Kate é um filme tão distintamente esquecível, que no momento em que terminou eu não conseguia me lembrar de uma única cena. Entrei em pânico, pesquisei no Google: “amnésia pós-cinema”, e fiz uma série de exercícios de memória para ver ressuscitava minha mente. Tentei me lembrar de datas habituais: o inesquecível 15 de Fevereiro de 2001, em que fui esbofeteado pelo meu professor da primeira série. Confere. O estranho primeiro dia de 2007, em que acordei num hospital, porque meus amigos, não sei até hoje se cientes de que não sei nadar, decidiram me jogar no mar antes e sair correndo, fazendo com que eu perdesse a virada do ano. Confere. O dia em que oficialmente iniciou-se meu primeiro “relacionamento sério” – ao menos pra mim era sério. Confere. O 10 de abril de 2014, dia em que minha avó, após alguns primeiros indícios, foi finalmente diagnosticada com Alzheimer. Confere. Depois pensei na memória apagada de minha avó, aos 67 anos, que terminou vendo o mesmo filme na Netflix duas vezes em um período de menos de um dia, sem perceber que ela estava vendo novamente. Isso é realmente uma superpotência para um amante do cinema, mas até mesmo minha querida avózinha (que deus a tenha!), eu garanto, relutaria como o cão se fosse obrigada a assistir Kate pela segunda vez.
Midsommar exerce um poder sedutor irresistível cuja estratégia é enganar, dizendo-nos a verdade de modo assustadoramente claro. Por vezes, a autoexposição e a transparência totais, isto é, a consciência de que não existe um conteúdo oculto por trás, torna o sujeito ainda mais enigmático – o horror é que, diante da transgressão inerente, completamos com a expectativa de uma falsa redenção ética (algo que nos perdoe pelas fantasias proibidas). Acontece que, por vezes, ser totalmente franco é o modo mais eficaz e astucioso de enganar o outro.
Normalmente, quanto menos eu gosto de um filme, menos eu fico surtado reclamando. Tendo você gostado ou não, parece muito sintomático desses nossos tempos que um simples filme cause tanto ódio em alguns, a ponto de perderem tempo só para ofendê-lo desesperadamente. Ora, é estranho que, sendo algo tão irrelevante, consiga perturbar e mexer tanto com alguns. Afinal, por que será que incomoda, hein? Convenhamos, toda essa repercussão raivosinha acaba dizendo mais da nossa sociedade que o próprio filme em si.
Pareceria um terreno em que o diretor rejeitaria pisar: mais uma vez a historinha do fim do mundo. Mas o que se vê é uma doce subversão; todos deveriam aprender a acabar com o mundo como o faz Abel Ferrara. E, pessoalmente, eu também meteria o louco.
Outro clássico do grande David Cronenberg. Cibercultura e pós-modernidade. Discurso cinematográfico, comunicação e semiótica. Realidade em vídeo, socioespacialização e tecnomagnética. Live, on-line e obliterações do espaço\tempo.
A vida que viveu ou não viveu - ou poderia ter vivido. Será que se realizou os sonhos, sorriu, chorou, amou... enfim, será que valeu a pena ter vivido?
É assistir a própria vida e torcer pra não ser um filme ruim.
Daqui algum tempo, os descendentes da espécie humana perguntarão sobre essa extinta velharia chamada “cinema!”. A explicação não é por palavras. Coloque-os frente a uma tela e lhes mostre 2001.
Quem são? Onde vivem? Como se reproduzem? Numa sociedade organizada para satisfazer a marcha e o ritmo do capital, o parasita somos nós. O homem é o próprio parasita do homem e vice-versa; mas o dinheiro vai bem, obrigado.
Há séculos temos acreditado que os sonhos não resistem à prova dos fatos. Mas foi preciso alçarmos voo além das asas dos anjos para que descobríssemos que de sonhos compõe-se o real; foi preciso toda uma estética do celeste para que, afinal, testemunhássemos que o desejo é o movimento não só da alma como dos atos. Que haja poesia, sensibilidade e afeto, dificilmente se negará; mas é em face da natureza angelical que, paradoxalmente, brilha o colorido encanto da natureza humana.
Um cético superficial, quando assombrado pelo diabo, cuja imagem é alguém que gosta de sexo, passa então a aceitar Deus. Se foi uma investida religiosa, eu estou por me converter - será esse o terror?
