, ganha uma falsa aparência de memória, como se aquelas imagens ilusórias sempre tivessem feito parte de nossas vidas, só não sabemos dizer a partir de quando, e nem como. O que o Wes Craven faz nesse primeiro A Hora do Pesadelo (ansioso desde já pelo Capítulo 3, que não é dele, e pelo 7, que é) foi justamente unir o útil ao agradável: a suspensão da crença das pessoas durante o sonho lado a lado com a falta de credibilidade das vítimas nos filmes do subgênero slasher. Muitas vezes, já é difícil explicar sozinho o que é visto e sentido por todos, mas aquilo que ninguém mais pôde enxergar ou tocar, apenas você, é quase impossível. Aí entra o papel do assassino: deixar rastros e ser descoberto, mas não superado.
P.S.: Johnny Depp como o vizinho que todos queriam ter, ou o típico average guy: bons tempos que não voltam mais.
P.S. 2: Esse negócio de ver filme de horror vicia mesmo! A princípio vi em outubro cumprindo protocolo, mas já tô vendo que vai virar tendência em muitas outras tardes, e até noites.
A História do mundo só pode ser contada a partir das sensações (e das estórias) das pessoas. Aos olhos de quem vê um filme, a vida alheia soa distante e impessoal, mas Wim Wenders a filma como algo tangível, próximo à nossa realidade. Assim, palavras e sentimentos ganham forma através da imagem.
- Estamos apenas simpatizando. - Foda-se. Não preciso da sua simpatia, cara. Preciso do meu pinto. - Por que você precisa dele, Dude?
Eu adoro obras baseadas em falácias, em mentiras que vão se acumulando de boca em boca e chegam nas pessoas como verdade. Revendo O Grande Lebowski, não só o achei ainda mais engraçado (na filmografia dos irmãos, só não acho melhor que Onde os Fracos Não Têm Vez), mas também reparei em detalhes que haviam passado despercebidos das outras vezes, como as conexões musicais da trama. A mais óbvia e direta é a música de Dylan, mas tem ponta de Aimee Mann e Flea e homenagem a Kraftwerk.
O legado do filme é falar com propriedade sobre o que mais importa na vida: porra nenhuma. Ou, em outras palavras, o medo do homem-médio de ser castrado, a surpresa ao ver uns caras sinistros mijando no seu tapete e ser confundido com um milionário. Poesia da vida cotidiana.
P.S.: O Jesus de John Turturro aparece em DUAS cenas e ganhou um filme solo. Sabemos que o resultado não foi muito bom, mas foi uma personagem que ficou. Gostaria de ver o Walter como protagonista de outra trama também, acredito que funcionaria melhor, e o John Goodman nasceu para interpretá-lo. Subiu na revisão e ganhou meia estrela a mais. É uma comédia praticamente perfeita!
- Para que preciso de homem se tiver a moto? - É mais fácil entender mecânica do que a mente de um homem. É possível conhecer uma moto a fundo. Um homem, nunca. Jamais.
Mais uma vez, em um filme da primeira leva de sua carreira, Almodóvar atira para todos os lados, mas é o fator cômico, através do improviso, que envolve o melodrama (em uma época em que ainda não havia se tornado o centro de suas história), e não o contrário. Todas as situações envolvem desconfiança e decorrem de um grande senso espacial e de observação (o diretor é quase um voyeur com sua câmera) que dita o ritmo das trapalhadas do roteiro. Ainda assim, o filme possui uma grande sensibilidade, que se reflete principalmente nas escolhas estéticas. Subiu na revisão.
Quando eu vejo um filme de Almodóvar, especialmente de início de carreira, e aperto o botão de pause no primeiro plano, eu não faço a menor ideia de como será a jornada até o fim, e muito menos de como será efetivamente o desfecho. Acho que um outro diretor que também me proporciona essa sensação, com suas mudanças de direção e diferentes recortes narrativos, é o Brian De Palma, que também é muito visual e intuitivo. Se nos anos 2000 o cinema de Almodóvar era mais voltado ao melodrama, sem hibridismo de gêneros, seus filmes lançados entre os anos 80 e o fim dos anos 90 quase sempre eram tomados por uma diferença abrupta de abordagem entre a primeira e a segunda metade, conservando o exagero e a dramaticidade típicas do diretor, mas arrancando do espectador risos involuntários que vinham ou do absurdo das situações e das confusões proporcionadas por elas, ou da tiração de sarro com as personagens masculinas (especialmente os homens da lei), como o juíz (que na verdade é muito mais do que apenas isso) que mora com a mãe, uma senhora que vive do passado, recortando fotos de famosos em jornais e revistas. Por trás da seriedade da profissão, há um elemento peculiar presente. Eles surgem para solucionar mistérios ou dar pitacos precipitados em investigações que envolvem os protagonistas da trama. Esse lado meio palhaço do cineasta, quase pastelão, de trapalhadas ocasionadas por falta de sincronia, me agrada muito. Convergem em cena o humor e a tragédia, em suas versões extremas, amparados pela tensão, que regem a trama principal e possibilitam um emaranhado de subtramas (amarradas como em uma novela mesmo).
