Chama a atenção que o diretor Jim Sheridan (conhecido por filmes dramáticos como Meu Pé Esquerdo, Terra da Discórdia e outros) e o roteirista Terence Winter (que escreveu O Lobo de Wall Street, vários episódios de Sopranos e foi showrunner da excelente Boardwalk Empire) não tenham abdicado em nada dos respectivos estilos elegantes de dirigir e escrever e conseguem que dê liga nessa obra da qual, a princípio, se poderia esperar que fosse até mais underground. Trabalharam muito bem, pois Fique Rico ou Morra tentando não abdica da violência e do peso que há em sua história, mas a abordagem geral não soa apelativa, extremo ruim, nem demasiadamente romanceada, extremo idem, já que desde os aspectos visuais até o roteiro tudo é bem polido, mas não limpinho, o que retiraria a vitalidade da narrativa. Ótima direção de fotografia, elenco de apoio de primeira (e o protagonista, numa curiosa espécie de autointerpretação, não compromete), trata-se de um dos melhores filmes produzidos na década de 2000 com a temática da vida nos guetos, espremida entre as facções. Como deficiência, nota-se que falta ao filme música, que apesar de ter supostamente salvado 50 Cent, aparece bem timidamente e de forma raramente contagiante, quando poderia assumir um crescendo à medida em que ocupa mais e mais espaços na vida do protagonista.
Nota: ver e comparar com 8 Mille - A Rua das Ilusões.
Existem por aí pessoas como Annie Wilkes, nós possivelmente conhecemos uma ou duas delas, embora, que saibamos, elas jamais tenham mantido ninguém em cativeiro. E Kathy Bates nos dá um retrato forte desse tipo de pessoa, com todas as suas manipulações, flutuações de humor e bizarrices de comportamento que fazem oscilar entre a síndrome de estocolmo e o asco absoluto. A personagem dita o ritmo da obra e a genial bates a carrega nas costas.
James Caan produz uma interpretação que considero, de certo modo, audaciosa. Isso porque era de se esperar que um personagem em sua situação botasse as vísceras para fora num absoluto caos de desespero, e a simplicidade do enredo dependia que embarcássemos no desconforto vivenciado por aquele que representa o espectador na tela; contudo, o ator (trazendo essa abordagem por sua conta ou orientado por Rob Reiner) opta por uma interpretação classuda, incorrendo numa tensão angustiante, mas sempre "limpa". Comparativamente, sua atuação pode ser confrontada com a de Patrick Wilson, que, em Hard Candy, envereda por um caminho mais naturalista e se borra inteiro. De todo modo, ambos atores defendem com competência suas abordagens.
Quando se diz que um bom roteiro não é necessariamente rebuscado, havendo qualidade na simplicidade, Misery pode ser chamado para ilustrar essa sentença. Sua eficácia em criar e resolver situações de suspense, lançando mão de alguma engenhosidade para dirigir os personagens ao embate final, tudo bem orquestrado pela direção sempre funcional de Rob Reiner, assegura que o reduzido número de personagens não crie marasmo - aliás, é curioso observar como Reiner, àquela altura já reconhecido por seus trabalhos na comédia e drama, se sai surpreendentemente bem no suspense adotando um estilo visual de certo modo conservador, sem muitos trejeitos de estilo, que casa bem com a atmosfera decadente, de coisa velha e macabra, que banha a história. E ainda há as participações de Richard Farnsworth (que se mostra até mais surpreendente de que suporíamos de início) e a gigante Lauren Bacall.
Misery, tremendo suspense... e as Wilkes estão por aí.
O experimentalista Richard Linklater resolveu fazer um filme padrão para falar sobre quebra de padrões e, por ser um diretor magnífico, deu o tiro certeiro. Não me falam muito ao coração essas obras lúdicas e otimistas sobre ser você mesmo e outras melosidades. Mas Linklater imprime ao filme uma tão entusiástica energia que não dá para passar ileso; tudo em Escola do Rock é eletricidade e vida. Não gosto nem desgosto do Jack Black, porém, sem ele e sua potente credibilidade para versões contemporâneas do mito do Bom Selvagem, o filme não ia - performance coroada pelos furiosos créditos finais. O elenco infantil também está afinadissimo e, coisa indispensável, as músicas funcionam. Provavelmente Escola do Rock seria melhor ainda se Linklater tivesse resolvido fazer um musical de vez, mas não o fez e está tudo bem.
Pérola é um tanto almodovariano, porém mais soft, calcado em afetividade e na exploração do baú de memórias que toda família tem. Essencialmente dramático, com com pinceladas cômicas dentro desse drama (algo que, por sinal, condiz com o resgate de memórias familiares) tem mão leve para relatar até os aspectos mais dificeis, como o alcoolismo dos pais do personagem Mauro e a dificuldade dele em se assumir homoafetivo. Boa direção de fotografia, bom trilha sonora, bom elenco (Rodolfo Vaz em uma performance especialmente convincente), Pérola parece não almejar voos muito longinquos, mas o Murilo Benício ainda vai aparecer com um grande filme.
A Pequena Loja dos Horrores é um filme curtinho, mas meticuloso e caprichado de embasbacar. O formato musical veste muito sua história, que se baseia em descobertas, rupturas e mudanças que o protagonista experiencia, e os números musicais ilustram vividamente essas progressivas catarses. As músicas, aliás, são quase todas excelentes e agradarão quem já aprecia o gênero, embora o filme, graças ao bom roteiro e o ritmo eficaz, também seja uma boa porta de entrada para os não iniciados.
Também gosto de como as participações especiais não são meros adornos, e sim responsáveis por algumas das melhores cenas, como a ida do Bill Murray ao dentista. A planta, por sua vez, é de fato uma das protagonistas. Nisso o filme se beneficia da experiência do diretor Frank Oz (marionetista responsável por manipular os Muppets, o Mestre Yoda, além de outras participações memoráveis no audiovisual) e de um trabalho de dublagem nada menos do que genial de Levi Stubbs, que dá vida à persuasiva personagem e a enche de nuances que deixam claro tratar-se A Pequena Loja de Horrores um conto sobre os perigos da proximidade com o mal.
Infelizmente, Frank Oz não pôde dar ao filme o final que desejou, e que lhe caiu melhor do que aquele imposto pelo estúdio (o comparativo pode ser acessado aqui https://www.youtube.com/watch?v=gyQpDCAWpbs), mas essa intervenção lamentável não corrompe suas qualidades. A Pequena Loja dos Horrores é uma pequena pérola do Cinema.
Que Horas eu te Pego se ampara no carisma da Jennifer Lawrence, no figura da Jennifer Lawrence, na seducência da Jennifer Lawrence, no timing cômico e no humor físico da Jennifer Lawrence, assim como pela capacidade dramática da Jennifer Lawrence... é um filme dela, que além de protagonizar também é produtora, para os fãs dela, e por isso parecia pouco promissor para quem prefere os filmes aos astros e não tem uma memória afetiva muito intensa com as comédias adolescentes da década de 2000, plataforma escolhida para a atriz brilhar.
Não esperar demais é realmente ótimo. Que Horas eu te Pego se mostrou uma comédia até bem astuta, com bom encadeamento dos eventos e com equilíbrio bem dosado do humor besteirol, humor ácido (este poderia estar um pouco mais presente) e momentos afetivos. As pistas-e-recompensas (elementos que são apresentados para serem resgatados posteriormente na narrativa) são eficazes e contar com o Matthew Broderick numa comédia adolescente é luxo.
Como revés, as investidas do roteiro contra o que considera serem males geracionais (cultura do cancelamento, dependência da internet em detrimento da espontaneidade das relações humanas etc) são dispersas e quase inexpressivas.
O cinema de resgate de nostalgia vem se tornando um ativo financeiro poderoso e pode ser que futuramente encampe o surgimento de um novo John Hughes, mas não sei a que horas isso vai acontecer.
O cinema de ação moderno padece de uma espécie de praga: os diretores mais diferenciados eventualmente podem até ganhar certa liberdade para exercer algum estilo no início e desenvolvimento dos filmes, desde que o terceiro ato seja uma farofa, cheia de CGI horroroso, que os iguale a um milhão de outros filmes de ação do mesmo zeitgeist.
David Leitch é um dos candidatos a renovar esse gênero. Embora seja um notável artífice da pancadaria e do tiroteio, também vem mostrando um cineasta com outros atributos, como o uso do humor e a capacidade de lidar com tramas (coisa que os filmes de ação ultimamente não têm).
Se Atômica é o melhor esforço dele até o momento, este Trem-Bala é o de que menos gostei. Primeiro, porque o filme não consegue ser tão rápido, carismático e descolado como parece ter desejado (fala-se bastante que o filme pretendeu imitar o estilo Tarantino, como se este fosse o único cineasta despojado da história do cinema, mas creio que Sete Psicopatas e um Shih Tzu, do Martin McDonagh, também faça bem o que se quis fazer aqui), segundo porque usa recursos narrativos trapaceiros que retiram seu impacto, como
Ainda assim, o filme tem lá seus atrativos. Os personagens, que na ideia eram fascinantes, conseguiram ao menos ser curiosos, Brad Pitt, novamente mostrando bom timing cômico, desempenha o papel de figura forte da história, fazendo os coadjuvantes crescerem no rastro do seu brilho e a ação, em geral, funciona, exceto no fim.
