Elliot vive em uma ficção real, interna e social, sua ficção parece mais próxima a realidade do que os que vivem a “realidade”. A diferença é que os outros conseguem distrair-se com compras, redes sociais, relações superficiais e com a ideia de uma vida feliz, Elliot não, ele não perdeu seu mundo particular, seus erros, falhas e inadequações o coloca em um local de observador da sociedade. Uma sociedade presa em um sistema financeiro poderá perceber sua condição e libertar-se? É claro que não, porque a revolução é feita por poucas pessoas e alguns computadores. A máquina e a mente que constrói ficções, as destrói também, somos sempre nós os criadores do absoluto e do relativo, mesmo que acreditemos no sagrado e no divino. Eliot e o seu computador representam a anomalia resultante dos “produtos” do capital, uma ferramenta sem encaixe “feita” para desconsertar.
É o corpo que nos liberta e aprisiona, Casanova nos mostra a deformação, o feio, o monstruoso, os excessos e a rejeição as formas humanas. A pele é o que tocamos, não acariciamos o amor, nem o desejo, acariciamos a pele. A pele é a que machucamos, não cortamos o ódio, não chutamos o asco, ferimos a pele. Ela é o tecido de contato com o mundo que mascara as imperfeições, será permitido ser monstruoso, mas não parecer monstruoso? Não escolhemos nossa pele, quais consequências isso nos traz? Talvez ser mais ou menos vistos, ser mais ou menos tocados, ser mais ou menos machucados. É por meio da pele que sentimos prazer, é ela que nos apresenta ao mundo, a pele mostra nosso destino. Nos libertando e nos condenando. Nossas ações de transformações são diretamente na pele, pois ela é a máscara real de um interior que não pode ser visto.
É com crueza que vemos Heli sofrer a violência, provocada pelas drogas/capital, tanto praticada pelo estado quanto por traficantes. O que vemos é um México, muito parecido com o Brasil e outros países, em que o comércio das drogas é um nicho de mercado em que o estado e traficantes competem por seu controle. Heli está em uma esfera de não-vida, ele se quer está próximo de alcançar algum tipo de “proteção” do estado. Existem diversos utilitários de modelagem e direcionamento de vontades das pessoas, as drogas representam um desses utilitários, ter o controle deles significa ter poder, por isso é um mercado tão disputado entre o estado empreendedor e os traficantes. Quem se importa com a vida de Estela? Nos parece que apenas Heli, e quem se importa com a vida de Heli? Nos parece que apenas Sabrina. Esse único ou poucos que se importam, talvez sejam um breve marcador de “existência”, que talvez sejam apagados rapidamente.
A fábula do pássaro azul contada pela princesa, nos mostra que o pássaro azul só cantava na presença de outro pássaro azul. Por não ter outro pássaro, quem o criava para vê-lo e ouvi-lo cantar colocou um espelho na frente dele, nesse dia o pássaro azul cantou como há muito tempo não fazia. Essa história é contada a assassina quando chega no povoado, contado ao som da lira que a princesa há muito tempo não tocava. As vezes parece que o destino existe, que as cosias passam a estar determinadas, a assassina tem uma mestra que lhe impõe missões a cumprir. Quando podemos nos tornar pessoas melhores? Quando um outro pássaro azul surgir? A assassina com seus golpes tão letais e indestrutíveis, predestinada as suas missões, não impediu o acaso e não provocou o que pretendia. É possível romper também com o destino, pois nem sempre você precisará de um espelho para ver um outro pássaro azul.
Love são sequencias vividas, imediatas, sem direção, um fluxo impulsionada pela maravilhosa e inexplicável sensação de completude ou totalidade. Gaspar Noé nos mostra milhares de instantes que são eternos. Murphy, somos nós, loucos reféns do êxtase físico do gozo, da felicidade que é partilhar simplicidades e pequenices que só tem a grandeza de ser com aquela pessoa. Murphy, somos nós, conscientes tardios de sentimentos que só enxergamos com o tempo. Electra, somos nós, esperançosas por alegrias eternas em uma vida finita e sem controle. Electra, somos nós, espontânea entrega a misteriosidade que alcança todas as relações humanas. O que Gaspar Noé quer nos dizer com Love? Que o amor é fluxo dentro de experiências indeterminadas, quando acontece, nunca sabemos que está acontecendo. Ele perde-se por justamente não sabermos que está acontecendo, por nos agarrarmos a certeza instantâneas, muitas vezes, sem significado algum, ou então, que serão ressignificadas e perderão o sentido. Que o amor é evidência percebida involuntariamente, é quando cadeias de significados se formam e nos mostram a não-possibilidade de negar que ele está aí.
