Quanta tensão! Uma apreensão crescente, num ritmo coerente com a proposta minuciosa do thriler. "O eu é o outro"... Trama que se constrói em camadas, tal qual a tridimensionalidade do "eu", como num iceberg, cujo ápice é a nossa projeção pro mundo, condicionante e repressiva; o corpo do iceberg funcionando como um constituinte de racionalidade e intercomunicação entre nossa projeção social e os nossos desejos; na base dessa estrutura, uma imensidão extensa, submersa e profunda, onde habita e se contorce o inconsciente, as paixões pungentes, os instintos... quão complexa é a questão de ser. A série mostra justamente a fluidez entre essa conjunção não sobreposta e a inquietude que pode nos fazer agonizar sob a nossa própria pele. Toda essa complexidade reverbera amplificada no atormentado "eu" de Jean/Diane. É evidente a "deficiência" na estrutura do ego de Jean. Talvez seus impulsos fossem tão pungentes que a questão da busca incessante por controle se manifestasse de tal maneira a fazê-la
romper com toda a conduta modulada pela sua profissão e também o que se preconiza e espera de um indivíduo em sociedade, fazendo-a transgredir essas condicionantes, de forma compulsiva e obsessiva.
A interferência de Diane no curso da vida dos outros, entendo que se dava como uma expressão exagerada da "empatia" que ela sentia nas situações que lhe eram narradas em consultório, situações que lhe permitiam se projetar... como escapismos à singularidade do eu. Os seus valores são distorcidos e há uma frieza e impessoalidade inerente às suas relações, na contramão da intensidade com que se relacionava. Ela se projetava, mas não conseguia se conectar, por isso agia no extremo do seu hedonismo e egocentrismo e com tamanha imprudência.
Eu acredito ser inconteste o transtorno de personalidade manifestado de forma mordaz e a própria compulsão, que protagoniza como causa e também como consequência, numa cadeia imprevisível de desdobramentos. Compulsão tal que mesmo desejando abster-se da multiplicidade dos seus "eus" pela família, não havia como abrir mão do seu eu multifacetado, já há muito fragmentado nas vidas paralelas que ela levava.
A imprevisibilidade vai numa crescente, diretamente proporcional ao grau dos desdobramentos das situações que Diane criou...
mostrando claramente, como evidência última, o seu raciocínio incomum, difícil de acompanhar, que vai na tangente e ao avesso de tudo o que é considerado aceitável, na medida do seu próprio transtorno, seja ele qual for.
O grande lance das distopias são as inesgotáveis realidades análogas que elas evocam, como metáforas do presente. Ford e seu admirável mundo novo - sendo a Soma, nessa reinvenção, o próprio “eu-narrador” internalizado.
"E é aí que está o segredo da felicidade e da virtude: gostar daquilo que se é obrigado a fazer. Tal é o fim de todo o condicionamento: fazer as pessoas apreciarem o destino social a que não podem escapar."
O grande pecado do criador foi ter ignorado que a tela/criatura era, na verdade, um espelho.
E no conforto dessa perspectiva invertida, a potencia humana substanciada nos "anfitriões" tomou seu curso, e as marionetes dos deuses rumaram, "naturalmente", à introspecção... Deixando claro que a verdadeira alforria, a liberdade, é um estado mental. E o caminho a esse ocaso, acaba sendo o domínio da própria consciência,
afinal, “a liberdade é um fazer que realiza um ser"... E esse foi o nascimento da essência, ou melhor, o Nascimento da Tragédia.
"A imobilidade das coisas que nos cercam talvez lhes seja imposta por nossa certeza de que essas coisas são elas mesmas e não outras, pela imobilidade de nosso pensamento perante elas..."
"Trompe-l'oeil: Técnica ilusionista que dá ao expectador uma perspectiva tridimensional de objetos de duas dimensões." Juro que já tinha imaginado a possibilidade de Bernard ser um "anfitrião", porém todo o background dele me faz afastar essa ideia... O que tornou ainda mais cruel (e assustador) conceber que de fato ele era um "autômato".
Aliás, quantos plot twists cabem em um personagem? Que série genial!
Westworld foi um verdadeiro ode à filosofia, à duplicidade do apolíneo e dionisíaco tanto como interpretação da mente bicameral, à demonstração do quadro de Michelangelo, quanto na própria catarse de William, que busca na arte daquele mundo, no belo, a sua libertação... Afinal, se tudo que é verdadeiro é belo, a verdade desse mundo seria concebível pela sua beleza... E essa se torna a verdadeira jornada.
