Constatação primeira ao assistir a este trabalho imprescindível de Roman Polanski é de que filmes bons não precisam de nada além de um roteiro original e de um elenco que valorize esse material. É lamentável ver o cinema indo por caminhos apelativos e gratuitos. Felizmente sobreviverão artistas zelosos como Polanski, e talvez outros nasçam salvando o público conceitual da acalentadora e falsa ideia de segurança. Hoje o cinema é feito para tudo, menos para fazer a plateia pensar e tudo o que a plateia menos quer é ver seu reflexo no espelho esclarecedor de uma tela de cinema. A despeito da conduta pessoal do homem Polanski – sobre a qual eu tenho opinião formada, mas que nada tem haver com sua obra cinematográfica – a força do Polanski cineasta permanece intocada e até evoluiu, transformada em filmes que acredito serem obrigatórios, como os recentes “O Escritor Fantasma” e este “O Deus da Carnificina”, adaptação de uma obra teatral de peso da francesa Yasmina Reza, cujo texto já fora levado á Broadway em ocasiões distintas.
Trata-se de uma situação caseira, mostrada corriqueiramente na abertura do filme, quando um grupo de meninos pré-adolescentes estão reunidos em um parque do Brooklin, em Nova Iorque e dois deles começam uma discussão, que progride para empurrões e termina com um deles acertando o outro no rosto com um galho. Michael (John C. Reilly, de Chicago) e Penélope (Jodie Foster), os pais do menino que foi atingido pelo galho decidem convidar os pais do menino agressor para uma conversa sobre o ocorrido, para que se esclareça quais limites devem se impor á uma situação que encontra-se entre a violência gratuita e a imaturidade juvenil. Nos dez segundos em que esses quatro personagens aparecem juntos já se sabe que cada um tem uma opinião definida, e que todas elas colidem. Mas obviamente a educação primeira e a polidez exige que essas convenções sociais estejam sempre a frente do real motivo do encontro. Allan (Cristoph Waltz) é um advogado requisitado, cuja postura passa perto do arrogante, mas graças a envergadura do ator que o encarna, não se atém somente a essa característica, sendo ele próprio um contraste instigante para a figura composta, requintada e algo nervosa de sua esposa Nancy (Kate Winslet).
“Deus da Carnificina” têm, o que acredito ser os mais bem construídos personagens de causa e efeito que jamais encontrei em um filme. E eles são belamente compreendidos e conduzidos pelo texto repleto de sabor, justamente por que dessa situação corriqueira nascem outras nem tanto simplistas assim. Dá agressão que um dos meninos inflige ao outro surge questionamentos que inflam de vigor e murcham em veracidade. O que sobra é a desconstrução de uma civilidade imposta pela evolução natural do homem, em prol do desenvolvimento de seus impérios e um retorno á barbárie do primitivismo. A principio, a própria reunião em si acaba deixando de ter sentido e seus próprios protagonistas procuram afastar-se dela utilizando recursos repletos de falsas desculpas, e quando não acham outra saída a não ser confrontar-se dialeticamente até o corpo desses personagens apresentam uma reação física extremada: Nancy vomita compulsivamente sobre a mesinha da sala de estar de seus anfitriões e Penélope inicia um choro infantil, quando não vê seus ideais politizados serem levados em conta pelo grupo.
É drama puro, mas só se consegue rir em “Deus da Carnificina”, pois as falácias apresentadas nele são todas muito próprias do ser humano moderno. Quando se percebe que não é mais conveniente ser educado e que o melhor remédio é a verdade o que se têm é um episódio de tortura coletiva e psicológica. Estes casais nunca chegam a se edificar em seus comentários e a intensidade de seus diálogos é análoga a puerilidade que os vitima, chegando ao ponto de todos terem que se alcoolizar para suportar a saraivada indigesta de acusações, objeções e criticas que uns dirigem contra os outros, sendo que até individualmente cada casal enxerga sua própria crise. Penélope se recente de ser uma pessoa justa e modernista em contrapartida do marido medíocre na atitude e no pensamento e Nancy desgosta o marido ausente que vive para o emprego e que ao seu modo é tão simplista quanto o companheiro da outra. Curiosamente são as mulheres que inflamam a discussão, sempre trazendo à tona a busca por um culpado a ser punido. São elas que respondem pelos momentos mais intensos, em que estão expostas totalmente a brutalidade verbal de seus cônjuges, em que se percebem sozinhas na defesa de suas opiniões e principalmente de seus filhos. Penélope nunca deixa de lembrar as sequelas físicas do seu e Nancy sempre se coloca a frente de Allan para explanar que a atitude do seu não foi uma mera manifestação de violência.
“Deus da Carnificina” dura o suficiente para deixar o espectador catatônico. Primeiro por que fecha a ferida com uma finalização perfeita, passando do vergonhoso para o construtivo em um corte de cena expressivo e divertidíssimo que resume tudo quase como um truque debochado de mágica. E segundo por que deixa aqueles personagens envoltos naquela uma hora deliciosa de luta humana que afinal tão cedo não será finalizada, mas que aqui mereceu um desfecho dos melhores, que foi como uma galhada nada carinhosa na hipocrisia.
Existem referências em quantidade suficiente em “Anticristo” para torna-lo difícil de ser resumido, quanto mais criticado em seus devidos pormenores. Mas é uma tarefa que não encontra atalhos. Chegar ao seu desfecho é como se prostrar em frente á uma encruzilhada, saiu-se de um ponto de catarse e agora permanecesse em uma atitude de espera, ainda que manifestadamente aliviada, como se vê no olhar repleto de sentimento de liberdade que William Defoe transmite na cena final. Como experiência audiovisual, o filme é sensorialmente genuíno, sobretudo nos desempenhos. Já vi entregas artísticas espetaculares, como por exemplo, a de Isabelle Adjani em “Possessão”, no qual a bela atriz francesa encarna um personagem de múltiplas camadas, todas elas obscuras, sensuais e complexas. No entanto, não consegui encontrar na memória um desempenho que se equiparasse ao de Charlotte Gainsbourg em “Anticristo”.
Há fatos e fatos. Alguns fatos buscam assomar á realidade uma compreensão humana, histórica e nacional, e outros que servem para encobrir verdades. “Katyn”, do extraordinário diretor polonês Andrezj Wajda, trata de uma farsa histórica imposta com brutalidade sobre uma nação acuada no beco obscuro da Segunda Guerra. É uma produção que guarda certa beleza, mas da qual se sai modificado, justamente pela habilidade de Wajda de expor a carne ferida do orgulho polonês, coagido com selvageria a encarar uma mentira e então revestir-se de resignação por décadas. É de uma coragem sem precedentes que um diretor reconstituía um episodio tão duro e vergonhoso da história mundial sem cobrir de panos quentes seus detalhes mais sangrentos e atrozes.
Na Segunda Guerra, o território polonês se encontrava entrincheirado entre as inimigas Alemanha e União Soviética. Nessa encruzilhada geográfica, o país não tinha como recuar ou seguir adianta. Da invasão soviética em 17 de setembro de 1939, a já incisiva ocupação Alemã, os cidadãos poloneses se viam em uma situação de perplexidade e confusão. Na abertura do filme, a população de Cracóvia atravessa uma ponte na qual, do lado oposto algumas pessoas já retornam, fugindo dos russos. Essa população está indefesa, já que o exercito foi rendido e os soldados entregues aos Alemães ou dispersados, ficando, porém centenas de oficiais superiores aprisionados pelos soviéticos, com a evidente intenção de quebrar a espinha da defesa nacional polonesa e evitar uma insurreição.
A procura do marido oficial, a bela Anna (Maja Ostaszewska) o encontra em uma estação, onde estes homens aguardam uma possível transferência para território russo. Na estação, Andrezj, o marido de Anna, observa cada detalhe da situação e a anota em um pequeno caderno. No reencontro com a esposa, deixa claro seu compromisso com o dever militar, ainda que seja patente seu amor pela família. Quando o pelotão de oficiais é levado pelos soviéticos em um trem e a pequena filha de Andrezj observa na estação, gritando pelo pai nota-se tão somente o desamparo de toda a Polônia, que é atingida em igual proporção no âmbito cultural, quando suas universidades são fechadas e grande parte de seus intelectuais presos e assassinados. Wajda é tão pontual ao retratar essa desestruturação que o filme todo transpira o sentimento de impotência que se abateu sobre os homens e mulheres daquele país. Na cena humilhante em que os professores e diretores de uma instituição são levados a força pelos Alemães tem-se a sensação pungente de revolta, ao ver livres pensadores e homens criadores do progresso sendo reprimidos.
Por vezes é difícil identificar em “Katyn” quem é o poder no comando, tanto alemães quanto soviéticos parecem pertencer ao mesmo grupo que visa eliminar a identidade nacional polonesa e dessas tentativas advêm dramas que são ora amplos em escala, ora pessoais com a encenação de entrechos específicos, que seguem a história de alguns oficiais. São eles que definiram a linha sombria no episódio que dá titulo ao filme: em 1940 esses oficiais, em sua maioria cientistas ou engenheiros de profissão, foram fuzilados na floresta de Katyn e enterrados em covas comuns a mando do governo de Stalin. Quando estas covas foram descobertas passaram a ser utilizadas pelos alemães como política antissoviética e ao fim da Segunda Guerra, com a derrota da Alemanha, o mesmo massacre passou a ser propagado pelos soviéticos como atribuição do governo nazista. É essa mentira, portanto, que os poloneses são obrigados a encarnar, correndo sempre o perigo de serem também eles torturados, exilados ou mortos, caso dissessem o contrario.
Não é o caso de os fatos serem contraditórios ou imprecisos. Da descoberta das covas, ao método bolchevique de execução, até a quantidade de dados e evidências recolhidos do massacre, o destino desses prisioneiros de guerra foi tão indigno quanto precário e é um golpe terrível uma nação ter que se reerguer sob a égide da farsa. Em uma das sequencias de força, a irmã de um oficial vende parte de seu belo cabelo loiro para pagar uma lápide para o irmão assassinado em Katyn. Na pedra, está gravada parte da verdade e a moça, recusando-se a permitir que a morte de seu irmão seja tratada tão arbitrariamente é levada para interrogatório, de onde é parte para um destino incerto, mas possivelmente irreversível. O mesmo se pode dizer da cena em que o sobrinho de Anna vai se matricular na faculdade e do seu currículo consta o fato de seu pai ter sido uma vitima de Katyn. No papel está à verdade, uma verdade que os administradores do lugar pedem educadamente que ele releve para evitar problemas com os dirigentes soviéticos. Ao sair dali, o rapaz rasga um cartaz de propaganda soviética e as consequências de seu ato são retumbantes.
Andrezj Wajda é um desses diretores que recusam o cinema como palco apenas de espetáculos e seu filme é tão necessário quanto chocante, já que serve também como processo de renovação da identidade nacional de sua pátria. Wajda foi atingido de maneira muito próxima por essa tragédia, ao ter o pai entre uma das vítimas de Katyn, e a recriação que ele faz dói mesmo. Principalmente nos dez minutos finais, quando o horror daquilo tudo é mostrado pelos olhos desesperados desses homens, aprisionados e jogados em valas, para terem sua vida e consciência enterrada lado a lado, como se com isso, seus assassinos quisessem sepultar de uma vez só uma ameaça que nunca chegou a se concretizar, e talvez nem viesse a concretizar-se.
Que dificuldade para resumir “Satyricon” em uma mera resenha. Que filme terrivelmente lindo e que beleza brutal. Não são poucas cenas em que podia jurar estar sentido o cheiro e o gosto da comida aos meus olhos intragável, quando da barriga aberta violentamente de um suíno mal cozido os serviçais de Trimalquião tiram vísceras quase cruas e distribuem aos convidados já empanturrados de alimentos e bebidas. Senti-me lançado em uma espécie de hipnose lúgubre, um encantamento perturbador que me levou a pesadelos caóticos durante dias, mas não consegui ficar indiferente. Tanto que antes de terminar de assistir o filme pela primeira já sabia que o assistiria inúmeras vezes mais.
Adaptação da obra de Petrônio, o “Satyricon” de Fellini é de uma puerilidade desconcertante em cenas mágicas que funcionam como teatro de costumes da vida em estado latente de decadência. Roma oferecia prazeres que representavam sua própria involução, onde o espetáculo circense era também arena de sangue, e onde os prostíbulos eram lugares de denominação urbana, o ponto de encontro da população em geral e onde os romanos manifestavam seu apreço pela diversão barata. A verdade aterradora a respeito de “Satyricon” é que a natureza intragável dessa civilização espelha características irredutivelmente atuais também na modernidade. Nada mais presente que a violência enlatada e estilizada das produções televisivas.
Protagonizado por um jovem romano chamado Encolpio, que começa o filme lamentando a perda do amante Gitão para o amigo com quem divide a casa, o cínico e irreverente Ascilto, “Satyricon” apresenta sua tapeçaria ora bizarra, ora fascinante de personagens em cenários lúgubres, que emanam insalubridade e escuridão. Soa como um teatro grego de proporções homéricas, em que a moral é fio tênue na convivência entre os homens, e a frase de Ascilto, saindo das sombras vaporosas de uma casa de banho demonstra o quanto estes homens vivem de caminhar nessa corda bamba que é a convivência em sociedade. O expectador é obrigado a encarar a verdade constrangedora que sai da boca de Ascilto, que diz “a amizade só pode durar enquanto for conveniente” e então ver estes seres que compartilham também a Roma pelo qual somos tragados se diminuírem diante dos esquemas meio violentos do destino.
Roma está se deteriorando, e não apenas metaforicamente. Assim que perde novamente para o amigo, o amante que havia acabado de resgatar, Encolpio pensa em suicídio e é devolvido da ideia por um tremor de terra que traga o prédio em que ele vive, incluindo boa parte de seus moradores. Encolpio então encontrará um poeta e ai se verá diante de alguém que compartilha um sentimento de perda similar ao seu, mas diferente na natureza. Encolpius lamenta a perda de um amor, e o poeta a perda da sensibilidade artística, da valorização de tudo aquilo que um dia impulsionou a criatividade humana. Hoje, diz o poeta Emolpus, tira-se tudo da terra, o que se precisa para se erguer riquezas materiais e para aqueles que transbordam poder e arrogância a arte, a poética inclusive, é enxergada como frivolidade ilustrativa e termina perdendo seu valor na boca de diletantes como Trimalquião, um aristocrata que patrocina um bacanal no campo e depois um banquete em sua casa.
