A primeira coisa que todo mundo que for assistir o filme tem que aceitar - ou pelo menos a primeira a se aceitar antes de resenhar -: não é pra ser uma comédia. E não ser uma comédia torna ele ainda mais foda do que já seria numa roupagem de drama.
Um filme maravilhoso, sensível. Ajudou a ilustrar tudo aquilo que meu namorado vem trabalhando comigo há um mês, tentando transpor em palavras o caos do dia-a-dia de alguém que trabalha em prol dos seres humanos esquecidos no cárcere. O filme retrata a morosidade, talvez proposital, dos processos em correrem, o que faz com que muitos inocentes ou pessoas que já poderiam estar soltas fiquem presas por um longo tempo; a má vontade de muitos "agentes da Lei", que aplicam penas enormes pra aqueles que estão na ponta do crime: o pequeno traficante, que faz isso pra manter seu vício ou o usuário, que tem um pouco mais do que o máximo permitido em Lei, muitas das vezes pra satisfazer a opinião pública dizendo que se prendeu uma grande quantidade de pessoas, quando na verdade todas essas não estariam traficando se não houvesse um grande fornecedor, o qual não é intere$$ante levar à cadeia. Além disso, retrata a desumanidade da desembargadora, que considera a moça negra, idosa, pobre, moradora de cortiço, com dramas familiares tão traficante quanto aquele que a deu a droga para deixar em sua casa. O mais interessante do documentário é que é composto só de cenas reais, que não mostram um terço da desumanidade que é amontoar pessoas achando que, vivendo na subumanidade, irão se reintegrar à sociedade quando soltas. Além disso, os depoimentos às cegas, que só são dados nomes e caras no fim do filme, tornam as histórias genéricas, passíveis de ocorrerem com qualquer um. Do filme fica a crença de que, talvez, o cárcere como é hoje não seja tão melhor do que a rua pra tentar ajudar alguém a se reeducar e reintegrar à sociedade. Parece que o ditado popular "mente vazia, oficina do diabo" nunca foi tão endeusado como agora, pelas autoridades que mantêm um cárcere que também é navio negreiro, pelos juízes, promotores e desembargadores que dão penas absurdas pra crimes que sequer se comprovou a autoria e, claro, pelos programas que formam o senso comum e representam a opinião pública, que clama por vingança e não por justiça.
Um filme superestimado. De primeira, as falhas técnicas me impressionaram. Hoje, nem os filmes que chegam às grandes massas dispensam estudos técnicos pra os tornarem mais próximos à realidade, com adequações não muito distantes disso. De Menor passou longe do que o Direito prevê. Primeiro, como leiga, pude perceber a incompatibilidade na defesa por uma defensora pública de um parente tão próximo; além disso, a renda familiar mensal dos dois está muito além daquilo que uma defensoria aceita. Meu namorado, bacharelando em direito, estagiário da Defensoria Pública, logo apontou outra falha: se houve emprego de força pra consumar ato ilícito, não há Justiça que aceite uma defensa que tente se pautar em "furto". Esses erros técnicos ajudam a mostrar como o filme foi feito de forma desleixada, visto que se restringia a cenas silenciosas na casa da família do Caio e a cenas no Fórum, portanto, poderia sim ter sido feita uma investigação mais minuciosa sobre o dia a dia e as teses aplicadas por defensores. Acho que poderiam ser defendidos mais meninos e meninas pobres; mais gente realmente carente; mais gente, realmente, de menor. O filme se pautou em torno de um menino problemático de classe média alta. Isso tá longe de ser a realidade das Fundações Casas, isso tá longe de ser um "de menor" - isso é, descrito por programas sensacionalistas e contra os pró-direitos humanos, como um jovem que toma caminhos tortuosos e não como um "pequeno criminoso", como são tidos os jovens de baixa renda que cometem crimes. Ficou se defendendo o indefensável, clamando pena a quem não comovia e, além do menino de cabelo com luzes, que realmente merecia o protagonismo, em nada acrescenta o filme à história do cinema brasileiro ou à luta em prol da reeducação de jovens infratores.