Os olhos que veem sinais, não são todos, cada ponto reunido formando um mapa de significados. Esses mesmos olhos concluem que há algo de especial, é esse o fundamento do argumento de Carole a Delphine na cena da estação do trem, mas como mostrar a alguém algo que só você naquele momento pode ver? A conexão dos corpos nem sempre acompanha a conexão de ideias, representações e significados. A carta de Delphine depois de 5 anos é resultado de reflexão, de vivências e de coragem que só culminaram em um entendimento maior porque ela buscou entender a si. O tempo das ações amorosas as vezes, ou quase sempre, não estão sincronizadas ao tempo dos significados que podemos dar ao amor.
A postura de sentar-se para estudar e para desenhar de Jéssica é vista com estranheza pela mãe, ela tem o hábito de passar horas nessas atividades, mas não estranha a postura dos patrões de estarem sempre sentados, sempre servidos, além de José Carlos passar bom tempo deitado dormindo. Val percebe seu "lugar” não só na casa, mas nos outros espaços da cidade. Seu laço com Fabinho demonstra a realização da experiência de maternidade que o trabalho permitiu, uma experiência de maternidade com Fabinho, filho de Dona Bárbara, tanto que ele se sente mais próximo a Val, assim como Jéssica sente-se mais próxima a Sandra. A diferença é que os pais de Fabinho pagaram para estarem distantes. A aprovação de Jéssica é uma revolução, que pode provocar mudanças constantes e influenciar outras pessoas, como influenciou a mãe, que se sentiu encorajada a entrar na piscina. Ela percebeu que não precisa realizar-se através dos feitos dos patrões, que não precisava vier a vida de outras pessoas, que não precisava estar naquela casa para sentir que poderia ter perspectivas.
Chiron nos faz pensar que as vezes o não expresso, pode ser mais profundo que a visibilidade do que é exposto. Talvez algo tão profundo que não tenha como mostrar, não hajam palavras, nem gestos e nem situações que se desenvolvam para algo vivido. O que vemos é o silêncio dele, um silêncio que não tem causa, pois Chiron deve negar a própria tentativa de se entender, a causa não pode haver, porque sua existência é tão sufocada que buscar sentido para suas emoções e experiências não é um caminho viável. Chiron então implode, ele corre dos meninos, busca refúgio com Juan e Teresa, resiste à violência de Paula e Azu, recebe o afeto de Kevin. A dureza nas relações que permeiam quase todas as suas experiências contrastam-se as raras situações de carinho, talvez por isso tornou-se tão especial, algo próximo ao ‘sagrado’, o toque único foi o incrível momento em que pode existir em paz, teve causa e buscou se entender.
Jogar cartas fora ou as queimar é mais difícil do que deletar arquivos no computador ou no smartphone? Clara nos faz um convite a imergir no valor que as experiências humanas podem ter, mesmo que haja um fluxo que nos impulsione a deixar de lado algumas memórias. As memórias estão em algum lugar? Sim, dentro de todos nós junto as outras pessoas e as coisas, então não podemos apagar vivências. Por isso Clara afirma que gosta de mp3 e discos de vinil, o que ela quer nos dizer na verdade é que não precisamos descartar. Clara não resiste a ‘inovação’ no prédio em que mora por apego ao passado, pelo contrário, o prédio e tudo que há nele, inclusive ela, persistem por justamente ainda terem sentido no presente.