Trimalquião é o resumo da encruzilhada em que Roma se colocou a certa altura de sua existência. Aquela em que seus lideres estavam tão embevecidos com o entretenimento oco que seu poder desencadeava que se esqueceu de estabelecer um centro moral e qualificável para esse poder. Passou-se então de centro do mundo antigo para o centro da decadência do homem antigo, passando por erros de julgamento e derrocadas irreversíveis para o Império. Os romanos que não delimitam seu poder se tornam peças vulgares e patéticas desse centro, chegando até a atravessar o ponto que eles acreditam torna-los meros mortais, encenando o próprio velório e tirando daí conclusões também estas pueris.
A decadência também passa a se fazer na jornada com traços surreais de Encolpio, que convencido por Ascilto e um mercenário rapta uma criança hermafrodita que era tida como um deus capaz de reunir pequenas multidões para venera-lo, em busca de bênçãos e milagres. Ao fugir com a criança que tem uma saúde muito frágil, pelo deserto, o trio de ladrões terá de lidar com o triste fato de não terem aonde ir, e de verem aquele ser tão especial e frágil morrer por causa do egoísmo deles. É uma sequencia extremamente difícil e que, sem nenhum apelo dramático, consegue instaurar um amargor no expectador desavisado. A viagem de Encolpio é então, não apenas figurativa, mas real, já que os perigos que ele encara não são pequenos e todos parecem respostas para suas atitudes humanas e insensatas – e inclui-se ai o amor pelo rapaz andrógino que ele divide sexualmente com Ascilto.
Fellini parece focar especialmente nesse lado fragilíssimo do homem, ao guiar essas peripécias em uma explosão de cores e cenários que contrastam violentamente e uma cacofonia de sons que colocam qualquer humor em alerta, como os gritos polifônicos emitidos por uma multidão sedenta de sangue, ou o vento incidente que fustiga a planície desértica no qual Encolpio é obrigado a fecundar uma mulher. Deslumbrante e repleto de fábulas que cortam a narrativa para então colorir a história, “Satyricon” é uma pérola do cinema, um filme que é mordaz, mas que nunca chega a ser gratuito, que é até certo ponto romântico, mas que nunca perde de vista seu objetivo principal, que é ridicularizar a incongruência trágica do comportamento humano.
Não a nada que a imaginação não faça pelos sentidos sexuais. É possível fazer um bom filme sobre sexo sem ser explicito na abordagem deste? “A Bela da Tarde” responde essa indagação com uma belíssima direção do espanhol Luis Buñuel, que filmou essa obra antes que o cinema fosse libertado das rédeas da censura, no fim da década de 60. Esse é o primeiro filme que assisto desse cineasta, e também o primeiro com Catherine Deneuve, mas mesmo que fosse o único já valeria por toda uma vida. Que textura, que cor. E também que vigor dramático e que estilo de linguagem.
Sevérine é uma jovem esposa na Paris da década de 60, casada recentemente com Pierre, um médico importante e requisitado a quem ama, mas com a qual não consegue se conectar intimamente. A moça é carinhosa e romântica, mas quase gélida em termos físicos. O marido mostra-se pacientemente, mas evidentemente frustrado com sua relativa distancia emocional, permitindo-se no máximo um beijo na esposa antes de dormir, já que ambos dormem no mesmo quarto, mas em camas separadas.
Certo dia, Sevérine houve da boca de um amigo de Pierre, sobre um discreto e requintado prostíbulo em Paris, e queima de curiosidade e excitação, chegando até a perguntar ao marido se este frequentava tais lugares antes do casamento. Em dado momento é perceptível a luta interna que a protagonista trava, dividida entre a esterilidade segura de seu matrimonio e a atraente descoberta do sexo humilhante e perverso, que parece ser o que mais lhe convém. Essa abordagem do fetiche sexual será o fio condutor de todo o filme, até seu final indescritível.
Luis Buñuel dirigiu um marco do erotismo velado, que desperta os sentidos e nos faz deixar a mente voar por lugares densos e desbravadores. Praticamente nada é mostrado, e o pouco que se vê é a silhueta de Catherine Deneuve nua, em um dos usos mais poéticos do corpo feminino já feitos em um filme. O cineasta utilizou as maneiras mais incríveis para fotografar sua atriz principal. Uma grande atriz aliás, que com pouquíssimos gestos e já nas primeiras cenas conseguia hipnotizar o expectador.
“A Bela da Tarde” soa misógino em vários pontos de sua projeção, mas é tão sutil na demonstração dessas perversões contra a mulher, para a mulher e compartilhadas com a mulher que esquecemos quase instantaneamente que é muito fácil julgar o desejo alheio, e quase impossível controlar – ou até explicar o nosso próprio – e dentro desse esquema de sujeição percebemos o quão delicado foi o trabalho desse diretor e de sua atriz, ela própria um fetiche nacional em retratar tal sentimento humano.
A jornada da protagonista de “Transamérica” é tocante e profundamente tensa. Existe humor o suficiente no filme de Duncan Tucker para quebrar o gelo da temática do filme, que não deixa de ser delicada. Bree Daniels é um transexual em processo de transição, está prestes a fazer sua ansiada cirurgia de mudança de sexo, já passou por grande parte das fases desse difícil processo, incluindo sessões com sua psicóloga e exames psiquiátricos. Enfim, após anos de luta burocrática e financeira, a personagem conseguiu chegar ao momento chave, faltam apenas dias para o evento, quando recebe uma ligação informando de um jovem, que foi preso e deu seu endereço e numero como contato de emergência. O rapaz chamado Toby (vivido por Kevin Zegers) é na verdade fruto do passado de Bree quando ainda se vestia e agia como homem, filho de sua relação com uma amiga da faculdade.
Contrariada, mas atendendo ao pedido de sua psicóloga, Bree vai em socorro de Toby e encontra um garoto que vive de maneira caótica, mas que ainda sim possui objetivos de vida muito bem definidos, apesar de exóticos. Toby é selvagem ainda, resultado de um lar complicado e da convivência constante com o mundo das drogas e da prostituição, mas é também um rapaz doce que se propõe a embarcar numa viagem com Bree para a promessa de um futuro melhor. Esse Road movie será não apenas a trilha que levará o rapaz á compreensão de quem ele é e de sua verdadeira família, mas a estrada que transformará Bree na pessoa que ela deseja ser, ainda que o caminho seja extremamente doloroso, e angustiante por vários momentos.
Duncan Tucker imprimiu cor e muitos momentos suaves nessa trajetória, como a grata carona que os dois conseguem com o nativo sherokee interpretado pelo excelente Graham Greene, que faz as vezes de interesse romântico de Bree, sem saber que ela é um homem. A cena em que responde a insolência de Toby dizendo que “toda mulher tem seus segredos” é uma referencia ótima ao clássico “Quanto mais quente Melhor” e ao personagem travestido de Jack Lemmon. Mas o tom é pesado nos momentos em que Bree têm de retornar á sua família e as pressões que esse encontro acarreta. Essas cenas são as mais difíceis em termos dramáticos, pois todos os personagens envolvidos têm de encarar o passado e o presente e lidar com o resultado das transformações surgidas desde então.
Felicity Huffman, que interpreta Bree, recebeu uma merecida indicação ao Oscar, além de conquistar um Globo de Ouro pelo trabalho. E encarnou a confusão e a coragem de desafiar o mundo externo em prol do bem estar pessoal e da consciência, expondo-se de maneiras emocionalmente horríveis e sofrendo o dobro pela escolha que fez. É o tipo de desempenho precioso, e quem admira Felicity deve imaginar a dificuldade que a atriz deve ter tido, sendo mulher de encarnar um papel tão diverso e que exige um evidente esforço de imersão (a cena em que Bree têm de puxar a cadeira para a mãe vale pelo filme todo e resume rapidamente o sentido de tudo). Percalços a parte “Transamérica” pode ser compreendido como filme de nicho, mas deixa na memória um personagem memorável e tocante.
Há quem diga que crescer é difícil. Acredito que o mais difícil é se perceber grande, quando se já o é há tempos. A maturidade chega para alguns cedo, e para a maioria um pouco tarde, mas nesse meio tempo sempre existe um momento que configura essa transição e funciona como um espelho que reflete passado e futuro em uma só imagem. Charlize Theron, uma das melhores atrizes de nossa geração, interpreta Marvis Gary, uma mulher de 37 anos, divorciada e dona de uma carreira outrora fulgurante como ghost-writer de uma série de romances adolescentes, mas que atualmente parece não saber seu lugar no mundo. Quando o filme começa Marvis parece deslocada em sua própria vida, desconfortável até. Mas nem esse desconforto a tira de seu comodismo arrogante, já que ela considera sua vida bem melhor do que a da maioria das pessoas já que, no seu ponto de vista ela alcançou o que muitos na sua idade ainda almejam: independência, liberdade financeira e talento.
Ainda que se mostre cega para com seus defeitos e seu egoísmo extremo, Marvis sabe que sua independência possui um preço, que sua liberdade é acompanhada de uma boa dose de solidão e que seu talento está sendo posto em xeque, visto que a série que ela ajudou a escrever está sendo cancelada e ela é ainda pressionada pelo editor a finalizar o ultimo romance. Mas essa consciência de si é afogada e escondida nas profundezas de sua personalidade narcisista: ela nunca deixa a peteca cair, mesmo quando sente que não existe outra saída a não ser a humilhação. Quando é abordada, Marvis se coloca na defensiva, usa a beleza fulgurante que ainda possui para aplainar as grosserias e alfinetadas que dirige contra os outros, e vive de encontrar uma desculpa para o próprio comportamento.
Quando recebe o convite de um ex-namorado para a festa de aniversário da filha deste, que nasceu há poucos meses, Marvis quase enlouquece. Como nada do que havia planejado para si se concretizou em um todo ela decide que é hora de retornar ao básico e resgatar do passado uma das coisas boas que tinha, qual seja: o homem que agora é casado e pai de um bebê. De volta a Mercury, sua cidade natal, no interior do Minnesota, Marvis vai ter de encarar o fato de ninguém ali lhe acha tão especial, de que a intimidação que causava nas pessoas quando era a garota mais popular da escola já não funciona e que o homem que ela acredita ser o certo para ela está muito feliz com a mulher que escolheu para dividir sua vida. Marvis encara tudo isso, mas decide instantaneamente escrever sua própria realidade dos fatos, sempre visualizando sua felicidade e esquecendo das pessoas que pode machucar pelo caminho.
Chegando em Mercury, a moça encontra em um bar Matt (Oswald Patton), um ex-colega de escola, de quem não era amiga e que teve a adolescência marcada por uma brutalidade terrível. Matt é encouraçado naquele momento de sua vida e assim como Marvis, dirige certo rancor para aquelas pessoas que transbordam otimismo ou realização pessoal. Nenhum dos dois é realizado, apesar de ambos terem vidas tranquilas, e no caso de Marvis, até invejáveis. Esses personagens, que compartilham frustrações similares, mas diferentes nas suas definições irão se encontrar em certo ponto do filme, em uma cena que considero uma das mais lindas já feitas. Cada um sairá modificado, mas nem tudo se transformará. Marvis têm a personalidade que sempre a definiu, e ainda que pareça se dar conta do que fez, ainda sairá com um tantinho de indiferença pela felicidade alheia.
“Jovens Adultos” é um filme obrigatório para as pessoas que buscam uma resposta para sua vida estagnada, seja ela bem sucedida ou não. Dirigido por Jason Reitman, de “Amor sem Escalas” e “Juno”, filmes também sensacionais, a comédia têm a vantagem tremenda de contar com uma atriz que se mostra muito á vontade com o personagem principal. Arrisco até dizer que este é o melhor trabalho de Charlize Theron até aqui e não vale nem a pena mencionar a omissão das premiações com relação ao seu desempenho. Diablo Cody, a roteirista de “Juno” faz aqui outra parceria com o diretor, em um script que nada a dever ao aclamado “Juno”.
Adoro os filmes com a Audrey Tauteau. É uma atriz cool, globalizada, ultra-requintada e verossímil. Filmes de personalidade como “Amar... Não tem Preço”, “Eterno Amor” e, sobretudo “O Fabuloso Destino de Amelie Poulain” (sobre o qual escreverei em breve) dificilmente seriam tão especiais se não fossem sua presença em cena. E “Coisas Belas & Sujas”, não foge a regra. É um drama muito bem desenvolvido e dirigido, tanto que concorreu ao Oscar de Melhor Roteiro Original em 2004 – perdendo para “Encontros e Desencontros” de Sofia Coppola, pelo qual sou apaixonado.
Dirigido pelo britânico Stephen Frears, um cineasta muito competente e que é bastante econômico em suas narrativas, “Coisas Belas & Sujas” se passa em uma Londres que poucos vêem em outros filmes, mas que invariavelmente existe sim, com toda sua corrupção e obscuridade. São cozinhas de hotéis, lavanderias, fundos de bar, e pessoas que vivem transitando nesse submundo sem serem percebidas pelo resto da sociedade, são os acessórios, e como o próprio protagonista diz “somos aqueles que limpam seus quartos de hotéis, que lavam seus carros e chupam seus paus”. É uma vida ingrata e uma maneira sórdida de sobreviver, tendo que, muitas e muitas vezes, abdicar da dignidade, dos sonhos e do próprio corpo, ou parte dele.
Até onde vai o direito de ir e vir e buscar um objetivo de vida, sem que no caminho se perca tudo de bom que se têm? Os personagens aqui são estrangeiros em Londres, imigrantes que fugiram de algo ou de alguém e que estão ali ilegalmente. Okwe (Chilwetel Ejiofor) era médico na Nigéria, mas ali ele dirige taxis clandestinos de dia e trabalha na portaria de um hotel de quinta, à noite. No mesmo lugar trabalha como camareira Senay (Audrey Tauteau), uma imigrante turca que aluga seu sofá para o amigo nigeriano, apesar do receio de uma batida dos Agentes da Imigração. Os dois têm uma relação bonita, amigável e que seria bem próspera se não fosse à necessidade constante de “sobreviver”. Para pessoas que vivem de subemprego, que temem serem presas e extraditadas e voltar para um passado que não querem reviver não há tempo para se apaixonar, conviver e se relacionar com as demais.
Certa noite, ao tentar desentupir o vaso sanitário de um dos quartos do hotel, Okwe se depara com um coração humano intacto, e descobre como ele foi parar ali: o gerente do hotel é um traficante de órgãos, que logo depois de ouvir a tentativa de Okwe de comunicar o ocorrido a policia o chantageia, insistindo para que ele participe na próxima cirurgia e ganhe uma percentagem da venda do órgão. Okwe recusa, mas se vê obrigado a entrar nesse jogo sinistro quando Senay, desesperada em conseguir um passaporte, decide ela mesma doar um rim.
