"Isso está parecendo um filme daquele cara, Wes Carpenter!"
Existem dois jeitos de ver os filmes da franquia. Ou seja, há um antes e depois de ter contato com o assassino de cada filme. Na primeira sessão, nos deixamos levar pela fórmula que move o universo do terror. Como o icônico Randy diz, todos são suspeitos, e o que está em jogo é a desconstrução da dúvida: se seu radar aponta para um lado, comece a considerar o outro. No entanto, quando você se propõe a rever a obra, já sabendo quem atua por trás da máscara, o filme se transforma em um meticuloso estudo de personagem. Você passa a tentar identificar na feição e nos gestos do assassino os indícios que estavam lá, mastigados, porém escondidos, desde o início. O primeiro filme da franquia é uma aula de como nos manter envolvidos. A sequência da festa está entre as melhores que Wes Craven dirigiu.
Eu achava que era disparado o melhor filme da "fase ruim" do Tim Burton, mas é quase no mesmo nível dos outros (com exceção de "Alice", que é simplesmente insuportável). Pelo menos aqui ele não havia sido tomado pela seriedade absoluta (estou falando com você, "Grandes Olhos") e ainda apostava naquele misto de ingenuidade e malícia que só ele sabe proporcionar. O início e o fim são dispensáveis porque se levam a sério demais, mas o miolo é delicioso. Temos Barnabas associando o símbolo do McDonald's a Mefistófeles (lembro minha sensação vendo essa cena no cinema até hoje, na época depositei muita expectativa no lançamento desse filme), cenas de paixão intensa e, é claro, a ilustre presença de Alice Cooper, que é perfeito para aparecer em um filme de Tim Burton. Duas estrelas e meia está de bom tamanho.
P.S.: Queria muito defender a participação da Chloë Grace Moretz, mas não será hoje.
Ok, temos aqui um filme que definitivamente travou na linha do tempo de relevância. O ano em que foi feito talvez tenha sido o ano derradeiro do boom dessa geração da "nova comédia americana". I mean, no cinema tudo começou com a turminha do Judd Apatow, e aí o elenco de seus filmes foi se ramificando até atingir outras esferas, inclusive na TV (dando prosseguimento ao trabalho de alguns atores no "Saturday Night Live"), em programas humorísticos. Escalar Aubrey Plaza, Bill Hader (que já havia interpretado um instrutor de parques em outra ocasião, no bem melhor "Adventureland", ainda que sua atuação lá fosse mais irritante e caricata), Andy Samberg e Christopher Mintz-Please no elenco de seu filme é assinar que você teve uma vida ativa entre 2010 e 2013, e depois ficou repetindo a mesma personagem até cansar. O maior elogio que dá para fazer é a respeito da reconstituição de época pelos elementos musicais, seja através de citações de bandas ou pela trilha sonora. Primeiro que é completamente verossímil escrever o namorado da Amber como fã de Phish. Se tinha alguma década para as pessoas gostarem dessa banda, era a de 90. Segundo que, ainda que eu seja fã de Pearl Jam e da expressividade de Eddie Vedder como um todo, a piada que fizeram com o clipe de "Jeremy" foi muito boa e totalmente plausível. Uma pena que essa criatividade na hora de criar um clima característico ao período abordado perca um pouco de sua força em um filme que é de médio para razoável. O enredo principal funcionaria melhor como uma esquete de alguns minutos de uma série (vide a última cena, que encaixaria perfeitamente nesse formato), mas, como filme, enjoa muito rápido.
"Que diferença faria? Estou morto, de qualquer jeito. Ninguém pode me machucar. Se todo mundo naquele lugar me batesse, não doeria tanto quanto morrer."
Elaine May extrai das certezas do universo policial um slice of life em que a noção de existência por si só já impõe a luta pela sobrevivência, mas os dois protagonistas não buscam superar nenhum vilão ou adversário, e sim eles mesmos, suas crenças e achismos de um passado que ainda não foi vencido. Em determinado momento, Nicky (John Cassavetes, em uma atuação em que é possível ver, nas suas expressões, os rostos de todos os atores que dirigiu) diz para Mikey que está tudo na cabeça deles, a infância de ambos foi uma construção, então ninguém mais a viu. Como as ações desses homens se passam à noite, a passagem do tempo é a única testemunha do que eles fizeram ou deixaram de fazer. Eles estão por eles mesmos, corpos solitários vagando por aí como fantasmas mal resolvidos com o lugar de onde vieram: com a barba por fazer, sem sobrenome, sem um passado definido, e sim um rascunho de várias lembranças. Acredito que esse seja um filme de assombração, acima de tudo.
Tem bem o jeitão do Eric Rohmer de posicionar o homem moderno como um flaneur que observa a vida alheia, espelho da sua, do lado de fora de cafeterias, fazendo incansáveis anotações sobre como vivemos nossas vidas no piloto-automático. A tradução desses sentimentos verbalizados ou escritos possui forma de carta, e é trocada entre um casal de namorados, os interlocutores da história e mediadores desse embate entre o velho e o novo em uma sociedade francesa em formação.
Por vezes, o diretor Guy Gilles abre parênteses dentro dessa mediação e dá voz a outras personagens, fazendo com que o público ouça suas histórias e simpatize com elas. É quase como se o filme assumisse por completo a característica do documentário sob múltiplos pontos de vista. Assim, navega de um ponto a outro sem soar desnecessário ou longo e ainda consegue voltar sua atenção ao casal com classe e elegância, ainda que, no fim, os dois terminem em caminhos opostos: ele com as raízes fincadas no mar e ela, na terra.
