Trilogias têm um problema: a necessidade de renovar o vigor demonstrado no primeiro filme obriga os roteiristas a criarem situações cada vez mais amplas e ambiciosas para mostrar ao espectador que há ali uma evolução, que cada filme é uma versão mais elaborada do anterior. Geralmente quando se chega ao terceiro esse modus operandi provoca dois efeitos colaterais igualmente deletérios mas que se manifestam em direções inversas: a idéia original se mostra cada vez mais desgastada pela repetição e as tentativas de renová-la simplesmente degeneram em banalização.
Mas esse não é o caso dessa trilogia (assim chamada por aproximação, na verdade, pois não é uma trilogia no sentido clássico da palavra) concebida pelo roteirista Guillermo Arriaga (também excelente ficcionista na literatura) e pelo diretor Alejandro González Iñárritu. A despeito de todos os filmes que a compõem tenham semelhanças em suas estruturas narrativas (destinos de pessoas muito díspares que se entrecruzam em razão de um evento calamitoso), cada um deles guarda uma saudável autonomia em relação aos outros, de modo a construírem todos sua própria identidade. Gosto mais do Amores Perros, mas admito que nesse pódio as posições são permutáveis e qualquer deles pode ocupar o topo na hierarquia das qualidade conforme o enfoque com que se os veja.
Babel, mais do que Amores Perros e 21 Gramas, tem seus problemas. Buscou-se ampliar a nível global a idéia de constante interação, de interconexão profunda e imprevisível que já era o centro dos outros dois, mas o objetivo não foi plenamente realizado. O núcleo passado no Japão, embora isoladamente considerado seja relevante, não se acopla organicamente aos demais. Ainda assim, trata-se de um ótimo filme, bem roteirizado, dirigido e editado, contando ainda com a qualidade uniforme do elenco.
(E foi durante a produção de Babel que surgiu a desavença entre o Guillermo Arriaga e o Alejandro Iñárritu; o primeiro queria co-autoria no filme e o segundo não permitiu. Seguiu-se o consequente rompimento na parceria e provavelmente não voltarão a trabalhar juntos. Uma pena.)
Melhor do que este filme de vingança que faz referência ao cinema asiático é qualquer um dentre os melhores filmes asiáticos de vingança. Aliás, Kill Bill também faz referência a outros nichos cinematográficos que o ultrapassam largamente em matéria de qualidade. Vale por conter as características habituais do cinema tarantinesco (sobretudo sua peculiar direção e diálogos), mas no fundo é uma bobagem bem-produzida que para mim não alcança sequer um TOP 3 do diretor (uma quarta posição, talvez, não sei se gosto menos dele ou do Django).
Por que não dar cinco estrelas a um filme como esse, se é veículo do talento de alguém que fazia o que queria com a proposta que sempre procurou explorar?
Ótimo firme, nitidamente conduzido pela mão firme de um realizador de genuíno talento (do qual, aliás, não vi nenhum outro filme, mas prestarei atenção). Embora não se dedique inteiramente a nenhuma das tramas que apresenta, optando por dar espaço a diversas personagens, às vezes nem parece que é um filme de histórias entrelaçadas, já que trabalha muito bem com a sensação de simultaneidade; assim, quando foca momentaneamente em alguma de suas subtramas, não deixa de nos parecer que todas as outras continuam se desenrolando em paralelo, coisa que só se consegue se as figuras humanas forem habilidosamente construídas - e aqui elas são tão palpáveis!.
a cena no final em que um dos "clientes" da casa diz para a cafetina que foi conhecer o metrô e o achou desconfortável, embora os outros passageiros parecessem felizes, sintetiza uma das principais idéias de L'Apollonide: um novo mundo está surgindo e nele não há lugar para pessoas como eles. E isso é corroborado pela última cena, que deixa claro: no século XX (e XXI) as regras são outras.
Em certos filmes a trilha sonora é em si mesma um personagem, a fotografia é um personagem, a direção é um personagem, e os próprios personagens são maiores que o Cinema. Um dos melhores filmes já feitos e o Sérgio Leone ainda faria o raio cair de novo no mesmo lugar com Era Uma Vez no Oeste.
Fincher também erra. Diretor de grandes filmes (o arquitípico Seven, que como poucos trouxe a linguagem do romance policial para o cinema; Clube da Luta, que formula críticas ferozes a um certo modelo social ao mesmo tempo em que se serve descaradamente de elementos pop desse mesmo modelo, criando uma retroalimentação subliminar fascinante; o panorâmico Zodíaco, que promete contar os malfeitos de um assassino mascarado e entrega parte da história americana no século XX no melhor estilo James Ellroy), vinha meio distanciado da ambição caracterizadora de seus melhores trabalhos, inclusive entregando um O Homem Que Não Amava as Mulheres que é válido mais por sua própria perícia técnica em conduzí-lo do que pelo conteúdo que apresenta. Aqui, porém, ele dá um passo maior para trás e realiza um filme verdadeiramente ruim. Garota Exemplar é rigorosamente uma bobagem, um filme chato e mal-roteirizado que só subsiste se a suspensão de incredulidade de quem o assiste atingir níveis babilônicos. Como filme policial, é falho em criar o duelo de inteligências que propõe (a inteligência da pessoa responsável pelas vilanias é construída sobre a incrível estupidez dos outros personagens), na esfera jornalística é caricato de dar medo e no espectro jurídico simplesmente não se desenvolve. De boa, a direção, o monólogo sobre o que é ser uma "cool girl", que é maravilhosamente sarcástico e didático, e pouca coisa mais. Volta, Fincher.
