Um daqueles filmes que transitam por vários gêneros e transcendem todos eles. Gostei do quão bem ele usa o conflito entre 'vida' e sonho no ritmo do roteiro, de uma forma que não é meramente expositiva mas sim construindo com isso uma compreensão mais visceral da situação do protagonista no espectador. Também vale elogiar como o filme se mantém fiel à sua visão até o desfecho. As sequências finais são repletas de momentos em que se fica esperando o ponto onde uma solução clichê qualquer irá aparecer para acabar com a tensão e dar uma saída fácil para que a história se redima e possa ser facilmente aceita sem muito esforço mental, mas isso nunca acontece.
As várias sequências que representam sonhos distintos são bem auto-contidas, sem um fio narrativo em comum. O que não quer dizer que não existam elementos constantes em diversas delas. Um tema que persiste, curiosamente, é a ideia da morte - que aparece por vezes com uma carga negativa fortíssima, por vezes como uma fase natural de transição da vida. Outro tema recorrente é a crítica ao "progresso" que desconecta o ser humano da natureza ao seu redor, retratado de maneira tão bela que mesmo quem não concorda com o argumento (meu caso) pode apreciar.
Cada sequência parece adotar um elemento técnico em especial para realçar a sua ideia narrativa. A música/coreografia na sequência das raposas, a teleobjetiva na do jardim de pessegueiros (aliás, alguém lembra de enquadramentos mais perfeitos do que os presentes aqui?), o slow-motion na da nevasca, as cores na do Monte Fuji, a montagem na do Van Gogh, etc.
Nem todas são necessariamente experiências agradáveis, no entanto. A sequência da nevasca, embora eu a tenha achado bastante expressiva e tecnicamente bem-executada, não é algo que eu deseje assistir novamente (lenta demais para o meu gosto).
Minha preferida foi a do jardim de pessegueiros. Por mais que faça todo o esforço racional possível, não consigo evitar a sensação de que esse sonho esteve presente no meu passado desde sempre.
Não tenho um conhecimento muito exato sobre a revolução francesa e esse foi o primeiro filme de Renoir que assisti. Portanto, meu embasamento pra comentar é, na melhor das hipóteses, fraco. Mas a mim agradou o tratamento teatral e verborrágico do filme. Através dele, me parece que Renoir conseguiu retratar e mesmo potencializar o caráter inevitável da revolução (o que até pode ser questionável), que mesmo quando os personagens apresentam incertezas com relação ao presente ou ao futuro, parece surgir com força máxima e os arrastar, sempre em frente. Gostei muito também do tratamento da Marselhesa (música) dentro do filme.
Algumas obras vão muito além do seu próprio meio e são tão fortes que transitam tranquilamente por entre o campo que chamamos de "arte". Assim como as melhores sinfonias são quase filmes e os mais belos filmes são quase pinturas, Le Feu Follet é um poema sobre a angústia do homem impotente perante a força do tempo. É um noturno de Chopin que sonha com imagens.
Como já foi dito aqui em baixo, é genial a forma com que o filme mostra o inexplicável sentimento de solidão e desespero de uma pessoa deslocada com planos simples de um homem olhando para pessoas, com um piano suave tocando ao fundo. Pra mim, a palavra "alienação" nunca esteve tão bem traduzida. A condução neutra, quase dolorosa, da narrativa é incrível: não é que o mundo seja malvado e injusto (como nos filmes neo-realistas). É só que, com o tempo, ele se torna irremediavelmente medíocre.
O título original de "Rebelde Sem Causa" só pode ser uma grande ironia. A rebeldia do Jim não é nada gratuita e tem uma causa ideológica (embora não-política) muito digna. E me parece que mesmo hoje, mais de 50 anos depois desse filme, a juventude ainda não saiu desse vácuo existencial tão bem representado aqui. Mudaram as mídias, as tecnologias, os relacionamentos mas, em sua essência, o vazio continua presente. Daí a facilidade que temos de nos identificar com os jovens da história.
O que mais me chamou atenção aqui foi a ênfase dada aos problemas entre pais e filhos, que estão presentes na vida dos três protagonistas. Somada à falta de perspectiva de vida deles, essa relação conturbada com a família é o que os leva a estabelecer um universo social próprio, tão fútil e perigoso quanto inevitável e necessário.