P.S.: Javier Bardem aparece por dois minutos, sem nenhuma fala. Eu vivo por essas pontas aleatórias.
Se os filmes de Burton, especialmente o "Batman Returns" tinham um visual sombrio, influenciado pelo Expressionismo Alemão, uma abordagem ácida e, nas entrelinhas, até maliciosa, nesse primeiro filme de Schumacher, o design de produção é completamente diferente, e é tudo mais inocente (ou melhor, bobo) e reluzente. Ao contrário de 99% dos filmes de herói introdutórios, que seguem uma fórmula (mesmo os de Burton eram assim), não existe background nenhum, as coisas são o que são. Temos uma trilha sonora de "Greatest Hits" dos anos 90 (Flaming Lips, U2 e Seal: quem mais pensaria nessa combinação?) e, é, claro, Jim Carrey como Charada, uma personagem que, se você espremer, só vai sair excesso e escracho. Ele usa expressões como "Joygasm" e sabe descrever o filme como ninguém.
"Adorei este lugar. Heavy Metal com casa e jardim. Lindo. Tão escuro e tão gótico. Repulsivamente decadente, mas brilhante, alegre e conservador. Poucos são verão e inverno ao mesmo tempo, mas em você fica ótimo!" - CHARADA.
Em um período pré-A24, já era uma tendência no cinema americano fazer filmes de horror ou fantasia com uma abordagem lo-fi. Isso se manifestava não apenas no baixo orçamento, mas também nas escolhas narrativas. House of the Devil se deixa levar exatamente por esse mote: é, em todos os sentidos, um filme caseiro. Por toda a sua duração, nos acostumamos a ver a protagonista passar por portas e corredores, como se tivesse entrando em novos portais. Como era de se esperar, do início ao último terço, o terreno é meticulosamente preparado para o banho de sangue do final. Óbvio que tinha que rolar cena com personagem cantando e dançando musiquinha indie e
O Escafandro e a Borboleta
4.2 1,2KJulian Schnabel não filma pessoas, tampouco vultos. Ele filma, sim, o exterior, mas a partir das sensações que estão dentro de uma única personagem, e se conectam com todas as outras. Quando o protagonista vivido pelo subestimado Mathieu Almaric relembra um momento de sua existência em que barbeou seu pai, que diz "não se fazem mais homens assim", a câmera aponta, no reflexo do pai, para uma foto do filho posicionada ao lado, no espelho. Ou seja, todos os caminhos levam ao seu ponto de vista, à sua vivência e sua humanidade. Com o corpo paralisado, ele é o que sua memória e sua imaginação lhe permitem ser: um amálgama de todas as pessoas que conheceu e todos os lugares que visitou. Mesmo sem poder sair do lugar, carrega consigo, como se sugasse, mesmo, movimento. Dá para atrair vida instintivamente mesmo quando a realidade orgânica se encaminha para a morte.
Em diversos momentos, lembrei de "O Som do Silêncio", porque ambos apontam que a impossibilidade não esconde e nem apaga a subjetividade que existe em cada um. Mas é curioso que nenhum dos dois filmes tenha me alcançado plenamente, ainda que esse tenha cena na praia com Tom Waits tocando de fundo, o suficiente para dilacerar meu coração.
A Crônica Francesa
3.5 287 Assista AgoraA epítome de tudo aquilo que Wes Anderson sabe fazer de melhor, o que inclui, sim, movimentos calculados e muita simetria, mas, pela primeira vez em muitos anos (talvez desde "O Fantástico Senhor Raposo"), eu vejo paixão, fluidez e muito, mas muito conteúdo! Eu não implico com a qualidade do diretor e sim com a sua maneira muitas vezes cartesiana de pensar cinema. Mas eu sinto que aqui ele realmente percebeu que o que faz pode ser encantador. Vi com a minha mãe no cinema e fiquei muito feliz por ela ter sentido que nunca viu nada igual. Viva maneiras diferentes de se expressar (seja por desenho animado, artes plásticas ou manifestos estudantis)! Viva o jornalismo! Viva o cinema! ❤
Pauline na Praia
3.9 64- Não se manda no amor.
- Você disse que no amor não se manda, mas quer que ele fique apaixonado.
Resumo da ópera: Uma adolescente (Pauline) com o mínimo de ingenuidade para a idade, mas com esperteza e inteligência de sobra como elementos compensatórios + adultos (TODOS) encardidos de ruins + outro adolescente (Sylvain) muito mais ingênuo que a menina e sem a personalidade ajustada para ser um tipo de protagonista ou alguém que não sirva de marionete na mão de todo mundo.
Como de costume, Éric Rohmer coloca o espectador na condição de cúmplice das contradições e idiossincrasias de suas personagens. O amor verbalizado sempre está na sua fase ideal, um passo à frente de qualquer manifestação concreta. Fala-se dele o tempo todo, mas para efetivamente vivê-lo é preciso ter disposição. Nem sempre o diretor quer mostrar a chama do amor ardendo, a faísca que gera a paixão, como diz Marion, prima de Pauline. Esse discurso é muito bonito no papo, mas, na prática, há obstáculos como desinteresse e traição. Às vezes, ele tira o foco desse núcleo principal das primas e nos faz ter contato, a sós, com personagens secundárias. No fim das contas, a ideia dele de protagonismo é tão abstrata quanto os conceitos que retrata: se vive por momentos soltos na narrativa, e não por uma unidade, por uma definição.