Motivos aleatórios para fazer valer uma sessão desse filme:
- Peter Jackson aparece em cena por dois segundos usando piercing e aparentemente vestindo uma camiseta do Senhor dos Aneis.
- Tem briga holográfica de espíritos.
- O uso do CGI é datado daquele jeito especial bem do meio para o fim da década.
- A trilha sonora é instrumental do Danny Elfman, mas aí DO NADA toca um trecho do cover de Superstar, na versão do Sonic Youth.
- O ator R. Lee Ermey aparece revivendo sua personagem em Nascido Para Matar, do Kubrick.
Conclusão: é bem tolinho, mas diverte. Tem mais a cara de seu produtor executivo, o Robert Zemeckis, do que do Jackson. Inicialmente faria parte do seriado de horror Tales from the Crypt, e encaixaria bem no formato episódico também.
É ruim? É. É o pior filme já feito? Com certeza não. Se popularizou como tal, e é completamente aceitável, mas é um projeto tão ingênuo e passional que eu escolho esse tipo de ruindade dez vezes antes de qualquer obra auto-indulgente que ofende de verdade.
Dito isso, é impossível ter visto a homenagem que Tim Burton prestou a Ed Wood no filme homônimo e não sentir que o primeiro estudou detalhadamente a obra do segundo e coletou as principais memórias (mesmo que não as tenha vivido, apenas imaginado) dos bastidores das gravações de seus longas. Ao ver um filme como "Plano 9 do Espaço Sideral", você não enxerga uma unidade narrativa (apesar de haver uma linearidade), e sim vários fragmentos, intervalos de cenas, juntados por uma montagem desconexa. É quase como se o filme fosse um making off dele mesmo (que é mais ou menos a ideia de Burton, e o motivo para seu filme ser tão bem sucedido), assombrado pelo próprio status inalcançável que atingiu.
Todo mundo enfatiza dois detalhes: a atuação de Kate Winslet e o grau de verossimilhança com o fato no qual o filme é baseado. Mas, ao fazer isso, as pessoas esquecem (o que é normal, porque Hollywood a esqueceu até hoje) de Melanie Lynskey e de que, apesar de mostrar o momento em que as duas protagonistas efetivamente cometem o crime da vida real, o filme é todo baseado no entorno, na liminaridade entre o conto de fadas e o moralismo da educação rígida dos anos 50. Não é à toa que parte do filme seja tão atmosférica e onírica. Quando usufrui dessas características, se sai muito melhor do que quando Peter Jackson imprime traços de melodrama de época.
Esse é o melhor filme da "trilogia" das comédias que eu vi que Demme dirigiu nos anos 80 (ao lado de "Totalmente Selvagem" e "De Caso com a Máfia"). Faz sentido que "Melvin & Howard" seja um road movie porque sua noção de família é tão transitória quanto pode ser a exigência de uma vida levada em trailers e quartos de hotéis. Os laços são criados para serem desfeitos e reatados sem pedir passagem. Um homem que você encontra deitado no chão da calçada pode ser tão confiável quanto sua esposa, que você nem sabe se ainda é capaz de amar, só quer manter por perto. O importante é se apegar a algo e se manter ativo (e vivo). Eu jurava que seria um filme muito mais pastelão e menos melancólico do que ele de fato é (nunca confie na capa dos DVDs de banca), mas fica bem claro que, em uma linha do tempo de influências, teríamos Robert Altman no topo, Jonathan Demme no meio (isso explica o fato de ser o mais subestimado dos três) e Paul Thomas Anderson no fim (mas sem John Cassavetes, mesmo que Altman tenha começado a dirigir um pouco antes, não existiria ninguém). O trabalho dos três se conecta muito através do retrato da masculinidade compulsória e do pertencimento a uma família, de sangue ou de convivência. A diferença é que os dois primeiros o faziam de forma mais eficiente e com menos recurso, enquanto PTA tenha se preocupado mais em criar exercícios de estilo (nos seus três primeiros filmes), em que suas prioridades como cineasta ainda não haviam se manifestado, porque tudo ainda era prematuro. Inclusive, o Anderson é meu diretor preferido, mas como agora estou vendo muitos filmes de Altman e Demme, não consigo parar de pensar que seu cinema só iria evoluir de fato a partir dos anos 2000, no período pós "Magnólia".
P.S.: Essa vibe homemade (principalmente a cena do casamento, irmã da de "Assim Falou o Amor") é muito Cassavetes também, não há como negar.
P.S. 2: Que trilha sonora! Demme foi mesmo um dos grandes.
Eu gostei, mas não pude deixar de sentir algo meio off o tempo inteiro. Achei que a Jane Campion conseguiu fazer um trabalho com um grau de intimismo parecido com o que queria alcançar aqui, mas com mais eficiência, em "Em Carne Viva". Senti que os recursos narrativos ficaram um pouco dispersos na trama. Se a intenção era apenas sugerir, ela age como se estivesse mostrando, como se o público tivesse acesso às peças que ela oculta. As composições do Jonny Greenwood por si só são lindas, mas às vezes dão um tom carregado demais ao filme (o que é característico do trabalho dele). Ainda assim, a Jane é excelente para dirigir o elenco e extrair o melhor de cada um. Eu acho que nunca vi o Benedict Cumberbatch tão bem e tão à vontade.