Quando William teve todo o seu idealismo esvaziado, no momento em que encarou o fato de que Dolores estava fadada às infinitas repetições da sua criação, nos limites da sua programação, do seu personagem, como um simulacro, houve uma ruptura de onde nasceu uma fixação e a ele restou render-se a uma jornada violenta em busca da plenitude do potencial daquele mundo, como forma de significa-lo, de torná-lo verdadeiro... Nada mais justo que o produto do parque, o homem que William se tornou, se tornasse um fim em si mesmo e por este mundo fosse consumido.
Exit Music (for a film) me deslumbrou por tamanha coerência, pelo seu encaixe perfeito com o final do ultimo episódio. Que série soberba é essa?! Merece SIM todo o hype.
Só uma série desse calibri pra referenciar com tanta maestria o cotidiano político, em suas entranhas e dores, no seu aspecto mais sujo e ainda fazê-lo de forma palatável... Cara, sensacional! Putin que o diga hahaha "Viktor, are you in love com essa p*ta série?"
É agridoce acompanhar o pêndulo oscilar entre a imponência e a impotência do Frank. Dentre os golpes e abismos, o da Claire atingiu minha própria pele... A aflição cresce progressivamente, de episódio pra episódio, e por mais que você saiba no que vai desembocar, fica descrente e no final e sente todo o amargor.
A tensão levou todo o ar do cômodo e só então, eu me dei conta de que prendia a respiração... Foi em vão.
Dentre as tentativas da globo em se aventurar nas superproduções e na quebra do estigma da babaquice das novelas das oito, eis que surge um sopro de alivio à pretensão que beira o pedantismo no circo melodramático do horário nobre... E que surpresa boa! E sem contar as altas expectativas que o sobrenome de Meireles carrega em qualquer sublinhado...
Sigur Rós (foi, num foi?) de cara e a referência descarada a Anticristo que confesso ter dado um certo amargor: Porque sim, Fernando, existe um fenômeno no qual eventuais telespectadores da Globo assistem a Lars Von Trier (talvez na tela quente)... Então por pouco (e para alguns) a ignorância, nem a piscina, não salvou a cena e a sua potencial "genialidade reciclada"... Infelizmente, aliás. Esperava algo mais """original""", até porque Lars já patenteou e limitou os bebês-suicidas (rs)
Porém, sempre bom contemplar o encontro da acidez que lhe é característica e ímpar com seu ferrenho aliado na contraposição das cenas - armas infalíveis e de assinatura certeira. Santíssima seja sua dialética!... Que faz valer qualquer desencontro com as boas vindas do Bial.
Gypsy (1ª Temporada)
3.6 312 Assista AgoraQuanta tensão! Uma apreensão crescente, num ritmo coerente com a proposta minuciosa do thriler. "O eu é o outro"... Trama que se constrói em camadas, tal qual a tridimensionalidade do "eu", como num iceberg, cujo ápice é a nossa projeção pro mundo, condicionante e repressiva; o corpo do iceberg funcionando como um constituinte de racionalidade e intercomunicação entre nossa projeção social e os nossos desejos; na base dessa estrutura, uma imensidão extensa, submersa e profunda, onde habita e se contorce o inconsciente, as paixões pungentes, os instintos... quão complexa é a questão de ser. A série mostra justamente a fluidez entre essa conjunção não sobreposta e a inquietude que pode nos fazer agonizar sob a nossa própria pele.
Toda essa complexidade reverbera amplificada no atormentado "eu" de Jean/Diane. É evidente a "deficiência" na estrutura do ego de Jean. Talvez seus impulsos fossem tão pungentes que a questão da busca incessante por controle se manifestasse de tal maneira a fazê-la
romper com toda a conduta modulada pela sua profissão e também o que se preconiza e espera de um indivíduo em sociedade, fazendo-a transgredir essas condicionantes, de forma compulsiva e obsessiva.
Eu acredito ser inconteste o transtorno de personalidade manifestado de forma mordaz e a própria compulsão, que protagoniza como causa e também como consequência, numa cadeia imprevisível de desdobramentos. Compulsão tal que mesmo desejando abster-se da multiplicidade dos seus "eus" pela família, não havia como abrir mão do seu eu multifacetado, já há muito fragmentado nas vidas paralelas que ela levava.
A imprevisibilidade vai numa crescente, diretamente proporcional ao grau dos desdobramentos das situações que Diane criou...
mostrando claramente, como evidência última, o seu raciocínio incomum, difícil de acompanhar, que vai na tangente e ao avesso de tudo o que é considerado aceitável, na medida do seu próprio transtorno, seja ele qual for.
btw: que abertura sofrível
Westworld (1ª Temporada)
4.5 1,3KUm verdadeiro mindblow!