Que sinopse horrível! Quem viu o filme não deve ter aprendido nada com ele. Não existe 'já ter sido homem' ou uruguaio como adjetivo pra Julia, no feminino. Vou ver o filme ainda e espero que seja mais sensível do que quem o condensou em poucas e péssimas palavras.
A ideia do filme é, de fato, algo que valeria a pena ser trabalhado - como foi. De início é impossível não elogiar a variedade de faces nas quais as domésticas se apresentaram: a moça negra vinda do interior, como na maioria dos casos, a que tem uma família na cidade em que trabalha, a que reside na casa dos "patrões", o doméstica, a doméstica da doméstica. Essa variedade teria de tudo pra dar em um filme cheio de relatos e ensinamentos para serem refletidos, adaptados e levados à vida dos telespectadores, se não fosse o fato de que a relação empregada doméstica x patroa/patrão tende quase sempre à desumanização do empregado, como se ele exercesse um subemprego dentro todos os ofícios que se poderia exercer. Uma boa maneira de se perceber que há uma lacuna enorme, teoricamente preenchida mais à frente pela Lei que regulamenta os serviços dos trabalhadores domésticos, é a fala atrapalhada da segunda doméstica apresentada. Atrapalhada talvez porque não teve acesso à educação formal que a patroa teve ou ainda porque as poucas palavras trocadas durante os anos de serviço prestados à mesma família não foram suficientes pra fazer com que a doméstica se sentisse digna de um lugar de fala. Na verdade, as duas opções juntas são válidas e poderiam ser acrescidas de mais tantas outras coisas, como uma síndrome de Fabiano, de Vidas Secas, adaptada ao contexto da doméstica. A mulher a qual foi dedicada um documentário não se sentia digna de recebê-lo e por isso disse algo como: você, se quiser saber depois, eu conto pra você da minha vida. Não que por muitas vezes ela não tenha sido aquela pessoa na qual é descontada toda a carga de problemas da Casa Grande, mas por quê alguém poderia querer saber dos problemas dela, visto que ela não era tão da família quanto dito no vídeo? Mais à frente a cena se repete com a mesma moça sentada à mesa com uma família judia pra qual ela presta serviços há anos. Para aparecer no vídeo, ela passa o Shabat com a família que a emprega. Por mais que a adolescente, com idade para ser filha, quem sabe neta dela, tente fazer parecer que tudo transcorre como sempre, a moça logo diz que sonhou com aquilo ocorrendo meses antes e que contava à filha, que desdenhava do sonho da mãe de se sentar à mesa junto com os patrões. Ainda mais preocupante que as relações trabalhistas entre as moças negras vindas do interior que tiveram casamentos falidos e por isso procuraram emprego em casas que lhes remunerasse o suficiente pra manter seus filhos e seus próprios dramas pessoais, é a relação de imiscibilidade entre gerações de patrões e gerações de empregadores. Quão normal é a mãe da doméstica ter sido doméstica da sua bisavó? Não há discurso bonito que possa embasar a falta de humanidade que é não ter dado amparo a uma família próxima à sua porque ela estava e está destinada a lhe servir. Por saber disso, todos os empregadores tentaram depor de forma que lhes colocasse como pessoas que acolhem, pessoas bondosas, pessoas que, de tão altruístas, montam cubículos no quarto dos fundos com uma cama, uma cômoda e até um ventilador para que suas empregadas domésticas possam viver, naqueles 4 m², a vida que fizeram crer que elas estavam fadadas a viver