As metas e os objetivos de uma humanidade despedaçada pelo desequilíbrio dos próprios instintos em um embate com a cadeia ecológica: no filme de Boorman, a respiração do homem e a da natureza são uma só. O fluxo do rio acompanha a vontade desesperada de remar apenas para chegar a algum lugar (ou a lugar algum). A tensão se acumula na espera, e o diretor sabe como poucos trabalhar os dilemas com que os quatro amigos se deparam.
Bem ao estilo britânico, à la Mike Leigh (com o nível mínimo da acidez típica do diretor), esse é o equivalente à trilogia "Before" nos filmes de amizade de longa data.
Não acho que os flashbacks sejam exagerados e nem que as atuações contidas neles sejam over the top, porque, no mundo de reencontros que tentam (sempre espontaneamente, se não não tem graça) recuperar a intimidade e a intensidade de uma relação (seja amorosa ou amistosa) entre duas pessoas, é sempre assim que nos enxergamos: não exatamente com arrependimento, mas como pessoas inconsequentes, ainda que não seja uma visão 100% realista. Se olha para o passado com um ar de página virada, porque as primeiras tomadas de decisão quando se conhece alguém são sempre prematuras, e quando as pessoas amadurecem, tendem a achar que são muito mais sábias agora, então a visão sempre será distorcida. Sair de casa e sociabilizar significa performar um estado de espírito que pode ou não ser seu. Aqui, as duas protagonistas são vistas em momentos de rebeldia, com doses de sarcasmo e cinismo (ainda que sempre em um tom doce e um pouquinho melancólico), mais ou menos como os inúmeros pôsteres colados em paredes de quarto, a trilha sonora e as citações a The Cure (bem na época do "Wild Mood Swings", propaganda imprevisível de um álbum subestimado) dão a entender.
O contraste entre passado e presente é necessário para saber onde as duas amigas estavam e onde elas chegaram.
O final é lindo, e o fato de se passar em uma plataforma de trem só comprova a teoria de que qualquer despedida cinematográfica fica mais emocionante se tiver uma viagem de trem envolvida.
Em 1988, Spike Lee já trabalhava a estilização de "Faça a Coisa Certa" e o jeitão late night mood, meio introspectivo, de "Mais e Melhores Blues", mas em um filme high school que se reveza entre a distopia e a utopia em iguais proporções (exatamente do que os sonhos presentes nos musicais da antiga Hollywood [homenageada no filme] eram feitos), mas não a ponto de não ser realista, em que brigas de gangues e fofocas estudantis são causas de intrigas entre as personagens. É muito legal ver esses ensaios de início de carreira em que diretores famosos podiam improvisar e, por ainda não ter muita noção do status que iriam alcançar, aceitavam arriscar e experimentar. Larry Fishburne, Giancarlo Esposito (o Gus de "Breaking Bad", que, antes de ficar famoso mundialmente, era um dos queridinhos de Lee) e Samuel L. Jackson em uma pontinha: que trio! O filme é imperfeito e se você analisá-lo como um rascunho, vai te envolver mais.
Esse filme funciona como o cartão postal de uma simpática cidadezinha francesa: é recheado de curiosidades e detalhezinhos sobre sua geografia e seus habitantes através da simplicidade do retrato. A comédia de Tati é um longo, gratificante e atrapalhado trabalho em equipe que proporciona ao espectador uma série de mal entendidos gostosos de assistir.
A desenvoltura que Chaplin tem para transformar a tragédia em comédia (e vice-versa) sem nunca perder a doçura que impõe nas duas é realmente impressionante, mesmo em seus filmes menores.
O estúdio sempre quis fazer de "Chilly Scenes of Winter" uma história de amor, e Joan Micklin Silver não poderia se importar menos (e até tirar proveito da situação) com o rótulo. Sob o disfarce aparente do casal apaixonado, esse é um estudo de personagem de um homem solitário, como tantos outros feitos de 70 em diante, mas dirigido por uma mulher, que humaniza todo o resto, enquanto o protagonista, Charles, em sua busca por carinho e compreensão, sufoca em si mesmo. É insuportável ouvi-lo e até olhar para ele.
Quando ele encara Laura (Mary Beth Hurt) na cozinha, olha no fundo dos olhos dela e diz em vão que quer estuprá-la, em um momento em que qualquer outra pessoa teria dito Eu te amo, me causou uma sensação imediata de incômodo muito maior do que em qualquer filme considerado perturbador. Lembrei da música "She's a Jar", do Wilco, em que Jeff Tweedy muda o que havia dito no início da música (Com sentimentos escondidos, ela me implora para não sentir sua falta) para dizer, no último verso, "Com sentimentos escondidos, ela me pede para não bater nela". Verdadeiramente arrepiante.
Existem histórias e situações que apenas presenciamos e aquelas das quais também gostamos. Aqui, o futuramente hollywoodiano Milos Forman dirige um coming of age pautado por dois módulos: um deles é a conveniência de momentos pelos quais passamos querendo estar em outro lugar. Todas as personagens de seu filme passam por isso: seja a protagonista Andula e suas amigas com homens mais velhos que estavam abusando de sua companhia em um baile, ou então os pais de Milda, o garoto de quem Andula gostava, que discutiam a todo momento, em tom de divergência, se a garota devia ou não permanecer em seu apartamento.
Aliás, esses momentos de alívio cômico dos pais de Milda, apesar de estarem presentes no roteiro, não modificam o tom introspectivo da história. Afinal, segue sendo sobre como Andula se relaciona com as pessoas ao redor e como ela lida com desilusões amorosas como forma de se conhecer melhor (não esqueça que esse é um filme sobre amadurecimento). Ainda assim, todo esse lance dos pais me lembrou as participações da mãe de Scorsese em seus filmes: sempre interagindo bastante com as outras personagens, na base de muito improviso e descontração.