“Coisas Belas & Sujas” é criativo já no título, pois resume o filme em quatro palavras. A beleza das relações é mostrada em cenas de fato muito bonitas, como a despedida de Okwe e Senay no aeroporto e um almoço que eles compartilham juntos em certa ocasião. E a sujeira também aparece na pessoa de Juan, o inescrupuloso gerente do hotel. Choca bastante, mas em certo ponto percebe-se que mostrar aquilo se faz necessário.
O menino já tem idade suficiente para ir ao banheiro sozinho, mas ainda usa fraldas, as quais a mãe se vê a obrigada a trocar sempre que o garoto faz suas necessidades fisiológicas. Em um arroubo de irritação a mãe joga o menino no chão e este quebra o braço, permanecendo com uma cicatriz que sairá cara por toda uma vida. É um jogo angustiante, mas dentro dele delimita-se pela própria criança que a mãe e o pai desempenham funções diferentes e recebem tratamentos diferentes. E a mãe percebe ao longo dos anos, através de detalhes pequenos que seu filho é seu inimigo e com ele trava uma luta silenciosa e ditada pela obrigação impingida, pela culpa e acima de tudo ressentimento. Compreender que o ser que gerou trabalha contra você, em atitudes ora infantis, mas deliberadas, e mais tarde através de ações terrivelmente fatais é de uma angustia inominável. Que tragédia é acompanhar a vida de Eva Katchadourian (Tilda Swinton) e percorrer junto com ela a jornada triste que é a maternidade indesejada.
“Precisamos falar sobre o Kevin” é muito bem dirigido por uma cineasta chamada Lynne Ramsay, adaptado de um romance de Lionel Shriver. Um filme belo, que de outra maneira pode ser descrito como uma obra-prima da dor e do desespero, uma bola de tênis engatada na garganta. Possui uma edição excelente, que embaralha a narrativa, preservando a concisão dos eventos e explicando com sutileza como Eva tinha uma vida realizada pessoal e profissionalmente antes de engravidar do marido Franklin (John C Reily). Os dois se conhecem em um festival na frança, onde pessoas do mundo todo lançam-se em uma guerra de tomates e saem cobertas da cabeça aos pés de vermelho. É uma abertura sem igual em um filme que fala de um adolescente que perpetra uma chacina no colégio em que estuda.
Lynne Ramsay cuida de estudar calmamente quem é Kevin na visão de sua mãe Eva. Ainda grávida ela parece execrar a gestação, demonstrando obvio desconforto com a barriga e uma vontade de impedir o nascimento, no difícil instante do parto. Dar a luz a esse ser que sempre considerou um desvio na vida plena que possuía é para Eva algo antinatural e, portanto, doloroso em dobro. Kevin permanece um desconhecido para Eva por boa parte da infância deste, e Eva é para Kevin uma entidade enigmática, que ele jamais conseguirá entender e passa desde cedo a confrontar. Para a mãe ele é uma parede indecifrável, e Eva nunca percebe que o filho é seu exato reflexo: brilhante, audacioso e um mistério. Em meio a desafios impostos para chamar a atenção, Kevin é todo abstração e medo, e provoca sensações exatamente iguais em Eva, que é rechaçada por ele. E daí vão se dividindo os papéis quando, na hora da doença ela é o colo necessário e o pai a figura intrusa e incomoda. O conforto do útero. É igualmente tenso perceber que o massacre orquestrado pelo garoto recebeu inspiração justamente neste instante de fragilidade, quando a mãe lê para ele uma história infantil.
Kevin possui uma rebeldia silenciosa, daquelas sorrateiras e muito irritantes, sempre emanando egoísmo, gestos calculados para enervar seu interlocutor. Seu olhar transmite enfado e indiferença. Ele é indiferente aos esforços de Eva, é indiferente á irmã, e atravessa o filme encarnando um enfrentamento calado, e que só o rosto emoldurado de antipatia do soberbo Ezra Miller pode transmitir em perfeição. É um jovem que se expõem de todas as formas, mas continua não se revelando na essência. É retumbante e certeira à frase que com que ele retruca o anuncio do divorcio dos pais: “Eu sou o contexto”. “Precisamos falar sobre o Kevin” exige cuidado do expectador, pois as emoções nele apresentadas são muito discretamente vividas por seus atores e por isso mesmo ecoam por toda a estrutura do filme. Não é uma história fácil, e necessita de um tanto de concentração, mas oferece em troca um retrato embasado da relação intricada entre uma mãe e um filho.
Baseado em um livro nascido no pós onze de setembro (Extremamente Alto e Incrivelmente Perto – de Jonathan Safron Foer), este drama é dilacerante em uma dimensão quase desconhecida daqueles que não compartilharam o sentimento que decorreu dos atentados. Quando se menciona algo a respeito do onze de setembro o comentário mais pródigo acompanha uma série de acusações contra a política de retaliação americana e as verdadeiras motivações dos Estados Unidos em ingressar nas guerras que se sucederam. E claro, esquecem que o dia em si, foi de uma perplexidade única para a geração que acompanhou tudo. Verdadeiras ou não, essas afirmações, alegações, criticas ou comentários ingênuos dizem algo de fato, mas não são suficientes para se fazer entender por aqueles que perderam algo.
Oskar Schell, o protagonista de “Tão Forte e Tão Porte” perdeu seu alicerce com o mundo real, no caso seu pai Thomas, que morreu nos atentados. Oskar é o que se convém chamar de criança difícil, ou mais precisamente uma criança aborrecível, incompreendida e cansativa, pois é dinâmico, elétrico e efusivo, mas também muito retraído na maior parte do tempo. E seu pai era quem melhor sabia lidar com seus arroubos de criatividade ou seus códigos próprios. A maioria das crianças possui códigos próprios, e são receptivas quando partilham de alguém que consiga desvendar esses elementos e dividir novas descobertas. Oskar é fascinado por descobertas, e se enche de excitação quando quebra um vaso azul escondido no guarda-roupa de seu pai e ali encontra um envelope com uma chave dentro.
Quando parte em jornada para descobrir o dono da chave Oskar também ruma para a maturidade emocional e para uma tentativa de se comunicar além de seu casulo familiar – que não incluía a mãe Linda (Sandra Bullock). No seu caminho perpassam pessoas dispostas a acrescentar e acolher, mas também há quem lhe recuse ajuda. Não é nada fácil presenciar Oskar vomitando suas emoções e usando seu vocabulário vociferado com ímpeto quando a irritação e frustração crescem dentro dele e transbordam, é constrangedor e por vezes irritante.
Mas Thomas Horn, o ator que interpreta Oskar, é um ser humano todo especial e um ator nato e convém dizer que ele quase carrega o filme nas costas, se não fosse a presença de calibres como Viola Davis, Jeffrey Wright e Max Von Sydow, como o inquilino mudo por vontade própria da avó paterna de Oskar (a excelente Zoe Caldwell). E por que não dizer que Sandra Bullock deixa de ser uma atriz com ressalvas para se fazer atriz de fato. “Tão Forte e Tão Perto” Pode soar piegas para a maioria, relativamente egocêntrico para alguns, mas é verdadeiro na intenção. Não é um filme sobre o onze de setembro, mas, sobretudo sobre uma gagueira emocional que acompanha um período de perda e transição. Quarto trabalho de Stephen Daldry na direção e como em seus filmes anteriores – “Billy Eliot”,”As Horas” e “O Leitor” – é um drama repleto de buracos e imperfeito de uma forma especial
Acredito que uma das produções mais inusitadas e agradáveis que já assisti “50%” fala de doença sem ser piegas, fala de juventude e dignidade sem nunca utilizar os lugares comuns inerentes a esses temas e consegue ser ao mesmo tempo comédia e drama. Seu personagem principal é Adam (Joseph Gordon-Levitt), um jovem jornalista que descobre possuir um tipo raro de câncer na espinha e têm então de lidar com as conseqüências dessa descoberta, no campo físico, emocional, conjugal e familiar. Adam é um jovem normal e aparentemente saudável, têm um melhor amigo legal e uma namorada bonita e já é independente financeiramente. É esperado, portanto, que a noticia da doença lhe deixe tão perplexo a ponto de ele se fechar para a real proporção do que está vivendo.
A direção de Jonathan Levine é muito solidária nesse ponto, mostrando as repercussões de tal acontecimento na vida de uma pessoa de uma maneira tolerável. Logo, o filme não mostra a carnificina real de um câncer grave, apenas um pouco de suas manifestações. Adam tenta não deixar em nenhum momento a peteca cair, mas em dado momento ele se vê obrigado a encarar suas possibilidades, sobretudo quando atingido pela inexperiência de sua terapeuta Katie (Anna Kendrick), que apesar da falta de tato consegue atingi-lo em cheio com sua doçura.
Há muita coisa preciosa em “50%” e muitas delas são feitas com sutileza de detalhes. A relação de Adam com a mãe (vivida por Angélica Huston) é ilustrativa desse zelo pelos personagens: o rapaz só passa a permiti-la e sua vida quando consegue entender o conjunto da situação, já que além de ter que lidar com o fato de ter um filho com câncer ela ainda tem de cuidar de um marido com Alzheimer e que permanece alheio para a situação em grande parte da trama. O melhor amigo de Adam, Kyle (Seth Rogen) é uma figura que foge do estereotipo de amigo que estamos acostumados a ver na maioria dos filmes. Ele dá suporte para Adam, mas da sua maneira, o que geralmente não significa conselhos ou as melhores palavras para serem ditas: “Você vai ficar bem. Tem uma porção de gente famosa que enfrentou o câncer. Lance Armstrong, o cara do Dexter, estão bem. Patrick Swayze, está bem”. Vale à pena conferir “50%”, principalmente por sua leveza e por não fazer com que a doença suplante o carisma de seus personagens. Vale por Joseph Gordon-Levitt que é um dos bons atores de nossa geração e encara a tarefa de interpretar Adam de uma maneira comedida, mas ainda sim contagiante.
Por quase duas horas “Amizade Colorida” (Friends with Benefit) tenta ganhar a platéia. E por duas horas falha terrivelmente nessa tarefa. Previno até que se assista ao filme vacinado contra seus inúmeros clichês, pois eles surgem em cada cena de uma maneira gritante. Está lá a trilha sonora aconchegante que mescla pop rock com algumas pérolas indies que inclusive já apareceram em outra dezena de comédias românticas insossas, o par central vivido por atores bonitos e de personalidades (Justin Timberlake e Mila Kunis), e os coadjuvantes que apenas estão lá para colorir a paisagem (nesse caso Patrícia Clarkson e Richard Jenkins conseguem extrair um tantinho mais do que se esperaria de seus personagens). Mas ainda sim o que demole a tentativa do diretor de passar sua mensagem é o que o filme não têm como calar: sua falta de originalidade.
A estética é boa. Nova Iorque e Los Angeles servem como locações eficientes (ainda que batidas) e as cenas mais picantes são bem agradáveis e não ofendem o imaginário do publico. Mila Kunis faz varias vezes um ensaio do que seria uma boa atuação, possui instantes luminosos, mas o saldo se anula hora a hora. Justin, perdoem-me as opiniões contrarias, é um ótimo ator, e serve bem como par romântico. Aliás, o casal de atores conseguiu o que é vital para um filme do gênero: misturar de maneira homogênea suas personalidades e se encaixarem de maneira crível. A falha não está exatamente na química de ambos, mas como ela é conduzida. Só para ter uma idéia, há em “Amizade Colorida” aquilo que centenas de comédias românticas já mostraram: a disfunção familiar, as inseguranças pessoas, o personagem engraçado, o pai ou mãe descolado, o pai ou a mãe problemática, e o conselheiro. É um conjunto de fatores que altera em muito o produto final, por nele injetar a repetição de tudo que já se viu. A intenção é boa, mas como sabemos, não serve para se fazer um bom filme.
Por que não se consegue julgar um filme por si só, tendo sempre que se mencionar a versão original ou livro? Isso é coisa de gente sem opinião. Fica parecendo que a maioria prefere dizer que assistiu ao original e que ele é melhor do que o remake. Eu assiste "Deixe-me Entrar" e considero um filme bárbaro, com atores sensacionais. E um filme que te inspira muitos sentimentos. Que falta de conteúdo da galera. Se for pra escrever pela milésima vez que "a versão sueca deixa no chinelo a americana" é melhor nem escrever nada.
Não havia possibilidade de, em 1983, Meryl Streep não sair da cerimônia do Oscar sem sua estatueta de Melhor Atriz, e assim ocorreu. Desde então ela vem sendo... Meryl Streep, sempre imbatível e melhorada. Não há no mundo, por mais remota que seja a distancia, alguém que já não tenha batido os olhos em um de seus trabalhos; ela é uma unanimidade. “A Escolha de Sofia” foi o filme que contribuiu para sua celebridade, pois provou que ela estava acima da média das atrizes de sua época – e de qualquer época, diga-se. Com o passar dos anos já é notável seus maneirismos (e eles existem, é fato), mas tais características já foram tão absorvidas por todos nós que Streep agora é prata da casa, faz parte da mobília do coração de qualquer cinéfilo.
No drama ela interpreta Zawistowska, uma imigrante polonesa sobrevivente de Aushiwitz que busca reconstruir o que restou de sua vida nos Estados Unidos. Sofia têm um passado critico e cheio de momentos de desgraça, e só piora sua situação o fato de se envolver com um homem ambivalente e desequilibrado como Nathan (Kevin Kline), que, aliás, foi quem a resgatou da morte no momento em que ela estava mais debilitada. Nathan é ao mesmo tempo fascinante e absorvente, conseguindo tirar de Sofia o que ela tem de melhor, mas também jogá-la na mais profunda agonia. É uma relação turbulenta e praticamente intransponível para quem está olhando de fora. No caso do casal a testemunha ocular é Stingo (Peter McNicol), jovem escritor sulista que chega ao Brooklin e aluga um quarto na mesma pensão em que mora Sofia.
É Stingo que consegue arrancar de Sofia o passado que ela tanto quer esquecer, mas do qual não consegue se desvencilhar, tão entranhado ele está em sua lembrança. E as cenas em que destrincha passo a passo de sua tragédia pessoal são de uma profundidade que até hoje só vi nos olhos de Kate Winslet em “O Leitor”. Ambos os filmes tratam das conseqüências pessoais da 2ª Guerra e ambos o fazem através do desempenho de suas atrizes. Mas na comparação Meryl Streep ganha. Em “A Escolha de Sofia” ela opera transformações radicais, varia o sotaque e ganha a platéia por sua paixão incontida e pelo romance com Nathan. Digam o que quiserem, mas para mim o papel da carreira dela pode facilmente ser encontrado aqui.
