Existem dois tipos de Joe Dante, que muitas vezes se confundem e convergem: um é o desobediente e revoltado, que se comporta como um adolescente, não liga para as normas e às vezes nem se incomoda em soar abstrato ("Gremlins 2" e "Looney Tunes"), e o outro, o explorado nesse filme, se preocupa em fazer um blockbuster com um senso mais familiar de aventura, à la Spielberg (que produziu alguns de seus filmes, inclusive esse), representando muito a nostalgia da época (várias cenas inspiradas de dança, e ver Martin Short imitando os passos de Mick Jagger é ótimo) e com alguns momentos de genuína emoção. Eu prefiro o diretor offbeat do que o comportado, mas ambos divertem.
Vampiros que não são afetados pelo vampirismo, agem como se tivessem qualquer outra coisa. Não é uma doença fisicamente diagnosticada, e sim ocasionada pela desconfiança que vem das ruas, das interações sociais, e se manifesta nos lugares privados, em becos sem saída ou apartamentos bagunçados (como costumam ser os de qualquer estudante que mora sozinho ou sozinha em uma cidade grande). Gosto muito da veia low-profile e filosófica do filme: ele jamais se impõe ou se banca em um assunto. Na verdade, ninguém sabe o que está acontecendo. As pessoas apenas vivem e ficam doentes, como há de ser. Como a protagonista diz, não existe uma única história a ser contada do mundo, porque cada um está condenado a exercer o mesmo papel, ser eterno refém dos mesmos vícios e das mesmas atitudes.
P.S.: Já virei perito em reconhecer vibe de filme nova iorquino, que é gravado por lá.
Para ganhar um coração meu, precisaria de um pouco mais de dr de Peter Parker e um pouco menos de esquematismo, mas gostei bastante. Homens-aranhas são os heróis mais simpáticos e merecem compartilhar um caloroso abraço entre eles.
Ah, e se você foi ao cinema, espero que tenha levado crianças. Não importa se você é pai, mãe, tia, tio, primo, prima, avó ou avô. Só levem. Eu até entendo quem argumenta que é "só" filme de boneco, mas você não vai simplesmente chegar para uma criança que passou a semana, o mês e talvez o ano esperando pelo lançamento e reduzir o espetáculo todo a uma empresa (a Marvel) que quer lucrar com suas franquias e é um dos maiores símbolos do capitalismo. Nós sabemos que isso é verdade, mas também existe o lado do encantamento, e não deve ser ignorado. Eu particularmente não sou fã de filme de herói, mas jamais julgarei o gosto de quem curte.
Sei que existe um culto em torno do Joe Dallesandro, e entendo o motivo, mas queria ter visto mais do Udo Kier e menos dele. O Udo é a definição de um ator outsider, talvez junto com Willem Dafoe e possivelmente com o Christopher Walken. Eles raramente são protagonistas, sempre fazem tipos estranhos e possuem um olhar penetrante e uma presença muito intimista, que, ao mesmo tempo que assusta, impõe carisma.
Sobre o filme, eu acho que ele começa bem, entre doses de erotismo e um humor "tão bom que é ruim" (no meio disso, o camp), mas acaba se tornando um mero repeteco dessa proposta, a ponto de me entediar (mesmo sendo super movimentado) ao longo de seus 95 minutos.
O final é legal porque todo mundo retorna ao palco principal (o laboratório) para se despedir do público, até as crianças, confirmando que é um filme para todas as idades.
Sessão tripla inevitável e inadiável com "Um Som Diferente" e "Juventude Assassina".
Esse era o filme preferido de Kurt Cobain, e, vendo até o final, se torna bem claro o motivo. Toda a angústia adolescente presente em suas canções (como diz a letra de "Serve the Servants", faixa de abertura do "In Utero") que motiva a rebelião contra a autoridade que fica no caminho ("Smells Like Teen Spirit") está condensada na meia hora final do longa, em que ele assume o modo filme de "cerco" (quase um filme de zumbi, ou no estilo Carpenter/Romero adaptado para a realidade de pais e filhos) e finalmente explode no sentimento de insatisfação e revolta.
Saindo um pouco do mérito do Kurt, "Over the Edge" é simplesmente o pai de filmes cujo conceito consiste em "pré-adolescentes/adolescentes entediados tocando a vida no subúrbio americano tentando se livrar das autoridades". Ou seja, influenciou não só a dupla Harmony Korine e Larry Clark (o propósito do filme parece servir às suas intenções, de ser um retrato bem cru e nada romantizado), mas também Richard Linklater, durante sua primeira hora (o tal "espírito" de suas obras de coming of age está ali o tempo todo, com trilha sonora de rock/power pop setentista e festinhas noturnas na casa da galera da turma). O roteirista desse filme, Tim Hunter, também seria alcançado por esse trabalho, porque, mais tarde, já nos anos 80, dirigiria o já mencionado Juventude Assassina, que é um híbrido de Twin Peaks com esse "Over the Edge", servindo de base para "Bully", do Clark, por exemplo. É legal começar a assistir filmes "antigos", com um certo culto envolvido neles, e perceber que, sem eles, uma carreira inteira de um diretor/roteirista não existiria.
Se comunicar é abrir mão de algumas certezas para se entregar às dúvidas. Nunca sabemos o que alguém irá responder, então sempre há uma lacuna nessa espera.
A palavra, tanto a escrita quanto a oral, tem o dom de atravessar a linha evolutiva da memória, então o tempo e a imagem tornam-se um só. Graças à palavra, é possível dar uma definição ao toque, ao sentimento propiciado pelo toque, pela degustação, e traduzir tudo em uma unidade. Essa foi a primeira vez que um filme do Villenueve funcionou comigo (após revisão) porque ele conseguiu replicar a contemplação que tanto busca e sempre buscou em um épico intimista, que é belo sem ser oco e inoperante. É um filme bonito, e, sem dúvida alguma, tem o melhor aproveitamento de trilha sonora em uma obra do cineasta.
EDIT: Continuo gostando, mas diminuí em meia estrela a nota, porque tem um momento, bem na metade do filme, em que há um voice over do Jeremy Renner DO NADA que é meio difícil de aceitar, até na passada de pano. Parece um recorte de um documentário do National Geographic.
"Louca Escapada" está para os filmes de sequestro na estrada assim como "Um Dia de Cão" está para os filmes de assalto a banco (ou ao contrário). Os dois primeiros filmes de Spielberg não têm nada (ou quase nada) a ver com tudo o que ele faria depois, para o bem ou para o mal, e isso que eu curto muita coisa da sua veia mais blockbuster. Até a trilha sonora do John Williams, por exemplo, é muito mais minimalista, não é realçada como em um grande espetáculo. É tudo modesto, mas eficaz.
Como eu li em uma outra review, confiar a uma personagem cega a missão (e a função) de ser a padroeira da verdade, no roteiro, é uma sacada que já vale toda a execução do filme. As pessoas passam a vida fotografando e filmando qualquer cena que veem e não se contentam em apenas guardar na memória, mas ninguém entende que existe vida em uma cena estática, uma espécie de movimento invisível. É preciso que alguém tenha uma sensibilidade fora do comum, como tem o protagonista Martin, interpretado por Hugo Weaving (que eu confundo com Guy Pearce), para se deixar levar por essas sensações.