David Leitch, bom diretor, e melhor será quanto menos convencional puder ser dentro do gênero ação. Ele é bom demais para fazer filme de trem descarrilhando.
Esse é mais um episódio da série "mamãe, quero ser John Wick" e, dentre as inúmeras tentativas, está até entre as mais bem-sucedidas. Infelizmente, após estabelecer um início cheio de virtudes - desenvolvimento comedido, uma triunfante luta corporal dentro do ônibus e um bom tiroteio, na invasão da base russa, trilha sonora espetacular, diálogos que querem ser e são badass -, mais perto do final os responsáveis perdem a coragem de sustentar o estilo próprio que vinha garantindo a qualidade da obra e passam a adotar o estilo genérico de tantos filmes do gênero. Com um elenco tão afiado e esse talentoso Ilya Naishuller no comando, o resultado poderia ser até mais certeiro, a sequência talvez venha a sê-lo, mas é preciso ter peito para que, dentre os ícones da ação, o letal e promissor Hutch Mansell não vire um "ninguém".
"Viver os últimos minutos sabendo que o são. Não desejo isso nem para o meu pior inimigo... que atualmente é você [...] quando chegar a sua vez, vai passar o filme da minha vida, não da sua, acho que é o mais próximo que vou chegar de te assombrar."
Gosto bem pouco de alguns filmes mais recentes do David Fincher (falo de Os Homens que Não Amavam as Mulheres e, principalmente, Gone Girl), mas reconheço que eles têm alguns valores até mais elevados do que este The Killer. Apesar disso, estou entre os que se sentem em dívida com a experiência cinematográfica: se vejo um filme reconhecendo suas deficiências, mas gosto de assisti-lo, não posso meter o pau nele.
Sim, The Killer é um filme com flacidezes evidentes, apresenta uma investigação que não empolga e lhe faz muita falta, após o fim da sequência inicial - com o tiro errado -, a exuberância verbal que existe nela.
Apesar disso, o filme andou, e muito. Hipnotizou-me, vi e dormi tarde. Não é fruto de mero gosto pessoal, muito do que está na obra foi desenvolvido para causar exatamente este efeito - a trilha cirúrgica, a mis-en-scéne sofisticada -, mas onde o filme realmente acerta é nesse subtexto de construir o protagonista como mais um trabalhador anônimo no contexto das relações modernas de trabalho.
Saí um pouco do filme quando a piada do urso, que eu li pela primeira vez nos anos 90 num almanaque do Ary Toledo, foi contada pela Tilda Swinton com um tom cerimonioso de metáfora, mas logo voltei, naquela imagem forte
The Killer não é um filme de vingança. O assassino não age por sentimento de retaliação, mas apenas pretende eliminar aqueles que possam persegui-lo depois que se aposentar. No fim, ao se convencer de que o cliente não tem razões para ir atrás dele, e não é um iniciado naquele mundo, ele aplica a mesma lógica que repete durante o filme todo: faça o que precisar fazer, não faça nada mais.
Isso gera uma curiosa inversão de expectativas na qual, dentro daquele contexto, frieza é deixar de matar, e não matar, principalmente porque as coisas se tornaram pessoais com o espancamento da namorada. Mas, como ele próprio diz no início, para ele nada é pessoal, tudo é cálculo. Ele não poupa o cliente por misericórdia, mas por achar que a dor de cabeça será menor não matando.
Porém, se o não matar em um certo sentido confirma os valores do assassino, por outro lado o liberta para romper com essa padrão de comportamento, passando a ser mais um, a "maioria".
Ninfomaníaca: Volume 1 é um filme arriscado, e nem falo tematicamente, mas em relação à forma. Estruturado como uma espécie de sessão de análise entre desconhecidos que dialogam por meio de falas rebuscadas e alegorias, a obra se serve de um tom teatral que poderia lançar a narrativa no tédio ou, simplesmente, no estranhamento.
Não é isso o que acontece. Beneficiado por uma montagem apurada, que divide a história em capítulos sem jamais perder de vista o senso de continuidade que deve permear a narrativa e por um roteiro apurado que integra as inúmeras referências literárias, psicanalíticas, musicais etc ao centro temático da história de maneira absolutamente orgânica, o filme adquire uma fluidez absoluta, brincando ainda com o jogar informações na tela, letras, números e pequenas intersecções de cenas que ilustram de maneira espirituosa ou dramática o que está sendo dito. A fluidez em nada é quebrada pelos diálogos entre a Joe mais velha, vivida por Charlotte Gainsbourg, e o interlocutor interpretado por Stellan Skarsgård, já que as falas que eles trocam são interessantes e realmente iluminam de forma enriquecedora as vivências da protagonista quando jovem.
Apesar do tema polêmico, o filme ainda encontra alguns escapes de humor, ainda que aquele humor sombrio que se pode esperar de um projeto como este, e nessa linha a sequência com a Uma Thurman é uma pequena obra-prima em que o incômodo e a graça se misturam à maneira de Ricky Gervais.
Parecendo ter atingido um domínio narrativo notável, Von Trier vence com facilidade as primeiras duas horas deste projeto ambicioso. A ver a segunda parte.
Trata-se de um filme correto, com boa trilha sonora, mas que se ressente da falta de um arco mais significativo, já que o protagonista pouco evolui com os acontecimentos da história e essa incapacidade de evoluir não conta com uma abordagem das mais categóricas, que possa preencher tematicamente a obra de maneira satisfatória. Também haveria ganho se os personagens fossem mais carismáticos, já que, apesar de encarnados por um bom elenco, é dureza se importar com eles (exceção ao personagem do Daniel Dantas, de participação curta, mas o filme cresce sempre que ele está em cena). Tudo pesado e medido, é possível concluir o filme sem maior dificuldade e apreciar seus pontos positivos, que não ficam sufocados pelos reveses graças à curta duração: ainda bem que esta história de amor não dura 120 minutos.
A montagem ágil e a roupagem pop tornam tentador associar Matando Cabos ao estilo do Quentin Tarantino, mas me lembrei mesmo foi dos irmãos Coen com seus filmes de criminosos burros e azarados que resolvem fazer coisa errada, topam com indivíduos exóticos a ponto de beirar o surrealismo e acabaram deflagrando um efeito borboleta de desencontros, meio mundo se dando mal no processo, num mix de comédia de humor negro e violência¹. Matando Cabos faz isso de forma redondinha, direção criativa, bom elenco (principalmente o excelente Joaquín Cosío) e aquele turbilhão em que os personagens parecem não fazer a menor ideia do que está acontecendo, mas que o roteiro mantém perfeitamente domesticado, amarrando tudo sem aquele vício estrutural de filme com vários finais.
A única ressalva é que durante um certo tempo de projeção, lá pelo meio, parece faltar ao filme uma eletricidade mais intensa, como se na intenção houvesse chegado o momento de atingir o cume do humor corrosivo e chocante, mas a execução tivesse encontrado dificuldades em segurar o ritmo lá no alto para que o resultado final fosse tão "perverso" como o projeto. Ainda assim, perto do desfecho o filme abandona a flacidez e reencontra a curva crescente e lá se mantém, deixando uma última impressão positiva.
Meio avesso a remakes, reboots e afins, confesso que gostaria de assistir a uma reimaginação desse filme, com um bom orçamento e nova exploração de seu tom, talvez até em formato de série, como Noah Hawley conseguiu em Fargo. O universo de Matando Cabos é perigoso, mas provavelmente vale a pena retornar a ele.
Eike, Tudo ou Nada, não é um filme muito bom, mas, tosco e eventualmente beirando o amadorismo, é um filme adequado para o picareta cuja jornada conta. Estranhamente, parece poupá-lo de muitas das graves vilanias que praticou, já que o roteiro parece encará-lo mais como um sonhador quixotesco e precipitado do que como um indivíduo não apenas tremendamente poderoso, mas também meticuloso em subornar, enganar e corromper. O Eike do filme é iludido e sobra para o personagem do Paulo Mendonça. Aliás, o entorno dele é caricato de dar pena - tanto no nível do roteiro como no das composições, quase todos os executivos não transmitem a menor verossimilhança, é uma turma mambembe que não condiz com a influência que seus correspondentes na vida real já alcançaram. O Rodolfo Landim interpretado pelo Marcelo Valle é o personagem mais pé-no-chão do núcleo (além de ser bom ator), e até nisso não deixa de existir embutido um humor involuntário, imaginem um grupo influente que tem como único oásis de lucidez e responsabilidade o próprio Landim, em que mãos o Brasil já esteve...
A propósito, um desses indivíduos da cúpula da OGX é inexplicavelmente encarregado de uma narração em off igualmente inexplicável. Não funciona nem partindo de quem vem (em comparação aos demais integrantes da equipe, o personagem não tem uma visão mais privilegiada nem mais próxima da história que está narrando), nem como elemento narrativo. O off é um recurso de roteiro que pode ser utilizado, por ex., para explicar detalhes técnicos intrincados, desinchar a narrativa evitando que os fatos narrados sejam mostrados em cenas que aumentariam injustificadamente a duração do filme, ou pode simplesmente conter alguma expressividade - narrador que analisa criticamente - que imprima vigor ao filme. A técnica aqui não desempenha nenhuma dessas funções, apesar de parecer inspirada em A Grande Aposta, filme que a emprega de maneira bastante eficaz para todas as citadas finalidades.