Não é apenas a produção que ostenta: o elenco também é um luxo! Catherine Deneuve, Jean Marais (foi mais conhecido por suas participações em filmes de Jean Cocteau, até me surpreendi em vê-lo aqui), Delphine Seyrig e ainda tem Jacques Perrin, que ficaria mais famoso para o grande público no fim da década de 80 por ter estrelado Cinema Paradiso! A moral dos contos de fadas sempre demanda muita modéstia e simplicidade, mas o caminho para chegar até ela, pelo menos nesse caso, impõe um verdadeiro desfile de cenários grandiosos, vestidos literalmente reluzentes e muito, mas muito material de enfeite.
Como disseram, é uma influência muito mais provável para John Waters do que para David Lynch. É um tanto quanto etéreo e psicodélico, sim, mas ao mesmo tempo que aposta na falta de lógica, o faz flertando com o grotesco e o nonsense (vulgo a sequência no restaurante com a tia do Ringo) e se preocupando menos em criar um tipo de atmosfera enigmática, como Lynch faz de praxe. Quase não soube classificar, mas embarquei mais na pira do que eu esperava.
O filme todo se faz em cima da hoje batida fórmula que foi/seria replicada em inúmeros outros filmes de horror psicológico e, apesar de essa ser uma produção britânica, até mesmo em giallos e/ou slashers: trata-se basicamente da história de origem de um serial killer (aqui com inclinação religiosa, uma vez que ele é um padre) completamente atormentado pelo passado (todas suas ações são movidas pelo arrependimento), que sofre de mommy issues e deseja se emancipar da culpa pela vida que leva projetando o desejo por se relacionar com uma mulher mais nova, que o remeta ao seu grande amor do passado. Por outro lado, a vítima é completamente desacreditada (e até meio esquecida, no fim) e, na minha opinião, seu arco é mal trabalhado e resolvido... Simplesmente abandonaram algumas questões, como o núcleo do seu namorado, e focaram em outras menos relevantes. O clima de tensão é convincente e as atuações são boas, mas é um filme comum e modesto. Podia até ser uma produção televisiva.
Tem uma fala da personagem do Richard E. Grant (o cara foi coadjuvante de luxo a vida toda, como em "Drácula de Bram Stoker", e, às vezes, até protagonista, como em "Os Desajustados", mas nunca esteve tão... À beira da perfeição, provavelmente, quanto aqui) em que ele diz "Não deveria demorar tanto para ter um bebê, afinal, estamos nos anos 90", e a graça da proposta toda é essa: excesso de velocidade. Tudo acontece tão rápido na narrativa que não temos tempo de processar a diferença entre um acontecimento e outro. Por fora, é uma obra de ficção sobre uma banda formada por mulheres que representou o suprassumo do sucesso midiático de uma marca na década. Por dentro, continua sendo isso, mas também é uma desconstrução disso. Aí entram em cena os empresários, que podem corresponder tanto a jornalistas querendo fazer sucesso atrás do nome das meninas ou de cineastas iniciantes com muita (contém ironia) visão de cinema e de mercado com um faro diferenciado para lidar com o público e fazer um filme sobre o tema sem saber que isso já está sendo feito.
A banda e a música são mais um artifício do que a razão de ser desse filme. É praticamente um mockumentary que carrega consigo os rótulos de filme de espionagem, meta-ficção, comédia, drama e tudo mais que você quiser. É uma obra de cinema que sabe conversar com o público, muitas vezes de forma literal, quebrando a quarta parede e sabendo dialogar. É uma pena que todos estejam tão preocupados em categorizar cada uma das integrantes que esqueçam que elas mesmas estão tirando sarro de si. Muito bom e, realmente, confirmou minhas expectativas: dá uma baita sessão tripla com "The Legend of the Stardust Brothers" e "Josie e as Gatinhas".
P.S.: Alan Cummings, o cara que nasceu para roubar a(s) cena(s) de filmes como "Spice World" e "Pequenos Espiões".
Os anos 80 tornaram tão únicos, particulares, os estilos de cada banda, cada artista (e, porque não, cada indivíduo) que, basta pôr uma musiquinha de synth pop e os trajes corretos e você pode estar se referindo ao The Cure em sua fase mais feliz, ao Michael Jackson nos tempos de "Thriller" e "Bad" ou à cultura japonesa, como no caso desse filme. Curioso notar que ele foi revolucionário em como os membros da banda abordada, os Stardust Brothers, quebram a quarta parede para interagir com o público e mesmo com a edição à la Geração MTV. Basicamente, sem "Stardust Brothers", não existiria o filme das Spice Girls, e tantas outras coisas derivadas dessa pegada de cinema nas décadas seguintes.
Pânico
3.6 1,6K Assista Agora"Isso está parecendo um filme daquele cara, Wes Carpenter!"
Existem dois jeitos de ver os filmes da franquia. Ou seja, há um antes e depois de ter contato com o assassino de cada filme. Na primeira sessão, nos deixamos levar pela fórmula que move o universo do terror. Como o icônico Randy diz, todos são suspeitos, e o que está em jogo é a desconstrução da dúvida: se seu radar aponta para um lado, comece a considerar o outro. No entanto, quando você se propõe a rever a obra, já sabendo quem atua por trás da máscara, o filme se transforma em um meticuloso estudo de personagem. Você passa a tentar identificar na feição e nos gestos do assassino os indícios que estavam lá, mastigados, porém escondidos, desde o início. O primeiro filme da franquia é uma aula de como nos manter envolvidos. A sequência da festa está entre as melhores que Wes Craven dirigiu.