E isso tudo é resumido nas palavras da empregada que chora sobre o corpo do Plato: "Esse pobre garoto não tem ningúem. Ninguém.".
Outra coisa: quem reclama da Judy aparentemente não entendeu muito bem o universo diegético do filme. Ela é uma garota que sempre viveu uma vida de aparência. O seu grupo de amigos é baseado unicamente na hipocrisia. Segundo as suas próprias palavras, ali "ninguém age sinceramente". Fica claro em cada beijo dela com o namoradinho que eles não estão apaixonados, estão juntos apenas por conveniência, por uma necessidade interna do grupo. O Jim é o primeiro cara corajoso, sincero e adorável que ela conhece. Ele representa um universo inteiramente novo pra ela - o universo que ela sempre quis ("O tempo todo eu estive procurando alguém que me amasse"). Não é nada estranho que ela sequer chore pelo namorado e na mesma noite diga ao Jim que o ama.
Poucos artistas, em qualquer campo, conseguem ser tão poéticos quanto Sam Peckinpah. Ele faz ótimos westerns, mas o que ele realmente filma é a própria essência da saudade de uma época em que a humanidade pertencia aos homens. Os seus personagens são, como nós, seres angustiados, presos na incompatibilidade entre seus impulsos naturais e a modernidade que os enquadra. E todo esse lirismo é representado através de tiroteios, explosões e sangue voando para todo lado. Ou seja, trabalho de gênio.
Aí sim, está uma boa metáfora sobre a solidão e a desestruturação da auto-confiança na sociedade moderna, tão recheada de símbolos e símbolos e símbolos. Apesar de caricato, esse protagonista é tão oniricamente real...
Mister Lonely acerta naquilo que o outro filme de Korine que eu já assisti (Gummo) pecava: tem uma boa história (começo, meio e fim, progressão causal), personagens autônomos, multiplicidade de forças intrínsecas e se assume como um filme absurdo. Mantém as coisas boas: cenas fortes, trilha musical foda e referências à cultura pop (levadas diretamente pro roteiro, dessa vez, o que deu uma força bem maior pra elas, na minha opinião).
Estava preocupado achando que me faltava conhecimento para entender e desfrutar o filme, mas vendo os comentários abaixo percebo que não fui o único a achá-lo meio fraco. O que senti foi a mesma coisa que relatou o Wesley: início e fim excelentes, mas desenvolvimento sem graça. Se Pasolini tivesse se mantido apenas na época contemporânea, talvez o filme fosse mais interessante.
Um filme que pouco engana o espectador. Ele vai construindo a história com uma série de eventos relativamente previsíveis... mas guarda o principal ponto do clímax muito bem. Fazia muito, muito tempo que um filme não me surpreendia dessa forma. Aqui vemos uma construção de perspectiva esquizofrênica excelente, quase ao nível do perfeito Clube da Luta. A mente do Trevor consegue transformar qualquer detalhe em um gatilho pra um devaneio imenso. E a fotografia traduz muito bem isso pra linguagem visual.
O Christian Bale foi uma surpresa agradável, aqui. Talvez tenha sido preconceito da minha parte subestimá-lo como ator sem conhecer a maioria dos seus trabalhos, mas sinceramente não esperava uma atuação tão boa. A começar pela aparência física dele, pouquíssimos atores se entregariam tanto assim. Mas também é digno de nota o trabalho que ele faz pra construir esse personagem neurótico e problemático, muitas vezes com simples gestos ou expressões faciais.
Dados ao Bob Dylan 5 segundos para se expressar, ele já torna qualquer coisa interessante. Ainda não me sinto apto a comentar esse documentário com muita clareza, pois estou enebriado pelas músicas e os momentos íntimos (e outros não tão íntimos) nele mostrados. Só me vêm à cabeça dois comentários urgentes: primeiro, que a voz da Joan Baez é maravilhosa. E segundo que esse é um filme para ser assistido tendo ao lado um violão, uma garrafa de café e alguns cigarros.
O filme é interessante, a estética da imperfeição com a câmera errando toda hora, enquadramentos estranhíssimos e às vezes completamente desenquadrados funciona super bem aliada ao roteiro, a forma com que o casamento é retratado me agradou bastante, o diálogo cinematográfico com os documentários dá uma boa complementação pra história, mas... Não sei dizer bem por qual motivo, mas o humor do Allen não me atingiu tanto dessa vez. Talvez assista-o novamente, para entender o porquê.