Há também coisas boas. Nelson Freitas é um bom Eike. Como os roteiristas adotaram a opção impopular, mas válida, de não entrar muito verticalmente na relação dele com a Luma de Oliveira, vou na contracorrente da maioria dos comentários e digo que achei interessante a elipse que fizeram para abordar bem de passagem essa fase, numa espécie de transe do protagonista (a cena realmente não é muito boa, mas acho que foi uma deficiência mais de execução do que de que concepção). O finalzinho também contém um humor satírico que caiu bem.
Filme fraquinho, mas quero mais filmes nacionais que retratam acontecimentos relevantes. A história do Brasil precisa ser contada no Cinema.
Mesmo no cinema, nem tudo anda para trás. Após uma lamentável década de 2000 no cinema de ação estadunidense, com seus tiroteios e pancadarias filmados e editados a toque de caixa e sem nenhum apelo visual, costuma-se creditar a John Wick o mérito de ter propagado um estilo mais estético e cuidadoso de se praticar o gênero.
Não é de todo injusto, a franquia iniciada por Chad Stahelski e David Leich foi, de fato, bastante influente e merece parte dos louros. Como, porém, em arte o bom filho geralmente tem vários pais, parte desses méritos cabe ao cinema de ação asiático (a primeira vez que um filme me deixou em dúvida sobre como aquela cena de ação foi realizada foi quando vi Fervura Máxima, que John Woo dirigiu no início da década de 90, na China) e a outras tentativas esparsas.
Um dos "pais" do cinema de ação moderno é, justamente, este Operação Invasão. Partindo de uma premissa singela em um espaço geográfico limitado (esquadrão policial de elite precisa entrar em um prédio para sequestrar o traficante que comanda o local), o galês Gareth Evans imprime tensão e urgência em cada fotograma. É uma sucessão interminável de combates cruéis nos quais a câmera de Evans se movimenta das maneiras as mais inovadoras e criativas que se possa imaginar sem perder nenhum dos impressionantes movimentos que os atores e dublês, cuja fisicalidade parece ser de atletas olímpicos, executam para se aniquilar com todos as armas e elementos do cenário possíveis.
Apesar de o frenesi não cessar nunca e não haver um roteiro como principal atrativo, Operação Invasão não descamba para o tédio da simples repetição mecânica de embates, pois dentro da lógica interna do filme há uma progressão narrativa, a própria ação vai se afunilando à medida em que os protagonistas, uns morrendo, outros avançando, se aproximam do antagonista que se pretende raptar, e nesse meio tempo a ópera de Evans eventualmente atinge quase o grau do terror, tamanha a claustrofobia que ele atinge em algumas cenas, fora os vilões realmente ameaçadores.
Se é para um filme de ação ter história simples, que seja como Operação Invasão. Filmes como esse dão aula aos seus pares e desmoralizam troços genéricos como Os Mercenários; a trupe do Sly não passaria do segundo andar deste prédio.
"Quem somos nós? Somos um pesadelo completo. Somos circunstâncias especiais."
A rapazeada que gostou de Bright e Esquadrão Suicida não sabe, mas, antes de jogar fora quase 10 anos de carreira, David Ayer era um diretor/roteirista contundente e puro sangue no fazer filmes policiais. Este talvez seja de seus melhores exemplares.
Escrito também por James Ellroy, o monarca do romance policial estadunidense dos últimos anos, e Kurt Wimmer (que naquela época era um roteirista em ascensão, depois deu uma sumida), Os Reis da Rua é dessas histórias em que todo mundo é filho da puta e, se nos apresenta a um protagonista desequilibrado, violento e sempre cometendo ou à beira de cometer atrocidades pesadas, é para em seguida mostrar que no contexto geral ele é até meio otário.
Outra característica do estilo Ellroy pode desagradar alguns espectadores: trata-se de uma trama investigativa relativamente intrincada, cheia de jogos duplos e pequenas viradas de história que demandam alguma atenção, pois não são apresentadas como plot twits escandalosos. O arco geral, inclusive, não encontra um desfecho especialmente supreendente, o caminho até ele é que é satisfatório, já que a narrativa é coesa e mantém um constante senso de urgência. O elenco, cheio de caras conhecidas em papéis de diferentes tamanhos, também ajuda muito (a ponto de fazer crer que, sem ter sido um sucesso espantoso à época, o filme pode ser parcialmente resgatado graças à revalorização do Keanu Reeves e ao enorme sucesso do Chris Evans desde que passou a interpretar o Capitão América). O ótimo Forest Whitaker soa um pouco acima do tom em algumas cenas, já Hugh Laurie, mesmo aparecendo pouco, lança mão de tiques que, em vez de soar como muletas de interpretação, imprimem texturas ao seu intrigante personagem.
Assisti a Reis da Rua pela primeira vez quando lançado, na época achei mediano, agora o achei bom. Curiosamente, a revisão foi após ter visto Bad Boys: Para Sempre, e a relativa semelhança estética e temática entre os filmes serviu para lavar meus olhos daquela porcaria.
Quando Bad Boys 3 começou com sua paleta de cores explosivas, sua dupla original, um aparente bom vilão e uma aparente boa equipe de coadjuvantes, pensei logo que a dupla de diretores Adil El Arbi e Bilall Fallah se viraria bem com o desafio de assumir uma franquia relativamente bem sucedida. O filme foi passando, a tensão não surgia, o humor não funcionava, a dinâmica entre os protagonistas começou a ser trabalhada de maneira cada vez mais cafona, da-lhe piadas ruins, entrou uma vilã horrorosamente mal caracterizada que fez minguar o primeiro vilão, piada ruim, cena de ação burocrática, montagem bizarra fazendo parecer que o filme é uma colagem de cenas sem nenhuma coesão interna fora a caricata amizade dos protagonistas, mais piada ruim, vilã crescentemente tosca, mais ação burocrática... enfim, uma bomba de fazer o Michael Bay merecer pedidos de desculpas, mas não vou pedir, os diretores e roteiristas que melhorem no próximo.
Um dos coadjuvantes é traumatizado por ter matado um inocente por engano e o desfecho redentor de seu arco consiste em matar a pessoa certa.
Hoje quando você malha algum filme de ação enlatado, aparece algum tonto metido a gênio dizendo que "o filme é só para entreter mesmo, não é pra ganhar um Oscar", e nisso o tonto iguala um monte de filmes despretensiosos de qualidade muito diferente. É porque o tonto não viu Duro de Matar, por excelência o filme feito só pra entreter e que não almejava ganhar Oscar nenhum, mas engenhoso que é uma beleza ao lidar com ação frenética num espaço restrito que é explorado ao limite, além de ter um dos antagonistas mais marcantes do gênero. Gosto da fisicalidade do filme, de como os projéteis e as lutas corporais realmente machucam e a ação, durante quase todo o tempo, fica contida num escopo não tão megalomaníaco (algo que as sequências sepultaram, mas é um preço justo para se ter John McClane de volta).
Justamente por essa despretensão (preferência particular), não posso dizer que amo Duro de Matar, mas entendo que seja considerado um pilar dos filmes de porrada e tiro.
John McTiernan era o cara da ação nos fins de 80. Deve ter virado um pária na indústria após a prisão por sonegação fiscal e por ter utilizado escutas telefônicas. Talvez fosse o caso de reaparecer dirigindo um Mercenários.
Gosto sobretudo da primeira metade, que tem menos personagens e foca mais no intimismo e nas lembranças. À medida que a parentada vai chegando, o filme fica um pouquinho mais convencional, mas ainda sem descambar para a impressão de samba de uma nota só, algo que acontece tanto nos dramas familiares hollywoodianos e que o cinema latinoamericano parece incapaz de replicar. Que espetacular ator foi o Fernando Luján, e quão sensível foi em externalizar amargura sem abraçar sequer por um segundo o tom caricatural. Como desconhecia completamente este filme, foi gratificante descobri-lo.
Se eu fosse ranquear os filmes da franquia Pânico, deixaria de fora o primeiro, responsável por desenvolver a mitologia que atravessa toda a série e todos os seguintes são melhores ou piores conforme a habilidade em se relacionar com esse totem.
Na minha perspectiva, essa mistura de sequência e reinício que é Pânico (vou chamar de 5) é a que bebe de forma mais criativa e intensa do original, mas suas qualidades começam antes. Embora tenha a estrutura convencional de um slasher, o roteiro é astuto e joga a história adiante em quase todas as cenas, o que é um atributo apreciável em qualquer filme. Também sobrevive a essa enrascada de lidar com um novo plantel ao mesmo tempo em que precisa resgatar os personagens clássicos, que são reintroduzidos com uma organicidade suficiente.