Sombras da Noite
3.1 4,0K Assista AgoraEu achava que era disparado o melhor filme da "fase ruim" do Tim Burton, mas é quase no mesmo nível dos outros (com exceção de "Alice", que é simplesmente insuportável). Pelo menos aqui ele não havia sido tomado pela seriedade absoluta (estou falando com você, "Grandes Olhos") e ainda apostava naquele misto de ingenuidade e malícia que só ele sabe proporcionar. O início e o fim são dispensáveis porque se levam a sério demais, mas o miolo é delicioso. Temos Barnabas associando o símbolo do McDonald's a Mefistófeles (lembro minha sensação vendo essa cena no cinema até hoje, na época depositei muita expectativa no lançamento desse filme), cenas de paixão intensa e, é claro, a ilustre presença de Alice Cooper, que é perfeito para aparecer em um filme de Tim Burton. Duas estrelas e meia está de bom tamanho.
P.S.: Queria muito defender a participação da Chloë Grace Moretz, mas não será hoje.
O Diário de Uma Virgem
3.0 260 Assista AgoraOk, temos aqui um filme que definitivamente travou na linha do tempo de relevância. O ano em que foi feito talvez tenha sido o ano derradeiro do boom dessa geração da "nova comédia americana". I mean, no cinema tudo começou com a turminha do Judd Apatow, e aí o elenco de seus filmes foi se ramificando até atingir outras esferas, inclusive na TV (dando prosseguimento ao trabalho de alguns atores no "Saturday Night Live"), em programas humorísticos. Escalar Aubrey Plaza, Bill Hader (que já havia interpretado um instrutor de parques em outra ocasião, no bem melhor "Adventureland", ainda que sua atuação lá fosse mais irritante e caricata), Andy Samberg e Christopher Mintz-Please no elenco de seu filme é assinar que você teve uma vida ativa entre 2010 e 2013, e depois ficou repetindo a mesma personagem até cansar. O maior elogio que dá para fazer é a respeito da reconstituição de época pelos elementos musicais, seja através de citações de bandas ou pela trilha sonora. Primeiro que é completamente verossímil escrever o namorado da Amber como fã de Phish. Se tinha alguma década para as pessoas gostarem dessa banda, era a de 90. Segundo que, ainda que eu seja fã de Pearl Jam e da expressividade de Eddie Vedder como um todo, a piada que fizeram com o clipe de "Jeremy" foi muito boa e totalmente plausível. Uma pena que essa criatividade na hora de criar um clima característico ao período abordado perca um pouco de sua força em um filme que é de médio para razoável. O enredo principal funcionaria melhor como uma esquete de alguns minutos de uma série (vide a última cena, que encaixaria perfeitamente nesse formato), mas, como filme, enjoa muito rápido.
Mikey and Nicky
3.8 11"Que diferença faria? Estou morto, de qualquer jeito. Ninguém pode me machucar. Se todo mundo naquele lugar me batesse, não doeria tanto quanto morrer."
Elaine May extrai das certezas do universo policial um slice of life em que a noção de existência por si só já impõe a luta pela sobrevivência, mas os dois protagonistas não buscam superar nenhum vilão ou adversário, e sim eles mesmos, suas crenças e achismos de um passado que ainda não foi vencido. Em determinado momento, Nicky (John Cassavetes, em uma atuação em que é possível ver, nas suas expressões, os rostos de todos os atores que dirigiu) diz para Mikey que está tudo na cabeça deles, a infância de ambos foi uma construção, então ninguém mais a viu. Como as ações desses homens se passam à noite, a passagem do tempo é a única testemunha do que eles fizeram ou deixaram de fazer. Eles estão por eles mesmos, corpos solitários vagando por aí como fantasmas mal resolvidos com o lugar de onde vieram: com a barba por fazer, sem sobrenome, sem um passado definido, e sim um rascunho de várias lembranças. Acredito que esse seja um filme de assombração, acima de tudo.
L'amour à la mer
3.8 2Tem bem o jeitão do Eric Rohmer de posicionar o homem moderno como um flaneur que observa a vida alheia, espelho da sua, do lado de fora de cafeterias, fazendo incansáveis anotações sobre como vivemos nossas vidas no piloto-automático. A tradução desses sentimentos verbalizados ou escritos possui forma de carta, e é trocada entre um casal de namorados, os interlocutores da história e mediadores desse embate entre o velho e o novo em uma sociedade francesa em formação.
Por vezes, o diretor Guy Gilles abre parênteses dentro dessa mediação e dá voz a outras personagens, fazendo com que o público ouça suas histórias e simpatize com elas. É quase como se o filme assumisse por completo a característica do documentário sob múltiplos pontos de vista. Assim, navega de um ponto a outro sem soar desnecessário ou longo e ainda consegue voltar sua atenção ao casal com classe e elegância, ainda que, no fim, os dois terminem em caminhos opostos: ele com as raízes fincadas no mar e ela, na terra.
Os Espíritos
3.5 274 Assista AgoraMotivos aleatórios para fazer valer uma sessão desse filme:
- Peter Jackson aparece em cena por dois segundos usando piercing e aparentemente vestindo uma camiseta do Senhor dos Aneis.
- Tem briga holográfica de espíritos.
- O uso do CGI é datado daquele jeito especial bem do meio para o fim da década.
