Muita gente podia ter visto esse filme em 1984 e pensado: esse Lars Von Trier um dia ainda vai ser grande! Não sei até que ponto o Lars de hoje já estava ali: tecnicamente é um filme muito diferente do estilo que o consagrou, mas acho que dá para reconhecer uma certa atmosfera trieriana... De todo modo, ele já mostrava que não era qualquer um. E que fotografia! Fora do expressionismo alemão, não me lembro de ter sentido esse arrebatamento visual com nenhum outro filme (se alguém tiver sugestões de outras obras com uma fotografia dessas elas serão muito bem-vindas).
Adoro a obra do Lars e tive uns momentos ótimos com Anticristo, mas no geral minha alma não bateu com este filme, pelo menos desta vez. Não sei se foi por falha do diretor ou incompetência do espectador, mas me peguei em vários momentos bocejando com um hermetismo que me soava mais enfadonho do que intrigante. Quem sabe numa próxima oportunidade. De qualquer forma, vai aí um 3,5 pelas reflexões e perturbações que suscita.
Ou eu perdi alguma coisa ou acabei de ver um dos filmes mais superestimados de todos os tempos. Enquanto eu não descubro onde foi que eu errei, fico com a segunda opção.
Assisti sem saber absolutamente nada sobre o enredo e conhecendo pouca coisa sobre o diretor. O começo prometia algo de extraordinário, mas o que recebi foi uma trama banal, salpicada de nonsense e cenas que parecem ter sido feitas para chocar apenas por chocar.
E eu não tenho absolutamente nada contra finais felizes, mas um happy end desses depois de duas horas de coisa nenhuma só serviu para aumentar a sensação de que esse filme não tinha nada de interessante a dizer.
A sensação é a de que eu poderia ter usado todo esse tempo com uma obra melhor.
Em tempos de Internet, onde podemos ver sem muita dificuldade uma imensa variedade de bundinhas, peitinhos, genitais e as mais diversas taras postas em prática, as cenas de nudez e sexo explícito de Calígula já não deveriam impressionar tanto. Quem sabe agora mais pessoas parem de enxergar o filme como aquilo que ele não é: um pornô.
Talvez a obra mereça ser criticada pelo seu moralismo implícito, associando a instabilidade mental de Calígula (e o clima de terror e conspiração do seu império) à nudez e ao sexo. No fundo é mais do mesmo discurso cristão que se repete há dois mil anos, demonizando o corpo e a sexualidade, e enfatizando os vícios (ou aquilo que a religião considera como vício) de seus antigos perseguidores a fim de ressaltar suas próprias (supostas) virtudes.
Descontando esse flerte com o lugar-comum, fica uma realização corajosa (sobretudo para o ano em que foi feita), que consegue transpor em sons e imagens a Roma orgiástica, meio histórica e meio fantasiosa, que todos nós trazemos no imaginário, bem como a loucura e a crueldade (também entre o fato e a lenda) do protagonista.
Para mim, o mais interessante é que este trabalho aponta caminhos para uma estética do corpo e do sexo que foge tanto do higienismo do cinema erótico como da coisa automática e insípida da indústria da pornografia, duas vertentes que parecem predominar hoje em dia, esforçando-se para manter limites claros entre elas.
Calígula bem poderia servir de inspiração a algum ousado diretor contemporâneo, numa época em que as censuras oficiais estão enfraquecidas e as novas tecnologias ajudam a superar eventuais barreiras à liberdade de expressão. Além do mais, esta seria uma ótima resposta às investidas puritanas que neste início de século 21 ainda teimam em nos impor crenças e valores que não nos servem.
Nestes tempos em que o debate político tem se reduzido ao partidarismo e ao ódio, dá gosto ver ou rever um filme como Tatuagem. Sem recair no didatismo ou recorrer a mais uma narrativa sobre a superfície da luta política, o filme reconta a história sombria da ditadura por um prisma menos óbvio e mais desafiador: o da resistência cultural, moral e sexual, sintetizada poeticamente pela "utopia do cu".
Tatuagem, porém, faz mais do que documentar essa resistência, adotando para si a linguagem -- anárquica, surreal, desbragada, despudorada -- dos espetáculos da trupe Chão de Estrelas, que o filme representa e com os quais chega a se confundir, o que talvez tenha frustrado o espectador que pensou estar embarcando em uma comédia romântica marginal-gay.