Um exemplo do que é o talento nato pra produzir um documentário. Adriana Dutra não tomou pra si o protagonismo do documentário, apesar da história ir e voltar pra vida dela, como fumante nas insistentes tentativas de parar. Isso deu espaço pra muitas coisas que, um documentarista qualquer, decerto não se atentaria a colocar num documentário. Mais do que depoimentos médicos, ONGs de combate ao fumo e à indústria tabagista - e jamais ao fumante - e pessoas que conviveram com o cigarro dão o tom que todo documentário deve ter. Informações relevantes sobre a introdução natural do tabaco como cigarro na sociedade e as modificações que ele foi sofrendo no decorrer do tempo, visando lucro através do vício, foram ressaltadas no doc, principalmente no início. Pessoas que em meados do século passado foram induzidas a fumar e tiveram informações importantes negadas, até que ficassem em estados críticos de saúde irreversíveis ou mesmo morressem, depõem e mostram como a Justiça tende sempre ao lado mais forte ou, mesmo quando ela quer, o Direito ajuda que os processos se alonguem mais do que a vida de um fumante que consome todos os dias m³ de formol, polonium, acetona e outras substâncias que espanta qualquer aspirante a química. Outro ponto de vista muito interessante (talvez o mais interessante abordado no decorrer do documentário e não por acaso serve como final pra ele) é o do agricultor que se vê praticamente obrigado a plantar o fumo, que hoje pouco dá lucro. Esse lucro que se consegue não é suficiente pra pagar as dívidas com a indústria do fumo, que controla desde o comprador de fumo direto do agricultor até as empresas que fornecem, contratualmente, os pesticidas. Dessa forma, mais uma vez famílias pobres tendem a ficar cada vez mais pobres e, além de pobres, presas economicamente a um império, que influencia a economia doméstica dessas famílias, a economia brasileira, a nossa mata que é destruída para produzir os cigarros, a Justiça e a vida de milhões de fumantes mundo afora.
A melhor parte do filme, decerto, é o filme que não é filme do projeto *alguma coisa* 2002. Arrancou boas risadas de mim e de todos que tentavam não dormir enquanto o filme se desenrolava. Provavelmente o pior filme nacional que já vi - posto difícil de tirar.
A história de Persépolis é muito interessante no todo. O livro, em versão separada em quatro volumes é ainda melhor, pois tem uma ordem lógica: primeiro a invasão do Irã e a instalação do xá, quando Marjane era criança, o fortalecimento do xá, quando adolescente, o exílio de Marjane após o Irã tornar-se insuportável e a volta para casa, com o regime já homogêneo. Porém, o curta, conseguiu seguir perfeitamente a lógica interna do livro, característica difícil de se adquirir nessa conversão. O começo é, permito-me dizer, a parte mais divertidamente instigante do filme. Além disso, é o mais fiel à ideia de passar a história do Irã e dos seus sistemas governamentais. Além disso, houve empatia automática com a personagem, que assim como eu está no início dos estudos que fundamentam seu pensamento de esquerda. No decorrer do filme, à altura equivalente ao segundo livro da série, mostra histórias duras e, caso o telespectador não tenha interesse em acrescentar a respeito do atual regime iraniano, há grande propensão à desistência. Quando Marjane se exila na Austria, se esquece um pouco a história do Irã, o que é explicado ao final, pois a inércia começa então a tomar conta do Irã. Essa fase é centrada na vida de Marjane e nas experiências que nunca poderia ter em terras iranianas. Talvez o que me fizesse interromper o filme fosse meu conservadorismo. Mas calma: também tive que aprender a aceitar que minha Marjane havia crescido. Ao fim, Marjane enfim volta pro seio da sua família, que não mais é bombardeada diariamente. O que poderia ser uma vitória para a população, é, na verdade, a comprovação da vitória do regime opressor: o xá havia se tornado tão real e tão normal, que os que não concordavam deram suas vidas e os que ainda tinham o que viver preferiram conceder e aceitar. Dessa forma, na aceitação de um destino enfadonho, Marjane se casa, se forma e logo se separa. Volta então a ser Marjane. O fim do curta sem um fim propriamente dito dá uma ideia de continuidade: Marjane que hoje não chegou sequer ao seu meio século é retrato de um passado recente e de um presente corrente e representa um grito daqueles que já viveram tempos melhores em sua pátria.