Um tanto superestimado. Ter assistido The Betrayal já faz de Nolan um ser humano melhor, é verdade. Só é uma pena ter esquecido-se de creditar Seinfeld pelo truque narrativo. Se eu escrevesse esse comentário com as letras de trás pra frente, ele seria melhor ou continuaria inócuo?
Ouso afirmar de que se trata inteiramente do mundo atual! E que quaisquer coincidências com o modelo sócio-cultural americano e a ascensão mundial da extrema-direita; ou com a ditadura do self-made-man e os sucessivos fracassos individualizados; ou ainda com a esquizofrenia coletiva e a fakenewsação da realidade, em suma, eventuais coincidência com a contemporaneidade devem ser mais que meras semelhanças.
A começar pela figura desse tal Hitler que - como fica bem claro - literalmente não existe. Trata-se exclusivamente de um ser imaginário, embora seja cultuado e saudado incessantemente. Ora, se não há um ditador em carne-e-osso, a figura de Hitler, na verdade, parece simbolizar dois traços bastante atuais, que vemos impregnados no menino Jojo: de um lado, uma ideologia preconceituosa e intolerante que, de outro lado, um mecanismo de infantilização e auto-engano, para lhe dar conforto, incentivo e até ajudá-lo com as dificuldades da vida (a metáfora de um Hitler que amarra seu tênis é das mais eloquentes).
Se é que há, finalmente, um suposto plano desse "nazismo", é claro que não tem a ver com conquista do mundo ou dominação territorial, mas sim com doutrinação das mentes.
Assim, era de se esperar que ao invés de uma tragédia de Wagner, a obra se iniciasse ao som de Beatles. Não ouvimos os gritos de fome e de terror de Auschwitz, mas sim os gritos histéricos de fanatismo. Além disso, a escolha do repertória é muito feliz em propor usar a euforia beatlemaníaca quase como uma propaganda autoritária: “quero segurar sua mão”, quase uma forma de dizer "Heil Hitler!" -
A juventude hitlerista não é senão um patético acampamento de verão norte-americano, no qual crianças mimadas e impopulares estão dispostas a quase tudo para serem aceitas e se sentirem superiores aos demais - sendo a supervalorização da hierarquia humana outro traço fundamental na caracterização das relações de competitividade de nossos tempos.
O grupo paramilitar SS, também conhecido como "a milícia de Hitler", historicamente formado pelos mais ferozes e aguerridos apoiadores do regime do Terceiro Reich, influentes na política e impiedosos com armas, são aqui representadas por - não mais nem menos - que uma típica seita evangélica, na versão norte-americana desses cultos.
Por sua vez, os judeus que, trocando em miúdo, representam as diferenças, as minorias, as "impurezas", "os comunistas", etc e etc., esses continuam vistos como bruxas de rabo e chifre, que devem ser perseguidos, assassinados e incinerados - juntamente com os livros, aquelas coisas que possuem um amontoado de um montão de coisa escrita.
Selecionar e tingir o real, escolher suas quimeras e suas cores, captar o melhor dos mundos possíveis. Eis a missão tarantinesca: fazer justiça à história através da releitura cinematográfica, dimensão na qual as fadas dos contos são traduzidas na redenção de noivas trágicas, soldados judeus, negros escravizados e, dessa vez, artistas e hippies e bêbados perdidamente fracassados; a ficção em que todo “era uma vez...”, por vingança e ironia, finalmente pode “viver feliz para sempre”.
Dizer que a história é fraca por carecer de “profundidade” é pecar por pretensão. Ora, nem toda boa obra artística requer densas reflexões filosóficas ou intensivas críticas sociais. Senão... à fogueira com a literatura de Edgar Allan Poe, com os quadros de Van Gogh, as sinfonias de Mozart e mesmo com alguns dulcíssimos romances shakespearianos, que se valem tão somente da expressão artisticamente engendrada no valoroso intuito de tocar e revirar nossos corações. A arte, e, sobretudo o cinema, impõe-se como experimentação dos afetos. O modo fantasmagórico como se insinua a alma gótica e delicada da história é a própria história.
No entanto, se pensarmos que originalmente a trama baseia-se numa série de vários episódios, fica evidente a dificuldade de abordá-la em sua inteireza num breve filme comercial. De fato, o maior problema do filme, ao meu ver, está ligado à introdução repentina de elementos inusitados somente ao final, como que lançados desavisadamente em um liquidificador caótico. Ainda assim, Sombras da noite é um grande filme. Esteticamente primoroso e ao melhor estilo burtoniano. Indeed.