Filme que marcou uma legião de apaixonados e uma obra muito lembrada hoje em dia graças sua musica tema “Slave to Love” interpreta por Bryan Ferry e uma das minhas canções favoritas – música de motel, por assim dizer – que ainda embala corações saudosos. Contudo, não é um filme que entusiasma, não é romântico e nem justifica a fama que lhe cabe. Em palavras curtas a única coisa concreta dessas semanas de amor é a beleza de Kim Basinger e o charme cafajeste de Mickey Rourke. Mas ambos não se conectam de uma maneira que convença a platéia. A única cena que realmente vale o filme é aquela em que a personagem de Kim aparece sob a chuva, sorrindo para Mickey. É uma seqüência rápida, mas a única que consegue realmente fazer o coração bater mais forte. “9/2 Semanas de Amor’ possui sim, uma intensidade sexual e uma chama ardente, mas são poucos os quadros em que o diretor Adrian Lyne os utiliza bem. Além da cena mencionada existe apenas mais uma que vale o filme todo e que está no final...
Que felicidade assistir á um filme como “Amor a Toda Prova”. E aqui vai um conselho: se estiver mal com algo que esteja lhe acontecendo, assista a esse filme, não existe antídoto melhor para tristeza e solidão. É um filme tão único e especial que não tenho muitas palavras para descrever as emoções que ele desperta. É uma das poucas comédias que retrata com humanidade e muita sensibilidade as dores do amor e da frustração. Seus personagens são concretos, pungentes e muito parecidos com todos nós.
“Eu quero comprar a felicidade e não consigo”
Jacob (Ryan Gosling) é um bon vivant cuja arma principal é o charme impecável. Freqüentador de um bar, Jacob parte em ajuda de Carl (Steve Carell), um homem muito boa praça que acaba de separar-se da esposa Emily (Julianne Moore) e precisa recuperar a auto-estima perdida com o divorcio. Jacob irá ajudá-lo na tarefa de reformular a própria imagem – fator este que o ajuda muito a principio, mas que não consegue afastar dele a saudade de Emily e dos filhos.
É grandiosa em beleza a cena em que Emily liga para Carl fingindo estar no porão com o aquecedor quebrado, quando na verdade só havia telefonado para ouvir a voz dele. É de quebrar o coração de qualquer ser humano que já amou e teve que lidar com uma separação. E vale ressaltar que apenas atores superlativos como Julianne Moore e Steve Carell poderiam transmitir a angustia de se estar longe de quem se gosta. “Amor a Toda Prova” possui uma trama amarrada e ótimas tiradas, que nunca apelam para a vulgaridade – algo muito raro nas comédias atuais, e ainda trás um elenco que trabalha em conjunto.
Emma Stone continua aquele doce de atriz e Ryan Gosling permanece a melhor opção para papéis de galã romântico. Mas o achado do filme mesmo é Jonah Bobo, como Robbie, o filho de Emily e Carl que é louco de paixão pela babá de sua irmã. As cenas em que ele aparece representam as seqüências mais engraçadas de toda a produção. Imperdível.
Se tornou quase impossível para mim assistir “Cisne Negro” e não escrever sobre ele. Até porque era um dos lançamentos do ano que estava mais ansioso para ver e quando enfim consegui me dei conta do porque da minha expectativa. É um filme completamente absorvente. Muitas pessoas não irão gostar – e isso é um fato que já constatei, já que muitos de meus amigos fizeram cara feia para o drama dirigido por Darren Aronofski (diretor de “Pi”, “Réquiem para um Sonho”, “O Lutador” e ex-marido de Rachel Weisz).
Sempre gostei da história de O Lago dos Cisnes, lembro-me de ler um livrinho das minhas primas que tinha o conto. Mas a trama do filme é a captura precisa e embriagante das sombras sobre a personalidade de uma pessoa. Nina, a protagonista, é tão frágil, tão dependente e ingênua que muitas vezes sentimentos vontade de protegê-la, abraçá-la e lhe mostrar o caminho. É uma pessoa tão singela que até se teme pelo que os sonhos frustrados possam fazer com ela. Bailarina perfeccionista, mas que reprime a maturidade, dormindo em um quarto feito para uma criança, uma princesinha, Nina é tratada com um cuidado sufocante pela mãe (vivida por Barbara Hershey). Dançando no Balé de Nova Iorque, Nina sabe que já não é tão nova, sabe que as chances estão lhe escapando pelos dedos e por isso mesmo, por esse senso de desespero se apresenta nos ensaios com um grau calculadíssimo de técnica e anseio. Seu coreógrafo Thomas diz o que está evidente: de tanto Nina ser uma figura delicada ela é a escolha perfeita para o papel do Cisne Branco na produção de O Lago dos Cisnes, mas é improvável que ela consiga encarnar o avesso dessa personagem, o Cisne Negro.
É fácil se identificar com Nina. Seu esforço lembra-nos aquela vontade que temos de conquistar algo, quando tudo conspira pra que não consigamos. É maravilhosa a cena em que ela descobre ter sido escolhida para o papel que tanto almejava – o de Swan Queen – aquele em que tem que se dividir entre o Cisne Branco e o Negro, duas personalidades totalmente opostas que lutam dentro de uma única bailarina. Pressionada, empurrada e humilhada Nina tenta ir além de seus limites e aos poucos aquilo que evitou a vida toda começa a surgir: a sexualidade, a extroversão, a simpatia. Mas essa revelação cobra também um preço muito caro. Cada episódio de euforia vem acompanhado de outro de delírio na imaginação frenética de Nina.
Darren Aronofski é um diretor tão preciso na dramatização desse mergulho nas trevas que muitas vezes o expectador se sente levado para dentro daquela ilusão. Os números de balé têm um efeito inédito de levar a câmera para bem perto do dançarino. O elenco é um show, espetáculo mesmo. Desde a ponta perturbadora de Winona Ryder até o trabalho eroticamente lapidado da esfuziante Mila Kunis.
Obviamente não há como falar sobre o filme e não mencionar a interpretação de Natalie Portman, que conseqüentemente já vem carregada de todos os adjetivos possíveis: estupenda, inebriante, soberba, precisa, magistral. É, enfim, o reconhecimento de uma carreira que já vinha pedindo por reconhecimento há muito tempo, mais precisamente pela época de “Closer” e “Free Zone”. É uma atriz com maiúscula, atriz mesmo, que é capaz de despertar todo tipo de sentimento no público. E quando essa atriz, na pela dessa bailarina enfim faz vir à torna seu lado negro, na cena em que desponta como o cisne terrivelmente sensual e perigoso, perto do desfecho do filme, entendemos porque Natalie fez o raspa na maioria das premiações, levando inclusive o Oscar.
A formula é bem lógica. Relacionamentos sempre irão começar bem e , caso um dia terminem, terminarão mal, com muitos assuntos não resolvidos, magoa e decepção, geralmente de ambas as partes. Namoros, amizades e casamentos, relações fraternais entre parentes, pais e filhos se iniciam com perceptível felicidade. Alguém já viu um pai não ficar feliz e satisfeito com o nascimento de um filho? Ou um menino que acaba de trocar de escola conseguir fazer um novo amiguinho não se descobrir radiante com a nova companhia?
Mas então se intromete nessa equação algo chamado tempo, e essas pessoas – e nós mesmos – passam a mostrar características que não havíamos percebido, a fazer e dizer coisas as quais não estávamos acostumados. E a inquietação começará a aflorar em nossa mente e trazer emoções que fariam mais bem se continuassem guardadas. Passamos a dizer coisas sem pensar, a nos desesperarmos com a possibilidade de perdemos aquela pessoa tão próxima, ou pior, de querer aquela pessoa longe e não ter a coragem dizê-lo.
“Blue Valentine” toma o doloroso caminho da derrota conjugal. Daquela forma tão terrível e brutal que conhecemos bem. Cindy e Dean estão casados há cinco anos e já vivem o peso do tempo. Não há ação que se cometa que não denote em Cindy (Michelle Williams) a frustração e o desconforto com o rumo que sua vida tomou, e ela faz questão de deixar isso claro. Mas Dean (Ryan Gosling) nunca percebe que é justamente seu jeito descontraído e seu carinho para com ela que deixa Cindy tão frustrada. Ela quer ousadia da parte dele. Ele quer apenas que ela o ame.
Dirigido e escrito por Derek Cianfrance e co-roteirizado por Joey Curtis e Cami Delavigne, “Blue Valentine” é o filme mais lindo e mais terrivelmente triste que já assisti. Não tem canto de nosso coração que não seja atingido por aquela sensação de perda, de coisas que não foram ditas. Acredito que só vi uma angustia assim em “Closer – Perto Demais”. Ryan Gosling tem uma interpretação muito boa, romântica e sofrida. Já Michelle Williams se permite vários momentos de brilho com um desempenho cheio de sutilezas, hora antipático, ora sonhador e por vezes amargurado. Não é um filme com final feliz, como o escabroso título em português indica, mas não querendo tirar o mérito das produções que seguem a linha do felizes para sempre, “Blue Valentine” é de uma coragem e de um romantismo tão reais, e filmado com matizes tão sinceras, que é difícil ficar indiferente ao que ali é apresentado. E a cena final mostra, sobretudo, o que se perde quando duas almas resolvem seguir separadas no tortuoso labirinto da vida.
Imagine um lugar perdido no tempo, uma vizinhança ignorante, obscura e violentíssima, e uma família que mais dificulta do que facilita suas chances quase ínfimas de sair deste lugar esquecido. Agora pense em uma garota bonita e em plena adolescência, ser obrigada á duras penas a amadurecer para enfim sobreviver a tudo aquilo. Ao contrario do que pensa grande parte do publico, nem o cenário, nem a protagonista são tão fictícios assim. Muito menos as circunstancia e o enredo. Ele se repete ano após anos em cantos do mundo que sabemos existir, mas preferimos esquecer, ou deixar a cargo de governantes que final das contas tomam o mesmo rumo da negligencia.
Só para se ter uma idéia, a protagonista de “Inverno da Alma” têm uma única alternativa viável de esperança, que é a de ingressar no exercito americano; alternativa esta que se sempre sobra aos mais carentes de oportunidade. Contradizendo aquela capciosa afirmação de que “nós” é que fazemos nossas oportunidades, milhares de pessoas não possuem condições mínimas de ir a escola ou sequer possuem qualidade de vida e quando conseguem romper a barreira dura do comodismo e do preconceito social muitas vezes terminam como o estudante brasileiro que as vésperas de se formar na universidade foi assassinado dentro da própria casa.
Ree (a magnífica Jennifer Lawrence, que recentemente interpretou a mística em X-Men-Primeira Classe), é uma adolescente de 16 anos que mora no interior do Missouri, em uma cidade vizinha as montanhas Ozark. Seu pai, um sujeito criminoso e inconseqüente, está a tempos desaparecido e a policia vive a bater a porta da família a procura dele, que deve comparecer em breve a uma audiência de condicional ou então a casa será dada como pagamento da fiança. Ree tem uma mãe desligada da realidade, e um casal de irmãos pequenos adoráveis, mas incapazes de cuidar de si mesmos. Vive de vender lenha e ocasionalmente da caridade de alguns vizinhos em situação tão ou mais difícil que a dela. Ree sabe que têm de encontrar o pai, ou o que restou dele. Mas como e onde é o problema que mais lhe preocupa.
Ela vai primeiramente à casa do tio (John Hawkes), para logo em seguida arrepender-se de ter ido. O homem é irascível, bruto e violento e o único conselho que dá a Ree – acompanhado, obviamente de uma agressividade assustadora – é o de dar meia volta e rumar para casa, se mantendo longe dos problemas que sua curiosidade acarretaria. Mas Ree possui uma obstinação e uma força de vontade inalienável, ela sabe melhor do que ninguém que aquela é uma situação de ganhar ou ganhar, não existindo outra opção a seguir. Se o tio lhe nega ajuda, ela vai buscar ajuda sozinha e a partir disso inicia uma busca tão solitária, tão sofrível e resoluta que chega a ser admirável.
Essa busca cobrará seu preço. Um preço alto e violento, mas que a despeito da atmosfera caipira e perigosa dos habitantes daquela cidade acaba sendo compreendida no final das contas. O mais bonito em “Inverno da Alma” é que Ree, tão bonita e heróica em nenhum momento se faz de vitima ou sente-se vitima da situação, ela compreende o mundo a sua volta, apesar de repudiá-lo e magoar-se dele. É uma pessoa ainda em formação, mas com um caráter enorme, que apesar de suas limitações olha os outros de cima e sempre tenta passar aos irmãos aquela personalidade virtuosa, mesmo que nem ela saiba disso a principio. Ao final, uma frase ficou marcada em mim, na cena em que o irmão pequeno de Ree vê o vizinho esfolando um veado morto e pergunta a irmã se deveria pedir a ele um pouco da carne, ao que ela responde “nunca peça o que deveria ser oferecido”.
“Estrela Solitária” foi o primeiro contato (e único, até agora) que tive com a obra de Wim Wenders. Motivado pela presença de Sarah Polley – de quem sou fã incondicional – no elenco, fui buscar o filme na locadora e encontrei uma das melhores coisas que já assisti na vida. Escrito por Sam Shepperd, um ator que só há pouco tempo descobri, “Estrela Solitária” (ou Don’t Coming Knocking) é o retrato de uma homem em reflexão; um astro decadente de faroestes chamado Howard Spence abandona o set de filmagens de seu mais novo filme e ruma para lugar nenhum, sem saber ao certo o que quer ou para onde que ir. Dono de uma trajetória marcada pela inconstância, surtos de violência e excessos, Howard chega a sua cidade natal para reencontrar a mãe, com quem não falava há quase trinta anos.