Fale com Ela
4.2 1,0K Assista AgoraA definição exata de mixed feelings. Mesmo se eu tivesse gostado, não me tocou em um nível pessoal. Bonito de olhar e de se ouvir, mas só. Bom aprofundamento da complexa relação de amizade/admiração entre Marco e Benigno, mas, independentemente das intenções e nuances, o núcleo central, ainda mais da forma com que é conduzido, me afasta do filme.
The Punk Singer
4.5 50"Outras pessoas podem pensar o que quiserem. Meu problema é quando as pessoas ficam no caminho do feminismo ou no caminho de quem está doente, procurando ficar melhor, porque eles não entendem isso. E, se eles não querem acreditar nisso, ou não se preocupam, ok, mas deveriam passar longe de mim."
Você percebe que o documentário é bom quando ele pega um assunto que já dá um material rico e não se contenta em ser pragmático ou fazer o básico o tempo todo (só às vezes que a abordagem é mais tradicional), mas, sim, destrinchar, dentro do possível, as vertentes do movimento em questão. O material de arquivo é realmente impressionante, e as ligações, seja com outras bandas da época (como o Nirvana, que sempre esteve conectado ali, no meio) ou com o Manifesto da Primeira Onda do Feminismo, em 1848 (uma informação bem útil para quem não tem o costume de ler sobre isso), só estão ali para acrescentar. Sendo de dentro ou de fora do movimento, é um passeio completo.
A mídia estava preocupada em jogar os holofotes para uma pretensa rivalidade feminina entre a vocalista do Bikini Kill, Kathleen Hanna, e Courtney Love, do Hole, ou então prestava um desserviço público jogando shade em sua carreira, mas suas habilidades artísticas e sua influência de dentro dos inúmeros gêneros com os quais trabalhou superavam as questões externas.
Seja no Bikini Kill, com os sons guturais e os malabarismos e contorcionismos no palco que são a cara da Karen O, ou então o jeitão lo-fi de fazer música no Julie Ruin que certamente influenciou a trend do Bedroom Pop, ou o estilo descolado e divertido com toques eletrônicos do Le Tigre, que com certeza esteve no radar do Cansei de Ser Sexy, havia um pouco dela em toda parte.
O final é obviamente comovente, principalmente porque não se aproveita da condição da cantora (para quem não sabe, ela convive há um bom tempo com a doença de Lyme) para explorar um lado maniqueísta dessa sensível questão. Primeiro que ela nunca quis se encaixar no padrão de glamour da fama, e segundo que, a coragem que ela tinha no palco, permaneceu tendo em casa, falando abertamente do que tem, se mostrando disponível para a câmera sem nenhum tipo de pudor ou arrependimento. A consequência disso era achar disposição física e mental para se manter ativa em um outro projeto, e até isso ela conseguiu!
Quem já conhecia se sente contemplado e, quem não, se sente instigado a procurar e pesquisar. Material não falta.
Casa Gucci
3.2 707 Assista AgoraOk, vamos com calma porque tenho muito a ponderar. Seria muito oportuno (e até gostaria de fazer isso) eu pegar a primeira hora e analisar separadamente do resto do filme, porque, de maneira voluntária ou não (na dúvida, defino como (in)voluntária), Ridley Scott sai totalmente de qualquer tipo de definição convencional de seu cinema (não vi Conselheiros do Crime, mas imagino que seja a outra exceção e, não à toa, tem má reputação, ainda que esteja passando por certo revisionismo na internet), abraçando tudo o que há de melhor no cinema camp (devido às sensações que tive, do estilo de filmar aos longos takes constrangedores, passando pelo uso abrupto da música, fiz associações que foram de Almodóvar ao começo de "Fome Animal") sem nenhum tipo de pudor. É engraçado estar na sala de cinema relativamente cheia nesse momento porque algumas pessoas nem sabem como reagir.
O problema, e aí entra minha principal reclamação, é que o segundo ato parece ter sido dirigido por outra pessoa, e o terceiro também. Entendo as críticas ao elenco, mas honestamente, não os julgo (tirando o Jared Leto, porque há uns 15 anos ele tem sempre o mesmo sonho em que alguém diz que ele é bom ator e ninguém aparece para acordá-lo), porque estavam apenas cumprindo ordem. Se soa forçado em alguns momentos, é porque a direção errou a mão. A interação da Gaga com o Driver funciona justamente entre a ingenuidade da meia hora inicial, que proporciona momentos casuais de uma relação de casal, e a paixão intensa da meia hora seguinte (o que é aquela cena de sexo??? Meu Deus do céu), porque depois tudo é morno. Al Pacino manda bem quando tem que gritar (vide em "Fogo Contra Fogo" ou "Um Domingo Qualquer") e o resto está... Ok, eu acho.