Se o filme fosse literalmente só dele, ainda mais enxuto do que é, eu não me incomodaria. Queria ter visto mais do seu background de infância (as cenas dele ainda criança com a mãe são até poéticas, puxando um lado menos convencional da narrativa) e mais cenas isoladas em que pudéssemos conhecer melhor as motivações e a introspecção dessa personagem. Para isso, talvez fosse necessário reduzir ainda mais o elenco, mas aumentar a duração.
Por outro lado, por mais que o núcleo do triângulo amoroso se forme de maneira inevitável e de certa forma rompa um pouco nosso contato com Martin, ele também ajuda a estabelecer prioridades. Todo mundo se relaciona com todo mundo: Martin com Andy (Russsell Crowe), em uma amizade que se torna cumplicidade e adoração, Martin com Celia (Geneviève Picot, perfeita para oscilar entre o rancor e o afeto reprimido) e Celia com Andy. Aliás, esse é um triângulo platônico: todos se adoram e se aceitam de longe (por mais que às vezes finjam se odiar), porque cada um desenvolve no outro algum tipo de emoção adormecida (como na cena em que Celia leva Martin à ópera), mas eles nunca funcionam efetivamente como um trio.
É Martin, sozinho, que, mais do que simplesmente analisar, faz tudo acontecer. Isso é óbvio para quem assiste, mas a forma como Jocelyn Moorhouse costura isso na narrativa é muito eficiente.
Se o Al Pacino não fosse ator, ele seria um bom palestrante motivacional. Até o fim dos anos 90 (especialmente durante essa época), era charmoso fazendo qualquer coisa, PRINCIPALMENTE gritando e falando palavrão. Aquele final está bem guardadinho em uma caixinha da década, aliás. Todos os excessos e efeitos malucos utilizados pelos estúdios até então estão ali.
O resto do filme... Bem, acho a execução muito superficial e o Keanu Reeves só foi me convencer na área da atuação mais para a frente. Adoro ele, mas acho que seu carisma combina mais com filmes de ação e aventura, pelo menos para o meu gosto. Sou muito mais a Charlize Theron aqui, acho até que ela poderia ter sido melhor aproveitada.
P.S.: Perdi tudo na hora em que colocaram a voz do Keanu na fala do Pacino e quando eles trocam de corpo. Aliás, toda vez que o Pacino fala a palavra ASS de um jeito super empolgado, eu lembro da cena de Fogo Contra Fogo e morro de rir.
Eu honestamente nunca soube com convicção o que poderia esperar desse filme e o próprio cartaz dele já me intrigava e me causava mil e uma interpretações. A forma com a qual os atores estão posicionados já indicava que essa não era uma relação espontânea, e sim de imposição. Mas, afinal, o filme inteiro seria baseado nisso, no incômodo da inconveniência e da atitude invasiva de uma pessoa de quem você quer se livrar e que obviamente é má intencionada, ou haveria algum tipo de respiro para além do esconderijo da vítima dentro de casa e da insistência do assediador do lado de fora? Para a minha surpresa, mesmo com a tensão estabelecida, o filme apenas implode, jamais explode. Ele começa como um coming of age um tanto quanto alto astral, com as meninas fazendo compras no shopping e olhando e recebendo olhares, na mesma medida, dos garotos, com flertes inocentes, e acaba se estruturando em um teste de sobrevivência e paciência para a protagonista, que percebe que, acima de julgar, é julgada pelos outros, por sua aparência e pelos seus hábitos, inclusive pela família. O mais curioso (e legal) de tudo, é que mesmo quando o barulho da extroversão dá lugar ao silêncio da opressão, ainda existem sons tranquilos sendo captados: ouvimos a natureza se manifestando, com todos aqueles sons de pássaros e vagalumes. Mesmo com as voltas que o roteiro dá, a essência de "história de amadurecimento de cidade pequena" prevalece. Acabou me lembrando um pouco No "Mundo da Lua", do Robert Mulligan. Apesar de, lá, a protagonista ter outra faixa de idade e ser uma criança, o enredo também acaba se mostrando traiçoeiro, e o desfecho da tensão, apesar de existir, toma um rumo diferente do que o público dava como certeza.
"Às vezes, é o que não vemos que nos deixa dormir"
No princípio, o conceito era pura e simplesmente apavorante e assustador. Sem humor exagerado (que, quando bem utilizado, é até bem-vindo) e sem efeitos práticos que ficavam na linha tênue entre o criativo e o descuidado (de novo, quando feito com carinho e paixão, há um certo charme), havia só um homem com garra nas mãos invadindo o sonho de adolescentes, sem muitas explicações desnecessárias ou firulas soltas no roteiro: o primeiro filme refletia a essência do Slasher, era o assassino vs. a vítima, sempre em lugares incômodos, seja ao ar livre ou dentro de casa, com pouca pausa para respirar. Após muitos e muitos filmes que fizeram da franquia algo muito mais próximo da comédia do que do horror, apenas o próprio Wes Craven poderia reconquistar os fãs recriando sua fórmula, mas pela primeira vez dando invisibilidade ao rosto e à voz de Freddy, que se confundem com o próprio ator que o interpreta e com um assediador que passa trotes baseados em frases da franquia ao melhor estilo Pânico (em um ensaio prévio de seu próximo sucesso). Ou seja, Freddy deixa de ser uma paródia de si mesmo e ganha traços mais humanos, ainda que carregados de maldade: ele ameaça, se impõe e é forte, mas não porque é fruto de um sonho, e sim porque ele se esconde em uma forma real.
No mundo em que os multiversos e as realidades paralelas nos envolvem não apenas no cosumo, mas são adotados como se representassem um estilo de vida, nada melhor do que definir e resumir as nossas próprias tendências comportamentais em extensos slides de power point. Adam McKay pode até ser criticado por alguns, mas ele não vai ligar, porque já percebeu que pode aplicar qualquer sintoma de qualquer mal-estar social/tecnológico (Meteoro que vai atingir a Terra e causar o fim da humanidade? Checked!), econômico (Crise financeira de impacto mundial? Checked!) ou cultural (As duas coisas em colisão? Checked!) usando atores famosos (dessa vez apenas atuando, e não explicando os slides, o que torna o filme muito melhor que Big Short) e muita, mas muita disposição para desregular o propósito de tudo (do filme, da vida, de... tudo) e simplificar seu significado em algumas horas. I mean, o cara se esforça tanto para isso, que deve fazer sentido (mesmo na falta dele). McKay é isso aí, o cara vai viver para sempre no simulacro que criou, esse multiverso sofisticado e soberbo, mas eficiente em alguns momentos. Eu confesso que me diverte, e achei mais a cara dele que o outro que havia visto (nada de Vice, por enquanto).
P.S.: Os últimos minutos da História da Humanidade e de Todas as Coisas Como Conhecemos deveriam ser obrigatoriamente desfrutados como se fossem uma longa (e derradeira) ceia natalina.