Um retrato tão fiel do espírito da juventude que influenciou artistas de distintas gerações, desde Smiths até Arctic Monkeys. E pudera, o filme é muito bom! O jovem revoltado e sem esperanças, oprimido pela práxis capitalista na mesma medida em que não tem como escapar dela, está encarnado de forma espetacular pelo Albert Finney.
O momento em que a política, a economia, a história e o cinema se encontraram... e tiveram uma maravilhosa e perturbadora orgia. Um filme de ideias, ironias, provocações e contestações, absolutamente necessário pra qualquer pessoa que pense em trabalhar com produção audiovisual (ou que ao menos goste do assunto). E o Glauber a indicar o caminho... pena que tão poucos o sigam...
São dolorosos esses noventa e poucos minutos de viagem semi-clandestina no carro do suicida Mr. Badii. E ainda mais dolorosos para aqueles que estão nesse carro em suas próprias vidas, quando os assistem. É um filme realmente belo, repleto de indagações e angústias universais. No entanto, algum ingrediente desse bolo (talvez o otimismo subentendível na soma total das falas dos passageiros) me deixou com um pé atrás e um sentimento de tímida decepção. Mas, mesmo assim, é uma experiência que definitivamente vale a pena.
Eis a adolescência. Simetricamente correto em cada colocação acerca dela. Os problemas familiares, os problemas de identidade, os problemas escolares, etc etc etc... Notável semelhança com Os Incompreendidos mas, pessoalmente, me agrada muito mais a praticidade de Christine e Gilles, decorrente da corrupção do universo juvenil, do que a suposta inocência do Antoine. As conversas entre Christine e o policial, e entre Gilles e seu pai, retratam com maestria essa época da vida... ou pelo menos o que fizeram dela, nesses nossos tempos modernos.
O que dizer da trilha sonora? A cena em que os jovens fumam seu "cachimbo da paz" enquanto toca Knocking On Heaven's Door, com aqueles vocais etéreos e a letra mística do Dylan, libertou todas as lágrimas tímidas que tentei segurar na primeira parte do filme. E pensar que ela é só uma introdução a outra cena ainda mais forte e lírica, então...
Enquanto o primeiro é uma fábula épica sobre a poesia do esporte, o segundo é uma triste crônica sobre a situação atual do futebol. Legal como ele consegue colocar ambiguidade em certas coisas que geralmente são vistas como absolutamente "boas" ou "más", um exemplo é o empresário interpretado pelo Paulo Miklos. O abrandamento da visão negativa da imprensa (que, apesar de mais fraca, não é extinta aqui) me pareceu um retrocesso no pensamento crítico mostrado no primeiro filme. Enfim... um boa continução, que sofre da clássica incapacidade em manter-se ao nível do original.
Esse filme já transpira Star Wars, tanto visualmente quanto sonoramente. Uma distopia razoável, que não me parece trazer nenhuma novidade muito grande... nada que já não estivesse em Admirável Mundo Novo e 1984. Apesar disso, a narrativa é boa e realmente vale a pena assisti-lo. A fotografia é muito bem feita. E que trilha sonora! Walter Murch mais uma vez primoroso, dá uma sustentabilidade pro universo através do som que deixa as cenas mil vezes mais atraentes. Só fiquei um pouco decepcionado com o Robert Duvall... primeiro filme em que ele não me convence.
E aquela última cena, quando surgem os créditos finais, é uma das coisas mais belas que eu já vi.
O filme é meio parado e econômico na sua metalinguagem, mesmo. Mas as duas garotas, bem como o relacionamento conturbado entre elas, me comoveram bastante. Não consigo definir se gosto mais da ingenuidade da Lala ou da "vivida" Guayi. No geral, é uma história de amor e sobrevivência bem bonita, com boas atuações (Inés Efron... não a conhecia, mas preciso ver mais filmes com essa garota!) e uma narrativa quebrada boa para o cérebro. Quanto à história do menino peixe, que dá nome ao filme, também achei que poderia ter sido mais explorada...
De vez em quando, na história do cinema, surgem filmes que sintetizam com extrema perfeição uma geração, uma determinada faixa do tempo-espaço. E esse é um deles. É o retrato exato de uma geração de jovens virtualmente próximos de tudo, mas fisicamente ainda "longe demais das capitais" e espiritualmente separados do universo ao seu redor.