Essas duas partes que eu disse que se desconectam do início refletem a necessidade constante do cinema hollywoodiano de lançar mil biopics genéricas e parecidas de ascensão e queda por ano, todas querendo emular o que Scorsese fez em "Touro Indomável" e "Os Bons Companheiros" décadas atrás, mas sem sucesso. Já o final é um revenge movie para lá de aguado também. Eu daria três estrelas, mas não descreveria com exatidão a descrepância da minha reação.
P.S.: Segundo Ridley Scott, o Brasil é famoso por ser um lugar onde as pessoas dançam salsa.
Batman & Robin
2.3 993 Assista Agora- Qual o seu manequim? 50?
- Não, eu prefiro roupas justas. Elas me deixam mais magro.
Goste-se ou não dos dois Batmans de Schumacher, é inegável que ele foi o que mais chegou perto de criar uma identidade fixa para o universo do Homem-Morcego, seus parceiros e vilões (funcionam como dupla até mais do que os heróis, vide o diálogo que eu usei de exemplo entre o Homem-Gelo do Schwarzenegger e a Poison Ivy da Uma Thurman) e a cidade de Gotham em geral, para onde a localização do mundo parece apontar com exclusividade. Não existe nada além das personagens principais + a presença fixa do mordomo Alfred, aqui mais debilitado do que nunca, mas ainda funcional. Literalmente todo o resto é ornamento, inclusive as pessoas. Elas só estão lá para reagirem ao embate do bem contra o mal como em um palco de circo de luxo, sempre de forma genérica. São uma massa programada para atuar de forma igual, sem distinção.
P.S. inútil de comparação entre celebridades: Alicia Silverstone e Greta Gerwig são parecidas.
Geração Maldita
3.7 126Tudo nesse filme remete à dinâmica do Fast Food, e a própria Geração MTV, da qual Gregg Araki faz parte, estava inserida nisso. Noites mal dormidas em quartos de hotéis, canais de notícia sem o menor conteúdo, idas e vindas em drive-thru de lanchonetes de quinta e sexo casual sem muito apego. O filme não faz questão de apresentar mais do que isso, ou mesmo de introduzir situações que não sejam puramente aleatórias (uma cabeça falante estourada, um cara que toma um tiro e perde o braço, um cowboy que toma uma facada nas partes íntimas). E é claro que o elenco pedia alguém que desse conta dessa esquisitice super bem-vinda: Parker Posey, que sempre rouba a cena, mesmo quando aparece por poucos minutos. Rose McGowan está ótima de protagonista, bem diferente de outros papeis dos anos 90, onde fez personagens mais padrões, como em "Pânico" ou "Um Crime Entre Amigas".
P.S.: Banda Slowdive, esse coração é por você e pela audácia do Araki em fechar o filme com a faixa "Blue Skied an' Clear" (aka a melhor música do mundo), do álbum "Pygmalion". Fosse o filme que fosse, subiria no meu conceito com essa sacada.
Stop Making Sense
4.7 35Ao longo dos anos 80, Jonathan Demme demonstrou um interesse natural em filmar o movimento e as interferências que essa escolha acarretava em suas tramas. Suas personagens sempre iam de lugar a outro buscando algum tipo de destino, cruzavam as fronteiras entre os seus desejos e o que a vida podia oferecer a elas. Não à toa, seus filmes desse período não apenas possuem uma trilha sonora recheada, como são musicados, porque o ritmo que envolve a narrativa é constante. Tendo um bom ouvido pop, treinado para identificar aquilo que tem energia capaz de sustentar as motivações de seus protagonistas, em 1985 ele resolveu dirigir um filme-concerto dos Talking Heads, que nada mais é do que uma fusão de individualidades que, somadas, forma, mais do que uma banda, um senso de coletividade, que sempre fez da diferença, sua maior força, sua maior união. Um descontraído David Byrne entra no palco e começa a tocar, de um jeito desengonçado, mas característico, o mega-hit Psycho Killer. Seus movimentos ocupam todo o espaço cênico. São suas mãos que efetivamente tocam a guitarra, mas é seu corpo que está se expressando com a plateia. É como se cada uma daquelas notas que ele tocasse absorvesse o calor, a energia que ele emana. É quase como se a música, ali, em sua forma mais simples, tomasse conta de todo o ambiente. Um homem se contorcendo todo para ficar em pé e ainda assim mantendo uma postura digna de aplausos, sem nunca deixar de segurar o violão. Quando os outros membros aparecem, o equilíbrio vai sendo estabelecido, mas a sensação é a mesma de antes: eles usam uma parte do corpo para tocar, mas cada passo, cada marca que eles deixam naquele palco, é uma performance nova, que se renova a cada música. Quem disse que o cantor, quando está em um show, não vira ator? Saber conviver com os limites físicos do espaço sem ser consumido por ele é o grande desafio do artista, afinal. Byrne e companhia podem até balançar, mas nunca caem. Que bom que existe a câmera e a percepção de Demme para, respectivamente, filmar e registrar tudo aquilo que ocorre, sem interferir no saldo final do espetáculo. O diretor amplia o campo de visão do público de um show tradicional, e ao acrescentar doses de apuro técnico, uma explosão de cores e luzes, que se unem à ocupação natural daquele espaço, Demme faz um cinema de encaixe, em que cada música tem algo a dizer sobre a construção narrativa desse espetáculo.