A partir do terceiro filme, a franquia "A Hora do Pesadelo" passou a apostar na solução dos problemas a partir do trabalho em grupo. Mas, do quinto filme em diante, a proposta desandou. Assim como em uma série com muitos episódios, uma saga de sucesso sempre terá um ou outro capítulo filler, que preenche espaço, mas, aqui, devido às mudanças na direção e às novas guinadas no roteiro para atrair público (em várias tentativas fracassadas), o enredo original, que proporciona um misto de surrealismo com pitadas de tensão psicológica e mil e uma maneiras diferentes de morrer e de matar alguém, cruzando as fronteiras entre horror e fantasia, se perde em camadas e camadas de explicações de background que não levam o filme a lugar nenhum, só servem para tornar o Freddy uma criatura mirabolante sem propósito algum.
"É como se isso não estivesse acontecendo comigo... Mas alguém está se passando por mim, vestindo a minha pele"
Eu nunca fui muito ligado nem à proposta e nem ao som do Joy Division. Dentro da esfera do pós-punk, talvez por já ter uma identificação natural com a banda, sempre curti muito mais o som e a estética do The Cure de início de carreira, porque, ao mesmo tempo que também soava frio e distante, era mais etéreo e expansivo para o meu gosto, ao menos sonoramente, já nos primeiros álbuns. Mas há de se destacar (e elogiar) os méritos de "Control" enquanto cinebiografia: o filme é totalmente atmosférico, assim como era a banda. A escolha pelo preto e branco parece natural, porque é como se a banda, e a personalidade de Curtis, tivessem existido em uma era sem cores, marcada pela apatia e pela distância emocional que, por mais paradoxal que seja, os aproximava de seu público. Eu adorei a escolha do elenco, particularmente o Sam Riley, que definitivamente incorporou o cantor e todos os seu demônios internos. Como quase sempre ocorre nesse tipo de filme, é um pouco apressado em alguns momentos, mas, nesse caso, eu não vejo problema algum nisso, já que Curtis era a banda, e a banda era ele (até que não restasse nada nem de um e nem do outro), então focar muito em sua vida antes de a música aparecer nela seria desviar um pouco o foco do que realmente interessa. No final, contradizendo tudo o que disse anteriormente, eu chorei. A tristeza é acumulativa.
Jeunet + Caro >>>> Jeunet trabalhando sozinho. Um filme como "Delicatessen", da parceria deles, por exemplo, possui mais sustância, porque é bonitinho (de um jeito meio offbeat) naturalmente e tem um lado sombrio/creepy que falta um pouco em seus filmes solo, ou na maioria deles. Criatividade sem mediação pode soar como forçação para arrancar empatia no público, gerando um vazio nessa relação. Ah, e não deveria ser tão difícil conhecer alguém. Para que tantos joguinhos e charadas? Não acho esse romance muito parâmetro para coisa alguma.
Esse proto "Senhor Raposo", com o combo fofura + história narrada por um dos guaxinins (lá, era raposa) + tentativa de convergência/disputa entre humanos e animais cativa o público, mas, particularmente, me envolveria mais se desse mais brilho individual a suas personagens, tivesse mais desenvolvimento e construção de personalidade. Problemas estruturais à parte (eu preferia que o filme fosse fluído e houvesse mais espaço para silêncio e contemplação, sem necessariamente mexer nas doses de fofura AKA "Totoro" ou "Kiki", cuja pontinha eu adorei). Sem dúvida, o ápice dele é o mini-filme de horror que envolve alquimia e surrealismo que se desenvolve na metade (Takahata feat. Miyazaki). Não amei, mas gostei!
Se, para a maioria dos blockbusters que apostam em franquia, o caminho lógico para o sucesso das sequências é reforçar a mitologia e seguir as "regras" estabelecidas nos filmes anteriores, Lana Wachowski toma total liberdade criativa de fazer o filme mais irregular e menos certinho possível, que ao mesmo tempo que reverencia o passado, também se desamarra dele em muitos momentos. É um projeto muito ousado e grandiloquente, que mais uma vez vai repudiar e atrair na mesma medida. O cinema dela é um cinema naturalmente de riscos, quase nunca é uma unanimidade.
Eu gostei muito, de um jeito meio velado, do capítulo anterior da franquia, e esse tenta seguir a mesma linha de criatividade e ataque ao "bom gosto" do que é uma combinação apropriada de apuro técnico e bom uso de efeitos práticos. Nesse sentido, ok, "A Hora do Pesadelo 5" não foge do roteiro previsto até então de ampliar a margem de loucura de um trabalho para o outro, por mais que a qualidade diminua. O problema é que personagens de filmes anteriores sempre são levados adiante, comandadas a cada nova empreitada por um outro diretor, que recicla aquela parte da história sempre do jeito que o convém. Ainda assim, parece contraditório que o filme incite uma discussão válida sobre aborto e depois finja que essa possibilidade não foi cogitada pela protagonista. Sou muito mais o 4, mais divertido e menos enrolado. Agora é ver o 6 protocolarmente para finalmente chegar no 7. E, meu Deus, que preguiça na hora de filmar, hein. Tudo mal enquadrado e péssimo aproveitamento do Freddy, que por mais que tenha bons momentos isolados, se tornou mais refém do mito criado em torno dele mesmo, pela sua criação, do que algo imposto pelos adolescentes.
O assassinato de alguém tem sempre uma finalidade concreta para quem o assume: cometer o ato e imediatamente depois se livrar da culpa. Como especialista em registrar (e basear todo o seu filme) na construção (e execução) desse conceito, Hitchcock sabe que precisa de um álibi, e o próprio espectador poderia provar que o principal acusado não estava no local, porque nós, mais do que qualquer personagem do lado de dentro da tela, vimos o crime tomando forma. O que acontece, no entanto, é que o real criminoso nunca mata uma pessoa, e sim uma ideia. Aqui, Bruno, dono de uma personalidade sinistra por si só, queria dar um fim ao amor que sempre chegava a ele de forma reprimida (principalmente por sua família) e o projetou em um fim de um relacionamento de outra pessoa, que tomou para si. Ele passa, então, a acompanhar de perto todas as pessoas que interagem nesse círculo social, como um carrapato, um parasita que suga, através da observação (o contato sempre é externo, mesmo quando ele mata, Hitchcock filma a cena da forma mais impessoal e silenciosa possível) o estilo de vida que ele gostaria de ter. De novo, a questão do espectro, do rosto familiar que se multiplica a cada nova lembrança, dita o tom do filme, como de costume nas obras do diretor. Parece um consenso que ele consegue colocar, ao mesmo tempo, tanto a plateia quanto suas personagens na condição de transe. Essa cadeia de acontecimentos reincidentes resulta em um cataclisma, um espiral de desastres do qual ninguém escapa, culminando no clímax, a clássica (e meio diferentona) cena do carrossel no final.
A madrugada ainda passa longe da realidade dessa noite de quarta (ainda era fim de tarde quando comecei a rascunhar), mas senti impulsos irresistíveis de pegar o celular e fazer uma série de anotações aleatórias.