O que menos gosto do Kubrick. Se ele sempre primou pela capacidade de criar atmosferas marcantes em seus filmes, sejam elas óbvias (a atmosfera noir de O Grande Golpe, a atmosfera bélica de Nascidos Para Matar, a de suspende de O Iluminado) até as que pelo nível de subjetividade demandam uma sensibilidade cada vez maior do espectador (a viagem onírica de De Olhos Bem Fechados, o absurdo paranóico de Dr. Fantástico), atingindo o puro Brainstorming de 2001 - Uma Odisséia no Espaço, em Laranja Mecânica a história é contada com extremo distanciamento emocional. O resultado é a ausência de uma curva perceptível na trajetória do personagem, a sensação de que sua ciranda subversiva de violência-captura-vitimização-retorno é realmente transformadora. A temática da lavagem cerebral é uma grande idéia abordada com incrível superficialidade em comparação com a profundidade que o Kubrick costumava imprimir em seus filmes. Enfim, um ícone pop bem-feito tecnicamente porém superestimado.
Num primeiro momento estranhei que não fosse mostrada a reação dos pais da menina após o assassinato dela, que, tendo sido tão corajoso em contar a história até as últimas consequências, evitassem explorar essa possibilidade dramática tão forte...
... mas o motivo é fácil de entender. A obsessão tem uma dimensão humana e, na cena mais marcante deste filme, essa dimensão se perfaz. Não existem grandes purgações morais, apenas se ressalta a importância do óbvio.
Babel
3.9 996 Assista AgoraTrilogias têm um problema: a necessidade de renovar o vigor demonstrado no primeiro filme obriga os roteiristas a criarem situações cada vez mais amplas e ambiciosas para mostrar ao espectador que há ali uma evolução, que cada filme é uma versão mais elaborada do anterior. Geralmente quando se chega ao terceiro esse modus operandi provoca dois efeitos colaterais igualmente deletérios mas que se manifestam em direções inversas: a idéia original se mostra cada vez mais desgastada pela repetição e as tentativas de renová-la simplesmente degeneram em banalização.
Mas esse não é o caso dessa trilogia (assim chamada por aproximação, na verdade, pois não é uma trilogia no sentido clássico da palavra) concebida pelo roteirista Guillermo Arriaga (também excelente ficcionista na literatura) e pelo diretor Alejandro González Iñárritu. A despeito de todos os filmes que a compõem tenham semelhanças em suas estruturas narrativas (destinos de pessoas muito díspares que se entrecruzam em razão de um evento calamitoso), cada um deles guarda uma saudável autonomia em relação aos outros, de modo a construírem todos sua própria identidade. Gosto mais do Amores Perros, mas admito que nesse pódio as posições são permutáveis e qualquer deles pode ocupar o topo na hierarquia das qualidade conforme o enfoque com que se os veja.
Babel, mais do que Amores Perros e 21 Gramas, tem seus problemas. Buscou-se ampliar a nível global a idéia de constante interação, de interconexão profunda e imprevisível que já era o centro dos outros dois, mas o objetivo não foi plenamente realizado. O núcleo passado no Japão, embora isoladamente considerado seja relevante, não se acopla organicamente aos demais. Ainda assim, trata-se de um ótimo filme, bem roteirizado, dirigido e editado, contando ainda com a qualidade uniforme do elenco.
(E foi durante a produção de Babel que surgiu a desavença entre o Guillermo Arriaga e o Alejandro Iñárritu; o primeiro queria co-autoria no filme e o segundo não permitiu. Seguiu-se o consequente rompimento na parceria e provavelmente não voltarão a trabalhar juntos. Uma pena.)
O Escritor Fantasma
3.6 582 Assista AgoraRoteiro notável executado com precisão. Roman Polanski é um dos poucos (ou dos não tantos) diretores da velha guarda que mantêm o talento em forma.
Kill Bill: Volume 1
4.2 2,3K Assista AgoraMelhor do que este filme de vingança que faz referência ao cinema asiático é qualquer um dentre os melhores filmes asiáticos de vingança. Aliás, Kill Bill também faz referência a outros nichos cinematográficos que o ultrapassam largamente em matéria de qualidade. Vale por conter as características habituais do cinema tarantinesco (sobretudo sua peculiar direção e diálogos), mas no fundo é uma bobagem bem-produzida que para mim não alcança sequer um TOP 3 do diretor (uma quarta posição, talvez, não sei se gosto menos dele ou do Django).