A Hora do Pesadelo 3: Os Guerreiros dos Sonhos
3.5 442 Assista AgoraDesde que comecei minha jornada pela franquia "A Hora do Pesadelo", eu sempre idealizei um Freddy Krueger muito específico, que não havia aparecido nos outros dois filmes. Por mais que eu adore o primeiro (tenho minhas ressalvas com o segundo), lá ele cumpria muito mais o papel do típico assassino frio e calculista do slasher convencional, e o filme era mais sóbrio. Aqui, Wes Craven volta, mas assina apenas o roteiro. Dá para perceber o toque dele na opção por focar os 30 minutos iniciais em uma história de origem, onde a ex-protagonista Nancy retorna, dessa vez como uma bem-sucedida psicóloga que visita o ambiente onde foi criada para falar sobre sua história de superação (pegou a referência, Sidney Prescott?), mas ao mesmo tempo É um filme de Chuck Russell, aqui em seu primeiro trabalho, mas já consolidando sua principal marca que seria expandida nos dois filmes posteriores ("A Bolha Assassina" e "O Máskara"): a falta de escrúpulos.
Por um lado, há uma mensagem importante sobre o sonho como metáfora para o poder e a importância de se discutir e ter acesso aos traumas que desencadeiam transtornos. Por outro, Freddy não poderia se importar menos. Ele confronta as pessoas de todas as formas, até mesmo usando seringa nas mãos, sempre atacando o grupo de adolescentes através da exploração de suas maiores fraquezas.
Mas o que é mais legal no filme é justamente o que o nome induz: todos eles são guerreiros. Da Nancy ao Doutor Neil, passando por todos os pacientes, trata-se de um protagonismo compartilhado. Normalmente não há muito discurso motivacional nesse tipo de filme, mas esse o faz sem ser piegas.
Três Mulheres
4.1 57 Assista AgoraEsse filme me dá a intensa e constante sensação de que ele encobre uma realidade fabricada. A protagonista (ou uma delas), Millie, vivida com segurança por Shelley Duval, banca uma vida convicta, cheia de certezas, e, do lado de fora de seu apartamento e do hospital em que trabalha, onde tudo é inerte, vive de aparências, em um mundo de convenções sociais onde ninguém tem paciência para ouvi-la, e ela finge que não sabe disso. Se quando está com sua colega de quarto Pinky (Sissy Spaceck, também excelente), a claustrofobia a incomoda, quer sempre sair de casa e ignorar aquele recorte de sua vida, em frente aos vizinhos, parece que se influencia pela textura da cor da parede, um roxo muito vivo, ao ponto de soar fake, e entra em um clima celebratório que só esconde sua tristeza, só esconde um tipo de introspecção que ela não quer explorar, porque não quer ser igual ao rebanho. E é aí que entra o diálogo crucial do filme. Como diferenciar duas pessoas iguais que agem como diferentes? Ou como reconhecer duas pessoas diferentes que agem como iguais? As perguntas parecem distantes entre si, mas o caminho para respondê-las é o mesmo: é preciso enxergar as coisas como são. O problema é que existem muitas camadas interpretativas até chegar a essa conclusão, e é com isso que Altman brinca, manipulando as expectativas do público a todo instante.
Ainda entra uma terceira pessoa, Willie, que está na trama justamente para representar o enigmático, o inatingível. Sua personalidade omissa resvala em todos os momentos em que Pinky e Millie parecem ter suas identidades trocadas, ou serem o oposto umas das outras. Willie seria, então, um intermédio, um ponto de contato entre a introspecção e a extroversão, entre o silêncio e o diálogo.
O final opta justamente pela quebra das teorias: pouco importa o nome ou a identidade dessas pessoas, porque suas representações são vagas na narrativa. Existe sempre a questão do simbolismo, da dicotomia, alterando suas funções na trama.
Meus Encontros com Amber
3.9 80 Assista Agora- "Eu te amo"
- "Ninguém pode te ouvir"
</3
(A mãe, na verdade, é a Laura Dern, o pai é o Jason Bateman e o filho é o Michael Cera)
Entre os Muros da Escola
3.9 363 Assista AgoraO filme é bem literal porque só dá para enxergar o que está além do muro, o que está além da fronteira, se você abre a janela e vê as pessoas por fora, enxergando todas suas questões internas, mas dessa vez livre daquelas barreiras que impõem algum tipo de condição. A abordagem naturalista e documental, típica dos Dardenne, funciona com esse tipo de relato mais intimista. Não há nada sutil no retrato. A ausência de música e a sensação de silêncio, desconforto, se choca com a necessidade de se comunicar, de se expressar. Ao contrário do clichê americano de "Sociedade dos Poetas Mortos" e "Escritores da Liberdade", o professor não é o salvador da pátria. Na verdade, ele não abre mão de seu privilégio para se colocar no lugar do outro, e constantemente se contradiz, abrindo mãos dos preconceitos e do separatismo, da segregação da classe em estereótipos amarrados pelas questões étnicas e culturais, apenas quando lhe condiz, quando está na frente dos outros professores.