Em primeiro lugar, queria dizer que está explicado porque, em 2008 (especificamente nesse ano), eu desenvolvi uma necessidade patológica de ver todos os filmes com a Michelle Monaghan! Assim como o protagonista daqui (nova observação: "Kiss Kiss Bang Bang!", que título legal... bem com cara de onomatopeia, não poderia combinar mais com a ideia sempre atraente da meta-narrativa) reconhece nela uma amiga de infância, alguém que já havia convivido com ele, eu descobri a raiz da minha crush e da minha empatia pela atriz: a grande semelhança (física e de personalidade) dela com uma colega minha de Ensino Fundamental cujas memórias partilhadas se apagaram da minha mente junto com a mudança dela para os Estados Unidos. Adoro quando uma cena de um filme desperta em mim uma situação remota e distante, através dessa convergência de ideias entre quem está dirigindo/filmando/roteirizando e quem está assistindo. Não existem muitas barreiras para esse contato indireto entre realizadores e espectador. É só uma questão de imaginação e alcance.
O tom espertinho do filme me agrada muito e é sempre bom ver o Val Kilmer se sentindo à vontade. Gosto do Robert também, mas tenho mixed feelings com várias de suas personagens que parecem reproduzir um mero "copia e cola" um do outro. Excesso de carisma ou de soberba? Na dúvida, um pouco dos dois. Ah, Shane Black, você tem uma fórmula, e ela começou aí. É só ter boa vontade para persistir nela mais vezes. Algumas falas desnecessárias aqui e ali (às vezes colocadas no roteiro de maneira forçada e irritante), mas diverte bastante.
P.S.: Val Kilmer vestido de forma elegante cheio de auto-confiança, Robert Downey Jr. usando um capuz e se vestindo como se estivesse na quinta série e praticasse bullying com os colegas e Michelle Monaghan no espírito de natal usando roupa apropriada para o momento. Todos reunidos, juntos, enquanto assistem na cozinha de um mansão de luxo uma cena da versão pornô de O Senhor dos Anéis. Cenas que só esse filme (e talvez "Under the Silver Lake" e "O Grande Lebowski") proporciona. Adoro essa noção de casualidade que sempre vai para o lado mais aleatório do estilo de vida dos ricos da indústria.
O filme é todo construído a partir da busca de sensações novas para reviver o clímax de uma memória que nunca adormece. No início do filme, o protagonista se vê submerso na água, tentando salvar o que restava do seu amor. Quando ele descobre outro tipo de prazer (que também vem da dor, mas de outra forma), é ele quem precisa se salvar: de seus pré-conceitos e de seus problemas mal resolvidos, sem deixar de ir de encontro a eles. O filme retrata o universo do BDSM de forma bem instintiva e alia ao universo do drama psicológico um clima crescente de tensão digna de um thriller slow burn: a dinâmica da situação possui nuances que fazem do filme uma experiência expansiva, que não se limita a ser preto no branco. O tom estabelecido, apesar de sempre acompanhado de tensão, nunca explode por completo: a abordagem é suave e, por mais incrível que pareça, com uma pitada de esperança, com espaço para sorrisos e correspondências proporcionadas por linhas tortas que, no final, se cruzam. Aliás, que último segundo foi aquele... Adorei!
A estrutura do documentário, que desde o princípio se esforça para ser o menos convencional possível e dar conta da profusão de ritmos, sons e cores que emanavam de um mesmo lugar (a Nova York da época), mas cujo sentido era desorientado, na carreira do Velvet (basicamente um caleidoscópio apontando e refletindo imagens infinitas, de diferentes formatos), e a própria história e trajetória da banda, nunca foram fixas. Aliás, eu prefiro chamar o Velvet de um coletivo, um experimento musical (dependendo do ponto de vista, o líder poderia ter sido John Cale, ou Lou Reed, ou até Nico e Andy, pelo período em que participaram), do que uma banda como todas as outras. O improviso, ali, era tamanho, que levou o conteúdo à sua ruína: no fim, ninguém conseguia se ouvir, dialogar um com o outro ou se expressar, seja através dos instrumentos ou do poder de fala/escuta. Cada um foi para o seu canto, e a História ficou no caminho.
"Só querem saber do dinheiro. Pode imaginar usar uma tragédia dessas por motivos tão egoístas?"
Caraca, que bagunça. Aqui, a vaidade está em todo o canto mesmo. Acredito que tenha ficado a lição para o De Palma: inserir no roteiro comentários espertinhos sobre a total mão pesada para discutir classe e raça ("ah, mas é tudo uma farsa") que é abordada aqui, não torna a experiência menos constrangedora. Para um filme determinado a debater tantas coisas, são os mínimos (e menos importantes) detalhes que são realmente discutidos por boa parte do filme. Quando é para haver sutileza, há um estrondo, e quando é para decolar, não sai do lugar. Nada funciona, nem a suposta convergência de ideias e nem o entendimento entre os atores e a equipe, vide o discurso estapafúrdio da personagem do Morgan Freeman no final.
Esse é o maior exemplo que eu consigo me lembrar de falha de tradução na hora de passar as ideias da cabeça/do papel para a linguagem audiovisual, para o formato narrativo. Parece que o De Palma retrata tudo "nas coxas", sem o devido aprofundamento que o assunto merece, sempre tentando deixá-lo de escanteio focando em sub-tramas que não acrescentam em nada ao plot principal. Definição de caos sem o mínimo de criatividade. Um filme que corre os mesmos riscos, mas não se perde nas armadilhas do discurso, sendo uma sátira infinitamente melhor, é "Bulworth", do Warren Beaty.
Ok. Se você está acordado, se prepare para ler mais um capítulo nonsense de "As aventuras de um cinéfilo insone que não achou nada melhor para fazer na madrugada de sábado para domingo".
Apontamento 1: Isso aqui definitivamente é um "Blockbuster de Guerrilha". Talvez menos sofisticado que um "Mad Max da vida", além de menos expansivo. Aqui, a luta também é pela sobrevivência e as individualidades vão aparecendo, mas dentro da dinâmica do confinamento. Uns lances psicodélicos aqui e ali, visão periférica e uma pitadinha de gore para dar uns sustinhos nos despreparados + Vin Diesel, que antes de causar no volante, causava no deserto.
Apontamento 2: Que bela pegada celebratória de tribal house, hein. Galerinha da festa rave bem da virada de década ficaria orgulhosa.
Apontamento 3: O Keith David já foi convidado para atuar em todo projeto com potencial para virar cult que envolve dinâmica em grupo ou teorias conspiratórias. De Carpenter para o mundo.
Viagem Insólita
3.6 177 Assista AgoraExistem dois tipos de Joe Dante, que muitas vezes se confundem e convergem: um é o desobediente e revoltado, que se comporta como um adolescente, não liga para as normas e às vezes nem se incomoda em soar abstrato ("Gremlins 2" e "Looney Tunes"), e o outro, o explorado nesse filme, se preocupa em fazer um blockbuster com um senso mais familiar de aventura, à la Spielberg (que produziu alguns de seus filmes, inclusive esse), representando muito a nostalgia da época (várias cenas inspiradas de dança, e ver Martin Short imitando os passos de Mick Jagger é ótimo) e com alguns momentos de genuína emoção. Eu prefiro o diretor offbeat do que o comportado, mas ambos divertem.