Interpretada por Eva Marie Saint, a senhora Spence é uma força gigante da compreensão e do amor materno. Alias, em “Estrela Solitária” o que mais reconforta é o valor de suas atrizes e mais ainda de suas personagens: mulheres marcadas por perdas profundas e irreparáveis que têm, cada uma da sua maneira, de lidar com o abandono. Graças a sua capacidade de se desapegar, Howard foi deixando pelo caminho muitas sementes de magoa. Na sua mãe viúva que já vive sozinha há muitos anos; na sua ex-namorada Doreen (Jéssica Lange, ainda deslumbrante); e em Earlie, o filho que não conhecia. De todos, a única que surge motivada mais por um interesse genuíno do que por rancor é Sky (personagem de Sarah Polley que, sim, é o céu), uma jovem que acaba de perder a mãe e anda com as cinzas dela por onde quer que vá. Sky tem uma ligação com Howard que só é revelada no desfecho, mas é ela, com sua voz doce e de alcance implacável que vai inspirar Earlie a admirar o pai. Outra figura que marca uma presença hilária é o advogado da empresa que produz o filme estrelado por Howard. Percorrendo todo o caminho feito por ele, o homem alcança Howard em um momento crucial: em que este descobre, afinal, possuir um lar, um lugar para o qual retornar depois de um dia de trabalho. É nesse ponto que se pode captar a essência do trabalho de Wenders como diretor, fazendo de seu filme um olhar tocante, mas nunca trágico, de uma vida que em algum momento se perdeu, mas que agora procura retornar às raízes. É o primeiro drama que assisto que emociona por sua leveza e por uma pureza de espírito tão maiores que não apela para nenhum sensacionalismo ou vulgaridade.
Vou admitir. Com quinze minutos de exibição eu já estava convicto de que não iria acompanhar o filme até o final: ou dormiria na poltrona do cinema ou iria embora mesmo. O início é pouco próspero, constrangedor até, chegando á um ponto que, quem assiste não sabe bem dizer o que move a protagonista, por que no fim das contas nem a própria o sabe. Mas quando progride “Comer, Rezar, Amar” não apenas se torna um dos melhores filmes que você pode assistir como também, um dos melhores filmes que você pode assistir. É uma adaptação em tom de comédia romântica do best-seller autobiográfico da jornalista Elizabeth Gilbert, que em 2003 empreendeu uma jornada de auto-ajuda através de uma viagem pelo mundo.
Essa crítica vem de alguém que têm suas próprias angustias e anseios da vida, e, como a personagem verídica que Julia Roberts interpreta muito bem, sofre com a falta de equilíbrio físico e mental. Não é preciso elucidar o aspecto deplorável que o modo de vida urbano inflige ao homem e mulher modernos, sendo necessário – mas nem sempre oportuno – fugir daquela zona de conforto em que nos instalamos (família, trabalho, casamento). É o que faz Liz, que parte de Nova Iorque, deixando para trás um ex-marido magoado, um namorado triste, amigos e uma carreira de sucesso, para se aventurar durante um ano por três países com culturas totalmente diferentes. Primeiro, na Itália, ela aprenderá os prazeres do paladar, com muito vinho e macarrone, pizza e outras delicias (COMER), sendo iniciada no hilário dialeto italiano, com aqueles enfáticos e emblemáticos gestos. Aprende ainda a arte de não se preocupar, de não ser obrigada a ter sempre que fazer algo especifico e afinal, viver o momento. Aprende a ver a felicidade conjugal alheia e se sentir bem com a própria solidão.
Na Índia, terá que domar a própria paciência, abdicando do conforto físico para alcançar o conforto espiritual meditando e seguindo os mantras de uma guru hinduísta internacionalmente conhecida (REZAR). Também descobrirá, através da amizade com o texano Richard (Richard Jenkins), que não faz sentido continuar a se punir, pelas decisões difíceis que tomou para ir em busca da própria realização pessoal. Ali, em um retiro espiritual, onde Liz tem que acordar de madrugada, rezar, limpar o chão, almoçar em um lugar lotado, ela finalmente fará as pazes consigo mesma e com seu casamento falido, sem que para isso tenha que lamentar ou culpar-se pelos fracassos. As coisas que deixou continuarão sem ela, por isso ela desiste de se preocupar.
Finalmente em Bali, Indonésia, a americana completará a terceira parte desse ciclo, com a palavra AMAR ilustrando sua relação com o brasileiro Felipe (interpretado pelo espanhol Javier Bardem), também este divorciado e dono de um passado amoroso desastrado. Essa parte talvez seja a mais reprimível do filme; Javier Bardem perdeu aquele charme que tinha em “Vicky Cristina Barcelona”, e como não é bonito mesmo tudo acaba lhe faltando como par romântico de Julia Roberts. Esta ultima também têm seus tropeços – a cena em que se ajoelha na sala de sua casa, ainda em Nova Iorque, para rezar é meio embaraçosa e muito pouco crível. Mas a atriz se encontra quando chegam às cenas na Itália e na Índia. O saldo é positivo. O ganho mesmo fica por conta do turismo visual que o filme proporciona ao expectador, com boas tomadas de diversas locações nos três países.
“A Estrada” é um dos filmes mais angustiantes e tristes que já assisti. Fala de luta psicológica e esperança, e atinge o expectador direto no coração. Não é uma produção apocalíptica que segue o gênero ficção cientifica como em “Presságio” ou “Eu sou a Lenda”. É um drama, que utiliza o fator trágico do holocausto nuclear como pano de fundo para a tragédia de seus pouquíssimos personagens, na maior parte do filme são apenas pai e filho em busca de um motivo concreto para ainda continuarem vivos quando a vida em si já não existe.
A destruição impera ao redor, a atmosfera é cinzenta, as famílias que restaram cometeram suicídio coletivo e a própria esposa do personagem principal e mãe do único filho deste, interpretada por Charlize Theron, de tão devastada por aquela realidade decidiu que não queria mais viver e uma noite simplesmente saiu pela porta e rumou para a escuridão.
Adaptado do romance de Cormac McCarthy, autor também do conto que deu origem ao filme “Onde os Fracos não Têm Vez”, “A Estrada” não é um filme caloroso e tão pouco agradável. Ele nos segura pelo pescoço e nos obriga a acompanhar todos os minutos de dor que aquelas duas pessoas passam. Elas querem sobreviver. Mas por quem e para quê? Não ha mais nada ali para eles, e as raríssimas lembranças boas do passado existem apenas na memória do pai, já que o filho (vivido por Kodi Smit-McPhee, um jovem e promissor ator) já nasceu depois do cataclisma.
Não li o livro no qual o filme se baseia, mas avaliando apenas o trabalho do diretor John Hillcoat já se pode tirar algumas conclusões a respeito das intenções de McCarthy. “A Estrada” é uma jornada por uma America destruída e de horizonte longínquo e inabitado; o dinheiro não vale mais nada, as pessoas que restam vivem como animais, espreitando pelas sombras e o que resta são as lembranças. Apenas lembranças.
A cena de abertura de “Paris, Texas” é uma das mais bonitas e simbólicas que eu já vi. Nela um deserto belíssimo se descortina na frente de um homem vestido de calça e paletó, e com um boné vermelho na cabeça. Ele para e observa, possivelmente lembrando-se de quanto já andara e ainda, quanto caminho ainda lhe restava para completar uma travessia que a principio parece inominável. Uma águia pousa e o observa. O homem bebe o que lhe resta de água em seu galão e depois segue viagem, a pé. Localizado por sua família, em uma vila minúscula em uma estrada do Texas, Travis (Harry Dean Stanton) estava sumido havia quatro anos e quando seu irmão lhe encontra e o interroga sobre o acontecido Travis simplesmente olha para o horizonte, como se a resposta para aquela pergunta estivesse ali em algum lugar e ele precisasse encontrá-la para, então, esclarecer tudo. Como fica patente no evidente desconforto de seu irmão Walt (Dean Stockwell) nesse reencontro, aquele andarilho se tornou em resumo um “bicho do mato”: está magro, com a barba enorme, e também não faz esforço nenhum para se comunicar. Mas ao que tudo indica Travis não era assim, e o filme vai desenrolando lenta e calmamente a explicação para essa transformação tão radical.
Não é uma explicação simples, e vem acompanhada por uma boa dose de solidão. Travis reencontra Hunter, o filho de oito anos que abandonou ainda muito pequeno e com ele inicia uma fascinante luta de desbravamento. Hunter não o enxerga como pai, já que a única lembrança que têm de um é a presença de seu tio, mas Travis conhece muito bem as armas para conquistar a amizade e a admiração dele. Quanto retorna para esse convívio social e familiar, o insular exílio do personagem principal cai por terra e ali mesmo se descobre um homem soberbo, que apesar de não ser belo, e de não ter dinheiro algum consegue tornar plenamente crível o fato de sua ex-mulher ser uma ofensa de tão bonita. Harry Dean Stanton é um ator hipnótico, de capacidade tremenda. É profundo, charmoso e muito simples.
A certa altura do filme percebe-se que Travis aceitou retornar ao “mundo” que conhecia para acertar as contas com o passado e corrigir os erros que cometeu. Vem daí a decisão de procurar Jane, sua ex-mulher e mãe de Hunter, vivida por Nastassja Kinski. Jane é encontrada trabalhando em um clube privativo de Houston, como uma espécie de call girl. Ela fica em uma cabine dividida por uma parede e uma janela envidraçada, onde não se pode ver a pessoa que está do outro lado e onde o único elo de comunicação é um interfone.
Esse é um dos momentos mais belos que já vi em um filme. Travis começa a contar sua história, sem que Jane, no entanto, perceba até que se aproxime dos momentos em comum com o que ela viveu. A interpretação de Nastassja é o ponto máximo aqui. Com uma beleza angelical e desconcertante, ela leva sua personagem aos poucos a maturidade, depois de muitas lágrimas e uma volta terrível a lembrança daquele passado.
“Paris Texas” é um desses dramas riquíssimos. Uma história simples de pessoas simples, encontradas no momento mais crucial de suas vidas, e que se surpreendem com o que lhes acontecem. O filme tem uma trilha-sonora incisiva, com o violão sempre introduzido àquelas cenas mais marcantes.
Deus da Carnificina
3.8 1,4KConstatação primeira ao assistir a este trabalho imprescindível de Roman Polanski é de que filmes bons não precisam de nada além de um roteiro original e de um elenco que valorize esse material. É lamentável ver o cinema indo por caminhos apelativos e gratuitos. Felizmente sobreviverão artistas zelosos como Polanski, e talvez outros nasçam salvando o público conceitual da acalentadora e falsa ideia de segurança. Hoje o cinema é feito para tudo, menos para fazer a plateia pensar e tudo o que a plateia menos quer é ver seu reflexo no espelho esclarecedor de uma tela de cinema. A despeito da conduta pessoal do homem Polanski – sobre a qual eu tenho opinião formada, mas que nada tem haver com sua obra cinematográfica – a força do Polanski cineasta permanece intocada e até evoluiu, transformada em filmes que acredito serem obrigatórios, como os recentes “O Escritor Fantasma” e este “O Deus da Carnificina”, adaptação de uma obra teatral de peso da francesa Yasmina Reza, cujo texto já fora levado á Broadway em ocasiões distintas.
Trata-se de uma situação caseira, mostrada corriqueiramente na abertura do filme, quando um grupo de meninos pré-adolescentes estão reunidos em um parque do Brooklin, em Nova Iorque e dois deles começam uma discussão, que progride para empurrões e termina com um deles acertando o outro no rosto com um galho. Michael (John C. Reilly, de Chicago) e Penélope (Jodie Foster), os pais do menino que foi atingido pelo galho decidem convidar os pais do menino agressor para uma conversa sobre o ocorrido, para que se esclareça quais limites devem se impor á uma situação que encontra-se entre a violência gratuita e a imaturidade juvenil. Nos dez segundos em que esses quatro personagens aparecem juntos já se sabe que cada um tem uma opinião definida, e que todas elas colidem. Mas obviamente a educação primeira e a polidez exige que essas convenções sociais estejam sempre a frente do real motivo do encontro. Allan (Cristoph Waltz) é um advogado requisitado, cuja postura passa perto do arrogante, mas graças a envergadura do ator que o encarna, não se atém somente a essa característica, sendo ele próprio um contraste instigante para a figura composta, requintada e algo nervosa de sua esposa Nancy (Kate Winslet).
“Deus da Carnificina” têm, o que acredito ser os mais bem construídos personagens de causa e efeito que jamais encontrei em um filme. E eles são belamente compreendidos e conduzidos pelo texto repleto de sabor, justamente por que dessa situação corriqueira nascem outras nem tanto simplistas assim. Dá agressão que um dos meninos inflige ao outro surge questionamentos que inflam de vigor e murcham em veracidade. O que sobra é a desconstrução de uma civilidade imposta pela evolução natural do homem, em prol do desenvolvimento de seus impérios e um retorno á barbárie do primitivismo. A principio, a própria reunião em si acaba deixando de ter sentido e seus próprios protagonistas procuram afastar-se dela utilizando recursos repletos de falsas desculpas, e quando não acham outra saída a não ser confrontar-se dialeticamente até o corpo desses personagens apresentam uma reação física extremada: Nancy vomita compulsivamente sobre a mesinha da sala de estar de seus anfitriões e Penélope inicia um choro infantil, quando não vê seus ideais politizados serem levados em conta pelo grupo.
É drama puro, mas só se consegue rir em “Deus da Carnificina”, pois as falácias apresentadas nele são todas muito próprias do ser humano moderno. Quando se percebe que não é mais conveniente ser educado e que o melhor remédio é a verdade o que se têm é um episódio de tortura coletiva e psicológica. Estes casais nunca chegam a se edificar em seus comentários e a intensidade de seus diálogos é análoga a puerilidade que os vitima, chegando ao ponto de todos terem que se alcoolizar para suportar a saraivada indigesta de acusações, objeções e criticas que uns dirigem contra os outros, sendo que até individualmente cada casal enxerga sua própria crise. Penélope se recente de ser uma pessoa justa e modernista em contrapartida do marido medíocre na atitude e no pensamento e Nancy desgosta o marido ausente que vive para o emprego e que ao seu modo é tão simplista quanto o companheiro da outra. Curiosamente são as mulheres que inflamam a discussão, sempre trazendo à tona a busca por um culpado a ser punido. São elas que respondem pelos momentos mais intensos, em que estão expostas totalmente a brutalidade verbal de seus cônjuges, em que se percebem sozinhas na defesa de suas opiniões e principalmente de seus filhos. Penélope nunca deixa de lembrar as sequelas físicas do seu e Nancy sempre se coloca a frente de Allan para explanar que a atitude do seu não foi uma mera manifestação de violência.
“Deus da Carnificina” dura o suficiente para deixar o espectador catatônico. Primeiro por que fecha a ferida com uma finalização perfeita, passando do vergonhoso para o construtivo em um corte de cena expressivo e divertidíssimo que resume tudo quase como um truque debochado de mágica. E segundo por que deixa aqueles personagens envoltos naquela uma hora deliciosa de luta humana que afinal tão cedo não será finalizada, mas que aqui mereceu um desfecho dos melhores, que foi como uma galhada nada carinhosa na hipocrisia.