Contudo, onde o filme arrisca de verdade, correndo o risco de quebrar a cara, mas se dá bem, é no tom da narrativa. O paradigma do primeiro filme é onipresente, as referências saltam a cada segundo, ameaçando sufocar a narrativa, mas o carisma dos personagens clássicos e a agilidade da trama impedem que essa mão pesada imponha autoparódia. Quando percebi que havia gostado de acontecimentos como
- A alucinação do Billy Loomis dar dicas para a protagonista;
- haver uma cena em que o ataque do Ghostface na "vida real" espelha um esfaqueamento idêntico no vídeo;
- Gale e Sidney, quando entram na casa em que se passa a sequência final, de maneira ousada suspendem a sensação de perigo, pois fica estabelecido pela atmosfera que as veteranas têm a prerrogativa de entrar para matar;
Percebi que estava encarando Pânico 5 quase como um filme de fantasia, e não de terror, numa demonstração de que a metalinguagem produziu o efeito desejado. Até mesmo o uso de clichês de que, em tese, a franquia procura debochar, me soou como parte espirituosa desse jogo de brincar com convenções.
A assassina feminina teve menos impacto pois não foi uma personagem bem explorada durante o filme, mas apreciei tanto a motivação da dupla como as falas deles, desprovidas de qualquer melodrama, apenas toxicidade pura como se fossem haters de internet invadindo a realidade material. Até mesmo a afirmação dela de que matariam um dos personagens clássicos (aliás, R.I.P) para mostrar que queriam revigorar a franquia e não fazer "mais uma continuação caça-níqueis" ficou bem costurada com os objetivos desse reinício, além de carregar em si alguma autoironia.
A dupla de diretores evita trucagens visuais excessivas, mas tem estilo (olho neles). Curiosamente, uma das cenas mais tensas se passa em um porão - um dos roteiristas é James Vanderbilt, que também escreveu Zodíaco, do David Fincher (que também carrega no suspense numa cena ambientada no mesmo cômodo).
Com esse êxito todo em associar o passado e o presente, Pânico 5 obviamente estabelece novos parâmetros para os próximos (ainda não vi o sexto, e já há um sétimo encomendado). Se também forem caça-níqueis, é bom disfarçarem melhor ou, como faz este, sejam espirituosos em confessar.
Não existe justificativa para umas coisas que eu vejo. Ou existe, eu gosto de filmes mockumentary e de histórias de humor, a la Forrest Gump, em que o protagonista se mistura a eventos históricos. Agamenon não parecia muito promissor, mas por que não?
Em primeiro lugar, é apropriada a participação do Jô Soares, porque ele também tem a sua história de humor em que o protagonista interage com os principais acontecimentos do século XX, trata-se de seu romance 'O Homem que Matou Getúlio Vargas'. Apropriado também porque Agamenon e "O Homem que Matou..." são muito ruins, com histórias fracas, piadas indigentes e um sentimento geral de que tanto o livro como o filme não são trabalhos realizados por profissionais.
Mas, como Agamenon parece ainda mais dedicado a ser ruim, é preciso fazer-lhe justiça reconhecendo que consegue ser muito pior do que 'O Homem...' no que esse livro tem de péssimo e ainda fracassar também nos elementos específicos da criação cinematográfica. Elevando o conceito de "desperdiçar elenco" a um novo patamar (aquele patamar em que parte do elenco não consegue esconder o constrangimento ao dizer suas falas), Agamenon consegue desperdiçar a liberdade estrutural que lhe é dada pela circunstância de ser um besteirol. O filme tem uma produção razoável, que não é o seu problema; consiste em um amontoado de esquetes costuradas sem fluidez ou sentido de continuidade, mas este não é o seu maior problema; o seu maior problema, acima de qualquer ponderação, é não ter graça nenhuma, não ter roteiro, não ter bons improvisos, não possuir nenhuma inspiração humorística nem por quem escreveu, nem por quem dirigiu ou atuou. O projeto abdica de qualquer outra qualidade para ser apenas engraçado, mas parece não querer muito atingir esse objetivo, considerando a elaboração inexistente das gags. Até o pouco que tem de bom, como o Ruy Castro com sua personalidade fleumática de pesquisador rigoroso dizendo atrocidades como se fossem coisas sérias, Agamenon sabota com piadocas óbvias.
Agamenon, enfim, é uma oportunidade perdida, um filme que poderia ter revigorado o cinema de humor nacional para além do baixissimo padrão Globo Filmes, mas conseguiu ficar abaixo até desse padrão. É um feito digno de Agamenon, mesmo.
Após me impressionar com o magnífico A Lei de Herodes, me lancei em mais uma colaboração do diretor/Luís Estrada e o ator Damián Alcázar, A Ditadura Perfeita, que é ainda melhor. O filme é mais fluído (apesar de a subtrama do sequestro se estender um pouco) e ainda mais incisivo em suas críticas, buscando e conseguindo atingir aquele ponto nevrálgico do humor sombrio em que os lances mais caricatos são justamente os que encontram paralelo no mundo real e o riso que desperta é sardônico porque os elementos engraçados são engraçados por remeterem a trambicagens inacreditáveis, hipocrisias ridículas e temerosidades que, se fossem puramente ficcionais, seriam plenamente engraçadas, mas, não sendo, ferem um pouco. Contando com um elenco uniformemente brilhante, trata-se de um dos melhores filmes latinos da década passada, e a concorrência é pesada como uma disputa eleitoral.
Ver um filme de magro orçamento (ou, no minimo, que não é uma superprodução) se elevar acima de suas dificuldades já é uma belezura, mas este a Lei de Herodes está entre os melhores que já vi, nesse aspecto. A um que o elenco é de primeira, todos alinhados no brilhantismo; a dois que o roteiro tem a marca dos melhores exemplares da América Latina, algo que os que não são trouxas sabem que é muito; três que os figurinos, a montagem e a direção do Luis Estrada são espantosos, tudo convergindo para aquele pesadelo árido, o momento e o local em que a corrupção denigre tudo, e tudo é cômico de tão lascado, uma fábula triste. Só resta ver os demais filmes de Estrada, começo melhor não podia haver.
Não deve haver um único filme nacional, dentre os que adotam essa veia regionalista, que não conte com pelo menos umas cinco pérolas colhidas do léxico nacional, e este não foge à regra: é de vai "vai se foder na casa da desgraça para cima". Wagner Moura ótimo, Lázaro Ramos ótimo, Alice Braga reinando sobre os dois e sobre a tela, a história toda se desenvolvendo numa calma tremenda, dando voltas sem tropeçar no próprio rabo (pois o dilema dos personagens se aprofunda à medida em que se alonga essa circularidade), câmera pertinho dos atores, trilha sonora bem escolhida, bom desfecho. Cidade Baixa funciona muito bem, e sempre haverá quem despreze porque é "favela movie", porque "tem palavrão e putaria como todo filme nacional". Vai se foder na casa da desgraça.
Lá pela metade de Herança de Sangue, Mel Gibson e sua filha vão se refugiar no meio do mato, onde se encontram com uns caipiras nazistas que estão vivendo à margem convivência social ordinária e esperando algum tipo de colapso, mas movimentando a internet. Ali existe algo, a base para uma hard boilled novel de James Ellroy, um filme de Willian Fridklin, uma série roteirizada pelo Nic Pizzolatto. Existe uma história. Não me surpreendeu saber, pelos créditos finais, que Herança de Sangue é adaptação de um livro.
O diretor Jean-François Richet, porém, não se interessou por essa história, nem por nenhuma outra, nem em fazer mais nada. Se um filme se propõe a seguir a trilha segura dos clichês, fazê-lo não deveria parecer tão difícil. Se há quem tente e consiga, porque um filme tão sonolento, bambo na ação e povoado de personagens inócuos, ainda que interpretados por bons atores como Mel Gibson e Diego Luna? Gibson sequer interpreta, sua canastrice é de doer nas vistas, e trata-se de um ótimo ator. A atriz que faz a sua filha sequer merece avaliação, apenas a presunção de que, se houvesse um filme em volta dela, talvez se saísse melhor. E há ainda um elenco de apoio experiente e talentoso, que o roteiro não vê problema em desperdiçar.
Confesso que lá pelas tantas até achei que a trama daria uma virada, encontraria seu rumo, ou pelo menos se tornaria um bom exemplar de filminho de tiro. Mas, quando ocorreu a "reviravolta", vi que seria só aquilo mesmo, o que seria bom se fosse verdade, pois ainda tive de aturar uma constrangedora cena melodramática mais à frente, fabulosamente mal escrita, mal dirigida, mal editada e mal atuada por todos. Mostra, pelo menos, que Mel Gibson, um diretor talentoso, é profissa mesmo quando atua mal: nos filmes em que trabalha, não inverte a hierarquia, não interfere no trabalho do diretor. Se fizesse, Herança de Sangue seria melhor.
Fique Rico ou Morra Tentando
3.3 218 Assista AgoraChama a atenção que o diretor Jim Sheridan (conhecido por filmes dramáticos como Meu Pé Esquerdo, Terra da Discórdia e outros) e o roteirista Terence Winter (que escreveu O Lobo de Wall Street, vários episódios de Sopranos e foi showrunner da excelente Boardwalk Empire) não tenham abdicado em nada dos respectivos estilos elegantes de dirigir e escrever e conseguem que dê liga nessa obra da qual, a princípio, se poderia esperar que fosse até mais underground. Trabalharam muito bem, pois Fique Rico ou Morra tentando não abdica da violência e do peso que há em sua história, mas a abordagem geral não soa apelativa, extremo ruim, nem demasiadamente romanceada, extremo idem, já que desde os aspectos visuais até o roteiro tudo é bem polido, mas não limpinho, o que retiraria a vitalidade da narrativa. Ótima direção de fotografia, elenco de apoio de primeira (e o protagonista, numa curiosa espécie de autointerpretação, não compromete), trata-se de um dos melhores filmes produzidos na década de 2000 com a temática da vida nos guetos, espremida entre as facções. Como deficiência, nota-se que falta ao filme música, que apesar de ter supostamente salvado 50 Cent, aparece bem timidamente e de forma raramente contagiante, quando poderia assumir um crescendo à medida em que ocupa mais e mais espaços na vida do protagonista.