Foi bom ver uma história que se passa no Rio Grande do Sul e não é nem com aquela visão clássica de chimarrão+cavalo, nem com aquela visão tão cult dos burguesinhos modernos na Cidade Baixa. Pessoalmente, me identifiquei muito mais com os garotos perdidos mostrados aqui do que com qualquer outro personagem dessas outras visões. Mas é possível que justamente isso torne o filme de difícil assimilação para pessoas de outras regiões do país, vide as muitas reclamações aqui mesmo no filmow. Concordo que o filme é lento, mas isso é facilmente justificável pelo fato de que a vida nessas cidades interioranas, um lugar literalmente frio em um país tropical, É lenta, tediosa.
Muito bom o diálogo com o videoclipe, os vídeos "caseiros", as novas mídias, etc... também muito boa a forma com que a imaginação e o inconsciente do garoto (e, por consequência, de toda uma geração) aparecem e influenciam a história. O cansaço e o desejo latente de fugir em busca da terra prometida aparecem aqui com toda a força. E Bob Dylan como trilha, além de ser o óbvio graças ao gosto musical do protagonista, funciona muito bem, mas se tivesse rolado "Every Day Is Like Sunday" do Morrissey, também cairia como uma luva.
O primeiro filme do Godard que assisto. Legal a forma com que ele utiliza a câmera-andante, tão típica da nouvelle vague. O mesmo vale pra ideia de uma ficção-científica noir, e a facilidade com que cria uma grandiosa história utilizando recursos técnicos, e não tanto tecnológicos. E que crítica foda ao totalitarismo científico (sim, muito influenciado por 1984 e Admirável Mundo Novo, o que não diminui em nada seus méritos)! É muito fácil fazer, como muitos fazem, críticas à tecnologia em si, colocando-a como vilã independente e perigosa, mas o que Godard faz aqui com maestria é colocar nesse posto os próprios seres humanos, que conscientemente escolhem esse caminho para sua sociedade. Se hoje já é preciso muita coragem para fazer isso, imagina a 45 anos atrás...
Pelo que tinha lido sobre o filme, fui assisti-lo pronto a achar totalmente desnecessário, mas... caramba! Que soco no estômago! Há quanto tempo não via a estética servindo tão docilmente à filosofia. Todos os aspectos do filme se dobram pra dentro do seu discurso, o que elevou muito o Lars Von Trier no meu conceito. Distorções espaço-temporais, simbologia ad extremum, universo em implosão e uma fotografia etérea que desprende imediatamente o espectador da realidade objetiva.
Há que se desfrutá-lo de mente aberta, pronto para abolir todo e qualquer limite. É a força da gênesis retratada audioverbovisualmente de forma perfeita: quanto mais perto dela se chega, mais se pode sentir sua onipotência. Cenas fortes não são poupadas para proteger quem está assistindo, já que a vulnerabilidade parece ser o norte aqui.
Cheguei ao fim com uma certeza: se o filme fosse apenas a parte do Prólogo, já estaria entre meus favoritos (o que não quer dizer que o resto não seja bom... muito antes pelo contrário). E que agradável surpresa é a dedicatória ao Tarkovsky, estando suas influências tão presentes a cada segundo da obra.
Engraçadíssimo, cheio de críticas sutis à mentalidade norte-americana, muitas drogas e um puta elenco. Muito boa essa comédia / ficção-pseudo-científica. E sim, lembra muito os Coens, como já foi dito abaixo.
Preso na Escuridão
4.2 497 Assista AgoraUm daqueles filmes que transitam por vários gêneros e transcendem todos eles.
Gostei do quão bem ele usa o conflito entre 'vida' e sonho no ritmo do roteiro, de uma forma que não é meramente expositiva mas sim construindo com isso uma compreensão mais visceral da situação do protagonista no espectador.
Também vale elogiar como o filme se mantém fiel à sua visão até o desfecho. As sequências finais são repletas de momentos em que se fica esperando o ponto onde uma solução clichê qualquer irá aparecer para acabar com a tensão e dar uma saída fácil para que a história se redima e possa ser facilmente aceita sem muito esforço mental, mas isso nunca acontece.
Sonhos
4.4 380 Assista AgoraMais uma obra espetacular do mestre.