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Anticristo
3.5 2,2K Assista AgoraExistem referências em quantidade suficiente em “Anticristo” para torna-lo difícil de ser resumido, quanto mais criticado em seus devidos pormenores. Mas é uma tarefa que não encontra atalhos. Chegar ao seu desfecho é como se prostrar em frente á uma encruzilhada, saiu-se de um ponto de catarse e agora permanecesse em uma atitude de espera, ainda que manifestadamente aliviada, como se vê no olhar repleto de sentimento de liberdade que William Defoe transmite na cena final. Como experiência audiovisual, o filme é sensorialmente genuíno, sobretudo nos desempenhos. Já vi entregas artísticas espetaculares, como por exemplo, a de Isabelle Adjani em “Possessão”, no qual a bela atriz francesa encarna um personagem de múltiplas camadas, todas elas obscuras, sensuais e complexas. No entanto, não consegui encontrar na memória um desempenho que se equiparasse ao de Charlotte Gainsbourg em “Anticristo”.
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Katyn
3.8 103Há fatos e fatos. Alguns fatos buscam assomar á realidade uma compreensão humana, histórica e nacional, e outros que servem para encobrir verdades. “Katyn”, do extraordinário diretor polonês Andrezj Wajda, trata de uma farsa histórica imposta com brutalidade sobre uma nação acuada no beco obscuro da Segunda Guerra. É uma produção que guarda certa beleza, mas da qual se sai modificado, justamente pela habilidade de Wajda de expor a carne ferida do orgulho polonês, coagido com selvageria a encarar uma mentira e então revestir-se de resignação por décadas. É de uma coragem sem precedentes que um diretor reconstituía um episodio tão duro e vergonhoso da história mundial sem cobrir de panos quentes seus detalhes mais sangrentos e atrozes.
Na Segunda Guerra, o território polonês se encontrava entrincheirado entre as inimigas Alemanha e União Soviética. Nessa encruzilhada geográfica, o país não tinha como recuar ou seguir adianta. Da invasão soviética em 17 de setembro de 1939, a já incisiva ocupação Alemã, os cidadãos poloneses se viam em uma situação de perplexidade e confusão. Na abertura do filme, a população de Cracóvia atravessa uma ponte na qual, do lado oposto algumas pessoas já retornam, fugindo dos russos. Essa população está indefesa, já que o exercito foi rendido e os soldados entregues aos Alemães ou dispersados, ficando, porém centenas de oficiais superiores aprisionados pelos soviéticos, com a evidente intenção de quebrar a espinha da defesa nacional polonesa e evitar uma insurreição.
A procura do marido oficial, a bela Anna (Maja Ostaszewska) o encontra em uma estação, onde estes homens aguardam uma possível transferência para território russo. Na estação, Andrezj, o marido de Anna, observa cada detalhe da situação e a anota em um pequeno caderno. No reencontro com a esposa, deixa claro seu compromisso com o dever militar, ainda que seja patente seu amor pela família. Quando o pelotão de oficiais é levado pelos soviéticos em um trem e a pequena filha de Andrezj observa na estação, gritando pelo pai nota-se tão somente o desamparo de toda a Polônia, que é atingida em igual proporção no âmbito cultural, quando suas universidades são fechadas e grande parte de seus intelectuais presos e assassinados. Wajda é tão pontual ao retratar essa desestruturação que o filme todo transpira o sentimento de impotência que se abateu sobre os homens e mulheres daquele país. Na cena humilhante em que os professores e diretores de uma instituição são levados a força pelos Alemães tem-se a sensação pungente de revolta, ao ver livres pensadores e homens criadores do progresso sendo reprimidos.
Por vezes é difícil identificar em “Katyn” quem é o poder no comando, tanto alemães quanto soviéticos parecem pertencer ao mesmo grupo que visa eliminar a identidade nacional polonesa e dessas tentativas advêm dramas que são ora amplos em escala, ora pessoais com a encenação de entrechos específicos, que seguem a história de alguns oficiais. São eles que definiram a linha sombria no episódio que dá titulo ao filme: em 1940 esses oficiais, em sua maioria cientistas ou engenheiros de profissão, foram fuzilados na floresta de Katyn e enterrados em covas comuns a mando do governo de Stalin. Quando estas covas foram descobertas passaram a ser utilizadas pelos alemães como política antissoviética e ao fim da Segunda Guerra, com a derrota da Alemanha, o mesmo massacre passou a ser propagado pelos soviéticos como atribuição do governo nazista. É essa mentira, portanto, que os poloneses são obrigados a encarnar, correndo sempre o perigo de serem também eles torturados, exilados ou mortos, caso dissessem o contrario.
Não é o caso de os fatos serem contraditórios ou imprecisos. Da descoberta das covas, ao método bolchevique de execução, até a quantidade de dados e evidências recolhidos do massacre, o destino desses prisioneiros de guerra foi tão indigno quanto precário e é um golpe terrível uma nação ter que se reerguer sob a égide da farsa. Em uma das sequencias de força, a irmã de um oficial vende parte de seu belo cabelo loiro para pagar uma lápide para o irmão assassinado em Katyn. Na pedra, está gravada parte da verdade e a moça, recusando-se a permitir que a morte de seu irmão seja tratada tão arbitrariamente é levada para interrogatório, de onde é parte para um destino incerto, mas possivelmente irreversível. O mesmo se pode dizer da cena em que o sobrinho de Anna vai se matricular na faculdade e do seu currículo consta o fato de seu pai ter sido uma vitima de Katyn. No papel está à verdade, uma verdade que os administradores do lugar pedem educadamente que ele releve para evitar problemas com os dirigentes soviéticos. Ao sair dali, o rapaz rasga um cartaz de propaganda soviética e as consequências de seu ato são retumbantes.
Andrezj Wajda é um desses diretores que recusam o cinema como palco apenas de espetáculos e seu filme é tão necessário quanto chocante, já que serve também como processo de renovação da identidade nacional de sua pátria. Wajda foi atingido de maneira muito próxima por essa tragédia, ao ter o pai entre uma das vítimas de Katyn, e a recriação que ele faz dói mesmo. Principalmente nos dez minutos finais, quando o horror daquilo tudo é mostrado pelos olhos desesperados desses homens, aprisionados e jogados em valas, para terem sua vida e consciência enterrada lado a lado, como se com isso, seus assassinos quisessem sepultar de uma vez só uma ameaça que nunca chegou a se concretizar, e talvez nem viesse a concretizar-se.
Satyricon de Fellini
3.8 145 Assista AgoraQue dificuldade para resumir “Satyricon” em uma mera resenha. Que filme terrivelmente lindo e que beleza brutal. Não são poucas cenas em que podia jurar estar sentido o cheiro e o gosto da comida aos meus olhos intragável, quando da barriga aberta violentamente de um suíno mal cozido os serviçais de Trimalquião tiram vísceras quase cruas e distribuem aos convidados já empanturrados de alimentos e bebidas. Senti-me lançado em uma espécie de hipnose lúgubre, um encantamento perturbador que me levou a pesadelos caóticos durante dias, mas não consegui ficar indiferente. Tanto que antes de terminar de assistir o filme pela primeira já sabia que o assistiria inúmeras vezes mais.
Adaptação da obra de Petrônio, o “Satyricon” de Fellini é de uma puerilidade desconcertante em cenas mágicas que funcionam como teatro de costumes da vida em estado latente de decadência. Roma oferecia prazeres que representavam sua própria involução, onde o espetáculo circense era também arena de sangue, e onde os prostíbulos eram lugares de denominação urbana, o ponto de encontro da população em geral e onde os romanos manifestavam seu apreço pela diversão barata. A verdade aterradora a respeito de “Satyricon” é que a natureza intragável dessa civilização espelha características irredutivelmente atuais também na modernidade. Nada mais presente que a violência enlatada e estilizada das produções televisivas.
Protagonizado por um jovem romano chamado Encolpio, que começa o filme lamentando a perda do amante Gitão para o amigo com quem divide a casa, o cínico e irreverente Ascilto, “Satyricon” apresenta sua tapeçaria ora bizarra, ora fascinante de personagens em cenários lúgubres, que emanam insalubridade e escuridão. Soa como um teatro grego de proporções homéricas, em que a moral é fio tênue na convivência entre os homens, e a frase de Ascilto, saindo das sombras vaporosas de uma casa de banho demonstra o quanto estes homens vivem de caminhar nessa corda bamba que é a convivência em sociedade. O expectador é obrigado a encarar a verdade constrangedora que sai da boca de Ascilto, que diz “a amizade só pode durar enquanto for conveniente” e então ver estes seres que compartilham também a Roma pelo qual somos tragados se diminuírem diante dos esquemas meio violentos do destino.
Roma está se deteriorando, e não apenas metaforicamente. Assim que perde novamente para o amigo, o amante que havia acabado de resgatar, Encolpio pensa em suicídio e é devolvido da ideia por um tremor de terra que traga o prédio em que ele vive, incluindo boa parte de seus moradores. Encolpio então encontrará um poeta e ai se verá diante de alguém que compartilha um sentimento de perda similar ao seu, mas diferente na natureza. Encolpius lamenta a perda de um amor, e o poeta a perda da sensibilidade artística, da valorização de tudo aquilo que um dia impulsionou a criatividade humana. Hoje, diz o poeta Emolpus, tira-se tudo da terra, o que se precisa para se erguer riquezas materiais e para aqueles que transbordam poder e arrogância a arte, a poética inclusive, é enxergada como frivolidade ilustrativa e termina perdendo seu valor na boca de diletantes como Trimalquião, um aristocrata que patrocina um bacanal no campo e depois um banquete em sua casa.
Trimalquião é o resumo da encruzilhada em que Roma se colocou a certa altura de sua existência. Aquela em que seus lideres estavam tão embevecidos com o entretenimento oco que seu poder desencadeava que se esqueceu de estabelecer um centro moral e qualificável para esse poder. Passou-se então de centro do mundo antigo para o centro da decadência do homem antigo, passando por erros de julgamento e derrocadas irreversíveis para o Império. Os romanos que não delimitam seu poder se tornam peças vulgares e patéticas desse centro, chegando até a atravessar o ponto que eles acreditam torna-los meros mortais, encenando o próprio velório e tirando daí conclusões também estas pueris.
A decadência também passa a se fazer na jornada com traços surreais de Encolpio, que convencido por Ascilto e um mercenário rapta uma criança hermafrodita que era tida como um deus capaz de reunir pequenas multidões para venera-lo, em busca de bênçãos e milagres. Ao fugir com a criança que tem uma saúde muito frágil, pelo deserto, o trio de ladrões terá de lidar com o triste fato de não terem aonde ir, e de verem aquele ser tão especial e frágil morrer por causa do egoísmo deles. É uma sequencia extremamente difícil e que, sem nenhum apelo dramático, consegue instaurar um amargor no expectador desavisado. A viagem de Encolpio é então, não apenas figurativa, mas real, já que os perigos que ele encara não são pequenos e todos parecem respostas para suas atitudes humanas e insensatas – e inclui-se ai o amor pelo rapaz andrógino que ele divide sexualmente com Ascilto.
Fellini parece focar especialmente nesse lado fragilíssimo do homem, ao guiar essas peripécias em uma explosão de cores e cenários que contrastam violentamente e uma cacofonia de sons que colocam qualquer humor em alerta, como os gritos polifônicos emitidos por uma multidão sedenta de sangue, ou o vento incidente que fustiga a planície desértica no qual Encolpio é obrigado a fecundar uma mulher. Deslumbrante e repleto de fábulas que cortam a narrativa para então colorir a história, “Satyricon” é uma pérola do cinema, um filme que é mordaz, mas que nunca chega a ser gratuito, que é até certo ponto romântico, mas que nunca perde de vista seu objetivo principal, que é ridicularizar a incongruência trágica do comportamento humano.
RESENHA EM: faelresenhas.blogspot.com.br
A Bela da Tarde
4.1 341 Assista AgoraNão a nada que a imaginação não faça pelos sentidos sexuais. É possível fazer um bom filme sobre sexo sem ser explicito na abordagem deste? “A Bela da Tarde” responde essa indagação com uma belíssima direção do espanhol Luis Buñuel, que filmou essa obra antes que o cinema fosse libertado das rédeas da censura, no fim da década de 60. Esse é o primeiro filme que assisto desse cineasta, e também o primeiro com Catherine Deneuve, mas mesmo que fosse o único já valeria por toda uma vida. Que textura, que cor. E também que vigor dramático e que estilo de linguagem.
Sevérine é uma jovem esposa na Paris da década de 60, casada recentemente com Pierre, um médico importante e requisitado a quem ama, mas com a qual não consegue se conectar intimamente. A moça é carinhosa e romântica, mas quase gélida em termos físicos. O marido mostra-se pacientemente, mas evidentemente frustrado com sua relativa distancia emocional, permitindo-se no máximo um beijo na esposa antes de dormir, já que ambos dormem no mesmo quarto, mas em camas separadas.
Certo dia, Sevérine houve da boca de um amigo de Pierre, sobre um discreto e requintado prostíbulo em Paris, e queima de curiosidade e excitação, chegando até a perguntar ao marido se este frequentava tais lugares antes do casamento. Em dado momento é perceptível a luta interna que a protagonista trava, dividida entre a esterilidade segura de seu matrimonio e a atraente descoberta do sexo humilhante e perverso, que parece ser o que mais lhe convém. Essa abordagem do fetiche sexual será o fio condutor de todo o filme, até seu final indescritível.
Luis Buñuel dirigiu um marco do erotismo velado, que desperta os sentidos e nos faz deixar a mente voar por lugares densos e desbravadores. Praticamente nada é mostrado, e o pouco que se vê é a silhueta de Catherine Deneuve nua, em um dos usos mais poéticos do corpo feminino já feitos em um filme. O cineasta utilizou as maneiras mais incríveis para fotografar sua atriz principal. Uma grande atriz aliás, que com pouquíssimos gestos e já nas primeiras cenas conseguia hipnotizar o expectador.