Clube dos Cinco
4.2 2,6K Assista AgoraPor que não dar cinco estrelas a um filme como esse, se é veículo do talento de alguém que fazia o que queria com a proposta que sempre procurou explorar?
L'Apollonide - Os Amores da Casa de Tolerância
3.9 229Ótimo firme, nitidamente conduzido pela mão firme de um realizador de genuíno talento (do qual, aliás, não vi nenhum outro filme, mas prestarei atenção). Embora não se dedique inteiramente a nenhuma das tramas que apresenta, optando por dar espaço a diversas personagens, às vezes nem parece que é um filme de histórias entrelaçadas, já que trabalha muito bem com a sensação de simultaneidade; assim, quando foca momentaneamente em alguma de suas subtramas, não deixa de nos parecer que todas as outras continuam se desenrolando em paralelo, coisa que só se consegue se as figuras humanas forem habilidosamente construídas - e aqui elas são tão palpáveis!.
a cena no final em que um dos "clientes" da casa diz para a cafetina que foi conhecer o metrô e o achou desconfortável, embora os outros passageiros parecessem felizes, sintetiza uma das principais idéias de L'Apollonide: um novo mundo está surgindo e nele não há lugar para pessoas como eles. E isso é corroborado pela última cena, que deixa claro: no século XX (e XXI) as regras são outras.
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Três Homens em Conflito
4.6 1,2K Assista AgoraEm certos filmes a trilha sonora é em si mesma um personagem, a fotografia é um personagem, a direção é um personagem, e os próprios personagens são maiores que o Cinema. Um dos melhores filmes já feitos e o Sérgio Leone ainda faria o raio cair de novo no mesmo lugar com Era Uma Vez no Oeste.
Garota Exemplar
4.2 5,0K Assista AgoraFincher também erra. Diretor de grandes filmes (o arquitípico Seven, que como poucos trouxe a linguagem do romance policial para o cinema; Clube da Luta, que formula críticas ferozes a um certo modelo social ao mesmo tempo em que se serve descaradamente de elementos pop desse mesmo modelo, criando uma retroalimentação subliminar fascinante; o panorâmico Zodíaco, que promete contar os malfeitos de um assassino mascarado e entrega parte da história americana no século XX no melhor estilo James Ellroy), vinha meio distanciado da ambição caracterizadora de seus melhores trabalhos, inclusive entregando um O Homem Que Não Amava as Mulheres que é válido mais por sua própria perícia técnica em conduzí-lo do que pelo conteúdo que apresenta. Aqui, porém, ele dá um passo maior para trás e realiza um filme verdadeiramente ruim. Garota Exemplar é rigorosamente uma bobagem, um filme chato e mal-roteirizado que só subsiste se a suspensão de incredulidade de quem o assiste atingir níveis babilônicos. Como filme policial, é falho em criar o duelo de inteligências que propõe (a inteligência da pessoa responsável pelas vilanias é construída sobre a incrível estupidez dos outros personagens), na esfera jornalística é caricato de dar medo e no espectro jurídico simplesmente não se desenvolve. De boa, a direção, o monólogo sobre o que é ser uma "cool girl", que é maravilhosamente sarcástico e didático, e pouca coisa mais. Volta, Fincher.
Laranja Mecânica
4.3 3,8K Assista AgoraO que menos gosto do Kubrick. Se ele sempre primou pela capacidade de criar atmosferas marcantes em seus filmes, sejam elas óbvias (a atmosfera noir de O Grande Golpe, a atmosfera bélica de Nascidos Para Matar, a de suspende de O Iluminado) até as que pelo nível de subjetividade demandam uma sensibilidade cada vez maior do espectador (a viagem onírica de De Olhos Bem Fechados, o absurdo paranóico de Dr. Fantástico), atingindo o puro Brainstorming de 2001 - Uma Odisséia no Espaço, em Laranja Mecânica a história é contada com extremo distanciamento emocional. O resultado é a ausência de uma curva perceptível na trajetória do personagem, a sensação de que sua ciranda subversiva de violência-captura-vitimização-retorno é realmente transformadora. A temática da lavagem cerebral é uma grande idéia abordada com incrível superficialidade em comparação com a profundidade que o Kubrick costumava imprimir em seus filmes. Enfim, um ícone pop bem-feito tecnicamente porém superestimado.
O Lobo Atrás da Porta
4.0 1,3K Assista AgoraNum primeiro momento estranhei que não fosse mostrada a reação dos pais da menina após o assassinato dela, que, tendo sido tão corajoso em contar a história até as últimas consequências, evitassem explorar essa possibilidade dramática tão forte...
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