Contar a história recente do país a partir do microcosmos da sua periferia fez toda a diferença. Este não é simplesmente um filme político ou o é com grande força justamente por não se prender à política em seu sentido mais limitado.
Tatuagem nos apresenta um mundo feito de poesia, liberdade, paixão, desejo e conflitos humanos, mas também intimidação, autoritarismo, abuso de poder e uma boa dose de hipocrisia. Tudo isso escancara a complexidade e a miséria espiritual por trás dos fatos políticos mais aparentes, geralmente limitados às máscaras públicas que ocupam ou desocupam em um dado momento as posições visíveis de poder.
A reunião de um bom roteiro, atores excepcionais, direção primorosa e principalmente de muita ousadia -- em meio a um cinema nacional tão fértil na produção de esterilidades -- tudo isso torna este filme altamente recomendado para os que se recusam a submergir neste pântano neoconservador que se apresenta para nós como caminho e verdade únicos.
Atrevido, abusado, intenso, orgiástico. Tudo isso multiplicado por cem se a gente pensar que se trata de um filme de 1976 e considerar o valor histórico da obra. Sebastiane já está entre as minhas descobertas do ano.
Não se trata de um filme no sentido convencional, mas de um incrível poema audiovisual, como poucos que já vi. Um verdadeiro hino (na minha opinião não tanto ao sexo entre homens, mas ao corpo masculino) feito de imagens e sons, quase totalmente sem palavras. E a gente também fica sem palavras diante do fluxo vertiginoso de situações, formas, cores e massas sonoras que nos provocam do primeiro ao último minuto. Fica a sugestão: com todos os recursos tecnológicos e a liberdade que temos hoje, coisas fantásticas poderiam ser feitas neste sentido. Mas enquanto não aparece alguém com coragem e sensibilidade para fazê-lo, Pink Narcissus, para mim, tem lugar garantido no pódio.
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O Elemento do Crime
3.3 31Muita gente podia ter visto esse filme em 1984 e pensado: esse Lars Von Trier um dia ainda vai ser grande! Não sei até que ponto o Lars de hoje já estava ali: tecnicamente é um filme muito diferente do estilo que o consagrou, mas acho que dá para reconhecer uma certa atmosfera trieriana... De todo modo, ele já mostrava que não era qualquer um. E que fotografia! Fora do expressionismo alemão, não me lembro de ter sentido esse arrebatamento visual com nenhum outro filme (se alguém tiver sugestões de outras obras com uma fotografia dessas elas serão muito bem-vindas).
Anticristo
3.5 2,2K Assista AgoraAdoro a obra do Lars e tive uns momentos ótimos com Anticristo, mas no geral minha alma não bateu com este filme, pelo menos desta vez. Não sei se foi por falha do diretor ou incompetência do espectador, mas me peguei em vários momentos bocejando com um hermetismo que me soava mais enfadonho do que intrigante. Quem sabe numa próxima oportunidade. De qualquer forma, vai aí um 3,5 pelas reflexões e perturbações que suscita.
Veludo Azul
3.9 776 Assista AgoraOu eu perdi alguma coisa ou acabei de ver um dos filmes mais superestimados de todos os tempos. Enquanto eu não descubro onde foi que eu errei, fico com a segunda opção.
Assisti sem saber absolutamente nada sobre o enredo e conhecendo pouca coisa sobre o diretor. O começo prometia algo de extraordinário, mas o que recebi foi uma trama banal, salpicada de nonsense e cenas que parecem ter sido feitas para chocar apenas por chocar.
E eu não tenho absolutamente nada contra finais felizes, mas um happy end desses depois de duas horas de coisa nenhuma só serviu para aumentar a sensação de que esse filme não tinha nada de interessante a dizer.
A sensação é a de que eu poderia ter usado todo esse tempo com uma obra melhor.
Caligula
3.1 489 Assista AgoraEm tempos de Internet, onde podemos ver sem muita dificuldade uma imensa variedade de bundinhas, peitinhos, genitais e as mais diversas taras postas em prática, as cenas de nudez e sexo explícito de Calígula já não deveriam impressionar tanto. Quem sabe agora mais pessoas parem de enxergar o filme como aquilo que ele não é: um pornô.