As várias sequências que representam sonhos distintos são bem auto-contidas, sem um fio narrativo em comum. O que não quer dizer que não existam elementos constantes em diversas delas. Um tema que persiste, curiosamente, é a ideia da morte - que aparece por vezes com uma carga negativa fortíssima, por vezes como uma fase natural de transição da vida. Outro tema recorrente é a crítica ao "progresso" que desconecta o ser humano da natureza ao seu redor, retratado de maneira tão bela que mesmo quem não concorda com o argumento (meu caso) pode apreciar.
Cada sequência parece adotar um elemento técnico em especial para realçar a sua ideia narrativa. A música/coreografia na sequência das raposas, a teleobjetiva na do jardim de pessegueiros (aliás, alguém lembra de enquadramentos mais perfeitos do que os presentes aqui?), o slow-motion na da nevasca, as cores na do Monte Fuji, a montagem na do Van Gogh, etc.
Nem todas são necessariamente experiências agradáveis, no entanto. A sequência da nevasca, embora eu a tenha achado bastante expressiva e tecnicamente bem-executada, não é algo que eu deseje assistir novamente (lenta demais para o meu gosto).
Minha preferida foi a do jardim de pessegueiros. Por mais que faça todo o esforço racional possível, não consigo evitar a sensação de que esse sonho esteve presente no meu passado desde sempre.
Pink Floyd: Live at Pompeii
4.8 86Transcendental.
A Marselhesa
3.8 8Não tenho um conhecimento muito exato sobre a revolução francesa e esse foi o primeiro filme de Renoir que assisti. Portanto, meu embasamento pra comentar é, na melhor das hipóteses, fraco. Mas a mim agradou o tratamento teatral e verborrágico do filme. Através dele, me parece que Renoir conseguiu retratar e mesmo potencializar o caráter inevitável da revolução (o que até pode ser questionável), que mesmo quando os personagens apresentam incertezas com relação ao presente ou ao futuro, parece surgir com força máxima e os arrastar, sempre em frente. Gostei muito também do tratamento da Marselhesa (música) dentro do filme.
A cena da inscrição, em que a Marselhesa é executada em outro cômodo e aos poucos todos que estão na fila acabam "hipnotizados" por ela é linda.
Trinta Anos Esta Noite
4.3 142Algumas obras vão muito além do seu próprio meio e são tão fortes que transitam tranquilamente por entre o campo que chamamos de "arte". Assim como as melhores sinfonias são quase filmes e os mais belos filmes são quase pinturas, Le Feu Follet é um poema sobre a angústia do homem impotente perante a força do tempo. É um noturno de Chopin que sonha com imagens.
Como já foi dito aqui em baixo, é genial a forma com que o filme mostra o inexplicável sentimento de solidão e desespero de uma pessoa deslocada com planos simples de um homem olhando para pessoas, com um piano suave tocando ao fundo. Pra mim, a palavra "alienação" nunca esteve tão bem traduzida. A condução neutra, quase dolorosa, da narrativa é incrível: não é que o mundo seja malvado e injusto (como nos filmes neo-realistas). É só que, com o tempo, ele se torna irremediavelmente medíocre.
Juventude Transviada
3.9 546 Assista AgoraO título original de "Rebelde Sem Causa" só pode ser uma grande ironia. A rebeldia do Jim não é nada gratuita e tem uma causa ideológica (embora não-política) muito digna. E me parece que mesmo hoje, mais de 50 anos depois desse filme, a juventude ainda não saiu desse vácuo existencial tão bem representado aqui. Mudaram as mídias, as tecnologias, os relacionamentos mas, em sua essência, o vazio continua presente. Daí a facilidade que temos de nos identificar com os jovens da história.
O que mais me chamou atenção aqui foi a ênfase dada aos problemas entre pais e filhos, que estão presentes na vida dos três protagonistas. Somada à falta de perspectiva de vida deles, essa relação conturbada com a família é o que os leva a estabelecer um universo social próprio, tão fútil e perigoso quanto inevitável e necessário.
E isso tudo é resumido nas palavras da empregada que chora sobre o corpo do Plato: "Esse pobre garoto não tem ningúem. Ninguém.".