Nota: ver e comparar com 8 Mille - A Rua das Ilusões.
Louca Obsessão
4.1 1,3K Assista AgoraExistem por aí pessoas como Annie Wilkes, nós possivelmente conhecemos uma ou duas delas, embora, que saibamos, elas jamais tenham mantido ninguém em cativeiro. E Kathy Bates nos dá um retrato forte desse tipo de pessoa, com todas as suas manipulações, flutuações de humor e bizarrices de comportamento que fazem oscilar entre a síndrome de estocolmo e o asco absoluto. A personagem dita o ritmo da obra e a genial bates a carrega nas costas.
James Caan produz uma interpretação que considero, de certo modo, audaciosa. Isso porque era de se esperar que um personagem em sua situação botasse as vísceras para fora num absoluto caos de desespero, e a simplicidade do enredo dependia que embarcássemos no desconforto vivenciado por aquele que representa o espectador na tela; contudo, o ator (trazendo essa abordagem por sua conta ou orientado por Rob Reiner) opta por uma interpretação classuda, incorrendo numa tensão angustiante, mas sempre "limpa". Comparativamente, sua atuação pode ser confrontada com a de Patrick Wilson, que, em Hard Candy, envereda por um caminho mais naturalista e se borra inteiro. De todo modo, ambos atores defendem com competência suas abordagens.
Quando se diz que um bom roteiro não é necessariamente rebuscado, havendo qualidade na simplicidade, Misery pode ser chamado para ilustrar essa sentença. Sua eficácia em criar e resolver situações de suspense, lançando mão de alguma engenhosidade para dirigir os personagens ao embate final, tudo bem orquestrado pela direção sempre funcional de Rob Reiner, assegura que o reduzido número de personagens não crie marasmo - aliás, é curioso observar como Reiner, àquela altura já reconhecido por seus trabalhos na comédia e drama, se sai surpreendentemente bem no suspense adotando um estilo visual de certo modo conservador, sem muitos trejeitos de estilo, que casa bem com a atmosfera decadente, de coisa velha e macabra, que banha a história. E ainda há as participações de Richard Farnsworth (que se mostra até mais surpreendente de que suporíamos de início) e a gigante Lauren Bacall.
Misery, tremendo suspense... e as Wilkes estão por aí.
Escola de Rock
3.7 1,2K Assista AgoraO experimentalista Richard Linklater resolveu fazer um filme padrão para falar sobre quebra de padrões e, por ser um diretor magnífico, deu o tiro certeiro. Não me falam muito ao coração essas obras lúdicas e otimistas sobre ser você mesmo e outras melosidades. Mas Linklater imprime ao filme uma tão entusiástica energia que não dá para passar ileso; tudo em Escola do Rock é eletricidade e vida. Não gosto nem desgosto do Jack Black, porém, sem ele e sua potente credibilidade para versões contemporâneas do mito do Bom Selvagem, o filme não ia - performance coroada pelos furiosos créditos finais. O elenco infantil também está afinadissimo e, coisa indispensável, as músicas funcionam. Provavelmente Escola do Rock seria melhor ainda se Linklater tivesse resolvido fazer um musical de vez, mas não o fez e está tudo bem.
Pérola
3.5 19Pérola é um tanto almodovariano, porém mais soft, calcado em afetividade e na exploração do baú de memórias que toda família tem. Essencialmente dramático, com com pinceladas cômicas dentro desse drama (algo que, por sinal, condiz com o resgate de memórias familiares) tem mão leve para relatar até os aspectos mais dificeis, como o alcoolismo dos pais do personagem Mauro e a dificuldade dele em se assumir homoafetivo. Boa direção de fotografia, bom trilha sonora, bom elenco (Rodolfo Vaz em uma performance especialmente convincente), Pérola parece não almejar voos muito longinquos, mas o Murilo Benício ainda vai aparecer com um grande filme.
A Pequena Loja dos Horrores
3.6 230 Assista AgoraA Pequena Loja dos Horrores é um filme curtinho, mas meticuloso e caprichado de embasbacar. O formato musical veste muito sua história, que se baseia em descobertas, rupturas e mudanças que o protagonista experiencia, e os números musicais ilustram vividamente essas progressivas catarses. As músicas, aliás, são quase todas excelentes e agradarão quem já aprecia o gênero, embora o filme, graças ao bom roteiro e o ritmo eficaz, também seja uma boa porta de entrada para os não iniciados.
Também gosto de como as participações especiais não são meros adornos, e sim responsáveis por algumas das melhores cenas, como a ida do Bill Murray ao dentista. A planta, por sua vez, é de fato uma das protagonistas. Nisso o filme se beneficia da experiência do diretor Frank Oz (marionetista responsável por manipular os Muppets, o Mestre Yoda, além de outras participações memoráveis no audiovisual) e de um trabalho de dublagem nada menos do que genial de Levi Stubbs, que dá vida à persuasiva personagem e a enche de nuances que deixam claro tratar-se A Pequena Loja de Horrores um conto sobre os perigos da proximidade com o mal.
Infelizmente, Frank Oz não pôde dar ao filme o final que desejou, e que lhe caiu melhor do que aquele imposto pelo estúdio (o comparativo pode ser acessado aqui https://www.youtube.com/watch?v=gyQpDCAWpbs), mas essa intervenção lamentável não corrompe suas qualidades. A Pequena Loja dos Horrores é uma pequena pérola do Cinema.
Que Horas Eu Te Pego?
3.3 481Que Horas eu te Pego se ampara no carisma da Jennifer Lawrence, no figura da Jennifer Lawrence, na seducência da Jennifer Lawrence, no timing cômico e no humor físico da Jennifer Lawrence, assim como pela capacidade dramática da Jennifer Lawrence... é um filme dela, que além de protagonizar também é produtora, para os fãs dela, e por isso parecia pouco promissor para quem prefere os filmes aos astros e não tem uma memória afetiva muito intensa com as comédias adolescentes da década de 2000, plataforma escolhida para a atriz brilhar.
Não esperar demais é realmente ótimo. Que Horas eu te Pego se mostrou uma comédia até bem astuta, com bom encadeamento dos eventos e com equilíbrio bem dosado do humor besteirol, humor ácido (este poderia estar um pouco mais presente) e momentos afetivos. As pistas-e-recompensas (elementos que são apresentados para serem resgatados posteriormente na narrativa) são eficazes e contar com o Matthew Broderick numa comédia adolescente é luxo.
Como revés, as investidas do roteiro contra o que considera serem males geracionais (cultura do cancelamento, dependência da internet em detrimento da espontaneidade das relações humanas etc) são dispersas e quase inexpressivas.
O cinema de resgate de nostalgia vem se tornando um ativo financeiro poderoso e pode ser que futuramente encampe o surgimento de um novo John Hughes, mas não sei a que horas isso vai acontecer.
Trem-Bala
3.6 561 Assista AgoraO cinema de ação moderno padece de uma espécie de praga: os diretores mais diferenciados eventualmente podem até ganhar certa liberdade para exercer algum estilo no início e desenvolvimento dos filmes, desde que o terceiro ato seja uma farofa, cheia de CGI horroroso, que os iguale a um milhão de outros filmes de ação do mesmo zeitgeist.
David Leitch é um dos candidatos a renovar esse gênero. Embora seja um notável artífice da pancadaria e do tiroteio, também vem mostrando um cineasta com outros atributos, como o uso do humor e a capacidade de lidar com tramas (coisa que os filmes de ação ultimamente não têm).
Se Atômica é o melhor esforço dele até o momento, este Trem-Bala é o de que menos gostei. Primeiro, porque o filme não consegue ser tão rápido, carismático e descolado como parece ter desejado (fala-se bastante que o filme pretendeu imitar o estilo Tarantino, como se este fosse o único cineasta despojado da história do cinema, mas creio que Sete Psicopatas e um Shih Tzu, do Martin McDonagh, também faça bem o que se quis fazer aqui), segundo porque usa recursos narrativos trapaceiros que retiram seu impacto, como
morre-não morreu
Ainda assim, o filme tem lá seus atrativos. Os personagens, que na ideia eram fascinantes, conseguiram ao menos ser curiosos, Brad Pitt, novamente mostrando bom timing cômico, desempenha o papel de figura forte da história, fazendo os coadjuvantes crescerem no rastro do seu brilho e a ação, em geral, funciona, exceto no fim.
David Leitch, bom diretor, e melhor será quanto menos convencional puder ser dentro do gênero ação. Ele é bom demais para fazer filme de trem descarrilhando.