Como realizar os nossos sonhos? Eles podem não caber em nossa vida material, mas cabem dentro da gente, não há limites. Iremar transpõe sua condição social alimentando seu sonho, ele junta materiais que encontra por aí, constrói a partir do que tem, inventa como pode dentro de suas possibilidades, mas o que fica marcante em seu personagem é a não desistência do que ele sonha, mesmo sabendo que está muito distante de concretizá-lo e que há um mundo não a favor para sua concretização. Iremar ultrapassa os estereótipos que lhe cercam, assim como Caca e Galega. Gabriel Mascaro parece nos mostrar com sua obra-prima, o filme Boi Neon, o quanto pode ser que alguns olhares humanos empobreceram, não a existências dos outros.
A transformação de si levou Maud Watts ao rompimento com diversas esferas de sua vida, rupturas fundamentais para que pudesse olhar a si e ver-se em sua própria existência. Ela se encontrava em uma condição miserável assumida dentro do que lhe foi posto como feminino, de acordo com seus recursos materiais. As ações políticas de Maud Watts levaram a uma dupla exclusão, por ser pobre sofria diversas violações e não atendimento à direitos sociais e trabalhistas, além disso por se tornar uma sufragista sua condição que já era miserável, acaba por ser colocada em uma posição mais abjeta ainda, entretanto o rompimento mesmo que não voluntário com essas estruturas, fizeram Maud Watts alcançar uma liberdade ainda maior, o que foi fundamental para perder o medo de ser revolucionária. Maud Watts não é uma heroína que “ganha” esse título por corresponder às expectativas da sociedade, ao esperado das heroínas, pelo contrário, ela ganha força por fazer o que não queriam que ela fizesse.
Parece-me que Julieta representa aquela porção humana “que recusa ou ignora certos fatos da realidade”, seja por conveniência, covardia, medo ou negligência, talvez a maior culpa de Julieta não seja pelo homem do trem ou por Xoan, mas a culpa por não saber ou não querer cuidar de si, quando sua filha abandona-a o que antes era recusado ou ignorado torna-se impossível velar. A ausência e o silêncio da filha coloca-a frente à ausência e o silêncio de si mesma, pois sempre viveu uma vida em que se deixou levar. Lorenzo parece-me representar aquela porção humana heroica, o que todos querem encontrar, mas o que poucos querem ser, aquela alma companheira, quase sempre presente, com uma rara capacidade de compreender o outro.
Judy Hopps (uma coelha) expressa uma imagem que nos atinge com um ar de fragilidade e de fofura. Ela almeja ser algo além de suas determinações e luta para se tornar o que deseja, afinal na organização social representada no filme coelhos não são policiais, mas como a própria personagem diz ela não sabe a hora de parar, fala carregada de simbologias, Hopps na verdade quer nos dizer que não aceita sua condição, não permanecerá ‘no seu lugar’ porque tradicionalmente todos permaneceram.
Zootopia, nome que parece-me combinar zoo com utopia, mostra uma cidade com aparente harmonia entre tanta diversidade, é o lugar onde ‘você pode ser o que quiser’. Ao longo do filme vamos percebendo que Zootopia é um espaço de aspirações, realizações de sonhos, assim como de decepções e desilusões, até mesmo na cidade em que qualquer um pode ser o que quiser, há empecilhos. Judy Hopps conhece a raposa Nick Wilde, ele é tão cercado de estereótipos quanto ela, Judy que sempre lutou contra as próprias determinações impostas pela sociedade precisa aprender a lidar com a imagem construída socialmente sobre as raposas.
Finalizo essa análise com os questionamentos: até que ponto estamos dispostos e animados a superar nossa própria condição? Quando e por que chegamos a aceitar as determinações sociais que nos cercam? Todos são carregados de estereótipos, as vezes negamos “os nossos”, mas podemos aceitar sem questionar “os dos outros”, sabemos como lidar com os alheios?
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Mr. Robot (1ª Temporada)
4.5 1,0KElliot vive em uma ficção real, interna e social, sua ficção parece mais próxima a realidade do que os que vivem a “realidade”. A diferença é que os outros conseguem distrair-se com compras, redes sociais, relações superficiais e com a ideia de uma vida feliz, Elliot não, ele não perdeu seu mundo particular, seus erros, falhas e inadequações o coloca em um local de observador da sociedade.