Outra coisa: quem reclama da Judy aparentemente não entendeu muito bem o universo diegético do filme. Ela é uma garota que sempre viveu uma vida de aparência. O seu grupo de amigos é baseado unicamente na hipocrisia. Segundo as suas próprias palavras, ali "ninguém age sinceramente". Fica claro em cada beijo dela com o namoradinho que eles não estão apaixonados, estão juntos apenas por conveniência, por uma necessidade interna do grupo. O Jim é o primeiro cara corajoso, sincero e adorável que ela conhece. Ele representa um universo inteiramente novo pra ela - o universo que ela sempre quis ("O tempo todo eu estive procurando alguém que me amasse"). Não é nada estranho que ela sequer chore pelo namorado e na mesma noite diga ao Jim que o ama.
Meu Ódio Será Sua Herança
4.2 204 Assista AgoraPoucos artistas, em qualquer campo, conseguem ser tão poéticos quanto Sam Peckinpah. Ele faz ótimos westerns, mas o que ele realmente filma é a própria essência da saudade de uma época em que a humanidade pertencia aos homens. Os seus personagens são, como nós, seres angustiados, presos na incompatibilidade entre seus impulsos naturais e a modernidade que os enquadra. E todo esse lirismo é representado através de tiroteios, explosões e sangue voando para todo lado. Ou seja, trabalho de gênio.
Certamente o meu diretor de faroestes preferido.
Mister Lonely
3.8 105Aí sim, está uma boa metáfora sobre a solidão e a desestruturação da auto-confiança na sociedade moderna, tão recheada de símbolos e símbolos e símbolos. Apesar de caricato, esse protagonista é tão oniricamente real...
Mister Lonely acerta naquilo que o outro filme de Korine que eu já assisti (Gummo) pecava: tem uma boa história (começo, meio e fim, progressão causal), personagens autônomos, multiplicidade de forças intrínsecas e se assume como um filme absurdo. Mantém as coisas boas: cenas fortes, trilha musical foda e referências à cultura pop (levadas diretamente pro roteiro, dessa vez, o que deu uma força bem maior pra elas, na minha opinião).
Depois da Vida
3.9 70Lindo, simplesmente lindo. Essa capacidade dos orientais de falar sobre a transcendentalidade da vida e da alma sempre me cativa.
Édipo Rei
3.8 53Estava preocupado achando que me faltava conhecimento para entender e desfrutar o filme, mas vendo os comentários abaixo percebo que não fui o único a achá-lo meio fraco. O que senti foi a mesma coisa que relatou o Wesley: início e fim excelentes, mas desenvolvimento sem graça. Se Pasolini tivesse se mantido apenas na época contemporânea, talvez o filme fosse mais interessante.
O Operário
4.0 1,3K Assista AgoraUm filme que pouco engana o espectador. Ele vai construindo a história com uma série de eventos relativamente previsíveis... mas guarda o principal ponto do clímax muito bem. Fazia muito, muito tempo que um filme não me surpreendia dessa forma.
Aqui vemos uma construção de perspectiva esquizofrênica excelente, quase ao nível do perfeito Clube da Luta. A mente do Trevor consegue transformar qualquer detalhe em um gatilho pra um devaneio imenso. E a fotografia traduz muito bem isso pra linguagem visual.
O Christian Bale foi uma surpresa agradável, aqui. Talvez tenha sido preconceito da minha parte subestimá-lo como ator sem conhecer a maioria dos seus trabalhos, mas sinceramente não esperava uma atuação tão boa. A começar pela aparência física dele, pouquíssimos atores se entregariam tanto assim. Mas também é digno de nota o trabalho que ele faz pra construir esse personagem neurótico e problemático, muitas vezes com simples gestos ou expressões faciais.
Dont Look Back
4.4 37Dados ao Bob Dylan 5 segundos para se expressar, ele já torna qualquer coisa interessante. Ainda não me sinto apto a comentar esse documentário com muita clareza, pois estou enebriado pelas músicas e os momentos íntimos (e outros não tão íntimos) nele mostrados. Só me vêm à cabeça dois comentários urgentes: primeiro, que a voz da Joan Baez é maravilhosa.
E segundo que esse é um filme para ser assistido tendo ao lado um violão, uma garrafa de café e alguns cigarros.
Maridos e Esposas
3.9 108 Assista AgoraO filme é interessante, a estética da imperfeição com a câmera errando toda hora, enquadramentos estranhíssimos e às vezes completamente desenquadrados funciona super bem aliada ao roteiro, a forma com que o casamento é retratado me agradou bastante, o diálogo cinematográfico com os documentários dá uma boa complementação pra história, mas...