Anônimo
3.7 735Esse é mais um episódio da série "mamãe, quero ser John Wick" e, dentre as inúmeras tentativas, está até entre as mais bem-sucedidas. Infelizmente, após estabelecer um início cheio de virtudes - desenvolvimento comedido, uma triunfante luta corporal dentro do ônibus e um bom tiroteio, na invasão da base russa, trilha sonora espetacular, diálogos que querem ser e são badass -, mais perto do final os responsáveis perdem a coragem de sustentar o estilo próprio que vinha garantindo a qualidade da obra e passam a adotar o estilo genérico de tantos filmes do gênero. Com um elenco tão afiado e esse talentoso Ilya Naishuller no comando, o resultado poderia ser até mais certeiro, a sequência talvez venha a sê-lo, mas é preciso ter peito para que, dentre os ícones da ação, o letal e promissor Hutch Mansell não vire um "ninguém".
O Assassino
3.3 500"Viver os últimos minutos sabendo que o são. Não desejo isso nem para o meu pior inimigo... que atualmente é você [...] quando chegar a sua vez, vai passar o filme da minha vida, não da sua, acho que é o mais próximo que vou chegar de te assombrar."
Gosto bem pouco de alguns filmes mais recentes do David Fincher (falo de Os Homens que Não Amavam as Mulheres e, principalmente, Gone Girl), mas reconheço que eles têm alguns valores até mais elevados do que este The Killer. Apesar disso, estou entre os que se sentem em dívida com a experiência cinematográfica: se vejo um filme reconhecendo suas deficiências, mas gosto de assisti-lo, não posso meter o pau nele.
Sim, The Killer é um filme com flacidezes evidentes, apresenta uma investigação que não empolga e lhe faz muita falta, após o fim da sequência inicial - com o tiro errado -, a exuberância verbal que existe nela.
Apesar disso, o filme andou, e muito. Hipnotizou-me, vi e dormi tarde. Não é fruto de mero gosto pessoal, muito do que está na obra foi desenvolvido para causar exatamente este efeito - a trilha cirúrgica, a mis-en-scéne sofisticada -, mas onde o filme realmente acerta é nesse subtexto de construir o protagonista como mais um trabalhador anônimo no contexto das relações modernas de trabalho.
Saí um pouco do filme quando a piada do urso, que eu li pela primeira vez nos anos 90 num almanaque do Ary Toledo, foi contada pela Tilda Swinton com um tom cerimonioso de metáfora, mas logo voltei, naquela imagem forte
que os mostra saindo do bar, ela na frente, ele atrás, repetindo o mantra "siga o plano", como buscando sufocar de antemão qualquer impulso piedoso.
Quanto ao criticado final, gostei dele e reputo-o coerente com a lógica interna da trama.
The Killer não é um filme de vingança. O assassino não age por sentimento de retaliação, mas apenas pretende eliminar aqueles que possam persegui-lo depois que se aposentar. No fim, ao se convencer de que o cliente não tem razões para ir atrás dele, e não é um iniciado naquele mundo, ele aplica a mesma lógica que repete durante o filme todo: faça o que precisar fazer, não faça nada mais.
Isso gera uma curiosa inversão de expectativas na qual, dentro daquele contexto, frieza é deixar de matar, e não matar, principalmente porque as coisas se tornaram pessoais com o espancamento da namorada. Mas, como ele próprio diz no início, para ele nada é pessoal, tudo é cálculo. Ele não poupa o cliente por misericórdia, mas por achar que a dor de cabeça será menor não matando.
Porém, se o não matar em um certo sentido confirma os valores do assassino, por outro lado o liberta para romper com essa padrão de comportamento, passando a ser mais um, a "maioria".
Ninfomaníaca: Volume 1
3.7 2,7K Assista AgoraNinfomaníaca: Volume 1 é um filme arriscado, e nem falo tematicamente, mas em relação à forma. Estruturado como uma espécie de sessão de análise entre desconhecidos que dialogam por meio de falas rebuscadas e alegorias, a obra se serve de um tom teatral que poderia lançar a narrativa no tédio ou, simplesmente, no estranhamento.
Não é isso o que acontece. Beneficiado por uma montagem apurada, que divide a história em capítulos sem jamais perder de vista o senso de continuidade que deve permear a narrativa e por um roteiro apurado que integra as inúmeras referências literárias, psicanalíticas, musicais etc ao centro temático da história de maneira absolutamente orgânica, o filme adquire uma fluidez absoluta, brincando ainda com o jogar informações na tela, letras, números e pequenas intersecções de cenas que ilustram de maneira espirituosa ou dramática o que está sendo dito. A fluidez em nada é quebrada pelos diálogos entre a Joe mais velha, vivida por Charlotte Gainsbourg, e o interlocutor interpretado por Stellan Skarsgård, já que as falas que eles trocam são interessantes e realmente iluminam de forma enriquecedora as vivências da protagonista quando jovem.
Apesar do tema polêmico, o filme ainda encontra alguns escapes de humor, ainda que aquele humor sombrio que se pode esperar de um projeto como este, e nessa linha a sequência com a Uma Thurman é uma pequena obra-prima em que o incômodo e a graça se misturam à maneira de Ricky Gervais.
Parecendo ter atingido um domínio narrativo notável, Von Trier vence com facilidade as primeiras duas horas deste projeto ambicioso. A ver a segunda parte.
Histórias de Amor Duram Apenas 90 Minutos
3.4 630Trata-se de um filme correto, com boa trilha sonora, mas que se ressente da falta de um arco mais significativo, já que o protagonista pouco evolui com os acontecimentos da história e essa incapacidade de evoluir não conta com uma abordagem das mais categóricas, que possa preencher tematicamente a obra de maneira satisfatória. Também haveria ganho se os personagens fossem mais carismáticos, já que, apesar de encarnados por um bom elenco, é dureza se importar com eles (exceção ao personagem do Daniel Dantas, de participação curta, mas o filme cresce sempre que ele está em cena). Tudo pesado e medido, é possível concluir o filme sem maior dificuldade e apreciar seus pontos positivos, que não ficam sufocados pelos reveses graças à curta duração: ainda bem que esta história de amor não dura 120 minutos.
Matando Cabos
3.6 14 Assista AgoraA montagem ágil e a roupagem pop tornam tentador associar Matando Cabos ao estilo do Quentin Tarantino, mas me lembrei mesmo foi dos irmãos Coen com seus filmes de criminosos burros e azarados que resolvem fazer coisa errada, topam com indivíduos exóticos a ponto de beirar o surrealismo e acabaram deflagrando um efeito borboleta de desencontros, meio mundo se dando mal no processo, num mix de comédia de humor negro e violência¹. Matando Cabos faz isso de forma redondinha, direção criativa, bom elenco (principalmente o excelente Joaquín Cosío) e aquele turbilhão em que os personagens parecem não fazer a menor ideia do que está acontecendo, mas que o roteiro mantém perfeitamente domesticado, amarrando tudo sem aquele vício estrutural de filme com vários finais.
A única ressalva é que durante um certo tempo de projeção, lá pelo meio, parece faltar ao filme uma eletricidade mais intensa, como se na intenção houvesse chegado o momento de atingir o cume do humor corrosivo e chocante, mas a execução tivesse encontrado dificuldades em segurar o ritmo lá no alto para que o resultado final fosse tão "perverso" como o projeto. Ainda assim, perto do desfecho o filme abandona a flacidez e reencontra a curva crescente e lá se mantém, deixando uma última impressão positiva.
Meio avesso a remakes, reboots e afins, confesso que gostaria de assistir a uma reimaginação desse filme, com um bom orçamento e nova exploração de seu tom, talvez até em formato de série, como Noah Hawley conseguiu em Fargo. O universo de Matando Cabos é perigoso, mas provavelmente vale a pena retornar a ele.
¹Apesar disso, o diálogo mais ao fim sobre como um criminoso se torna um "ever" tem clara inspiração tarantinesca
Eike: Tudo Ou Nada
2.8 45Eike, Tudo ou Nada, não é um filme muito bom, mas, tosco e eventualmente beirando o amadorismo, é um filme adequado para o picareta cuja jornada conta. Estranhamente, parece poupá-lo de muitas das graves vilanias que praticou, já que o roteiro parece encará-lo mais como um sonhador quixotesco e precipitado do que como um indivíduo não apenas tremendamente poderoso, mas também meticuloso em subornar, enganar e corromper. O Eike do filme é iludido e sobra para o personagem do Paulo Mendonça. Aliás, o entorno dele é caricato de dar pena - tanto no nível do roteiro como no das composições, quase todos os executivos não transmitem a menor verossimilhança, é uma turma mambembe que não condiz com a influência que seus correspondentes na vida real já alcançaram. O Rodolfo Landim interpretado pelo Marcelo Valle é o personagem mais pé-no-chão do núcleo (além de ser bom ator), e até nisso não deixa de existir embutido um humor involuntário, imaginem um grupo influente que tem como único oásis de lucidez e responsabilidade o próprio Landim, em que mãos o Brasil já esteve...
A propósito, um desses indivíduos da cúpula da OGX é inexplicavelmente encarregado de uma narração em off igualmente inexplicável. Não funciona nem partindo de quem vem (em comparação aos demais integrantes da equipe, o personagem não tem uma visão mais privilegiada nem mais próxima da história que está narrando), nem como elemento narrativo. O off é um recurso de roteiro que pode ser utilizado, por ex., para explicar detalhes técnicos intrincados, desinchar a narrativa evitando que os fatos narrados sejam mostrados em cenas que aumentariam injustificadamente a duração do filme, ou pode simplesmente conter alguma expressividade - narrador que analisa criticamente - que imprima vigor ao filme. A técnica aqui não desempenha nenhuma dessas funções, apesar de parecer inspirada em A Grande Aposta, filme que a emprega de maneira bastante eficaz para todas as citadas finalidades.