Mais inevitável que consumir produtos que têm como base transgênicos Monsanto é se revoltar com esse documentário. Ele embasa diversos argumentos contra monopólio, contra capitalismo, contra a falta do domínio público das ciências, contra um mercado competitivo que exclui completamente aquelas que têm ética. E, claro, mostra como o ser humano pode ser perverso com toda uma humanidade pelo dinheiro, pelo status e, principalmente, pelo poder, afinal, Monsanto continua distribuindo por aí seu discurso de amigável ao meio ambiente sem que nenhuma entidade governamental intervenha. Mas isso é regra e não exceção num mercado que prega Estado Mínimo.
Um filme bom inspirado num livro melhor ainda. O livro, por si só, já requer uma atenção enorme aos detalhes, pois deles saem cenas principais e delas se faz meros detalhes; o filme, então, não deveria ficar pra trás, já que se propõe a ser uma síntese da ideia de Chico, o que não é tarefa fácil a nenhum mortal (entraria numa lista das três coisas mais difíceis àqueles que querem protagonizar as artes, junto com lançar um heterônimo equivalente aos de Pessoa e a outro algo impossível que ainda não sei definir o quê é). Se por um lado me decepcionou o Ksosta, me impressionou muito Kriska. Me apaixonou muito Kriska. Se naturalmente um leitor já torce pra que ela seja a companheira definitiva do protagonista, com a atriz húngara escolhida o telespectador espera ainda mais, se não não a quer livre para que possa com ela se casar. É um filme que merece sim cinco estrelas pela ousadia em se basear numa obra de Buarque mas relembra a dificuldade que é transpor um livro às telonas, ainda mais quando foi escrito por aquele que, sem dúvidas, tem a música mais bem construída linguisticamente da música brasileira.
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Ele Está de Volta
3.8 681A primeira coisa que todo mundo que for assistir o filme tem que aceitar - ou pelo menos a primeira a se aceitar antes de resenhar -: não é pra ser uma comédia. E não ser uma comédia torna ele ainda mais foda do que já seria numa roupagem de drama.
Sem Pena
4.3 46Um filme maravilhoso, sensível.
Ajudou a ilustrar tudo aquilo que meu namorado vem trabalhando comigo há um mês, tentando transpor em palavras o caos do dia-a-dia de alguém que trabalha em prol dos seres humanos esquecidos no cárcere.
O filme retrata a morosidade, talvez proposital, dos processos em correrem, o que faz com que muitos inocentes ou pessoas que já poderiam estar soltas fiquem presas por um longo tempo; a má vontade de muitos "agentes da Lei", que aplicam penas enormes pra aqueles que estão na ponta do crime: o pequeno traficante, que faz isso pra manter seu vício ou o usuário, que tem um pouco mais do que o máximo permitido em Lei, muitas das vezes pra satisfazer a opinião pública dizendo que se prendeu uma grande quantidade de pessoas, quando na verdade todas essas não estariam traficando se não houvesse um grande fornecedor, o qual não é intere$$ante levar à cadeia.
Além disso, retrata a desumanidade da desembargadora, que considera a moça negra, idosa, pobre, moradora de cortiço, com dramas familiares tão traficante quanto aquele que a deu a droga para deixar em sua casa.
O mais interessante do documentário é que é composto só de cenas reais, que não mostram um terço da desumanidade que é amontoar pessoas achando que, vivendo na subumanidade, irão se reintegrar à sociedade quando soltas. Além disso, os depoimentos às cegas, que só são dados nomes e caras no fim do filme, tornam as histórias genéricas, passíveis de ocorrerem com qualquer um.
Do filme fica a crença de que, talvez, o cárcere como é hoje não seja tão melhor do que a rua pra tentar ajudar alguém a se reeducar e reintegrar à sociedade. Parece que o ditado popular "mente vazia, oficina do diabo" nunca foi tão endeusado como agora, pelas autoridades que mantêm um cárcere que também é navio negreiro, pelos juízes, promotores e desembargadores que dão penas absurdas pra crimes que sequer se comprovou a autoria e, claro, pelos programas que formam o senso comum e representam a opinião pública, que clama por vingança e não por justiça.