O Vício
3.8 59 Assista Agora"Você é escravo de quem você é e você não é nada"
Vampiros que não são afetados pelo vampirismo, agem como se tivessem qualquer outra coisa. Não é uma doença fisicamente diagnosticada, e sim ocasionada pela desconfiança que vem das ruas, das interações sociais, e se manifesta nos lugares privados, em becos sem saída ou apartamentos bagunçados (como costumam ser os de qualquer estudante que mora sozinho ou sozinha em uma cidade grande). Gosto muito da veia low-profile e filosófica do filme: ele jamais se impõe ou se banca em um assunto. Na verdade, ninguém sabe o que está acontecendo. As pessoas apenas vivem e ficam doentes, como há de ser. Como a protagonista diz, não existe uma única história a ser contada do mundo, porque cada um está condenado a exercer o mesmo papel, ser eterno refém dos mesmos vícios e das mesmas atitudes.
P.S.: Já virei perito em reconhecer vibe de filme nova iorquino, que é gravado por lá.
Homem-Aranha: Sem Volta Para Casa
4.2 1,8K Assista AgoraPara ganhar um coração meu, precisaria de um pouco mais de dr de Peter Parker e um pouco menos de esquematismo, mas gostei bastante. Homens-aranhas são os heróis mais simpáticos e merecem compartilhar um caloroso abraço entre eles.
Ah, e se você foi ao cinema, espero que tenha levado crianças. Não importa se você é pai, mãe, tia, tio, primo, prima, avó ou avô. Só levem. Eu até entendo quem argumenta que é "só" filme de boneco, mas você não vai simplesmente chegar para uma criança que passou a semana, o mês e talvez o ano esperando pelo lançamento e reduzir o espetáculo todo a uma empresa (a Marvel) que quer lucrar com suas franquias e é um dos maiores símbolos do capitalismo. Nós sabemos que isso é verdade, mas também existe o lado do encantamento, e não deve ser ignorado. Eu particularmente não sou fã de filme de herói, mas jamais julgarei o gosto de quem curte.
Carne para Frankenstein
3.4 32Sei que existe um culto em torno do Joe Dallesandro, e entendo o motivo, mas queria ter visto mais do Udo Kier e menos dele. O Udo é a definição de um ator outsider, talvez junto com Willem Dafoe e possivelmente com o Christopher Walken. Eles raramente são protagonistas, sempre fazem tipos estranhos e possuem um olhar penetrante e uma presença muito intimista, que, ao mesmo tempo que assusta, impõe carisma.
Sobre o filme, eu acho que ele começa bem, entre doses de erotismo e um humor "tão bom que é ruim" (no meio disso, o camp), mas acaba se tornando um mero repeteco dessa proposta, a ponto de me entediar (mesmo sendo super movimentado) ao longo de seus 95 minutos.
O final é legal porque todo mundo retorna ao palco principal (o laboratório) para se despedir do público, até as crianças, confirmando que é um filme para todas as idades.
A Um Passo do Abismo
3.9 24Sessão tripla inevitável e inadiável com "Um Som Diferente" e "Juventude Assassina".
Esse era o filme preferido de Kurt Cobain, e, vendo até o final, se torna bem claro o motivo. Toda a angústia adolescente presente em suas canções (como diz a letra de "Serve the Servants", faixa de abertura do "In Utero") que motiva a rebelião contra a autoridade que fica no caminho ("Smells Like Teen Spirit") está condensada na meia hora final do longa, em que ele assume o modo filme de "cerco" (quase um filme de zumbi, ou no estilo Carpenter/Romero adaptado para a realidade de pais e filhos) e finalmente explode no sentimento de insatisfação e revolta.
Saindo um pouco do mérito do Kurt, "Over the Edge" é simplesmente o pai de filmes cujo conceito consiste em "pré-adolescentes/adolescentes entediados tocando a vida no subúrbio americano tentando se livrar das autoridades". Ou seja, influenciou não só a dupla Harmony Korine e Larry Clark (o propósito do filme parece servir às suas intenções, de ser um retrato bem cru e nada romantizado), mas também Richard Linklater, durante sua primeira hora (o tal "espírito" de suas obras de coming of age está ali o tempo todo, com trilha sonora de rock/power pop setentista e festinhas noturnas na casa da galera da turma). O roteirista desse filme, Tim Hunter, também seria alcançado por esse trabalho, porque, mais tarde, já nos anos 80, dirigiria o já mencionado Juventude Assassina, que é um híbrido de Twin Peaks com esse "Over the Edge", servindo de base para "Bully", do Clark, por exemplo. É legal começar a assistir filmes "antigos", com um certo culto envolvido neles, e perceber que, sem eles, uma carreira inteira de um diretor/roteirista não existiria.
A Chegada
4.2 3,4K Assista Agora- "É apenas um desenho, não é real"
Se comunicar é abrir mão de algumas certezas para se entregar às dúvidas. Nunca sabemos o que alguém irá responder, então sempre há uma lacuna nessa espera.
A palavra, tanto a escrita quanto a oral, tem o dom de atravessar a linha evolutiva da memória, então o tempo e a imagem tornam-se um só. Graças à palavra, é possível dar uma definição ao toque, ao sentimento propiciado pelo toque, pela degustação, e traduzir tudo em uma unidade. Essa foi a primeira vez que um filme do Villenueve funcionou comigo (após revisão) porque ele conseguiu replicar a contemplação que tanto busca e sempre buscou em um épico intimista, que é belo sem ser oco e inoperante. É um filme bonito, e, sem dúvida alguma, tem o melhor aproveitamento de trilha sonora em uma obra do cineasta.
EDIT: Continuo gostando, mas diminuí em meia estrela a nota, porque tem um momento, bem na metade do filme, em que há um voice over do Jeremy Renner DO NADA que é meio difícil de aceitar, até na passada de pano. Parece um recorte de um documentário do National Geographic.
Louca Escapada
3.4 78"Louca Escapada" está para os filmes de sequestro na estrada assim como "Um Dia de Cão" está para os filmes de assalto a banco (ou ao contrário). Os dois primeiros filmes de Spielberg não têm nada (ou quase nada) a ver com tudo o que ele faria depois, para o bem ou para o mal, e isso que eu curto muita coisa da sua veia mais blockbuster. Até a trilha sonora do John Williams, por exemplo, é muito mais minimalista, não é realçada como em um grande espetáculo. É tudo modesto, mas eficaz.
A Prova
3.6 16 Assista AgoraComo eu li em uma outra review, confiar a uma personagem cega a missão (e a função) de ser a padroeira da verdade, no roteiro, é uma sacada que já vale toda a execução do filme. As pessoas passam a vida fotografando e filmando qualquer cena que veem e não se contentam em apenas guardar na memória, mas ninguém entende que existe vida em uma cena estática, uma espécie de movimento invisível. É preciso que alguém tenha uma sensibilidade fora do comum, como tem o protagonista Martin, interpretado por Hugo Weaving (que eu confundo com Guy Pearce), para se deixar levar por essas sensações.