Há também coisas boas. Nelson Freitas é um bom Eike. Como os roteiristas adotaram a opção impopular, mas válida, de não entrar muito verticalmente na relação dele com a Luma de Oliveira, vou na contracorrente da maioria dos comentários e digo que achei interessante a elipse que fizeram para abordar bem de passagem essa fase, numa espécie de transe do protagonista (a cena realmente não é muito boa, mas acho que foi uma deficiência mais de execução do que de que concepção). O finalzinho também contém um humor satírico que caiu bem.
Filme fraquinho, mas quero mais filmes nacionais que retratam acontecimentos relevantes. A história do Brasil precisa ser contada no Cinema.
Operação Invasão
3.9 627 Assista AgoraMesmo no cinema, nem tudo anda para trás. Após uma lamentável década de 2000 no cinema de ação estadunidense, com seus tiroteios e pancadarias filmados e editados a toque de caixa e sem nenhum apelo visual, costuma-se creditar a John Wick o mérito de ter propagado um estilo mais estético e cuidadoso de se praticar o gênero.
Não é de todo injusto, a franquia iniciada por Chad Stahelski e David Leich foi, de fato, bastante influente e merece parte dos louros. Como, porém, em arte o bom filho geralmente tem vários pais, parte desses méritos cabe ao cinema de ação asiático (a primeira vez que um filme me deixou em dúvida sobre como aquela cena de ação foi realizada foi quando vi Fervura Máxima, que John Woo dirigiu no início da década de 90, na China) e a outras tentativas esparsas.
Um dos "pais" do cinema de ação moderno é, justamente, este Operação Invasão. Partindo de uma premissa singela em um espaço geográfico limitado (esquadrão policial de elite precisa entrar em um prédio para sequestrar o traficante que comanda o local), o galês Gareth Evans imprime tensão e urgência em cada fotograma. É uma sucessão interminável de combates cruéis nos quais a câmera de Evans se movimenta das maneiras as mais inovadoras e criativas que se possa imaginar sem perder nenhum dos impressionantes movimentos que os atores e dublês, cuja fisicalidade parece ser de atletas olímpicos, executam para se aniquilar com todos as armas e elementos do cenário possíveis.
Apesar de o frenesi não cessar nunca e não haver um roteiro como principal atrativo, Operação Invasão não descamba para o tédio da simples repetição mecânica de embates, pois dentro da lógica interna do filme há uma progressão narrativa, a própria ação vai se afunilando à medida em que os protagonistas, uns morrendo, outros avançando, se aproximam do antagonista que se pretende raptar, e nesse meio tempo a ópera de Evans eventualmente atinge quase o grau do terror, tamanha a claustrofobia que ele atinge em algumas cenas, fora os vilões realmente ameaçadores.
Se é para um filme de ação ter história simples, que seja como Operação Invasão. Filmes como esse dão aula aos seus pares e desmoralizam troços genéricos como Os Mercenários; a trupe do Sly não passaria do segundo andar deste prédio.
Os Reis da Rua
3.5 335 Assista Agora"Quem somos nós? Somos um pesadelo completo. Somos circunstâncias especiais."
A rapazeada que gostou de Bright e Esquadrão Suicida não sabe, mas, antes de jogar fora quase 10 anos de carreira, David Ayer era um diretor/roteirista contundente e puro sangue no fazer filmes policiais. Este talvez seja de seus melhores exemplares.
Escrito também por James Ellroy, o monarca do romance policial estadunidense dos últimos anos, e Kurt Wimmer (que naquela época era um roteirista em ascensão, depois deu uma sumida), Os Reis da Rua é dessas histórias em que todo mundo é filho da puta e, se nos apresenta a um protagonista desequilibrado, violento e sempre cometendo ou à beira de cometer atrocidades pesadas, é para em seguida mostrar que no contexto geral ele é até meio otário.
Outra característica do estilo Ellroy pode desagradar alguns espectadores: trata-se de uma trama investigativa relativamente intrincada, cheia de jogos duplos e pequenas viradas de história que demandam alguma atenção, pois não são apresentadas como plot twits escandalosos. O arco geral, inclusive, não encontra um desfecho especialmente supreendente, o caminho até ele é que é satisfatório, já que a narrativa é coesa e mantém um constante senso de urgência. O elenco, cheio de caras conhecidas em papéis de diferentes tamanhos, também ajuda muito (a ponto de fazer crer que, sem ter sido um sucesso espantoso à época, o filme pode ser parcialmente resgatado graças à revalorização do Keanu Reeves e ao enorme sucesso do Chris Evans desde que passou a interpretar o Capitão América). O ótimo Forest Whitaker soa um pouco acima do tom em algumas cenas, já Hugh Laurie, mesmo aparecendo pouco, lança mão de tiques que, em vez de soar como muletas de interpretação, imprimem texturas ao seu intrigante personagem.
Assisti a Reis da Rua pela primeira vez quando lançado, na época achei mediano, agora o achei bom. Curiosamente, a revisão foi após ter visto Bad Boys: Para Sempre, e a relativa semelhança estética e temática entre os filmes serviu para lavar meus olhos daquela porcaria.
Bad Boys Para Sempre
3.4 395 Assista AgoraQuando Bad Boys 3 começou com sua paleta de cores explosivas, sua dupla original, um aparente bom vilão e uma aparente boa equipe de coadjuvantes, pensei logo que a dupla de diretores Adil El Arbi e Bilall Fallah se viraria bem com o desafio de assumir uma franquia relativamente bem sucedida. O filme foi passando, a tensão não surgia, o humor não funcionava, a dinâmica entre os protagonistas começou a ser trabalhada de maneira cada vez mais cafona, da-lhe piadas ruins, entrou uma vilã horrorosamente mal caracterizada que fez minguar o primeiro vilão, piada ruim, cena de ação burocrática, montagem bizarra fazendo parecer que o filme é uma colagem de cenas sem nenhuma coesão interna fora a caricata amizade dos protagonistas, mais piada ruim, vilã crescentemente tosca, mais ação burocrática... enfim, uma bomba de fazer o Michael Bay merecer pedidos de desculpas, mas não vou pedir, os diretores e roteiristas que melhorem no próximo.
Duro de Matar
3.8 734 Assista AgoraO filme de ação yankee dos 80 era pokas ideias
Um dos coadjuvantes é traumatizado por ter matado um inocente por engano e o desfecho redentor de seu arco consiste em matar a pessoa certa.
Hoje quando você malha algum filme de ação enlatado, aparece algum tonto metido a gênio dizendo que "o filme é só para entreter mesmo, não é pra ganhar um Oscar", e nisso o tonto iguala um monte de filmes despretensiosos de qualidade muito diferente. É porque o tonto não viu Duro de Matar, por excelência o filme feito só pra entreter e que não almejava ganhar Oscar nenhum, mas engenhoso que é uma beleza ao lidar com ação frenética num espaço restrito que é explorado ao limite, além de ter um dos antagonistas mais marcantes do gênero. Gosto da fisicalidade do filme, de como os projéteis e as lutas corporais realmente machucam e a ação, durante quase todo o tempo, fica contida num escopo não tão megalomaníaco (algo que as sequências sepultaram, mas é um preço justo para se ter John McClane de volta).
Justamente por essa despretensão (preferência particular), não posso dizer que amo Duro de Matar, mas entendo que seja considerado um pilar dos filmes de porrada e tiro.
John McTiernan era o cara da ação nos fins de 80. Deve ter virado um pária na indústria após a prisão por sonegação fiscal e por ter utilizado escutas telefônicas. Talvez fosse o caso de reaparecer dirigindo um Mercenários.
Cinco Dias Sem Nora
3.7 32 Assista AgoraGosto sobretudo da primeira metade, que tem menos personagens e foca mais no intimismo e nas lembranças. À medida que a parentada vai chegando, o filme fica um pouquinho mais convencional, mas ainda sem descambar para a impressão de samba de uma nota só, algo que acontece tanto nos dramas familiares hollywoodianos e que o cinema latinoamericano parece incapaz de replicar. Que espetacular ator foi o Fernando Luján, e quão sensível foi em externalizar amargura sem abraçar sequer por um segundo o tom caricatural. Como desconhecia completamente este filme, foi gratificante descobri-lo.
Pânico
3.4 1,1K Assista AgoraSe eu fosse ranquear os filmes da franquia Pânico, deixaria de fora o primeiro, responsável por desenvolver a mitologia que atravessa toda a série e todos os seguintes são melhores ou piores conforme a habilidade em se relacionar com esse totem.
Na minha perspectiva, essa mistura de sequência e reinício que é Pânico (vou chamar de 5) é a que bebe de forma mais criativa e intensa do original, mas suas qualidades começam antes. Embora tenha a estrutura convencional de um slasher, o roteiro é astuto e joga a história adiante em quase todas as cenas, o que é um atributo apreciável em qualquer filme. Também sobrevive a essa enrascada de lidar com um novo plantel ao mesmo tempo em que precisa resgatar os personagens clássicos, que são reintroduzidos com uma organicidade suficiente.