- A trilha sonora é instrumental do Danny Elfman, mas aí DO NADA toca um trecho do cover de Superstar, na versão do Sonic Youth.
- O ator R. Lee Ermey aparece revivendo sua personagem em Nascido Para Matar, do Kubrick.
Conclusão: é bem tolinho, mas diverte. Tem mais a cara de seu produtor executivo, o Robert Zemeckis, do que do Jackson. Inicialmente faria parte do seriado de horror Tales from the Crypt, e encaixaria bem no formato episódico também.
Plano 9 do Espaço Sideral
3.1 227 Assista AgoraÉ ruim? É. É o pior filme já feito? Com certeza não. Se popularizou como tal, e é completamente aceitável, mas é um projeto tão ingênuo e passional que eu escolho esse tipo de ruindade dez vezes antes de qualquer obra auto-indulgente que ofende de verdade.
Dito isso, é impossível ter visto a homenagem que Tim Burton prestou a Ed Wood no filme homônimo e não sentir que o primeiro estudou detalhadamente a obra do segundo e coletou as principais memórias (mesmo que não as tenha vivido, apenas imaginado) dos bastidores das gravações de seus longas. Ao ver um filme como "Plano 9 do Espaço Sideral", você não enxerga uma unidade narrativa (apesar de haver uma linearidade), e sim vários fragmentos, intervalos de cenas, juntados por uma montagem desconexa. É quase como se o filme fosse um making off dele mesmo (que é mais ou menos a ideia de Burton, e o motivo para seu filme ser tão bem sucedido), assombrado pelo próprio status inalcançável que atingiu.
Homem Morto
3.8 203 Assista Agora[Pausa na programação para apreciar a trilha sonora instrumental do Neil Young em loop infinito]
Que filme foda! Jarmusch no auge. O de hoje apenas sonha.
Almas Gêmeas
3.8 438Todo mundo enfatiza dois detalhes: a atuação de Kate Winslet e o grau de verossimilhança com o fato no qual o filme é baseado. Mas, ao fazer isso, as pessoas esquecem (o que é normal, porque Hollywood a esqueceu até hoje) de Melanie Lynskey e de que, apesar de mostrar o momento em que as duas protagonistas efetivamente cometem o crime da vida real, o filme é todo baseado no entorno, na liminaridade entre o conto de fadas e o moralismo da educação rígida dos anos 50. Não é à toa que parte do filme seja tão atmosférica e onírica. Quando usufrui dessas características, se sai muito melhor do que quando Peter Jackson imprime traços de melodrama de época.
Melvin e Howard
3.3 9Esse é o melhor filme da "trilogia" das comédias que eu vi que Demme dirigiu nos anos 80 (ao lado de "Totalmente Selvagem" e "De Caso com a Máfia"). Faz sentido que "Melvin & Howard" seja um road movie porque sua noção de família é tão transitória quanto pode ser a exigência de uma vida levada em trailers e quartos de hotéis. Os laços são criados para serem desfeitos e reatados sem pedir passagem. Um homem que você encontra deitado no chão da calçada pode ser tão confiável quanto sua esposa, que você nem sabe se ainda é capaz de amar, só quer manter por perto. O importante é se apegar a algo e se manter ativo (e vivo). Eu jurava que seria um filme muito mais pastelão e menos melancólico do que ele de fato é (nunca confie na capa dos DVDs de banca), mas fica bem claro que, em uma linha do tempo de influências, teríamos Robert Altman no topo, Jonathan Demme no meio (isso explica o fato de ser o mais subestimado dos três) e Paul Thomas Anderson no fim (mas sem John Cassavetes, mesmo que Altman tenha começado a dirigir um pouco antes, não existiria ninguém). O trabalho dos três se conecta muito através do retrato da masculinidade compulsória e do pertencimento a uma família, de sangue ou de convivência. A diferença é que os dois primeiros o faziam de forma mais eficiente e com menos recurso, enquanto PTA tenha se preocupado mais em criar exercícios de estilo (nos seus três primeiros filmes), em que suas prioridades como cineasta ainda não haviam se manifestado, porque tudo ainda era prematuro. Inclusive, o Anderson é meu diretor preferido, mas como agora estou vendo muitos filmes de Altman e Demme, não consigo parar de pensar que seu cinema só iria evoluir de fato a partir dos anos 2000, no período pós "Magnólia".
P.S.: Essa vibe homemade (principalmente a cena do casamento, irmã da de "Assim Falou o Amor") é muito Cassavetes também, não há como negar.
P.S. 2: Que trilha sonora! Demme foi mesmo um dos grandes.
Ataque dos Cães
3.7 933Eu gostei, mas não pude deixar de sentir algo meio off o tempo inteiro. Achei que a Jane Campion conseguiu fazer um trabalho com um grau de intimismo parecido com o que queria alcançar aqui, mas com mais eficiência, em "Em Carne Viva". Senti que os recursos narrativos ficaram um pouco dispersos na trama. Se a intenção era apenas sugerir, ela age como se estivesse mostrando, como se o público tivesse acesso às peças que ela oculta. As composições do Jonny Greenwood por si só são lindas, mas às vezes dão um tom carregado demais ao filme (o que é característico do trabalho dele). Ainda assim, a Jane é excelente para dirigir o elenco e extrair o melhor de cada um. Eu acho que nunca vi o Benedict Cumberbatch tão bem e tão à vontade.