Se o filme fosse literalmente só dele, ainda mais enxuto do que é, eu não me incomodaria. Queria ter visto mais do seu background de infância (as cenas dele ainda criança com a mãe são até poéticas, puxando um lado menos convencional da narrativa) e mais cenas isoladas em que pudéssemos conhecer melhor as motivações e a introspecção dessa personagem. Para isso, talvez fosse necessário reduzir ainda mais o elenco, mas aumentar a duração.
Por outro lado, por mais que o núcleo do triângulo amoroso se forme de maneira inevitável e de certa forma rompa um pouco nosso contato com Martin, ele também ajuda a estabelecer prioridades. Todo mundo se relaciona com todo mundo: Martin com Andy (Russsell Crowe), em uma amizade que se torna cumplicidade e adoração, Martin com Celia (Geneviève Picot, perfeita para oscilar entre o rancor e o afeto reprimido) e Celia com Andy. Aliás, esse é um triângulo platônico: todos se adoram e se aceitam de longe (por mais que às vezes finjam se odiar), porque cada um desenvolve no outro algum tipo de emoção adormecida (como na cena em que Celia leva Martin à ópera), mas eles nunca funcionam efetivamente como um trio.
É Martin, sozinho, que, mais do que simplesmente analisar, faz tudo acontecer. Isso é óbvio para quem assiste, mas a forma como Jocelyn Moorhouse costura isso na narrativa é muito eficiente.
Advogado do Diabo
4.0 1,4K Assista Agora- "Mas que discurso de vendedor!"
Se o Al Pacino não fosse ator, ele seria um bom palestrante motivacional. Até o fim dos anos 90 (especialmente durante essa época), era charmoso fazendo qualquer coisa, PRINCIPALMENTE gritando e falando palavrão. Aquele final está bem guardadinho em uma caixinha da década, aliás. Todos os excessos e efeitos malucos utilizados pelos estúdios até então estão ali.
O resto do filme... Bem, acho a execução muito superficial e o Keanu Reeves só foi me convencer na área da atuação mais para a frente. Adoro ele, mas acho que seu carisma combina mais com filmes de ação e aventura, pelo menos para o meu gosto. Sou muito mais a Charlize Theron aqui, acho até que ela poderia ter sido melhor aproveitada.
P.S.: Perdi tudo na hora em que colocaram a voz do Keanu na fala do Pacino e quando eles trocam de corpo. Aliás, toda vez que o Pacino fala a palavra ASS de um jeito super empolgado, eu lembro da cena de Fogo Contra Fogo e morro de rir.
Conversa Suave
3.2 8Eu honestamente nunca soube com convicção o que poderia esperar desse filme e o próprio cartaz dele já me intrigava e me causava mil e uma interpretações. A forma com a qual os atores estão posicionados já indicava que essa não era uma relação espontânea, e sim de imposição. Mas, afinal, o filme inteiro seria baseado nisso, no incômodo da inconveniência e da atitude invasiva de uma pessoa de quem você quer se livrar e que obviamente é má intencionada, ou haveria algum tipo de respiro para além do esconderijo da vítima dentro de casa e da insistência do assediador do lado de fora? Para a minha surpresa, mesmo com a tensão estabelecida, o filme apenas implode, jamais explode. Ele começa como um coming of age um tanto quanto alto astral, com as meninas fazendo compras no shopping e olhando e recebendo olhares, na mesma medida, dos garotos, com flertes inocentes, e acaba se estruturando em um teste de sobrevivência e paciência para a protagonista, que percebe que, acima de julgar, é julgada pelos outros, por sua aparência e pelos seus hábitos, inclusive pela família. O mais curioso (e legal) de tudo, é que mesmo quando o barulho da extroversão dá lugar ao silêncio da opressão, ainda existem sons tranquilos sendo captados: ouvimos a natureza se manifestando, com todos aqueles sons de pássaros e vagalumes. Mesmo com as voltas que o roteiro dá, a essência de "história de amadurecimento de cidade pequena" prevalece. Acabou me lembrando um pouco No "Mundo da Lua", do Robert Mulligan. Apesar de, lá, a protagonista ter outra faixa de idade e ser uma criança, o enredo também acaba se mostrando traiçoeiro, e o desfecho da tensão, apesar de existir, toma um rumo diferente do que o público dava como certeza.
O Novo Pesadelo: O Retorno de Freddy Krueger
3.4 393 Assista Agora"Às vezes, é o que não vemos que nos deixa dormir"
No princípio, o conceito era pura e simplesmente apavorante e assustador. Sem humor exagerado (que, quando bem utilizado, é até bem-vindo) e sem efeitos práticos que ficavam na linha tênue entre o criativo e o descuidado (de novo, quando feito com carinho e paixão, há um certo charme), havia só um homem com garra nas mãos invadindo o sonho de adolescentes, sem muitas explicações desnecessárias ou firulas soltas no roteiro: o primeiro filme refletia a essência do Slasher, era o assassino vs. a vítima, sempre em lugares incômodos, seja ao ar livre ou dentro de casa, com pouca pausa para respirar. Após muitos e muitos filmes que fizeram da franquia algo muito mais próximo da comédia do que do horror, apenas o próprio Wes Craven poderia reconquistar os fãs recriando sua fórmula, mas pela primeira vez dando invisibilidade ao rosto e à voz de Freddy, que se confundem com o próprio ator que o interpreta e com um assediador que passa trotes baseados em frases da franquia ao melhor estilo Pânico (em um ensaio prévio de seu próximo sucesso). Ou seja, Freddy deixa de ser uma paródia de si mesmo e ganha traços mais humanos, ainda que carregados de maldade: ele ameaça, se impõe e é forte, mas não porque é fruto de um sonho, e sim porque ele se esconde em uma forma real.
Não Olhe para Cima
3.7 1,9K Assista AgoraNo mundo em que os multiversos e as realidades paralelas nos envolvem não apenas no cosumo, mas são adotados como se representassem um estilo de vida, nada melhor do que definir e resumir as nossas próprias tendências comportamentais em extensos slides de power point. Adam McKay pode até ser criticado por alguns, mas ele não vai ligar, porque já percebeu que pode aplicar qualquer sintoma de qualquer mal-estar social/tecnológico (Meteoro que vai atingir a Terra e causar o fim da humanidade? Checked!), econômico (Crise financeira de impacto mundial? Checked!) ou cultural (As duas coisas em colisão? Checked!) usando atores famosos (dessa vez apenas atuando, e não explicando os slides, o que torna o filme muito melhor que Big Short) e muita, mas muita disposição para desregular o propósito de tudo (do filme, da vida, de... tudo) e simplificar seu significado em algumas horas. I mean, o cara se esforça tanto para isso, que deve fazer sentido (mesmo na falta dele). McKay é isso aí, o cara vai viver para sempre no simulacro que criou, esse multiverso sofisticado e soberbo, mas eficiente em alguns momentos. Eu confesso que me diverte, e achei mais a cara dele que o outro que havia visto (nada de Vice, por enquanto).
P.S.: Os últimos minutos da História da Humanidade e de Todas as Coisas Como Conhecemos deveriam ser obrigatoriamente desfrutados como se fossem uma longa (e derradeira) ceia natalina.