Não sei dizer bem por qual motivo, mas o humor do Allen não me atingiu tanto dessa vez. Talvez assista-o novamente, para entender o porquê.
Tudo Começou no Sábado
3.8 25Um retrato tão fiel do espírito da juventude que influenciou artistas de distintas gerações, desde Smiths até Arctic Monkeys. E pudera, o filme é muito bom! O jovem revoltado e sem esperanças, oprimido pela práxis capitalista na mesma medida em que não tem como escapar dela, está encarnado de forma espetacular pelo Albert Finney.
O Vento do Leste
4.1 13O momento em que a política, a economia, a história e o cinema se encontraram... e tiveram uma maravilhosa e perturbadora orgia. Um filme de ideias, ironias, provocações e contestações, absolutamente necessário pra qualquer pessoa que pense em trabalhar com produção audiovisual (ou que ao menos goste do assunto).
E o Glauber a indicar o caminho... pena que tão poucos o sigam...
Gosto de Cereja
4.0 224 Assista AgoraSão dolorosos esses noventa e poucos minutos de viagem semi-clandestina no carro do suicida Mr. Badii. E ainda mais dolorosos para aqueles que estão nesse carro em suas próprias vidas, quando os assistem. É um filme realmente belo, repleto de indagações e angústias universais. No entanto, algum ingrediente desse bolo (talvez o otimismo subentendível na soma total das falas dos passageiros) me deixou com um pé atrás e um sentimento de tímida decepção.
Mas, mesmo assim, é uma experiência que definitivamente vale a pena.
Água Fria
3.8 23Eis a adolescência. Simetricamente correto em cada colocação acerca dela. Os problemas familiares, os problemas de identidade, os problemas escolares, etc etc etc... Notável semelhança com Os Incompreendidos mas, pessoalmente, me agrada muito mais a praticidade de Christine e Gilles, decorrente da corrupção do universo juvenil, do que a suposta inocência do Antoine. As conversas entre Christine e o policial, e entre Gilles e seu pai, retratam com maestria essa época da vida... ou pelo menos o que fizeram dela, nesses nossos tempos modernos.
O que dizer da trilha sonora? A cena em que os jovens fumam seu "cachimbo da paz" enquanto toca Knocking On Heaven's Door, com aqueles vocais etéreos e a letra mística do Dylan, libertou todas as lágrimas tímidas que tentei segurar na primeira parte do filme. E pensar que ela é só uma introdução a outra cena ainda mais forte e lírica, então...
Boleiros 2 - Vencedores e Vencidos
2.6 27 Assista AgoraEnquanto o primeiro é uma fábula épica sobre a poesia do esporte, o segundo é uma triste crônica sobre a situação atual do futebol. Legal como ele consegue colocar ambiguidade em certas coisas que geralmente são vistas como absolutamente "boas" ou "más", um exemplo é o empresário interpretado pelo Paulo Miklos.
O abrandamento da visão negativa da imprensa (que, apesar de mais fraca, não é extinta aqui) me pareceu um retrocesso no pensamento crítico mostrado no primeiro filme.
Enfim... um boa continução, que sofre da clássica incapacidade em manter-se ao nível do original.
THX 1138
3.5 200 Assista AgoraEsse filme já transpira Star Wars, tanto visualmente quanto sonoramente. Uma distopia razoável, que não me parece trazer nenhuma novidade muito grande... nada que já não estivesse em Admirável Mundo Novo e 1984. Apesar disso, a narrativa é boa e realmente vale a pena assisti-lo.
A fotografia é muito bem feita. E que trilha sonora! Walter Murch mais uma vez primoroso, dá uma sustentabilidade pro universo através do som que deixa as cenas mil vezes mais atraentes. Só fiquei um pouco decepcionado com o Robert Duvall... primeiro filme em que ele não me convence.
E aquela última cena, quando surgem os créditos finais, é uma das coisas mais belas que eu já vi.
O Menino Peixe
3.2 72 Assista AgoraO filme é meio parado e econômico na sua metalinguagem, mesmo. Mas as duas garotas, bem como o relacionamento conturbado entre elas, me comoveram bastante. Não consigo definir se gosto mais da ingenuidade da Lala ou da "vivida" Guayi.