Amargo Pesadelo
3.9 199 Assista AgoraAs metas e os objetivos de uma humanidade despedaçada pelo desequilíbrio dos próprios instintos em um embate com a cadeia ecológica: no filme de Boorman, a respiração do homem e a da natureza são uma só. O fluxo do rio acompanha a vontade desesperada de remar apenas para chegar a algum lugar (ou a lugar algum). A tensão se acumula na espera, e o diretor sabe como poucos trabalhar os dilemas com que os quatro amigos se deparam.
Garotas de Futuro
3.4 8Bem ao estilo britânico, à la Mike Leigh (com o nível mínimo da acidez típica do diretor), esse é o equivalente à trilogia "Before" nos filmes de amizade de longa data.
Não acho que os flashbacks sejam exagerados e nem que as atuações contidas neles sejam over the top, porque, no mundo de reencontros que tentam (sempre espontaneamente, se não não tem graça) recuperar a intimidade e a intensidade de uma relação (seja amorosa ou amistosa) entre duas pessoas, é sempre assim que nos enxergamos: não exatamente com arrependimento, mas como pessoas inconsequentes, ainda que não seja uma visão 100% realista. Se olha para o passado com um ar de página virada, porque as primeiras tomadas de decisão quando se conhece alguém são sempre prematuras, e quando as pessoas amadurecem, tendem a achar que são muito mais sábias agora, então a visão sempre será distorcida. Sair de casa e sociabilizar significa performar um estado de espírito que pode ou não ser seu. Aqui, as duas protagonistas são vistas em momentos de rebeldia, com doses de sarcasmo e cinismo (ainda que sempre em um tom doce e um pouquinho melancólico), mais ou menos como os inúmeros pôsteres colados em paredes de quarto, a trilha sonora e as citações a The Cure (bem na época do "Wild Mood Swings", propaganda imprevisível de um álbum subestimado) dão a entender.
O contraste entre passado e presente é necessário para saber onde as duas amigas estavam e onde elas chegaram.
O final é lindo, e o fato de se passar em uma plataforma de trem só comprova a teoria de que qualquer despedida cinematográfica fica mais emocionante se tiver uma viagem de trem envolvida.
Lute Pela Coisa Certa
3.5 9 Assista AgoraEm 1988, Spike Lee já trabalhava a estilização de "Faça a Coisa Certa" e o jeitão late night mood, meio introspectivo, de "Mais e Melhores Blues", mas em um filme high school que se reveza entre a distopia e a utopia em iguais proporções (exatamente do que os sonhos presentes nos musicais da antiga Hollywood [homenageada no filme] eram feitos), mas não a ponto de não ser realista, em que brigas de gangues e fofocas estudantis são causas de intrigas entre as personagens. É muito legal ver esses ensaios de início de carreira em que diretores famosos podiam improvisar e, por ainda não ter muita noção do status que iriam alcançar, aceitavam arriscar e experimentar. Larry Fishburne, Giancarlo Esposito (o Gus de "Breaking Bad", que, antes de ficar famoso mundialmente, era um dos queridinhos de Lee) e Samuel L. Jackson em uma pontinha: que trio! O filme é imperfeito e se você analisá-lo como um rascunho, vai te envolver mais.
Carrossel da Esperança
3.9 20Esse filme funciona como o cartão postal de uma simpática cidadezinha francesa: é recheado de curiosidades e detalhezinhos sobre sua geografia e seus habitantes através da simplicidade do retrato. A comédia de Tati é um longo, gratificante e atrapalhado trabalho em equipe que proporciona ao espectador uma série de mal entendidos gostosos de assistir.
O Circo
4.4 227 Assista AgoraA desenvoltura que Chaplin tem para transformar a tragédia em comédia (e vice-versa) sem nunca perder a doçura que impõe nas duas é realmente impressionante, mesmo em seus filmes menores.
Chilly Scenes of Winter
3.8 1O estúdio sempre quis fazer de "Chilly Scenes of Winter" uma história de amor, e Joan Micklin Silver não poderia se importar menos (e até tirar proveito da situação) com o rótulo. Sob o disfarce aparente do casal apaixonado, esse é um estudo de personagem de um homem solitário, como tantos outros feitos de 70 em diante, mas dirigido por uma mulher, que humaniza todo o resto, enquanto o protagonista, Charles, em sua busca por carinho e compreensão, sufoca em si mesmo. É insuportável ouvi-lo e até olhar para ele.
Quando ele encara Laura (Mary Beth Hurt) na cozinha, olha no fundo dos olhos dela e diz em vão que quer estuprá-la, em um momento em que qualquer outra pessoa teria dito Eu te amo, me causou uma sensação imediata de incômodo muito maior do que em qualquer filme considerado perturbador. Lembrei da música "She's a Jar", do Wilco, em que Jeff Tweedy muda o que havia dito no início da música (Com sentimentos escondidos, ela me implora para não sentir sua falta) para dizer, no último verso, "Com sentimentos escondidos, ela me pede para não bater nela". Verdadeiramente arrepiante.
Os Amores de uma Loira
3.8 34 Assista AgoraExistem histórias e situações que apenas presenciamos e aquelas das quais também gostamos. Aqui, o futuramente hollywoodiano Milos Forman dirige um coming of age pautado por dois módulos: um deles é a conveniência de momentos pelos quais passamos querendo estar em outro lugar. Todas as personagens de seu filme passam por isso: seja a protagonista Andula e suas amigas com homens mais velhos que estavam abusando de sua companhia em um baile, ou então os pais de Milda, o garoto de quem Andula gostava, que discutiam a todo momento, em tom de divergência, se a garota devia ou não permanecer em seu apartamento.