Uma sociedade presa em um sistema financeiro poderá perceber sua condição e libertar-se? É claro que não, porque a revolução é feita por poucas pessoas e alguns computadores. A máquina e a mente que constrói ficções, as destrói também, somos sempre nós os criadores do absoluto e do relativo, mesmo que acreditemos no sagrado e no divino. Eliot e o seu computador representam a anomalia resultante dos “produtos” do capital, uma ferramenta sem encaixe “feita” para desconsertar.
Peles
3.4 590 Assista AgoraÉ o corpo que nos liberta e aprisiona, Casanova nos mostra a deformação, o feio, o monstruoso, os excessos e a rejeição as formas humanas. A pele é o que tocamos, não acariciamos o amor, nem o desejo, acariciamos a pele. A pele é a que machucamos, não cortamos o ódio, não chutamos o asco, ferimos a pele. Ela é o tecido de contato com o mundo que mascara as imperfeições, será permitido ser monstruoso, mas não parecer monstruoso?
Não escolhemos nossa pele, quais consequências isso nos traz? Talvez ser mais ou menos vistos, ser mais ou menos tocados, ser mais ou menos machucados. É por meio da pele que sentimos prazer, é ela que nos apresenta ao mundo, a pele mostra nosso destino. Nos libertando e nos condenando. Nossas ações de transformações são diretamente na pele, pois ela é a máscara real de um interior que não pode ser visto.
Heli
3.5 61É com crueza que vemos Heli sofrer a violência, provocada pelas drogas/capital, tanto praticada pelo estado quanto por traficantes. O que vemos é um México, muito parecido com o Brasil e outros países, em que o comércio das drogas é um nicho de mercado em que o estado e traficantes competem por seu controle.
Heli está em uma esfera de não-vida, ele se quer está próximo de alcançar algum tipo de “proteção” do estado. Existem diversos utilitários de modelagem e direcionamento de vontades das pessoas, as drogas representam um desses utilitários, ter o controle deles significa ter poder, por isso é um mercado tão disputado entre o estado empreendedor e os traficantes.
Quem se importa com a vida de Estela? Nos parece que apenas Heli, e quem se importa com a vida de Heli? Nos parece que apenas Sabrina. Esse único ou poucos que se importam, talvez sejam um breve marcador de “existência”, que talvez sejam apagados rapidamente.
A Assassina
3.3 94 Assista AgoraA fábula do pássaro azul contada pela princesa, nos mostra que o pássaro azul só cantava na presença de outro pássaro azul. Por não ter outro pássaro, quem o criava para vê-lo e ouvi-lo cantar colocou um espelho na frente dele, nesse dia o pássaro azul cantou como há muito tempo não fazia.
Essa história é contada a assassina quando chega no povoado, contado ao som da lira que a princesa há muito tempo não tocava. As vezes parece que o destino existe, que as cosias passam a estar determinadas, a assassina tem uma mestra que lhe impõe missões a cumprir. Quando podemos nos tornar pessoas melhores? Quando um outro pássaro azul surgir? A assassina com seus golpes tão letais e indestrutíveis, predestinada as suas missões, não impediu o acaso e não provocou o que pretendia. É possível romper também com o destino, pois nem sempre você precisará de um espelho para ver um outro pássaro azul.
Love
3.5 882 Assista AgoraLove são sequencias vividas, imediatas, sem direção, um fluxo impulsionada pela maravilhosa e inexplicável sensação de completude ou totalidade. Gaspar Noé nos mostra milhares de instantes que são eternos. Murphy, somos nós, loucos reféns do êxtase físico do gozo, da felicidade que é partilhar simplicidades e pequenices que só tem a grandeza de ser com aquela pessoa. Murphy, somos nós, conscientes tardios de sentimentos que só enxergamos com o tempo.
Electra, somos nós, esperançosas por alegrias eternas em uma vida finita e sem controle. Electra, somos nós, espontânea entrega a misteriosidade que alcança todas as relações humanas.