De Menor
3.0 61Um filme superestimado.
De primeira, as falhas técnicas me impressionaram. Hoje, nem os filmes que chegam às grandes massas dispensam estudos técnicos pra os tornarem mais próximos à realidade, com adequações não muito distantes disso. De Menor passou longe do que o Direito prevê.
Primeiro, como leiga, pude perceber a incompatibilidade na defesa por uma defensora pública de um parente tão próximo; além disso, a renda familiar mensal dos dois está muito além daquilo que uma defensoria aceita. Meu namorado, bacharelando em direito, estagiário da Defensoria Pública, logo apontou outra falha: se houve emprego de força pra consumar ato ilícito, não há Justiça que aceite uma defensa que tente se pautar em "furto". Esses erros técnicos ajudam a mostrar como o filme foi feito de forma desleixada, visto que se restringia a cenas silenciosas na casa da família do Caio e a cenas no Fórum, portanto, poderia sim ter sido feita uma investigação mais minuciosa sobre o dia a dia e as teses aplicadas por defensores.
Acho que poderiam ser defendidos mais meninos e meninas pobres; mais gente realmente carente; mais gente, realmente, de menor. O filme se pautou em torno de um menino problemático de classe média alta. Isso tá longe de ser a realidade das Fundações Casas, isso tá longe de ser um "de menor" - isso é, descrito por programas sensacionalistas e contra os pró-direitos humanos, como um jovem que toma caminhos tortuosos e não como um "pequeno criminoso", como são tidos os jovens de baixa renda que cometem crimes.
Ficou se defendendo o indefensável, clamando pena a quem não comovia e, além do menino de cabelo com luzes, que realmente merecia o protagonismo, em nada acrescenta o filme à história do cinema brasileiro ou à luta em prol da reeducação de jovens infratores.
O Casamento
3.2 3Que sinopse horrível! Quem viu o filme não deve ter aprendido nada com ele. Não existe 'já ter sido homem' ou uruguaio como adjetivo pra Julia, no feminino.
Vou ver o filme ainda e espero que seja mais sensível do que quem o condensou em poucas e péssimas palavras.
Doméstica
3.8 124A ideia do filme é, de fato, algo que valeria a pena ser trabalhado - como foi. De início é impossível não elogiar a variedade de faces nas quais as domésticas se apresentaram: a moça negra vinda do interior, como na maioria dos casos, a que tem uma família na cidade em que trabalha, a que reside na casa dos "patrões", o doméstica, a doméstica da doméstica. Essa variedade teria de tudo pra dar em um filme cheio de relatos e ensinamentos para serem refletidos, adaptados e levados à vida dos telespectadores, se não fosse o fato de que a relação empregada doméstica x patroa/patrão tende quase sempre à desumanização do empregado, como se ele exercesse um subemprego dentro todos os ofícios que se poderia exercer.
Uma boa maneira de se perceber que há uma lacuna enorme, teoricamente preenchida mais à frente pela Lei que regulamenta os serviços dos trabalhadores domésticos, é a fala atrapalhada da segunda doméstica apresentada. Atrapalhada talvez porque não teve acesso à educação formal que a patroa teve ou ainda porque as poucas palavras trocadas durante os anos de serviço prestados à mesma família não foram suficientes pra fazer com que a doméstica se sentisse digna de um lugar de fala. Na verdade, as duas opções juntas são válidas e poderiam ser acrescidas de mais tantas outras coisas, como uma síndrome de Fabiano, de Vidas Secas, adaptada ao contexto da doméstica. A mulher a qual foi dedicada um documentário não se sentia digna de recebê-lo e por isso disse algo como: você, se quiser saber depois, eu conto pra você da minha vida. Não que por muitas vezes ela não tenha sido aquela pessoa na qual é descontada toda a carga de problemas da Casa Grande, mas por quê alguém poderia querer saber dos problemas dela, visto que ela não era tão da família quanto dito no vídeo? Mais à frente a cena se repete com a mesma moça sentada à mesa com uma família judia pra qual ela presta serviços há anos. Para aparecer no vídeo, ela passa o Shabat com a família que a emprega. Por mais que a adolescente, com idade para ser filha, quem sabe neta dela, tente fazer parecer que tudo transcorre como sempre, a moça logo diz que sonhou com aquilo ocorrendo meses antes e que contava à filha, que desdenhava do sonho da mãe de se sentar à mesa junto com os patrões.