Aliás, esses momentos de alívio cômico dos pais de Milda, apesar de estarem presentes no roteiro, não modificam o tom introspectivo da história. Afinal, segue sendo sobre como Andula se relaciona com as pessoas ao redor e como ela lida com desilusões amorosas como forma de se conhecer melhor (não esqueça que esse é um filme sobre amadurecimento). Ainda assim, todo esse lance dos pais me lembrou as participações da mãe de Scorsese em seus filmes: sempre interagindo bastante com as outras personagens, na base de muito improviso e descontração.
Pele de Asno
3.8 78Não é apenas a produção que ostenta: o elenco também é um luxo! Catherine Deneuve, Jean Marais (foi mais conhecido por suas participações em filmes de Jean Cocteau, até me surpreendi em vê-lo aqui), Delphine Seyrig e ainda tem Jacques Perrin, que ficaria mais famoso para o grande público no fim da década de 80 por ter estrelado Cinema Paradiso! A moral dos contos de fadas sempre demanda muita modéstia e simplicidade, mas o caminho para chegar até ela, pelo menos nesse caso, impõe um verdadeiro desfile de cenários grandiosos, vestidos literalmente reluzentes e muito, mas muito material de enfeite.
Head: Os Monkees Estão Soltos
3.5 10Bem menos transgressor do que pretende ser. É alegre, é divertido e é colorido. Mas só.
Magical Mystery Tour
3.7 101Como disseram, é uma influência muito mais provável para John Waters do que para David Lynch. É um tanto quanto etéreo e psicodélico, sim, mas ao mesmo tempo que aposta na falta de lógica, o faz flertando com o grotesco e o nonsense (vulgo a sequência no restaurante com a tia do Ringo) e se preocupando menos em criar um tipo de atmosfera enigmática, como Lynch faz de praxe. Quase não soube classificar, mas embarquei mais na pira do que eu esperava.
Casa do Pecado Mortal
2.8 6O filme todo se faz em cima da hoje batida fórmula que foi/seria replicada em inúmeros outros filmes de horror psicológico e, apesar de essa ser uma produção britânica, até mesmo em giallos e/ou slashers: trata-se basicamente da história de origem de um serial killer (aqui com inclinação religiosa, uma vez que ele é um padre) completamente atormentado pelo passado (todas suas ações são movidas pelo arrependimento), que sofre de mommy issues e deseja se emancipar da culpa pela vida que leva projetando o desejo por se relacionar com uma mulher mais nova, que o remeta ao seu grande amor do passado. Por outro lado, a vítima é completamente desacreditada (e até meio esquecida, no fim) e, na minha opinião, seu arco é mal trabalhado e resolvido... Simplesmente abandonaram algumas questões, como o núcleo do seu namorado, e focaram em outras menos relevantes. O clima de tensão é convincente e as atuações são boas, mas é um filme comum e modesto. Podia até ser uma produção televisiva.
Spice World – O Mundo das Spice Girls
2.8 287Tem uma fala da personagem do Richard E. Grant (o cara foi coadjuvante de luxo a vida toda, como em "Drácula de Bram Stoker", e, às vezes, até protagonista, como em "Os Desajustados", mas nunca esteve tão... À beira da perfeição, provavelmente, quanto aqui) em que ele diz "Não deveria demorar tanto para ter um bebê, afinal, estamos nos anos 90", e a graça da proposta toda é essa: excesso de velocidade. Tudo acontece tão rápido na narrativa que não temos tempo de processar a diferença entre um acontecimento e outro. Por fora, é uma obra de ficção sobre uma banda formada por mulheres que representou o suprassumo do sucesso midiático de uma marca na década. Por dentro, continua sendo isso, mas também é uma desconstrução disso. Aí entram em cena os empresários, que podem corresponder tanto a jornalistas querendo fazer sucesso atrás do nome das meninas ou de cineastas iniciantes com muita (contém ironia) visão de cinema e de mercado com um faro diferenciado para lidar com o público e fazer um filme sobre o tema sem saber que isso já está sendo feito.
A banda e a música são mais um artifício do que a razão de ser desse filme. É praticamente um mockumentary que carrega consigo os rótulos de filme de espionagem, meta-ficção, comédia, drama e tudo mais que você quiser. É uma obra de cinema que sabe conversar com o público, muitas vezes de forma literal, quebrando a quarta parede e sabendo dialogar. É uma pena que todos estejam tão preocupados em categorizar cada uma das integrantes que esqueçam que elas mesmas estão tirando sarro de si. Muito bom e, realmente, confirmou minhas expectativas: dá uma baita sessão tripla com "The Legend of the Stardust Brothers" e "Josie e as Gatinhas".
P.S.: Alan Cummings, o cara que nasceu para roubar a(s) cena(s) de filmes como "Spice World" e "Pequenos Espiões".
The Legend of the Stardust Brothers
3.5 5Os anos 80 tornaram tão únicos, particulares, os estilos de cada banda, cada artista (e, porque não, cada indivíduo) que, basta pôr uma musiquinha de synth pop e os trajes corretos e você pode estar se referindo ao The Cure em sua fase mais feliz, ao Michael Jackson nos tempos de "Thriller" e "Bad" ou à cultura japonesa, como no caso desse filme. Curioso notar que ele foi revolucionário em como os membros da banda abordada, os Stardust Brothers, quebram a quarta parede para interagir com o público e mesmo com a edição à la Geração MTV. Basicamente, sem "Stardust Brothers", não existiria o filme das Spice Girls, e tantas outras coisas derivadas dessa pegada de cinema nas décadas seguintes.