O que Gaspar Noé quer nos dizer com Love? Que o amor é fluxo dentro de experiências indeterminadas, quando acontece, nunca sabemos que está acontecendo. Ele perde-se por justamente não sabermos que está acontecendo, por nos agarrarmos a certeza instantâneas, muitas vezes, sem significado algum, ou então, que serão ressignificadas e perderão o sentido. Que o amor é evidência percebida involuntariamente, é quando cadeias de significados se formam e nos mostram a não-possibilidade de negar que ele está aí.
Um Belo Verão
3.9 115 Assista AgoraOs olhos que veem sinais, não são todos, cada ponto reunido formando um mapa de significados. Esses mesmos olhos concluem que há algo de especial, é esse o fundamento do argumento de Carole a Delphine na cena da estação do trem, mas como mostrar a alguém algo que só você naquele momento pode ver?
A conexão dos corpos nem sempre acompanha a conexão de ideias, representações e significados. A carta de Delphine depois de 5 anos é resultado de reflexão, de vivências e de coragem que só culminaram em um entendimento maior porque ela buscou entender a si.
O tempo das ações amorosas as vezes, ou quase sempre, não estão sincronizadas ao tempo dos significados que podemos dar ao amor.
Que Horas Ela Volta?
4.3 3,0K Assista AgoraA postura de sentar-se para estudar e para desenhar de Jéssica é vista com estranheza pela mãe, ela tem o hábito de passar horas nessas atividades, mas não estranha a postura dos patrões de estarem sempre sentados, sempre servidos, além de José Carlos passar bom tempo deitado dormindo. Val percebe seu "lugar” não só na casa, mas nos outros espaços da cidade.
Seu laço com Fabinho demonstra a realização da experiência de maternidade que o trabalho permitiu, uma experiência de maternidade com Fabinho, filho de Dona Bárbara, tanto que ele se sente mais próximo a Val, assim como Jéssica sente-se mais próxima a Sandra. A diferença é que os pais de Fabinho pagaram para estarem distantes.
A aprovação de Jéssica é uma revolução, que pode provocar mudanças constantes e influenciar outras pessoas, como influenciou a mãe, que se sentiu encorajada a entrar na piscina. Ela percebeu que não precisa realizar-se através dos feitos dos patrões, que não precisava vier a vida de outras pessoas, que não precisava estar naquela casa para sentir que poderia ter perspectivas.
Moonlight: Sob a Luz do Luar
4.1 2,4K Assista AgoraChiron nos faz pensar que as vezes o não expresso, pode ser mais profundo que a visibilidade do que é exposto. Talvez algo tão profundo que não tenha como mostrar, não hajam palavras, nem gestos e nem situações que se desenvolvam para algo vivido. O que vemos é o silêncio dele, um silêncio que não tem causa, pois Chiron deve negar a própria tentativa de se entender, a causa não pode haver, porque sua existência é tão sufocada que buscar sentido para suas emoções e experiências não é um caminho viável.
Chiron então implode, ele corre dos meninos, busca refúgio com Juan e Teresa, resiste à violência de Paula e Azu, recebe o afeto de Kevin. A dureza nas relações que permeiam quase todas as suas experiências contrastam-se as raras situações de carinho, talvez por isso tornou-se tão especial, algo próximo ao ‘sagrado’, o toque único foi o incrível momento em que pode existir em paz, teve causa e buscou se entender.
Aquarius
4.2 1,9K Assista AgoraJogar cartas fora ou as queimar é mais difícil do que deletar arquivos no computador ou no smartphone? Clara nos faz um convite a imergir no valor que as experiências humanas podem ter, mesmo que haja um fluxo que nos impulsione a deixar de lado algumas memórias.
As memórias estão em algum lugar? Sim, dentro de todos nós junto as outras pessoas e as coisas, então não podemos apagar vivências. Por isso Clara afirma que gosta de mp3 e discos de vinil, o que ela quer nos dizer na verdade é que não precisamos descartar. Clara não resiste a ‘inovação’ no prédio em que mora por apego ao passado, pelo contrário, o prédio e tudo que há nele, inclusive ela, persistem por justamente ainda terem sentido no presente.