De Caso Com a Máfia
3.2 26 Assista AgoraEsse filme se utiliza da mesma lógica de "Os Bons Companheiros", mas a inverte. Se lá as mulheres eram donas de casa que, por mais que tivessem momentos de liberdade, acompanhavam seus maridos em festas e fingiam que não sabiam de muita coisa que ocorria pelas sarjetas, aqui elas sabem desde o princípio, e Jonathan Demme não esconde que o cerne da história é a dinâmica doméstica das personagens, as sobras que os "homens da máfia" deixam a quem mora com eles. Torna-se quase impossível se livrar de todos os rastros dessa vida e, além disso, essa omissão gera ciúmes entre as mulheres, como se elas vivessem literalmente à mercê da máfia. Ainda assim, esses homens cheios de si cedem seu protagonismo usual a elas, que estão sempre a par do que está acontecendo e demonstram isso.
A música, seja a composta por David Byrne, eventual colaborador de Demme, que sempre mesclou diferentes ritmos, seja a de outros artistas, muitas vezes tocadas "ao vivo" (como de costume em seus filmes), abrange uma rica diversidade cultural e étnica. Tem até canção cantada em português e participações de Pixies e New Order, mostrando que o diretor adorava passear pelos anos 80 através das tendências sociais e culturais, como já havia demonstrado em "Stop Making Sense" e "Something Wild".
Com exceção da protagonista de Michelle Pfeiffer e da ponta de Alec Baldwin, todos os outros atores escalados sempre foram alçados ao rótulo de coadjuvantes (Mercedes Ruehl, Oliver Platt, Matthew Modine e Joan Cusack, por exemplo) e conviveram muito bem com isso ao longo da carreira. Aqui, eles parecem muito confortáveis em seus papeis. Os looks também são maravilhosos, bem a cara da década e de tudo aquilo que era tendência na moda. É legal como, em tudo que tinha o dedo do diretor, dos filmes que tiveram ou quase tiveram seu dedo ("Miami Blues") aos que dirigiu ("Something Wild"), a trama se envolvia em gêneros e subgêneros como um organismo vivo, mutável, que absorvia influências de um trabalho para outro. Do meio para o fim, o lado cômico sempre se dissolve na ação, na tensão, e, depois que a bolha estoura, a história volta a explorar o que tem de mais romântico/engraçado/sensível. Inclusive, amei as cenas pós-créditos!
P.S.: R.I.P. Dean Stockwell.
P.S. 2: Muito bom ler no final, assim como nos outros filmes, a frase "A luta continua". Depois tenho que pesquisar mais sobre isso!
Sexo Casual?
2.6 18As pessoas são muito amargas e seletivas em relação à recepção desse filme. Dão uma nota muito baixa e, por mais que seja clichê dizer isso, a fama seria outra se fossem dois homens tirando um fim de semana de folga, e se não fosse uma mulher dirigindo. Hoje seria mais aceito, mas, naquela época, não era.
Os relacionamentos são cíclicos, mas não são fechados em si. Entre o começo e o fim, existem inúmeras paradas para reajustes no meio e variações de posições e condições. Saber que o sentido de uma relação não é calculável, não tem precisão matemática, ajuda a amenizar muita frustração, e te faz entender (e aceitar) incongruências espalhadas por aí como clichês. Afinal, querer ficar sozinho não é o único fator que irá afastar ou aproximar pessoas de você. É tudo sobre o quanto você se convence disso. Na área amorosa, um achismo, uma tentação, só vira afirmação se você confia na sua intuição e age com base nela. Pensar muito vai nos levando a rótulos ("estou só", "sou só", "estou com alguém", "estou ficando com alguém"), que às vezes querem dizer a mesma coisa. Dentro dessa lógica infinita, a personalidade vai e vem, se dissolve entre as ambições, entre as fases. O legal dessas comédias é que tem muita nuance em jogo: o cara mais aparentemente imaturo é sempre o que mais aprende (e surpreende).
Tudo isso para dizer que "Sexo Casual?", comédia americana dirigida e protagonizada por mulheres disponível na Netflix (uma surpresa e tanto para o horário das 2h da manhã) repete tudo isso que eu falei, mas de forma mais simples, didática e criativa, sendo, inclusive, responsável socialmente em relação à disseminação de doenças sexualmente transmissíveis (o filme foi lançado na época da AIDS). Além de divertido, é consciente.
P.S.: Bruna, esse texto é para você, pela dica de filme para você ver e pela conversa que tivemos ontem.
P.S. 2: Andrew Dice Clay é o brutamontes que todos queriam ter ao lado. Sua personagem pode não ser muito esperta, mas é sensível e esforçada em mudar. Me lembra o Nicolas Cage nos filmes românticos.