Ainda mais preocupante que as relações trabalhistas entre as moças negras vindas do interior que tiveram casamentos falidos e por isso procuraram emprego em casas que lhes remunerasse o suficiente pra manter seus filhos e seus próprios dramas pessoais, é a relação de imiscibilidade entre gerações de patrões e gerações de empregadores. Quão normal é a mãe da doméstica ter sido doméstica da sua bisavó? Não há discurso bonito que possa embasar a falta de humanidade que é não ter dado amparo a uma família próxima à sua porque ela estava e está destinada a lhe servir.
Por saber disso, todos os empregadores tentaram depor de forma que lhes colocasse como pessoas que acolhem, pessoas bondosas, pessoas que, de tão altruístas, montam cubículos no quarto dos fundos com uma cama, uma cômoda e até um ventilador para que suas empregadas domésticas possam viver, naqueles 4 m², a vida que fizeram crer que elas estavam fadadas a viver
Fumando Espero
3.9 16Um exemplo do que é o talento nato pra produzir um documentário. Adriana Dutra não tomou pra si o protagonismo do documentário, apesar da história ir e voltar pra vida dela, como fumante nas insistentes tentativas de parar. Isso deu espaço pra muitas coisas que, um documentarista qualquer, decerto não se atentaria a colocar num documentário. Mais do que depoimentos médicos, ONGs de combate ao fumo e à indústria tabagista - e jamais ao fumante - e pessoas que conviveram com o cigarro dão o tom que todo documentário deve ter. Informações relevantes sobre a introdução natural do tabaco como cigarro na sociedade e as modificações que ele foi sofrendo no decorrer do tempo, visando lucro através do vício, foram ressaltadas no doc, principalmente no início. Pessoas que em meados do século passado foram induzidas a fumar e tiveram informações importantes negadas, até que ficassem em estados críticos de saúde irreversíveis ou mesmo morressem, depõem e mostram como a Justiça tende sempre ao lado mais forte ou, mesmo quando ela quer, o Direito ajuda que os processos se alonguem mais do que a vida de um fumante que consome todos os dias m³ de formol, polonium, acetona e outras substâncias que espanta qualquer aspirante a química.
Outro ponto de vista muito interessante (talvez o mais interessante abordado no decorrer do documentário e não por acaso serve como final pra ele) é o do agricultor que se vê praticamente obrigado a plantar o fumo, que hoje pouco dá lucro. Esse lucro que se consegue não é suficiente pra pagar as dívidas com a indústria do fumo, que controla desde o comprador de fumo direto do agricultor até as empresas que fornecem, contratualmente, os pesticidas. Dessa forma, mais uma vez famílias pobres tendem a ficar cada vez mais pobres e, além de pobres, presas economicamente a um império, que influencia a economia doméstica dessas famílias, a economia brasileira, a nossa mata que é destruída para produzir os cigarros, a Justiça e a vida de milhões de fumantes mundo afora.
Avanti Popolo
3.2 19 Assista AgoraA melhor parte do filme, decerto, é o filme que não é filme do projeto *alguma coisa* 2002. Arrancou boas risadas de mim e de todos que tentavam não dormir enquanto o filme se desenrolava.
Provavelmente o pior filme nacional que já vi - posto difícil de tirar.
Hoje Eu Quero Voltar Sozinho
4.1 3,2K Assista AgoraQuero ver quantas vezes puder até lançarem a continuação <3 fofo, engraçado, delicadíssimo, com fotografia e composição impecável.