Boi Neon
3.6 459 Assista AgoraComo realizar os nossos sonhos? Eles podem não caber em nossa vida material, mas cabem dentro da gente, não há limites. Iremar transpõe sua condição social alimentando seu sonho, ele junta materiais que encontra por aí, constrói a partir do que tem, inventa como pode dentro de suas possibilidades, mas o que fica marcante em seu personagem é a não desistência do que ele sonha, mesmo sabendo que está muito distante de concretizá-lo e que há um mundo não a favor para sua concretização.
Iremar ultrapassa os estereótipos que lhe cercam, assim como Caca e Galega. Gabriel Mascaro parece nos mostrar com sua obra-prima, o filme Boi Neon, o quanto pode ser que alguns olhares humanos empobreceram, não a existências dos outros.
As Sufragistas
4.1 778 Assista AgoraA transformação de si levou Maud Watts ao rompimento com diversas esferas de sua vida, rupturas fundamentais para que pudesse olhar a si e ver-se em sua própria existência.
Ela se encontrava em uma condição miserável assumida dentro do que lhe foi posto como feminino, de acordo com seus recursos materiais. As ações políticas de Maud Watts levaram a uma dupla exclusão, por ser pobre sofria diversas violações e não atendimento à direitos sociais e trabalhistas, além disso por se tornar uma sufragista sua condição que já era miserável, acaba por ser colocada em uma posição mais abjeta ainda, entretanto o rompimento mesmo que não voluntário com essas estruturas, fizeram Maud Watts alcançar uma liberdade ainda maior, o que foi fundamental para perder o medo de ser revolucionária. Maud Watts não é uma heroína que “ganha” esse título por corresponder às expectativas da sociedade, ao esperado das heroínas, pelo contrário, ela ganha força por fazer o que não queriam que ela fizesse.
Julieta
3.8 529 Assista AgoraParece-me que Julieta representa aquela porção humana “que recusa ou ignora certos fatos da realidade”, seja por conveniência, covardia, medo ou negligência, talvez a maior culpa de Julieta não seja pelo homem do trem ou por Xoan, mas a culpa por não saber ou não querer cuidar de si, quando sua filha abandona-a o que antes era recusado ou ignorado torna-se impossível velar. A ausência e o silêncio da filha coloca-a frente à ausência e o silêncio de si mesma, pois sempre viveu uma vida em que se deixou levar.
Lorenzo parece-me representar aquela porção humana heroica, o que todos querem encontrar, mas o que poucos querem ser, aquela alma companheira, quase sempre presente, com uma rara capacidade de compreender o outro.
Zootopia: Essa Cidade é o Bicho
4.2 1,5K Assista AgoraJudy Hopps (uma coelha) expressa uma imagem que nos atinge com um ar de fragilidade e de fofura. Ela almeja ser algo além de suas determinações e luta para se tornar o que deseja, afinal na organização social representada no filme coelhos não são policiais, mas como a própria personagem diz ela não sabe a hora de parar, fala carregada de simbologias, Hopps na verdade quer nos dizer que não aceita sua condição, não permanecerá ‘no seu lugar’ porque tradicionalmente todos permaneceram.
Zootopia, nome que parece-me combinar zoo com utopia, mostra uma cidade com aparente harmonia entre tanta diversidade, é o lugar onde ‘você pode ser o que quiser’. Ao longo do filme vamos percebendo que Zootopia é um espaço de aspirações, realizações de sonhos, assim como de decepções e desilusões, até mesmo na cidade em que qualquer um pode ser o que quiser, há empecilhos. Judy Hopps conhece a raposa Nick Wilde, ele é tão cercado de estereótipos quanto ela, Judy que sempre lutou contra as próprias determinações impostas pela sociedade precisa aprender a lidar com a imagem construída socialmente sobre as raposas.
Finalizo essa análise com os questionamentos: até que ponto estamos dispostos e animados a superar nossa própria condição? Quando e por que chegamos a aceitar as determinações sociais que nos cercam? Todos são carregados de estereótipos, as vezes negamos “os nossos”, mas podemos aceitar sem questionar “os dos outros”, sabemos como lidar com os alheios?