Talvez a obra mereça ser criticada pelo seu moralismo implícito, associando a instabilidade mental de Calígula (e o clima de terror e conspiração do seu império) à nudez e ao sexo. No fundo é mais do mesmo discurso cristão que se repete há dois mil anos, demonizando o corpo e a sexualidade, e enfatizando os vícios (ou aquilo que a religião considera como vício) de seus antigos perseguidores a fim de ressaltar suas próprias (supostas) virtudes.
Descontando esse flerte com o lugar-comum, fica uma realização corajosa (sobretudo para o ano em que foi feita), que consegue transpor em sons e imagens a Roma orgiástica, meio histórica e meio fantasiosa, que todos nós trazemos no imaginário, bem como a loucura e a crueldade (também entre o fato e a lenda) do protagonista.
Para mim, o mais interessante é que este trabalho aponta caminhos para uma estética do corpo e do sexo que foge tanto do higienismo do cinema erótico como da coisa automática e insípida da indústria da pornografia, duas vertentes que parecem predominar hoje em dia, esforçando-se para manter limites claros entre elas.
Calígula bem poderia servir de inspiração a algum ousado diretor contemporâneo, numa época em que as censuras oficiais estão enfraquecidas e as novas tecnologias ajudam a superar eventuais barreiras à liberdade de expressão. Além do mais, esta seria uma ótima resposta às investidas puritanas que neste início de século 21 ainda teimam em nos impor crenças e valores que não nos servem.
Tatuagem
4.2 923 Assista AgoraNestes tempos em que o debate político tem se reduzido ao partidarismo e ao ódio, dá gosto ver ou rever um filme como Tatuagem. Sem recair no didatismo ou recorrer a mais uma narrativa sobre a superfície da luta política, o filme reconta a história sombria da ditadura por um prisma menos óbvio e mais desafiador: o da resistência cultural, moral e sexual, sintetizada poeticamente pela "utopia do cu".
Tatuagem, porém, faz mais do que documentar essa resistência, adotando para si a linguagem -- anárquica, surreal, desbragada, despudorada -- dos espetáculos da trupe Chão de Estrelas, que o filme representa e com os quais chega a se confundir, o que talvez tenha frustrado o espectador que pensou estar embarcando em uma comédia romântica marginal-gay.
Contar a história recente do país a partir do microcosmos da sua periferia fez toda a diferença. Este não é simplesmente um filme político ou o é com grande força justamente por não se prender à política em seu sentido mais limitado.
Tatuagem nos apresenta um mundo feito de poesia, liberdade, paixão, desejo e conflitos humanos, mas também intimidação, autoritarismo, abuso de poder e uma boa dose de hipocrisia. Tudo isso escancara a complexidade e a miséria espiritual por trás dos fatos políticos mais aparentes, geralmente limitados às máscaras públicas que ocupam ou desocupam em um dado momento as posições visíveis de poder.
A reunião de um bom roteiro, atores excepcionais, direção primorosa e principalmente de muita ousadia -- em meio a um cinema nacional tão fértil na produção de esterilidades -- tudo isso torna este filme altamente recomendado para os que se recusam a submergir neste pântano neoconservador que se apresenta para nós como caminho e verdade únicos.
Sebastiane
3.6 39Atrevido, abusado, intenso, orgiástico. Tudo isso multiplicado por cem se a gente pensar que se trata de um filme de 1976 e considerar o valor histórico da obra. Sebastiane já está entre as minhas descobertas do ano.
Pink Narcissus
3.6 44Não se trata de um filme no sentido convencional, mas de um incrível poema audiovisual, como poucos que já vi. Um verdadeiro hino (na minha opinião não tanto ao sexo entre homens, mas ao corpo masculino) feito de imagens e sons, quase totalmente sem palavras. E a gente também fica sem palavras diante do fluxo vertiginoso de situações, formas, cores e massas sonoras que nos provocam do primeiro ao último minuto. Fica a sugestão: com todos os recursos tecnológicos e a liberdade que temos hoje, coisas fantásticas poderiam ser feitas neste sentido. Mas enquanto não aparece alguém com coragem e sensibilidade para fazê-lo, Pink Narcissus, para mim, tem lugar garantido no pódio.