Persépolis
4.5 754A história de Persépolis é muito interessante no todo. O livro, em versão separada em quatro volumes é ainda melhor, pois tem uma ordem lógica: primeiro a invasão do Irã e a instalação do xá, quando Marjane era criança, o fortalecimento do xá, quando adolescente, o exílio de Marjane após o Irã tornar-se insuportável e a volta para casa, com o regime já homogêneo. Porém, o curta, conseguiu seguir perfeitamente a lógica interna do livro, característica difícil de se adquirir nessa conversão.
O começo é, permito-me dizer, a parte mais divertidamente instigante do filme. Além disso, é o mais fiel à ideia de passar a história do Irã e dos seus sistemas governamentais. Além disso, houve empatia automática com a personagem, que assim como eu está no início dos estudos que fundamentam seu pensamento de esquerda.
No decorrer do filme, à altura equivalente ao segundo livro da série, mostra histórias duras e, caso o telespectador não tenha interesse em acrescentar a respeito do atual regime iraniano, há grande propensão à desistência.
Quando Marjane se exila na Austria, se esquece um pouco a história do Irã, o que é explicado ao final, pois a inércia começa então a tomar conta do Irã. Essa fase é centrada na vida de Marjane e nas experiências que nunca poderia ter em terras iranianas. Talvez o que me fizesse interromper o filme fosse meu conservadorismo. Mas calma: também tive que aprender a aceitar que minha Marjane havia crescido.
Ao fim, Marjane enfim volta pro seio da sua família, que não mais é bombardeada diariamente. O que poderia ser uma vitória para a população, é, na verdade, a comprovação da vitória do regime opressor: o xá havia se tornado tão real e tão normal, que os que não concordavam deram suas vidas e os que ainda tinham o que viver preferiram conceder e aceitar. Dessa forma, na aceitação de um destino enfadonho, Marjane se casa, se forma e logo se separa. Volta então a ser Marjane.
O fim do curta sem um fim propriamente dito dá uma ideia de continuidade: Marjane que hoje não chegou sequer ao seu meio século é retrato de um passado recente e de um presente corrente e representa um grito daqueles que já viveram tempos melhores em sua pátria.
[spoiler][/spoiler]
O Mundo Segundo a Monsanto
4.2 42Mais inevitável que consumir produtos que têm como base transgênicos Monsanto é se revoltar com esse documentário. Ele embasa diversos argumentos contra monopólio, contra capitalismo, contra a falta do domínio público das ciências, contra um mercado competitivo que exclui completamente aquelas que têm ética. E, claro, mostra como o ser humano pode ser perverso com toda uma humanidade pelo dinheiro, pelo status e, principalmente, pelo poder, afinal, Monsanto continua distribuindo por aí seu discurso de amigável ao meio ambiente sem que nenhuma entidade governamental intervenha. Mas isso é regra e não exceção num mercado que prega Estado Mínimo.
Budapeste
3.1 224Um filme bom inspirado num livro melhor ainda. O livro, por si só, já requer uma atenção enorme aos detalhes, pois deles saem cenas principais e delas se faz meros detalhes; o filme, então, não deveria ficar pra trás, já que se propõe a ser uma síntese da ideia de Chico, o que não é tarefa fácil a nenhum mortal (entraria numa lista das três coisas mais difíceis àqueles que querem protagonizar as artes, junto com lançar um heterônimo equivalente aos de Pessoa e a outro algo impossível que ainda não sei definir o quê é).
Se por um lado me decepcionou o Ksosta, me impressionou muito Kriska. Me apaixonou muito Kriska. Se naturalmente um leitor já torce pra que ela seja a companheira definitiva do protagonista, com a atriz húngara escolhida o telespectador espera ainda mais, se não não a quer livre para que possa com ela se casar.
É um filme que merece sim cinco estrelas pela ousadia em se basear numa obra de Buarque mas relembra a dificuldade que é transpor um livro às telonas, ainda mais quando foi escrito por aquele que, sem dúvidas, tem a música mais bem construída linguisticamente da música brasileira.