No geral, é uma história de amor e sobrevivência bem bonita, com boas atuações (Inés Efron... não a conhecia, mas preciso ver mais filmes com essa garota!) e uma narrativa quebrada boa para o cérebro.
Quanto à história do menino peixe, que dá nome ao filme, também achei que poderia ter sido mais explorada...
Os Famosos e os Duendes da Morte
3.7 670 Assista AgoraDe vez em quando, na história do cinema, surgem filmes que sintetizam com extrema perfeição uma geração, uma determinada faixa do tempo-espaço. E esse é um deles. É o retrato exato de uma geração de jovens virtualmente próximos de tudo, mas fisicamente ainda "longe demais das capitais" e espiritualmente separados do universo ao seu redor.
Foi bom ver uma história que se passa no Rio Grande do Sul e não é nem com aquela visão clássica de chimarrão+cavalo, nem com aquela visão tão cult dos burguesinhos modernos na Cidade Baixa. Pessoalmente, me identifiquei muito mais com os garotos perdidos mostrados aqui do que com qualquer outro personagem dessas outras visões. Mas é possível que justamente isso torne o filme de difícil assimilação para pessoas de outras regiões do país, vide as muitas reclamações aqui mesmo no filmow. Concordo que o filme é lento, mas isso é facilmente justificável pelo fato de que a vida nessas cidades interioranas, um lugar literalmente frio em um país tropical, É lenta, tediosa.
Muito bom o diálogo com o videoclipe, os vídeos "caseiros", as novas mídias, etc... também muito boa a forma com que a imaginação e o inconsciente do garoto (e, por consequência, de toda uma geração) aparecem e influenciam a história. O cansaço e o desejo latente de fugir em busca da terra prometida aparecem aqui com toda a força. E Bob Dylan como trilha, além de ser o óbvio graças ao gosto musical do protagonista, funciona muito bem, mas se tivesse rolado "Every Day Is Like Sunday" do Morrissey, também cairia como uma luva.
"Se eu pudesse, eu tirava uma foto bem na hora em que eles se jogam..."
Alphaville
3.9 177 Assista AgoraO primeiro filme do Godard que assisto. Legal a forma com que ele utiliza a câmera-andante, tão típica da nouvelle vague. O mesmo vale pra ideia de uma ficção-científica noir, e a facilidade com que cria uma grandiosa história utilizando recursos técnicos, e não tanto tecnológicos.
E que crítica foda ao totalitarismo científico (sim, muito influenciado por 1984 e Admirável Mundo Novo, o que não diminui em nada seus méritos)! É muito fácil fazer, como muitos fazem, críticas à tecnologia em si, colocando-a como vilã independente e perigosa, mas o que Godard faz aqui com maestria é colocar nesse posto os próprios seres humanos, que conscientemente escolhem esse caminho para sua sociedade. Se hoje já é preciso muita coragem para fazer isso, imagina a 45 anos atrás...
Anticristo
3.5 2,2K Assista AgoraPelo que tinha lido sobre o filme, fui assisti-lo pronto a achar totalmente desnecessário, mas... caramba! Que soco no estômago! Há quanto tempo não via a estética servindo tão docilmente à filosofia. Todos os aspectos do filme se dobram pra dentro do seu discurso, o que elevou muito o Lars Von Trier no meu conceito. Distorções espaço-temporais, simbologia ad extremum, universo em implosão e uma fotografia etérea que desprende imediatamente o espectador da realidade objetiva.
Há que se desfrutá-lo de mente aberta, pronto para abolir todo e qualquer limite. É a força da gênesis retratada audioverbovisualmente de forma perfeita: quanto mais perto dela se chega, mais se pode sentir sua onipotência. Cenas fortes não são poupadas para proteger quem está assistindo, já que a vulnerabilidade parece ser o norte aqui.
Cheguei ao fim com uma certeza: se o filme fosse apenas a parte do Prólogo, já estaria entre meus favoritos (o que não quer dizer que o resto não seja bom... muito antes pelo contrário). E que agradável surpresa é a dedicatória ao Tarkovsky, estando suas influências tão presentes a cada segundo da obra.
Os Homens Que Encaravam Cabras
3.3 485 Assista AgoraEngraçadíssimo, cheio de críticas sutis à mentalidade norte-americana, muitas drogas e um puta elenco. Muito boa essa comédia / ficção-pseudo-científica.
E sim, lembra muito os Coens, como já foi dito abaixo.