Fique em casa, que o mundo se curvará a seus pés - diz Kafka. Saia dela e o mundo lhe comerá vivo - completa Scorsese.
Nessa obra-prima, que costumeiramente não ganha o devido reconhecimento, o diretor mostra o quão aterrorizante pode ser simplesmente sair da rotina. Não só é um estudo sobre as desventuras e infortúnios da vida, do acaso na condição de entidade maléfica, como também é um filme sombrio, psicótico e delirante.
Diga-se de passagem, o ator Griffin Dunne foi obrigado a ficar sem comer e dormir por tempo não-revelável, para acentuar a realidade da paranóia que exigia o papel.
Não há mafiosos assassinos. Não há boxistas raivosos. Nem mesmo taxistas surtados. Às vezes, ser comum é a pior coisa que se possa ser.
Kate
3.3 301 Assista AgoraKate é um filme tão distintamente esquecível, que no momento em que terminou eu não conseguia me lembrar de uma única cena. Entrei em pânico, pesquisei no Google: “amnésia pós-cinema”, e fiz uma série de exercícios de memória para ver ressuscitava minha mente. Tentei me lembrar de datas habituais: o inesquecível 15 de Fevereiro de 2001, em que fui esbofeteado pelo meu professor da primeira série. Confere. O estranho primeiro dia de 2007, em que acordei num hospital, porque meus amigos, não sei até hoje se cientes de que não sei nadar, decidiram me jogar no mar antes e sair correndo, fazendo com que eu perdesse a virada do ano. Confere. O dia em que oficialmente iniciou-se meu primeiro “relacionamento sério” – ao menos pra mim era sério. Confere. O 10 de abril de 2014, dia em que minha avó, após alguns primeiros indícios, foi finalmente diagnosticada com Alzheimer. Confere. Depois pensei na memória apagada de minha avó, aos 67 anos, que terminou vendo o mesmo filme na Netflix duas vezes em um período de menos de um dia, sem perceber que ela estava vendo novamente. Isso é realmente uma superpotência para um amante do cinema, mas até mesmo minha querida avózinha (que deus a tenha!), eu garanto, relutaria como o cão se fosse obrigada a assistir Kate pela segunda vez.
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omundodoscinefilos.blogspot
Midsommar: O Mal Não Espera a Noite
3.6 2,8K Assista AgoraMidsommar exerce um poder sedutor irresistível cuja estratégia é enganar, dizendo-nos a verdade de modo assustadoramente claro. Por vezes, a autoexposição e a transparência totais, isto é, a consciência de que não existe um conteúdo oculto por trás, torna o sujeito ainda mais enigmático – o horror é que, diante da transgressão inerente, completamos com a expectativa de uma falsa redenção ética (algo que nos perdoe pelas fantasias proibidas). Acontece que, por vezes, ser totalmente franco é o modo mais eficaz e astucioso de enganar o outro.
O Poço
3.7 2,1K Assista AgoraNormalmente, quanto menos eu gosto de um filme, menos eu fico surtado reclamando. Tendo você gostado ou não, parece muito sintomático desses nossos tempos que um simples filme cause tanto ódio em alguns, a ponto de perderem tempo só para ofendê-lo desesperadamente. Ora, é estranho que, sendo algo tão irrelevante, consiga perturbar e mexer tanto com alguns. Afinal, por que será que incomoda, hein? Convenhamos, toda essa repercussão raivosinha acaba dizendo mais da nossa sociedade que o próprio filme em si.
4:44: O Fim Do Mundo
2.6 99 Assista AgoraPareceria um terreno em que o diretor rejeitaria pisar: mais uma vez a historinha do fim do mundo. Mas o que se vê é uma doce subversão; todos deveriam aprender a acabar com o mundo como o faz Abel Ferrara. E, pessoalmente, eu também meteria o louco.
O Enigma de Outro Mundo
4.0 981 Assista AgoraFilme laboriosamente tenso. Às vezes me parece que Carpenter quer porque quer exterminar os humanos. Tem lá suas razões.