“A Bela da Tarde” soa misógino em vários pontos de sua projeção, mas é tão sutil na demonstração dessas perversões contra a mulher, para a mulher e compartilhadas com a mulher que esquecemos quase instantaneamente que é muito fácil julgar o desejo alheio, e quase impossível controlar – ou até explicar o nosso próprio – e dentro desse esquema de sujeição percebemos o quão delicado foi o trabalho desse diretor e de sua atriz, ela própria um fetiche nacional em retratar tal sentimento humano.
resenha: huanrafael.blogspot.com.br
Transamerica
4.1 746 Assista AgoraA jornada da protagonista de “Transamérica” é tocante e profundamente tensa. Existe humor o suficiente no filme de Duncan Tucker para quebrar o gelo da temática do filme, que não deixa de ser delicada. Bree Daniels é um transexual em processo de transição, está prestes a fazer sua ansiada cirurgia de mudança de sexo, já passou por grande parte das fases desse difícil processo, incluindo sessões com sua psicóloga e exames psiquiátricos. Enfim, após anos de luta burocrática e financeira, a personagem conseguiu chegar ao momento chave, faltam apenas dias para o evento, quando recebe uma ligação informando de um jovem, que foi preso e deu seu endereço e numero como contato de emergência. O rapaz chamado Toby (vivido por Kevin Zegers) é na verdade fruto do passado de Bree quando ainda se vestia e agia como homem, filho de sua relação com uma amiga da faculdade.
Contrariada, mas atendendo ao pedido de sua psicóloga, Bree vai em socorro de Toby e encontra um garoto que vive de maneira caótica, mas que ainda sim possui objetivos de vida muito bem definidos, apesar de exóticos. Toby é selvagem ainda, resultado de um lar complicado e da convivência constante com o mundo das drogas e da prostituição, mas é também um rapaz doce que se propõe a embarcar numa viagem com Bree para a promessa de um futuro melhor. Esse Road movie será não apenas a trilha que levará o rapaz á compreensão de quem ele é e de sua verdadeira família, mas a estrada que transformará Bree na pessoa que ela deseja ser, ainda que o caminho seja extremamente doloroso, e angustiante por vários momentos.
Duncan Tucker imprimiu cor e muitos momentos suaves nessa trajetória, como a grata carona que os dois conseguem com o nativo sherokee interpretado pelo excelente Graham Greene, que faz as vezes de interesse romântico de Bree, sem saber que ela é um homem. A cena em que responde a insolência de Toby dizendo que “toda mulher tem seus segredos” é uma referencia ótima ao clássico “Quanto mais quente Melhor” e ao personagem travestido de Jack Lemmon. Mas o tom é pesado nos momentos em que Bree têm de retornar á sua família e as pressões que esse encontro acarreta. Essas cenas são as mais difíceis em termos dramáticos, pois todos os personagens envolvidos têm de encarar o passado e o presente e lidar com o resultado das transformações surgidas desde então.
Felicity Huffman, que interpreta Bree, recebeu uma merecida indicação ao Oscar, além de conquistar um Globo de Ouro pelo trabalho. E encarnou a confusão e a coragem de desafiar o mundo externo em prol do bem estar pessoal e da consciência, expondo-se de maneiras emocionalmente horríveis e sofrendo o dobro pela escolha que fez. É o tipo de desempenho precioso, e quem admira Felicity deve imaginar a dificuldade que a atriz deve ter tido, sendo mulher de encarnar um papel tão diverso e que exige um evidente esforço de imersão (a cena em que Bree têm de puxar a cadeira para a mãe vale pelo filme todo e resume rapidamente o sentido de tudo). Percalços a parte “Transamérica” pode ser compreendido como filme de nicho, mas deixa na memória um personagem memorável e tocante.
resenha: huanrafael.blogspot.com.br
Jovens Adultos
3.0 874 Assista AgoraHá quem diga que crescer é difícil. Acredito que o mais difícil é se perceber grande, quando se já o é há tempos. A maturidade chega para alguns cedo, e para a maioria um pouco tarde, mas nesse meio tempo sempre existe um momento que configura essa transição e funciona como um espelho que reflete passado e futuro em uma só imagem. Charlize Theron, uma das melhores atrizes de nossa geração, interpreta Marvis Gary, uma mulher de 37 anos, divorciada e dona de uma carreira outrora fulgurante como ghost-writer de uma série de romances adolescentes, mas que atualmente parece não saber seu lugar no mundo. Quando o filme começa Marvis parece deslocada em sua própria vida, desconfortável até. Mas nem esse desconforto a tira de seu comodismo arrogante, já que ela considera sua vida bem melhor do que a da maioria das pessoas já que, no seu ponto de vista ela alcançou o que muitos na sua idade ainda almejam: independência, liberdade financeira e talento.
Ainda que se mostre cega para com seus defeitos e seu egoísmo extremo, Marvis sabe que sua independência possui um preço, que sua liberdade é acompanhada de uma boa dose de solidão e que seu talento está sendo posto em xeque, visto que a série que ela ajudou a escrever está sendo cancelada e ela é ainda pressionada pelo editor a finalizar o ultimo romance. Mas essa consciência de si é afogada e escondida nas profundezas de sua personalidade narcisista: ela nunca deixa a peteca cair, mesmo quando sente que não existe outra saída a não ser a humilhação. Quando é abordada, Marvis se coloca na defensiva, usa a beleza fulgurante que ainda possui para aplainar as grosserias e alfinetadas que dirige contra os outros, e vive de encontrar uma desculpa para o próprio comportamento.
Quando recebe o convite de um ex-namorado para a festa de aniversário da filha deste, que nasceu há poucos meses, Marvis quase enlouquece. Como nada do que havia planejado para si se concretizou em um todo ela decide que é hora de retornar ao básico e resgatar do passado uma das coisas boas que tinha, qual seja: o homem que agora é casado e pai de um bebê. De volta a Mercury, sua cidade natal, no interior do Minnesota, Marvis vai ter de encarar o fato de ninguém ali lhe acha tão especial, de que a intimidação que causava nas pessoas quando era a garota mais popular da escola já não funciona e que o homem que ela acredita ser o certo para ela está muito feliz com a mulher que escolheu para dividir sua vida. Marvis encara tudo isso, mas decide instantaneamente escrever sua própria realidade dos fatos, sempre visualizando sua felicidade e esquecendo das pessoas que pode machucar pelo caminho.
Chegando em Mercury, a moça encontra em um bar Matt (Oswald Patton), um ex-colega de escola, de quem não era amiga e que teve a adolescência marcada por uma brutalidade terrível. Matt é encouraçado naquele momento de sua vida e assim como Marvis, dirige certo rancor para aquelas pessoas que transbordam otimismo ou realização pessoal. Nenhum dos dois é realizado, apesar de ambos terem vidas tranquilas, e no caso de Marvis, até invejáveis. Esses personagens, que compartilham frustrações similares, mas diferentes nas suas definições irão se encontrar em certo ponto do filme, em uma cena que considero uma das mais lindas já feitas. Cada um sairá modificado, mas nem tudo se transformará. Marvis têm a personalidade que sempre a definiu, e ainda que pareça se dar conta do que fez, ainda sairá com um tantinho de indiferença pela felicidade alheia.
“Jovens Adultos” é um filme obrigatório para as pessoas que buscam uma resposta para sua vida estagnada, seja ela bem sucedida ou não. Dirigido por Jason Reitman, de “Amor sem Escalas” e “Juno”, filmes também sensacionais, a comédia têm a vantagem tremenda de contar com uma atriz que se mostra muito á vontade com o personagem principal. Arrisco até dizer que este é o melhor trabalho de Charlize Theron até aqui e não vale nem a pena mencionar a omissão das premiações com relação ao seu desempenho. Diablo Cody, a roteirista de “Juno” faz aqui outra parceria com o diretor, em um script que nada a dever ao aclamado “Juno”.
resenha: huanrafael,blogspot.com.br
Coisas Belas e Sujas
3.8 245 Assista AgoraAdoro os filmes com a Audrey Tauteau. É uma atriz cool, globalizada, ultra-requintada e verossímil. Filmes de personalidade como “Amar... Não tem Preço”, “Eterno Amor” e, sobretudo “O Fabuloso Destino de Amelie Poulain” (sobre o qual escreverei em breve) dificilmente seriam tão especiais se não fossem sua presença em cena. E “Coisas Belas & Sujas”, não foge a regra. É um drama muito bem desenvolvido e dirigido, tanto que concorreu ao Oscar de Melhor Roteiro Original em 2004 – perdendo para “Encontros e Desencontros” de Sofia Coppola, pelo qual sou apaixonado.
Dirigido pelo britânico Stephen Frears, um cineasta muito competente e que é bastante econômico em suas narrativas, “Coisas Belas & Sujas” se passa em uma Londres que poucos vêem em outros filmes, mas que invariavelmente existe sim, com toda sua corrupção e obscuridade. São cozinhas de hotéis, lavanderias, fundos de bar, e pessoas que vivem transitando nesse submundo sem serem percebidas pelo resto da sociedade, são os acessórios, e como o próprio protagonista diz “somos aqueles que limpam seus quartos de hotéis, que lavam seus carros e chupam seus paus”. É uma vida ingrata e uma maneira sórdida de sobreviver, tendo que, muitas e muitas vezes, abdicar da dignidade, dos sonhos e do próprio corpo, ou parte dele.
Até onde vai o direito de ir e vir e buscar um objetivo de vida, sem que no caminho se perca tudo de bom que se têm? Os personagens aqui são estrangeiros em Londres, imigrantes que fugiram de algo ou de alguém e que estão ali ilegalmente. Okwe (Chilwetel Ejiofor) era médico na Nigéria, mas ali ele dirige taxis clandestinos de dia e trabalha na portaria de um hotel de quinta, à noite. No mesmo lugar trabalha como camareira Senay (Audrey Tauteau), uma imigrante turca que aluga seu sofá para o amigo nigeriano, apesar do receio de uma batida dos Agentes da Imigração. Os dois têm uma relação bonita, amigável e que seria bem próspera se não fosse à necessidade constante de “sobreviver”. Para pessoas que vivem de subemprego, que temem serem presas e extraditadas e voltar para um passado que não querem reviver não há tempo para se apaixonar, conviver e se relacionar com as demais.
Certa noite, ao tentar desentupir o vaso sanitário de um dos quartos do hotel, Okwe se depara com um coração humano intacto, e descobre como ele foi parar ali: o gerente do hotel é um traficante de órgãos, que logo depois de ouvir a tentativa de Okwe de comunicar o ocorrido a policia o chantageia, insistindo para que ele participe na próxima cirurgia e ganhe uma percentagem da venda do órgão. Okwe recusa, mas se vê obrigado a entrar nesse jogo sinistro quando Senay, desesperada em conseguir um passaporte, decide ela mesma doar um rim.
“Coisas Belas & Sujas” é criativo já no título, pois resume o filme em quatro palavras. A beleza das relações é mostrada em cenas de fato muito bonitas, como a despedida de Okwe e Senay no aeroporto e um almoço que eles compartilham juntos em certa ocasião. E a sujeira também aparece na pessoa de Juan, o inescrupuloso gerente do hotel. Choca bastante, mas em certo ponto percebe-se que mostrar aquilo se faz necessário.
resenha: huanrafael.blogspot.om
Precisamos Falar Sobre o Kevin
4.1 4,2K Assista AgoraO menino já tem idade suficiente para ir ao banheiro sozinho, mas ainda usa fraldas, as quais a mãe se vê a obrigada a trocar sempre que o garoto faz suas necessidades fisiológicas. Em um arroubo de irritação a mãe joga o menino no chão e este quebra o braço, permanecendo com uma cicatriz que sairá cara por toda uma vida. É um jogo angustiante, mas dentro dele delimita-se pela própria criança que a mãe e o pai desempenham funções diferentes e recebem tratamentos diferentes. E a mãe percebe ao longo dos anos, através de detalhes pequenos que seu filho é seu inimigo e com ele trava uma luta silenciosa e ditada pela obrigação impingida, pela culpa e acima de tudo ressentimento. Compreender que o ser que gerou trabalha contra você, em atitudes ora infantis, mas deliberadas, e mais tarde através de ações terrivelmente fatais é de uma angustia inominável. Que tragédia é acompanhar a vida de Eva Katchadourian (Tilda Swinton) e percorrer junto com ela a jornada triste que é a maternidade indesejada.
“Precisamos falar sobre o Kevin” é muito bem dirigido por uma cineasta chamada Lynne Ramsay, adaptado de um romance de Lionel Shriver. Um filme belo, que de outra maneira pode ser descrito como uma obra-prima da dor e do desespero, uma bola de tênis engatada na garganta. Possui uma edição excelente, que embaralha a narrativa, preservando a concisão dos eventos e explicando com sutileza como Eva tinha uma vida realizada pessoal e profissionalmente antes de engravidar do marido Franklin (John C Reily). Os dois se conhecem em um festival na frança, onde pessoas do mundo todo lançam-se em uma guerra de tomates e saem cobertas da cabeça aos pés de vermelho. É uma abertura sem igual em um filme que fala de um adolescente que perpetra uma chacina no colégio em que estuda.
Lynne Ramsay cuida de estudar calmamente quem é Kevin na visão de sua mãe Eva. Ainda grávida ela parece execrar a gestação, demonstrando obvio desconforto com a barriga e uma vontade de impedir o nascimento, no difícil instante do parto. Dar a luz a esse ser que sempre considerou um desvio na vida plena que possuía é para Eva algo antinatural e, portanto, doloroso em dobro. Kevin permanece um desconhecido para Eva por boa parte da infância deste, e Eva é para Kevin uma entidade enigmática, que ele jamais conseguirá entender e passa desde cedo a confrontar. Para a mãe ele é uma parede indecifrável, e Eva nunca percebe que o filho é seu exato reflexo: brilhante, audacioso e um mistério. Em meio a desafios impostos para chamar a atenção, Kevin é todo abstração e medo, e provoca sensações exatamente iguais em Eva, que é rechaçada por ele. E daí vão se dividindo os papéis quando, na hora da doença ela é o colo necessário e o pai a figura intrusa e incomoda. O conforto do útero. É igualmente tenso perceber que o massacre orquestrado pelo garoto recebeu inspiração justamente neste instante de fragilidade, quando a mãe lê para ele uma história infantil.
Kevin possui uma rebeldia silenciosa, daquelas sorrateiras e muito irritantes, sempre emanando egoísmo, gestos calculados para enervar seu interlocutor. Seu olhar transmite enfado e indiferença. Ele é indiferente aos esforços de Eva, é indiferente á irmã, e atravessa o filme encarnando um enfrentamento calado, e que só o rosto emoldurado de antipatia do soberbo Ezra Miller pode transmitir em perfeição. É um jovem que se expõem de todas as formas, mas continua não se revelando na essência. É retumbante e certeira à frase que com que ele retruca o anuncio do divorcio dos pais: “Eu sou o contexto”. “Precisamos falar sobre o Kevin” exige cuidado do expectador, pois as emoções nele apresentadas são muito discretamente vividas por seus atores e por isso mesmo ecoam por toda a estrutura do filme. Não é uma história fácil, e necessita de um tanto de concentração, mas oferece em troca um retrato embasado da relação intricada entre uma mãe e um filho.