Contudo, onde o filme arrisca de verdade, correndo o risco de quebrar a cara, mas se dá bem, é no tom da narrativa. O paradigma do primeiro filme é onipresente, as referências saltam a cada segundo, ameaçando sufocar a narrativa, mas o carisma dos personagens clássicos e a agilidade da trama impedem que essa mão pesada imponha autoparódia. Quando percebi que havia gostado de acontecimentos como
- A alucinação do Billy Loomis dar dicas para a protagonista;
- haver uma cena em que o ataque do Ghostface na "vida real" espelha um esfaqueamento idêntico no vídeo;
- Gale e Sidney, quando entram na casa em que se passa a sequência final, de maneira ousada suspendem a sensação de perigo, pois fica estabelecido pela atmosfera que as veteranas têm a prerrogativa de entrar para matar;
Percebi que estava encarando Pânico 5 quase como um filme de fantasia, e não de terror, numa demonstração de que a metalinguagem produziu o efeito desejado. Até mesmo o uso de clichês de que, em tese, a franquia procura debochar, me soou como parte espirituosa desse jogo de brincar com convenções.
O texto também é muito bom
- "Você é o mais genérico de todos";
- "Eu não sei se você é a assassina, tenho quase certeza de que não..."
Em relação a Ghostface
A assassina feminina teve menos impacto pois não foi uma personagem bem explorada durante o filme, mas apreciei tanto a motivação da dupla como as falas deles, desprovidas de qualquer melodrama, apenas toxicidade pura como se fossem haters de internet invadindo a realidade material. Até mesmo a afirmação dela de que matariam um dos personagens clássicos (aliás, R.I.P) para mostrar que queriam revigorar a franquia e não fazer "mais uma continuação caça-níqueis" ficou bem costurada com os objetivos desse reinício, além de carregar em si alguma autoironia.
A dupla de diretores evita trucagens visuais excessivas, mas tem estilo (olho neles). Curiosamente, uma das cenas mais tensas se passa em um porão - um dos roteiristas é James Vanderbilt, que também escreveu Zodíaco, do David Fincher (que também carrega no suspense numa cena ambientada no mesmo cômodo).
Com esse êxito todo em associar o passado e o presente, Pânico 5 obviamente estabelece novos parâmetros para os próximos (ainda não vi o sexto, e já há um sétimo encomendado). Se também forem caça-níqueis, é bom disfarçarem melhor ou, como faz este, sejam espirituosos em confessar.
As Aventuras de Agamenon - O Repórter
1.2 1,0KNão existe justificativa para umas coisas que eu vejo. Ou existe, eu gosto de filmes mockumentary e de histórias de humor, a la Forrest Gump, em que o protagonista se mistura a eventos históricos. Agamenon não parecia muito promissor, mas por que não?
Em primeiro lugar, é apropriada a participação do Jô Soares, porque ele também tem a sua história de humor em que o protagonista interage com os principais acontecimentos do século XX, trata-se de seu romance 'O Homem que Matou Getúlio Vargas'. Apropriado também porque Agamenon e "O Homem que Matou..." são muito ruins, com histórias fracas, piadas indigentes e um sentimento geral de que tanto o livro como o filme não são trabalhos realizados por profissionais.
Mas, como Agamenon parece ainda mais dedicado a ser ruim, é preciso fazer-lhe justiça reconhecendo que consegue ser muito pior do que 'O Homem...' no que esse livro tem de péssimo e ainda fracassar também nos elementos específicos da criação cinematográfica. Elevando o conceito de "desperdiçar elenco" a um novo patamar (aquele patamar em que parte do elenco não consegue esconder o constrangimento ao dizer suas falas), Agamenon consegue desperdiçar a liberdade estrutural que lhe é dada pela circunstância de ser um besteirol. O filme tem uma produção razoável, que não é o seu problema; consiste em um amontoado de esquetes costuradas sem fluidez ou sentido de continuidade, mas este não é o seu maior problema; o seu maior problema, acima de qualquer ponderação, é não ter graça nenhuma, não ter roteiro, não ter bons improvisos, não possuir nenhuma inspiração humorística nem por quem escreveu, nem por quem dirigiu ou atuou. O projeto abdica de qualquer outra qualidade para ser apenas engraçado, mas parece não querer muito atingir esse objetivo, considerando a elaboração inexistente das gags. Até o pouco que tem de bom, como o Ruy Castro com sua personalidade fleumática de pesquisador rigoroso dizendo atrocidades como se fossem coisas sérias, Agamenon sabota com piadocas óbvias.
Agamenon, enfim, é uma oportunidade perdida, um filme que poderia ter revigorado o cinema de humor nacional para além do baixissimo padrão Globo Filmes, mas conseguiu ficar abaixo até desse padrão. É um feito digno de Agamenon, mesmo.
A Ditadura Perfeita
4.1 79Após me impressionar com o magnífico A Lei de Herodes, me lancei em mais uma colaboração do diretor/Luís Estrada e o ator Damián Alcázar, A Ditadura Perfeita, que é ainda melhor. O filme é mais fluído (apesar de a subtrama do sequestro se estender um pouco) e ainda mais incisivo em suas críticas, buscando e conseguindo atingir aquele ponto nevrálgico do humor sombrio em que os lances mais caricatos são justamente os que encontram paralelo no mundo real e o riso que desperta é sardônico porque os elementos engraçados são engraçados por remeterem a trambicagens inacreditáveis, hipocrisias ridículas e temerosidades que, se fossem puramente ficcionais, seriam plenamente engraçadas, mas, não sendo, ferem um pouco. Contando com um elenco uniformemente brilhante, trata-se de um dos melhores filmes latinos da década passada, e a concorrência é pesada como uma disputa eleitoral.
A Lei de Herodes
4.0 17 Assista AgoraVer um filme de magro orçamento (ou, no minimo, que não é uma superprodução) se elevar acima de suas dificuldades já é uma belezura, mas este a Lei de Herodes está entre os melhores que já vi, nesse aspecto. A um que o elenco é de primeira, todos alinhados no brilhantismo; a dois que o roteiro tem a marca dos melhores exemplares da América Latina, algo que os que não são trouxas sabem que é muito; três que os figurinos, a montagem e a direção do Luis Estrada são espantosos, tudo convergindo para aquele pesadelo árido, o momento e o local em que a corrupção denigre tudo, e tudo é cômico de tão lascado, uma fábula triste. Só resta ver os demais filmes de Estrada, começo melhor não podia haver.
Cidade Baixa
3.4 356 Assista AgoraNão deve haver um único filme nacional, dentre os que adotam essa veia regionalista, que não conte com pelo menos umas cinco pérolas colhidas do léxico nacional, e este não foge à regra: é de vai "vai se foder na casa da desgraça para cima". Wagner Moura ótimo, Lázaro Ramos ótimo, Alice Braga reinando sobre os dois e sobre a tela, a história toda se desenvolvendo numa calma tremenda, dando voltas sem tropeçar no próprio rabo (pois o dilema dos personagens se aprofunda à medida em que se alonga essa circularidade), câmera pertinho dos atores, trilha sonora bem escolhida, bom desfecho. Cidade Baixa funciona muito bem, e sempre haverá quem despreze porque é "favela movie", porque "tem palavrão e putaria como todo filme nacional". Vai se foder na casa da desgraça.
Herança de Sangue
3.1 201 Assista AgoraLá pela metade de Herança de Sangue, Mel Gibson e sua filha vão se refugiar no meio do mato, onde se encontram com uns caipiras nazistas que estão vivendo à margem convivência social ordinária e esperando algum tipo de colapso, mas movimentando a internet. Ali existe algo, a base para uma hard boilled novel de James Ellroy, um filme de Willian Fridklin, uma série roteirizada pelo Nic Pizzolatto. Existe uma história. Não me surpreendeu saber, pelos créditos finais, que Herança de Sangue é adaptação de um livro.
O diretor Jean-François Richet, porém, não se interessou por essa história, nem por nenhuma outra, nem em fazer mais nada. Se um filme se propõe a seguir a trilha segura dos clichês, fazê-lo não deveria parecer tão difícil. Se há quem tente e consiga, porque um filme tão sonolento, bambo na ação e povoado de personagens inócuos, ainda que interpretados por bons atores como Mel Gibson e Diego Luna? Gibson sequer interpreta, sua canastrice é de doer nas vistas, e trata-se de um ótimo ator. A atriz que faz a sua filha sequer merece avaliação, apenas a presunção de que, se houvesse um filme em volta dela, talvez se saísse melhor. E há ainda um elenco de apoio experiente e talentoso, que o roteiro não vê problema em desperdiçar.
Confesso que lá pelas tantas até achei que a trama daria uma virada, encontraria seu rumo, ou pelo menos se tornaria um bom exemplar de filminho de tiro. Mas, quando ocorreu a "reviravolta", vi que seria só aquilo mesmo, o que seria bom se fosse verdade, pois ainda tive de aturar uma constrangedora cena melodramática mais à frente, fabulosamente mal escrita, mal dirigida, mal editada e mal atuada por todos. Mostra, pelo menos, que Mel Gibson, um diretor talentoso, é profissa mesmo quando atua mal: nos filmes em que trabalha, não inverte a hierarquia, não interfere no trabalho do diretor. Se fizesse, Herança de Sangue seria melhor.