Videodrome: A Síndrome do Vídeo
3.7 545 Assista AgoraOutro clássico do grande David Cronenberg. Cibercultura e pós-modernidade. Discurso cinematográfico, comunicação e semiótica. Realidade em vídeo, socioespacialização e tecnomagnética. Live, on-line e obliterações do espaço\tempo.
Sr. Ninguém
4.3 2,7KA vida que viveu ou não viveu - ou poderia ter vivido. Será que se realizou os sonhos, sorriu, chorou, amou... enfim, será que valeu a pena ter vivido?
É assistir a própria vida e torcer pra não ser um filme ruim.
Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças
4.3 4,7K Assista Agora“Eu, agora – que desfecho!
Já nem penso mais em ti...
Mas será que nunca deixo
De lembrar que te esqueci?”
(Mario Quintana)
2001: Uma Odisseia no Espaço
4.2 2,4K Assista AgoraDaqui algum tempo, os descendentes da espécie humana perguntarão sobre essa extinta velharia chamada “cinema!”. A explicação não é por palavras. Coloque-os frente a uma tela e lhes mostre 2001.
Fuga Para a Liberdade
4.0 232"majestical"
O Pequeno Príncipe
4.2 1,1KSpoiler: corre-se o risco de chorar um pouco.
Bonnie e Clyde - Uma Rajada de Balas
4.0 399 Assista AgoraSerá que a Bonnie quer me namorar?
Parasita
4.5 3,6K Assista AgoraQuem são? Onde vivem? Como se reproduzem? Numa sociedade organizada para satisfazer a marcha e o ritmo do capital, o parasita somos nós. O homem é o próprio parasita do homem e vice-versa; mas o dinheiro vai bem, obrigado.
Asas do Desejo
4.3 493 Assista AgoraHá séculos temos acreditado que os sonhos não resistem à prova dos fatos. Mas foi preciso alçarmos voo além das asas dos anjos para que descobríssemos que de sonhos compõe-se o real; foi preciso toda uma estética do celeste para que, afinal, testemunhássemos que o desejo é o movimento não só da alma como dos atos. Que haja poesia, sensibilidade e afeto, dificilmente se negará; mas é em face da natureza angelical que, paradoxalmente, brilha o colorido encanto da natureza humana.
O Pequenino
2.4 1,0K Assista AgoraPequeniníssimo.
O Ritual
3.3 1,9K Assista AgoraUm cético superficial, quando assombrado pelo diabo, cuja imagem é alguém que gosta de sexo, passa então a aceitar Deus. Se foi uma investida religiosa, eu estou por me converter - será esse o terror?
O Diabo, Provavelmente
3.7 45Em resumo, um ensopado de vômito existencial. Uma visita ao abismo, na melhor das hipóteses.
Meu Amigo Totoro
4.3 1,3K Assista AgoraSou frio, seco, insensível, indelicado, indiferente e nunca amei ninguém. Mas eu chorei.
Amnésia
4.2 2,2K Assista AgoraUm tanto superestimado. Ter assistido The Betrayal já faz de Nolan um ser humano melhor, é verdade. Só é uma pena ter esquecido-se de creditar Seinfeld pelo truque narrativo. Se eu escrevesse esse comentário com as letras de trás pra frente, ele seria melhor ou continuaria inócuo?
Jojo Rabbit
4.2 1,6K Assista AgoraSerá que é de fato sobre o Nazismo? Será mesmo?
Ouso afirmar de que se trata inteiramente do mundo atual! E que quaisquer coincidências com o modelo sócio-cultural americano e a ascensão mundial da extrema-direita; ou com a ditadura do self-made-man e os sucessivos fracassos individualizados; ou ainda com a esquizofrenia coletiva e a fakenewsação da realidade, em suma, eventuais coincidência com a contemporaneidade devem ser mais que meras semelhanças.
A começar pela figura desse tal Hitler que - como fica bem claro - literalmente não existe. Trata-se exclusivamente de um ser imaginário, embora seja cultuado e saudado incessantemente. Ora, se não há um ditador em carne-e-osso, a figura de Hitler, na verdade, parece simbolizar dois traços bastante atuais, que vemos impregnados no menino Jojo: de um lado, uma ideologia preconceituosa e intolerante que, de outro lado, um mecanismo de infantilização e auto-engano, para lhe dar conforto, incentivo e até ajudá-lo com as dificuldades da vida (a metáfora de um Hitler que amarra seu tênis é das mais eloquentes).