O grande lance das distopias são as inesgotáveis realidades análogas que elas evocam, como metáforas do presente. Ford e seu admirável mundo novo - sendo a Soma, nessa reinvenção, o próprio “eu-narrador” internalizado.
"E é aí que está o segredo da felicidade e da virtude: gostar daquilo que se é obrigado a fazer. Tal é o fim de todo o condicionamento: fazer as pessoas apreciarem o destino social a que não podem escapar."
O grande pecado do criador foi ter ignorado que a tela/criatura era, na verdade, um espelho.
E no conforto dessa perspectiva invertida, a potencia humana substanciada nos "anfitriões" tomou seu curso, e as marionetes dos deuses rumaram, "naturalmente", à introspecção... Deixando claro que a verdadeira alforria, a liberdade, é um estado mental. E o caminho a esse ocaso, acaba sendo o domínio da própria consciência,
"A imobilidade das coisas que nos cercam talvez lhes seja imposta por nossa certeza de que essas coisas são elas mesmas e não outras, pela imobilidade de nosso pensamento perante elas..."
"Trompe-l'oeil: Técnica ilusionista que dá ao expectador uma perspectiva tridimensional de objetos de duas dimensões."
Juro que já tinha imaginado a possibilidade de Bernard ser um "anfitrião", porém todo o background dele me faz afastar essa ideia... O que tornou ainda mais cruel (e assustador) conceber que de fato ele era um "autômato".
Westworld foi um verdadeiro ode à filosofia, à duplicidade do apolíneo e dionisíaco tanto como interpretação da mente bicameral, à demonstração do quadro de Michelangelo, quanto na própria catarse de William, que busca na arte daquele mundo, no belo, a sua libertação... Afinal, se tudo que é verdadeiro é belo, a verdade desse mundo seria concebível pela sua beleza... E essa se torna a verdadeira jornada.
Quando William teve todo o seu idealismo esvaziado, no momento em que encarou o fato de que Dolores estava fadada às infinitas repetições da sua criação, nos limites da sua programação, do seu personagem, como um simulacro, houve uma ruptura de onde nasceu uma fixação e a ele restou render-se a uma jornada violenta em busca da plenitude do potencial daquele mundo, como forma de significa-lo, de torná-lo verdadeiro... Nada mais justo que o produto do parque, o homem que William se tornou, se tornasse um fim em si mesmo e por este mundo fosse consumido.
Exit Music (for a film) me deslumbrou por tamanha coerência, pelo seu encaixe perfeito com o final do ultimo episódio. Que série soberba é essa?! Merece SIM todo o hype.
House of Cards (3ª Temporada)
4.4 413Só uma série desse calibri pra referenciar com tanta maestria o cotidiano político, em suas entranhas e dores, no seu aspecto mais sujo e ainda fazê-lo de forma palatável... Cara, sensacional! Putin que o diga hahaha "Viktor, are you in love com essa p*ta série?"
É agridoce acompanhar o pêndulo oscilar entre a imponência e a impotência do Frank. Dentre os golpes e abismos, o da Claire atingiu minha própria pele... A aflição cresce progressivamente, de episódio pra episódio, e por mais que você saiba no que vai desembocar, fica descrente e no final e sente todo o amargor.
A tensão levou todo o ar do cômodo e só então, eu me dei conta de que prendia a respiração... Foi em vão.
Felizes para Sempre?
4.1 223Dentre as tentativas da globo em se aventurar nas superproduções e na quebra do estigma da babaquice das novelas das oito, eis que surge um sopro de alivio à pretensão que beira o pedantismo no circo melodramático do horário nobre... E que surpresa boa! E sem contar as altas expectativas que o sobrenome de Meireles carrega em qualquer sublinhado...
Sigur Rós (foi, num foi?) de cara e a referência descarada a Anticristo que confesso ter dado um certo amargor: Porque sim, Fernando, existe um fenômeno no qual eventuais telespectadores da Globo assistem a Lars Von Trier (talvez na tela quente)... Então por pouco (e para alguns) a ignorância, nem a piscina, não salvou a cena e a sua potencial "genialidade reciclada"... Infelizmente, aliás. Esperava algo mais """original""", até porque Lars já patenteou e limitou os bebês-suicidas (rs)
Porém, sempre bom contemplar o encontro da acidez que lhe é característica e ímpar com seu ferrenho aliado na contraposição das cenas - armas infalíveis e de assinatura certeira. Santíssima seja sua dialética!... Que faz valer qualquer desencontro com as boas vindas do Bial.