A Hora do Pesadelo 6: Pesadelo Final, A Morte de …
3.0 376 Assista AgoraA partir do terceiro filme, a franquia "A Hora do Pesadelo" passou a apostar na solução dos problemas a partir do trabalho em grupo. Mas, do quinto filme em diante, a proposta desandou. Assim como em uma série com muitos episódios, uma saga de sucesso sempre terá um ou outro capítulo filler, que preenche espaço, mas, aqui, devido às mudanças na direção e às novas guinadas no roteiro para atrair público (em várias tentativas fracassadas), o enredo original, que proporciona um misto de surrealismo com pitadas de tensão psicológica e mil e uma maneiras diferentes de morrer e de matar alguém, cruzando as fronteiras entre horror e fantasia, se perde em camadas e camadas de explicações de background que não levam o filme a lugar nenhum, só servem para tornar o Freddy uma criatura mirabolante sem propósito algum.
Controle: A História de Ian Curtis
4.3 714"É como se isso não estivesse acontecendo comigo... Mas alguém está se passando por mim, vestindo a minha pele"
Eu nunca fui muito ligado nem à proposta e nem ao som do Joy Division. Dentro da esfera do pós-punk, talvez por já ter uma identificação natural com a banda, sempre curti muito mais o som e a estética do The Cure de início de carreira, porque, ao mesmo tempo que também soava frio e distante, era mais etéreo e expansivo para o meu gosto, ao menos sonoramente, já nos primeiros álbuns. Mas há de se destacar (e elogiar) os méritos de "Control" enquanto cinebiografia: o filme é totalmente atmosférico, assim como era a banda. A escolha pelo preto e branco parece natural, porque é como se a banda, e a personalidade de Curtis, tivessem existido em uma era sem cores, marcada pela apatia e pela distância emocional que, por mais paradoxal que seja, os aproximava de seu público. Eu adorei a escolha do elenco, particularmente o Sam Riley, que definitivamente incorporou o cantor e todos os seu demônios internos. Como quase sempre ocorre nesse tipo de filme, é um pouco apressado em alguns momentos, mas, nesse caso, eu não vejo problema algum nisso, já que Curtis era a banda, e a banda era ele (até que não restasse nada nem de um e nem do outro), então focar muito em sua vida antes de a música aparecer nela seria desviar um pouco o foco do que realmente interessa. No final, contradizendo tudo o que disse anteriormente, eu chorei. A tristeza é acumulativa.
O Fabuloso Destino de Amélie Poulain
4.3 5,0K Assista AgoraJeunet + Caro >>>> Jeunet trabalhando sozinho. Um filme como "Delicatessen", da parceria deles, por exemplo, possui mais sustância, porque é bonitinho (de um jeito meio offbeat) naturalmente e tem um lado sombrio/creepy que falta um pouco em seus filmes solo, ou na maioria deles. Criatividade sem mediação pode soar como forçação para arrancar empatia no público, gerando um vazio nessa relação. Ah, e não deveria ser tão difícil conhecer alguém. Para que tantos joguinhos e charadas? Não acho esse romance muito parâmetro para coisa alguma.
PomPoko: A Grande Batalha dos Guaxinins
4.0 154 Assista AgoraEsse proto "Senhor Raposo", com o combo fofura + história narrada por um dos guaxinins (lá, era raposa) + tentativa de convergência/disputa entre humanos e animais cativa o público, mas, particularmente, me envolveria mais se desse mais brilho individual a suas personagens, tivesse mais desenvolvimento e construção de personalidade. Problemas estruturais à parte (eu preferia que o filme fosse fluído e houvesse mais espaço para silêncio e contemplação, sem necessariamente mexer nas doses de fofura AKA "Totoro" ou "Kiki", cuja pontinha eu adorei). Sem dúvida, o ápice dele é o mini-filme de horror que envolve alquimia e surrealismo que se desenvolve na metade (Takahata feat. Miyazaki). Não amei, mas gostei!
Matrix Resurrections
2.8 1,3K Assista AgoraSe, para a maioria dos blockbusters que apostam em franquia, o caminho lógico para o sucesso das sequências é reforçar a mitologia e seguir as "regras" estabelecidas nos filmes anteriores, Lana Wachowski toma total liberdade criativa de fazer o filme mais irregular e menos certinho possível, que ao mesmo tempo que reverencia o passado, também se desamarra dele em muitos momentos. É um projeto muito ousado e grandiloquente, que mais uma vez vai repudiar e atrair na mesma medida. O cinema dela é um cinema naturalmente de riscos, quase nunca é uma unanimidade.
A Hora do Pesadelo 5: O Maior Horror de Freddy
3.0 298 Assista AgoraEu gostei muito, de um jeito meio velado, do capítulo anterior da franquia, e esse tenta seguir a mesma linha de criatividade e ataque ao "bom gosto" do que é uma combinação apropriada de apuro técnico e bom uso de efeitos práticos. Nesse sentido, ok, "A Hora do Pesadelo 5" não foge do roteiro previsto até então de ampliar a margem de loucura de um trabalho para o outro, por mais que a qualidade diminua. O problema é que personagens de filmes anteriores sempre são levados adiante, comandadas a cada nova empreitada por um outro diretor, que recicla aquela parte da história sempre do jeito que o convém. Ainda assim, parece contraditório que o filme incite uma discussão válida sobre aborto e depois finja que essa possibilidade não foi cogitada pela protagonista. Sou muito mais o 4, mais divertido e menos enrolado. Agora é ver o 6 protocolarmente para finalmente chegar no 7. E, meu Deus, que preguiça na hora de filmar, hein. Tudo mal enquadrado e péssimo aproveitamento do Freddy, que por mais que tenha bons momentos isolados, se tornou mais refém do mito criado em torno dele mesmo, pela sua criação, do que algo imposto pelos adolescentes.
Pacto Sinistro
4.1 293 Assista AgoraO assassinato de alguém tem sempre uma finalidade concreta para quem o assume: cometer o ato e imediatamente depois se livrar da culpa. Como especialista em registrar (e basear todo o seu filme) na construção (e execução) desse conceito, Hitchcock sabe que precisa de um álibi, e o próprio espectador poderia provar que o principal acusado não estava no local, porque nós, mais do que qualquer personagem do lado de dentro da tela, vimos o crime tomando forma. O que acontece, no entanto, é que o real criminoso nunca mata uma pessoa, e sim uma ideia. Aqui, Bruno, dono de uma personalidade sinistra por si só, queria dar um fim ao amor que sempre chegava a ele de forma reprimida (principalmente por sua família) e o projetou em um fim de um relacionamento de outra pessoa, que tomou para si. Ele passa, então, a acompanhar de perto todas as pessoas que interagem nesse círculo social, como um carrapato, um parasita que suga, através da observação (o contato sempre é externo, mesmo quando ele mata, Hitchcock filma a cena da forma mais impessoal e silenciosa possível) o estilo de vida que ele gostaria de ter. De novo, a questão do espectro, do rosto familiar que se multiplica a cada nova lembrança, dita o tom do filme, como de costume nas obras do diretor. Parece um consenso que ele consegue colocar, ao mesmo tempo, tanto a plateia quanto suas personagens na condição de transe. Essa cadeia de acontecimentos reincidentes resulta em um cataclisma, um espiral de desastres do qual ninguém escapa, culminando no clímax, a clássica (e meio diferentona) cena do carrossel no final.