O Homem Sem Sombra
2.9 381Mesmo um Verhoeven mais comedido e tradicional consegue ser mais inventivo que a maioria dos filmes de qualquer outro cineasta. Esse aqui é melhor do que a fama que o precede. Como de costume em suas obras, o protagonista de Kevin Bacon é destituído de qualquer senso de moralidade, e ele é a cara do filme, mas seu rosto está sempre coberto ou escondido. Como em um filme slasher, não confiamos nele. Tentamos prestar atenção nos movimentos de câmera, mas seus passos estão dispersos, espalhados por todo o quadro. O filme começa como um experimento científico, tendo como pano de fundo um laboratório, e termina como um jogo de gato e rato, um teste de sobrevivência, recheado de convenções do gênero que homenageia: as personagens boazinhas vão sendo eliminadas uma a uma e o "homem invisível" do título tem múltiplas vidas, é quase impossível de superá-lo. Definitivamente não é um mau filme, e, em comparação com o de 2020, não perde tanto assim.
Alucarda
3.5 217 Assista Agora"Não estamos no Século XV! Caímos da razão para essa encenação supersticiosa. Isso não é um ato de fé. Essa é a mais primitiva demonstração de ignorância que eu já vi".
Aos que dizem que cinema é fuga e fantasia de maneira pejorativa, como se fosse um mero escapismo, um convite à alienação por algumas horas, é importante saber que toda obra de ficção pode ser racionalizada, e vice-versa. Afinal, enquanto vemos um filme, acreditamos 100% que aquela é a nossa verdade, tomamos emprestadas as convicções (ou a ausência delas) das personagens. Em Alucarda, temos um grupo religioso fanático que acredita estar lidando com o sobrenatural, com o diabo encarnado no corpo de duas adolescentes. No extremo oposto, o médico local se utiliza da sua da sua formação voltada para a instrumentalização da razão para provar seu ponto. Mas a imagem se mostra mais poderosa que os argumentos no meio audiovisual. Ninguém contesta o que vê, mesmo se estivermos falando de um acontecimento incrível. Isso se aplica tanto às personagens, que estão do lado de dentro da tela, quanto ao público, que observa de fora.
Esse é um filme econômico, tanto quanto à sua duração, quanto à construção de cenário, mas o que ele tem de mais precário em questões orçamentárias, ele tem de mais poderoso na forma como se utiliza de expressões: de raiva, angústia e ódio. É um filme violento, não apenas visualmente, mas também porque pressupõe uma urgência em propagar sua mensagem.
A Hora do Pesadelo
3.8 1,2K Assista AgoraNunca fui de tentar explicar ou anotar/classificar sonhos. Os melhores são justamente aqueles cuja sequência lógica nós esquecemos (pouco importa sua estrutura/a ordem dos fatos), mas cujas sensações ficam conosco. Quando sentimos tristeza, raiva ou alegria, podemos, em questão de segundos, retornar àquele território onde tudo era possível, mas, agora, aquilo que soava como faz de conta, ganha uma falsa aparência de memória, como se aquelas imagens ilusórias sempre tivessem feito parte de nossas vidas, só não sabemos dizer a partir de quando, e nem como. O que o Wes Craven faz nesse primeiro A Hora do Pesadelo (ansioso desde já pelo Capítulo 3, que não é dele, e pelo 7, que é) foi justamente unir o útil ao agradável: a suspensão da crença das pessoas durante o sonho lado a lado com a falta de credibilidade das vítimas nos filmes do subgênero slasher. Muitas vezes, já é difícil explicar sozinho o que é visto e sentido por todos, mas aquilo que ninguém mais pôde enxergar ou tocar, apenas você, é quase impossível. Aí entra o papel do assassino: deixar rastros e ser descoberto, mas não superado.
P.S.: Johnny Depp como o vizinho que todos queriam ter, ou o típico average guy: bons tempos que não voltam mais.
P.S. 2: Esse negócio de ver filme de horror vicia mesmo! A princípio vi em outubro cumprindo protocolo, mas já tô vendo que vai virar tendência em muitas outras tardes, e até noites.
Asas do Desejo
4.3 493 Assista AgoraA História do mundo só pode ser contada a partir das sensações (e das estórias) das pessoas. Aos olhos de quem vê um filme, a vida alheia soa distante e impessoal, mas Wim Wenders a filma como algo tangível, próximo à nossa realidade. Assim, palavras e sentimentos ganham forma através da imagem.
O Grande Lebowski
3.9 1,1K Assista Agora- Estamos apenas simpatizando.
- Foda-se. Não preciso da sua simpatia, cara. Preciso do meu pinto.
- Por que você precisa dele, Dude?
Eu adoro obras baseadas em falácias, em mentiras que vão se acumulando de boca em boca e chegam nas pessoas como verdade. Revendo O Grande Lebowski, não só o achei ainda mais engraçado (na filmografia dos irmãos, só não acho melhor que Onde os Fracos Não Têm Vez), mas também reparei em detalhes que haviam passado despercebidos das outras vezes, como as conexões musicais da trama. A mais óbvia e direta é a música de Dylan, mas tem ponta de Aimee Mann e Flea e homenagem a Kraftwerk.