Se é que há, finalmente, um suposto plano desse "nazismo", é claro que não tem a ver com conquista do mundo ou dominação territorial, mas sim com doutrinação das mentes.
Assim, era de se esperar que ao invés de uma tragédia de Wagner, a obra se iniciasse ao som de Beatles. Não ouvimos os gritos de fome e de terror de Auschwitz, mas sim os gritos histéricos de fanatismo. Além disso, a escolha do repertória é muito feliz em propor usar a euforia beatlemaníaca quase como uma propaganda autoritária: “quero segurar sua mão”, quase uma forma de dizer "Heil Hitler!" -
A juventude hitlerista não é senão um patético acampamento de verão norte-americano, no qual crianças mimadas e impopulares estão dispostas a quase tudo para serem aceitas e se sentirem superiores aos demais - sendo a supervalorização da hierarquia humana outro traço fundamental na caracterização das relações de competitividade de nossos tempos.
O grupo paramilitar SS, também conhecido como "a milícia de Hitler", historicamente formado pelos mais ferozes e aguerridos apoiadores do regime do Terceiro Reich, influentes na política e impiedosos com armas, são aqui representadas por - não mais nem menos - que uma típica seita evangélica, na versão norte-americana desses cultos.
Por sua vez, os judeus que, trocando em miúdo, representam as diferenças, as minorias, as "impurezas", "os comunistas", etc e etc., esses continuam vistos como bruxas de rabo e chifre, que devem ser perseguidos, assassinados e incinerados - juntamente com os livros, aquelas coisas que possuem um amontoado de um montão de coisa escrita.
Era Uma Vez em... Hollywood
3.8 2,3K Assista AgoraSelecionar e tingir o real, escolher suas quimeras e suas cores, captar o melhor dos mundos possíveis. Eis a missão tarantinesca: fazer justiça à história através da releitura cinematográfica, dimensão na qual as fadas dos contos são traduzidas na redenção de noivas trágicas, soldados judeus, negros escravizados e, dessa vez, artistas e hippies e bêbados perdidamente fracassados; a ficção em que todo “era uma vez...”, por vingança e ironia, finalmente pode “viver feliz para sempre”.
Sombras da Noite
3.1 4,0K Assista AgoraDizer que a história é fraca por carecer de “profundidade” é pecar por pretensão. Ora, nem toda boa obra artística requer densas reflexões filosóficas ou intensivas críticas sociais. Senão... à fogueira com a literatura de Edgar Allan Poe, com os quadros de Van Gogh, as sinfonias de Mozart e mesmo com alguns dulcíssimos romances shakespearianos, que se valem tão somente da expressão artisticamente engendrada no valoroso intuito de tocar e revirar nossos corações. A arte, e, sobretudo o cinema, impõe-se como experimentação dos afetos. O modo fantasmagórico como se insinua a alma gótica e delicada da história é a própria história.
No entanto, se pensarmos que originalmente a trama baseia-se numa série de vários episódios, fica evidente a dificuldade de abordá-la em sua inteireza num breve filme comercial. De fato, o maior problema do filme, ao meu ver, está ligado à introdução repentina de elementos inusitados somente ao final, como que lançados desavisadamente em um liquidificador caótico. Ainda assim, Sombras da noite é um grande filme. Esteticamente primoroso e ao melhor estilo burtoniano. Indeed.
Depois de Horas
4.0 453 Assista AgoraFique em casa, que o mundo se curvará a seus pés - diz Kafka. Saia dela e o mundo lhe comerá vivo - completa Scorsese.
Nessa obra-prima, que costumeiramente não ganha o devido reconhecimento, o diretor mostra o quão aterrorizante pode ser simplesmente sair da rotina. Não só é um estudo sobre as desventuras e infortúnios da vida, do acaso na condição de entidade maléfica, como também é um filme sombrio, psicótico e delirante.
Diga-se de passagem, o ator Griffin Dunne foi obrigado a ficar sem comer e dormir por tempo não-revelável, para acentuar a realidade da paranóia que exigia o papel.
Não há mafiosos assassinos. Não há boxistas raivosos. Nem mesmo taxistas surtados.
Às vezes, ser comum é a pior coisa que se possa ser.
Despertar dos Mortos
3.9 318 Assista AgoraRomero, mais do que criticar o sistema, devora-o com seus zumbis.