Beijos e Tiros
3.6 232 Assista AgoraA madrugada ainda passa longe da realidade dessa noite de quarta (ainda era fim de tarde quando comecei a rascunhar), mas senti impulsos irresistíveis de pegar o celular e fazer uma série de anotações aleatórias.
Em primeiro lugar, queria dizer que está explicado porque, em 2008 (especificamente nesse ano), eu desenvolvi uma necessidade patológica de ver todos os filmes com a Michelle Monaghan! Assim como o protagonista daqui (nova observação: "Kiss Kiss Bang Bang!", que título legal... bem com cara de onomatopeia, não poderia combinar mais com a ideia sempre atraente da meta-narrativa) reconhece nela uma amiga de infância, alguém que já havia convivido com ele, eu descobri a raiz da minha crush e da minha empatia pela atriz: a grande semelhança (física e de personalidade) dela com uma colega minha de Ensino Fundamental cujas memórias partilhadas se apagaram da minha mente junto com a mudança dela para os Estados Unidos. Adoro quando uma cena de um filme desperta em mim uma situação remota e distante, através dessa convergência de ideias entre quem está dirigindo/filmando/roteirizando e quem está assistindo. Não existem muitas barreiras para esse contato indireto entre realizadores e espectador. É só uma questão de imaginação e alcance.
O tom espertinho do filme me agrada muito e é sempre bom ver o Val Kilmer se sentindo à vontade. Gosto do Robert também, mas tenho mixed feelings com várias de suas personagens que parecem reproduzir um mero "copia e cola" um do outro. Excesso de carisma ou de soberba? Na dúvida, um pouco dos dois. Ah, Shane Black, você tem uma fórmula, e ela começou aí. É só ter boa vontade para persistir nela mais vezes. Algumas falas desnecessárias aqui e ali (às vezes colocadas no roteiro de maneira forçada e irritante), mas diverte bastante.
P.S.: Val Kilmer vestido de forma elegante cheio de auto-confiança, Robert Downey Jr. usando um capuz e se vestindo como se estivesse na quinta série e praticasse bullying com os colegas e Michelle Monaghan no espírito de natal usando roupa apropriada para o momento. Todos reunidos, juntos, enquanto assistem na cozinha de um mansão de luxo uma cena da versão pornô de O Senhor dos Anéis. Cenas que só esse filme (e talvez "Under the Silver Lake" e "O Grande Lebowski") proporciona. Adoro essa noção de casualidade que sempre vai para o lado mais aleatório do estilo de vida dos ricos da indústria.
Dogs Don’t Wear Pants
3.7 90 Assista AgoraO filme é todo construído a partir da busca de sensações novas para reviver o clímax de uma memória que nunca adormece. No início do filme, o protagonista se vê submerso na água, tentando salvar o que restava do seu amor. Quando ele descobre outro tipo de prazer (que também vem da dor, mas de outra forma), é ele quem precisa se salvar: de seus pré-conceitos e de seus problemas mal resolvidos, sem deixar de ir de encontro a eles. O filme retrata o universo do BDSM de forma bem instintiva e alia ao universo do drama psicológico um clima crescente de tensão digna de um thriller slow burn: a dinâmica da situação possui nuances que fazem do filme uma experiência expansiva, que não se limita a ser preto no branco. O tom estabelecido, apesar de sempre acompanhado de tensão, nunca explode por completo: a abordagem é suave e, por mais incrível que pareça, com uma pitada de esperança, com espaço para sorrisos e correspondências proporcionadas por linhas tortas que, no final, se cruzam. Aliás, que último segundo foi aquele... Adorei!
The Velvet Underground
4.0 15 Assista AgoraA estrutura do documentário, que desde o princípio se esforça para ser o menos convencional possível e dar conta da profusão de ritmos, sons e cores que emanavam de um mesmo lugar (a Nova York da época), mas cujo sentido era desorientado, na carreira do Velvet (basicamente um caleidoscópio apontando e refletindo imagens infinitas, de diferentes formatos), e a própria história e trajetória da banda, nunca foram fixas. Aliás, eu prefiro chamar o Velvet de um coletivo, um experimento musical (dependendo do ponto de vista, o líder poderia ter sido John Cale, ou Lou Reed, ou até Nico e Andy, pelo período em que participaram), do que uma banda como todas as outras. O improviso, ali, era tamanho, que levou o conteúdo à sua ruína: no fim, ninguém conseguia se ouvir, dialogar um com o outro ou se expressar, seja através dos instrumentos ou do poder de fala/escuta. Cada um foi para o seu canto, e a História ficou no caminho.
A Fogueira das Vaidades
3.1 89 Assista Agora"Só querem saber do dinheiro. Pode imaginar usar uma tragédia dessas por motivos tão egoístas?"
Caraca, que bagunça. Aqui, a vaidade está em todo o canto mesmo. Acredito que tenha ficado a lição para o De Palma: inserir no roteiro comentários espertinhos sobre a total mão pesada para discutir classe e raça ("ah, mas é tudo uma farsa") que é abordada aqui, não torna a experiência menos constrangedora. Para um filme determinado a debater tantas coisas, são os mínimos (e menos importantes) detalhes que são realmente discutidos por boa parte do filme. Quando é para haver sutileza, há um estrondo, e quando é para decolar, não sai do lugar. Nada funciona, nem a suposta convergência de ideias e nem o entendimento entre os atores e a equipe, vide o discurso estapafúrdio da personagem do Morgan Freeman no final.
Esse é o maior exemplo que eu consigo me lembrar de falha de tradução na hora de passar as ideias da cabeça/do papel para a linguagem audiovisual, para o formato narrativo. Parece que o De Palma retrata tudo "nas coxas", sem o devido aprofundamento que o assunto merece, sempre tentando deixá-lo de escanteio focando em sub-tramas que não acrescentam em nada ao plot principal. Definição de caos sem o mínimo de criatividade. Um filme que corre os mesmos riscos, mas não se perde nas armadilhas do discurso, sendo uma sátira infinitamente melhor, é "Bulworth", do Warren Beaty.
Eclipse Mortal
3.3 224 Assista AgoraOk. Se você está acordado, se prepare para ler mais um capítulo nonsense de "As aventuras de um cinéfilo insone que não achou nada melhor para fazer na madrugada de sábado para domingo".
Apontamento 1: Isso aqui definitivamente é um "Blockbuster de Guerrilha". Talvez menos sofisticado que um "Mad Max da vida", além de menos expansivo. Aqui, a luta também é pela sobrevivência e as individualidades vão aparecendo, mas dentro da dinâmica do confinamento. Uns lances psicodélicos aqui e ali, visão periférica e uma pitadinha de gore para dar uns sustinhos nos despreparados + Vin Diesel, que antes de causar no volante, causava no deserto.
Apontamento 2: Que bela pegada celebratória de tribal house, hein. Galerinha da festa rave bem da virada de década ficaria orgulhosa.
Apontamento 3: O Keith David já foi convidado para atuar em todo projeto com potencial para virar cult que envolve dinâmica em grupo ou teorias conspiratórias. De Carpenter para o mundo.