O legado do filme é falar com propriedade sobre o que mais importa na vida: porra nenhuma. Ou, em outras palavras, o medo do homem-médio de ser castrado, a surpresa ao ver uns caras sinistros mijando no seu tapete e ser confundido com um milionário. Poesia da vida cotidiana.
P.S.: O Jesus de John Turturro aparece em DUAS cenas e ganhou um filme solo. Sabemos que o resultado não foi muito bom, mas foi uma personagem que ficou. Gostaria de ver o Walter como protagonista de outra trama também, acredito que funcionaria melhor, e o John Goodman nasceu para interpretá-lo. Subiu na revisão e ganhou meia estrela a mais. É uma comédia praticamente perfeita!
Mulheres à Beira de um Ataque de Nervos
4.0 550 Assista Agora- Para que preciso de homem se tiver a moto?
- É mais fácil entender mecânica do que a mente de um homem. É possível conhecer uma moto a fundo. Um homem, nunca. Jamais.
Mais uma vez, em um filme da primeira leva de sua carreira, Almodóvar atira para todos os lados, mas é o fator cômico, através do improviso, que envolve o melodrama (em uma época em que ainda não havia se tornado o centro de suas história), e não o contrário. Todas as situações envolvem desconfiança e decorrem de um grande senso espacial e de observação (o diretor é quase um voyeur com sua câmera) que dita o ritmo das trapalhadas do roteiro. Ainda assim, o filme possui uma grande sensibilidade, que se reflete principalmente nas escolhas estéticas. Subiu na revisão.
De Salto Alto
3.7 175 Assista AgoraQuando eu vejo um filme de Almodóvar, especialmente de início de carreira, e aperto o botão de pause no primeiro plano, eu não faço a menor ideia de como será a jornada até o fim, e muito menos de como será efetivamente o desfecho. Acho que um outro diretor que também me proporciona essa sensação, com suas mudanças de direção e diferentes recortes narrativos, é o Brian De Palma, que também é muito visual e intuitivo. Se nos anos 2000 o cinema de Almodóvar era mais voltado ao melodrama, sem hibridismo de gêneros, seus filmes lançados entre os anos 80 e o fim dos anos 90 quase sempre eram tomados por uma diferença abrupta de abordagem entre a primeira e a segunda metade, conservando o exagero e a dramaticidade típicas do diretor, mas arrancando do espectador risos involuntários que vinham ou do absurdo das situações e das confusões proporcionadas por elas, ou da tiração de sarro com as personagens masculinas (especialmente os homens da lei), como o juíz (que na verdade é muito mais do que apenas isso) que mora com a mãe, uma senhora que vive do passado, recortando fotos de famosos em jornais e revistas. Por trás da seriedade da profissão, há um elemento peculiar presente. Eles surgem para solucionar mistérios ou dar pitacos precipitados em investigações que envolvem os protagonistas da trama. Esse lado meio palhaço do cineasta, quase pastelão, de trapalhadas ocasionadas por falta de sincronia, me agrada muito. Convergem em cena o humor e a tragédia, em suas versões extremas, amparados pela tensão, que regem a trama principal e possibilitam um emaranhado de subtramas (amarradas como em uma novela mesmo).
P.S.: Javier Bardem aparece por dois minutos, sem nenhuma fala. Eu vivo por essas pontas aleatórias.
Batman Eternamente
2.6 721 Assista AgoraSe os filmes de Burton, especialmente o "Batman Returns" tinham um visual sombrio, influenciado pelo Expressionismo Alemão, uma abordagem ácida e, nas entrelinhas, até maliciosa, nesse primeiro filme de Schumacher, o design de produção é completamente diferente, e é tudo mais inocente (ou melhor, bobo) e reluzente. Ao contrário de 99% dos filmes de herói introdutórios, que seguem uma fórmula (mesmo os de Burton eram assim), não existe background nenhum, as coisas são o que são. Temos uma trilha sonora de "Greatest Hits" dos anos 90 (Flaming Lips, U2 e Seal: quem mais pensaria nessa combinação?) e, é, claro, Jim Carrey como Charada, uma personagem que, se você espremer, só vai sair excesso e escracho. Ele usa expressões como "Joygasm" e sabe descrever o filme como ninguém.
"Adorei este lugar. Heavy Metal com casa e jardim. Lindo. Tão escuro e tão gótico. Repulsivamente decadente, mas brilhante, alegre e conservador. Poucos são verão e inverno ao mesmo tempo, mas em você fica ótimo!" - CHARADA.
A Casa do Demônio
3.1 193Em um período pré-A24, já era uma tendência no cinema americano fazer filmes de horror ou fantasia com uma abordagem lo-fi. Isso se manifestava não apenas no baixo orçamento, mas também nas escolhas narrativas. House of the Devil se deixa levar exatamente por esse mote: é, em todos os sentidos, um filme caseiro. Por toda a sua duração, nos acostumamos a ver a protagonista passar por portas e corredores, como se tivesse entrando em novos portais. Como era de se esperar, do início ao último terço, o terreno é meticulosamente preparado para o banho de sangue do final. Óbvio que tinha que rolar cena com personagem cantando e dançando musiquinha indie e
tinha que ter morte inesperada de personagem relevante.