Tão Forte e Tão Perto
4.0 2,0K Assista AgoraBaseado em um livro nascido no pós onze de setembro (Extremamente Alto e Incrivelmente Perto – de Jonathan Safron Foer), este drama é dilacerante em uma dimensão quase desconhecida daqueles que não compartilharam o sentimento que decorreu dos atentados. Quando se menciona algo a respeito do onze de setembro o comentário mais pródigo acompanha uma série de acusações contra a política de retaliação americana e as verdadeiras motivações dos Estados Unidos em ingressar nas guerras que se sucederam. E claro, esquecem que o dia em si, foi de uma perplexidade única para a geração que acompanhou tudo. Verdadeiras ou não, essas afirmações, alegações, criticas ou comentários ingênuos dizem algo de fato, mas não são suficientes para se fazer entender por aqueles que perderam algo.
Oskar Schell, o protagonista de “Tão Forte e Tão Porte” perdeu seu alicerce com o mundo real, no caso seu pai Thomas, que morreu nos atentados. Oskar é o que se convém chamar de criança difícil, ou mais precisamente uma criança aborrecível, incompreendida e cansativa, pois é dinâmico, elétrico e efusivo, mas também muito retraído na maior parte do tempo. E seu pai era quem melhor sabia lidar com seus arroubos de criatividade ou seus códigos próprios. A maioria das crianças possui códigos próprios, e são receptivas quando partilham de alguém que consiga desvendar esses elementos e dividir novas descobertas. Oskar é fascinado por descobertas, e se enche de excitação quando quebra um vaso azul escondido no guarda-roupa de seu pai e ali encontra um envelope com uma chave dentro.
Quando parte em jornada para descobrir o dono da chave Oskar também ruma para a maturidade emocional e para uma tentativa de se comunicar além de seu casulo familiar – que não incluía a mãe Linda (Sandra Bullock). No seu caminho perpassam pessoas dispostas a acrescentar e acolher, mas também há quem lhe recuse ajuda. Não é nada fácil presenciar Oskar vomitando suas emoções e usando seu vocabulário vociferado com ímpeto quando a irritação e frustração crescem dentro dele e transbordam, é constrangedor e por vezes irritante.
Mas Thomas Horn, o ator que interpreta Oskar, é um ser humano todo especial e um ator nato e convém dizer que ele quase carrega o filme nas costas, se não fosse a presença de calibres como Viola Davis, Jeffrey Wright e Max Von Sydow, como o inquilino mudo por vontade própria da avó paterna de Oskar (a excelente Zoe Caldwell). E por que não dizer que Sandra Bullock deixa de ser uma atriz com ressalvas para se fazer atriz de fato. “Tão Forte e Tão Perto” Pode soar piegas para a maioria, relativamente egocêntrico para alguns, mas é verdadeiro na intenção. Não é um filme sobre o onze de setembro, mas, sobretudo sobre uma gagueira emocional que acompanha um período de perda e transição. Quarto trabalho de Stephen Daldry na direção e como em seus filmes anteriores – “Billy Eliot”,”As Horas” e “O Leitor” – é um drama repleto de buracos e imperfeito de uma forma especial
50%
3.9 2,2K Assista AgoraAcredito que uma das produções mais inusitadas e agradáveis que já assisti “50%” fala de doença sem ser piegas, fala de juventude e dignidade sem nunca utilizar os lugares comuns inerentes a esses temas e consegue ser ao mesmo tempo comédia e drama. Seu personagem principal é Adam (Joseph Gordon-Levitt), um jovem jornalista que descobre possuir um tipo raro de câncer na espinha e têm então de lidar com as conseqüências dessa descoberta, no campo físico, emocional, conjugal e familiar. Adam é um jovem normal e aparentemente saudável, têm um melhor amigo legal e uma namorada bonita e já é independente financeiramente. É esperado, portanto, que a noticia da doença lhe deixe tão perplexo a ponto de ele se fechar para a real proporção do que está vivendo.
A direção de Jonathan Levine é muito solidária nesse ponto, mostrando as repercussões de tal acontecimento na vida de uma pessoa de uma maneira tolerável. Logo, o filme não mostra a carnificina real de um câncer grave, apenas um pouco de suas manifestações. Adam tenta não deixar em nenhum momento a peteca cair, mas em dado momento ele se vê obrigado a encarar suas possibilidades, sobretudo quando atingido pela inexperiência de sua terapeuta Katie (Anna Kendrick), que apesar da falta de tato consegue atingi-lo em cheio com sua doçura.
Há muita coisa preciosa em “50%” e muitas delas são feitas com sutileza de detalhes. A relação de Adam com a mãe (vivida por Angélica Huston) é ilustrativa desse zelo pelos personagens: o rapaz só passa a permiti-la e sua vida quando consegue entender o conjunto da situação, já que além de ter que lidar com o fato de ter um filho com câncer ela ainda tem de cuidar de um marido com Alzheimer e que permanece alheio para a situação em grande parte da trama. O melhor amigo de Adam, Kyle (Seth Rogen) é uma figura que foge do estereotipo de amigo que estamos acostumados a ver na maioria dos filmes. Ele dá suporte para Adam, mas da sua maneira, o que geralmente não significa conselhos ou as melhores palavras para serem ditas: “Você vai ficar bem. Tem uma porção de gente famosa que enfrentou o câncer. Lance Armstrong, o cara do Dexter, estão bem. Patrick Swayze, está bem”. Vale à pena conferir “50%”, principalmente por sua leveza e por não fazer com que a doença suplante o carisma de seus personagens. Vale por Joseph Gordon-Levitt que é um dos bons atores de nossa geração e encara a tarefa de interpretar Adam de uma maneira comedida, mas ainda sim contagiante.
Amizade Colorida
3.5 3,0K Assista AgoraPor quase duas horas “Amizade Colorida” (Friends with Benefit) tenta ganhar a platéia. E por duas horas falha terrivelmente nessa tarefa. Previno até que se assista ao filme vacinado contra seus inúmeros clichês, pois eles surgem em cada cena de uma maneira gritante. Está lá a trilha sonora aconchegante que mescla pop rock com algumas pérolas indies que inclusive já apareceram em outra dezena de comédias românticas insossas, o par central vivido por atores bonitos e de personalidades (Justin Timberlake e Mila Kunis), e os coadjuvantes que apenas estão lá para colorir a paisagem (nesse caso Patrícia Clarkson e Richard Jenkins conseguem extrair um tantinho mais do que se esperaria de seus personagens). Mas ainda sim o que demole a tentativa do diretor de passar sua mensagem é o que o filme não têm como calar: sua falta de originalidade.
A estética é boa. Nova Iorque e Los Angeles servem como locações eficientes (ainda que batidas) e as cenas mais picantes são bem agradáveis e não ofendem o imaginário do publico. Mila Kunis faz varias vezes um ensaio do que seria uma boa atuação, possui instantes luminosos, mas o saldo se anula hora a hora. Justin, perdoem-me as opiniões contrarias, é um ótimo ator, e serve bem como par romântico. Aliás, o casal de atores conseguiu o que é vital para um filme do gênero: misturar de maneira homogênea suas personalidades e se encaixarem de maneira crível. A falha não está exatamente na química de ambos, mas como ela é conduzida. Só para ter uma idéia, há em “Amizade Colorida” aquilo que centenas de comédias românticas já mostraram: a disfunção familiar, as inseguranças pessoas, o personagem engraçado, o pai ou mãe descolado, o pai ou a mãe problemática, e o conselheiro. É um conjunto de fatores que altera em muito o produto final, por nele injetar a repetição de tudo que já se viu. A intenção é boa, mas como sabemos, não serve para se fazer um bom filme.
Deixe-me Entrar
3.4 1,9K Assista AgoraPor que não se consegue julgar um filme por si só, tendo sempre que se mencionar a versão original ou livro? Isso é coisa de gente sem opinião. Fica parecendo que a maioria prefere dizer que assistiu ao original e que ele é melhor do que o remake. Eu assiste "Deixe-me Entrar" e considero um filme bárbaro, com atores sensacionais. E um filme que te inspira muitos sentimentos. Que falta de conteúdo da galera. Se for pra escrever pela milésima vez que "a versão sueca deixa no chinelo a americana" é melhor nem escrever nada.
A Escolha de Sofia
4.0 514 Assista AgoraNão havia possibilidade de, em 1983, Meryl Streep não sair da cerimônia do Oscar sem sua estatueta de Melhor Atriz, e assim ocorreu. Desde então ela vem sendo... Meryl Streep, sempre imbatível e melhorada. Não há no mundo, por mais remota que seja a distancia, alguém que já não tenha batido os olhos em um de seus trabalhos; ela é uma unanimidade. “A Escolha de Sofia” foi o filme que contribuiu para sua celebridade, pois provou que ela estava acima da média das atrizes de sua época – e de qualquer época, diga-se. Com o passar dos anos já é notável seus maneirismos (e eles existem, é fato), mas tais características já foram tão absorvidas por todos nós que Streep agora é prata da casa, faz parte da mobília do coração de qualquer cinéfilo.
No drama ela interpreta Zawistowska, uma imigrante polonesa sobrevivente de Aushiwitz que busca reconstruir o que restou de sua vida nos Estados Unidos. Sofia têm um passado critico e cheio de momentos de desgraça, e só piora sua situação o fato de se envolver com um homem ambivalente e desequilibrado como Nathan (Kevin Kline), que, aliás, foi quem a resgatou da morte no momento em que ela estava mais debilitada. Nathan é ao mesmo tempo fascinante e absorvente, conseguindo tirar de Sofia o que ela tem de melhor, mas também jogá-la na mais profunda agonia. É uma relação turbulenta e praticamente intransponível para quem está olhando de fora. No caso do casal a testemunha ocular é Stingo (Peter McNicol), jovem escritor sulista que chega ao Brooklin e aluga um quarto na mesma pensão em que mora Sofia.
É Stingo que consegue arrancar de Sofia o passado que ela tanto quer esquecer, mas do qual não consegue se desvencilhar, tão entranhado ele está em sua lembrança. E as cenas em que destrincha passo a passo de sua tragédia pessoal são de uma profundidade que até hoje só vi nos olhos de Kate Winslet em “O Leitor”. Ambos os filmes tratam das conseqüências pessoais da 2ª Guerra e ambos o fazem através do desempenho de suas atrizes. Mas na comparação Meryl Streep ganha. Em “A Escolha de Sofia” ela opera transformações radicais, varia o sotaque e ganha a platéia por sua paixão incontida e pelo romance com Nathan. Digam o que quiserem, mas para mim o papel da carreira dela pode facilmente ser encontrado aqui.
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9 1/2 Semanas de Amor
3.2 277 Assista Agora9/2 Semanas de Amor
Filme que marcou uma legião de apaixonados e uma obra muito lembrada hoje em dia graças sua musica tema “Slave to Love” interpreta por Bryan Ferry e uma das minhas canções favoritas – música de motel, por assim dizer – que ainda embala corações saudosos. Contudo, não é um filme que entusiasma, não é romântico e nem justifica a fama que lhe cabe. Em palavras curtas a única coisa concreta dessas semanas de amor é a beleza de Kim Basinger e o charme cafajeste de Mickey Rourke. Mas ambos não se conectam de uma maneira que convença a platéia. A única cena que realmente vale o filme é aquela em que a personagem de Kim aparece sob a chuva, sorrindo para Mickey. É uma seqüência rápida, mas a única que consegue realmente fazer o coração bater mais forte. “9/2 Semanas de Amor’ possui sim, uma intensidade sexual e uma chama ardente, mas são poucos os quadros em que o diretor Adrian Lyne os utiliza bem. Além da cena mencionada existe apenas mais uma que vale o filme todo e que está no final...
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Amor a Toda Prova
3.8 2,1K Assista AgoraQue felicidade assistir á um filme como “Amor a Toda Prova”. E aqui vai um conselho: se estiver mal com algo que esteja lhe acontecendo, assista a esse filme, não existe antídoto melhor para tristeza e solidão. É um filme tão único e especial que não tenho muitas palavras para descrever as emoções que ele desperta. É uma das poucas comédias que retrata com humanidade e muita sensibilidade as dores do amor e da frustração. Seus personagens são concretos, pungentes e muito parecidos com todos nós.
“Eu quero comprar a felicidade e não consigo”
Jacob (Ryan Gosling) é um bon vivant cuja arma principal é o charme impecável. Freqüentador de um bar, Jacob parte em ajuda de Carl (Steve Carell), um homem muito boa praça que acaba de separar-se da esposa Emily (Julianne Moore) e precisa recuperar a auto-estima perdida com o divorcio. Jacob irá ajudá-lo na tarefa de reformular a própria imagem – fator este que o ajuda muito a principio, mas que não consegue afastar dele a saudade de Emily e dos filhos.
É grandiosa em beleza a cena em que Emily liga para Carl fingindo estar no porão com o aquecedor quebrado, quando na verdade só havia telefonado para ouvir a voz dele. É de quebrar o coração de qualquer ser humano que já amou e teve que lidar com uma separação. E vale ressaltar que apenas atores superlativos como Julianne Moore e Steve Carell poderiam transmitir a angustia de se estar longe de quem se gosta.
“Amor a Toda Prova” possui uma trama amarrada e ótimas tiradas, que nunca apelam para a vulgaridade – algo muito raro nas comédias atuais, e ainda trás um elenco que trabalha em conjunto.
Emma Stone continua aquele doce de atriz e Ryan Gosling permanece a melhor opção para papéis de galã romântico. Mas o achado do filme mesmo é Jonah Bobo, como Robbie, o filho de Emily e Carl que é louco de paixão pela babá de sua irmã. As cenas em que ele aparece representam as seqüências mais engraçadas de toda a produção. Imperdível.
Carnossauro
2.3 66pastelão
Cisne Negro
4.2 7,9K Assista AgoraSe tornou quase impossível para mim assistir “Cisne Negro” e não escrever sobre ele. Até porque era um dos lançamentos do ano que estava mais ansioso para ver e quando enfim consegui me dei conta do porque da minha expectativa. É um filme completamente absorvente. Muitas pessoas não irão gostar – e isso é um fato que já constatei, já que muitos de meus amigos fizeram cara feia para o drama dirigido por Darren Aronofski (diretor de “Pi”, “Réquiem para um Sonho”, “O Lutador” e ex-marido de Rachel Weisz).
Sempre gostei da história de O Lago dos Cisnes, lembro-me de ler um livrinho das minhas primas que tinha o conto. Mas a trama do filme é a captura precisa e embriagante das sombras sobre a personalidade de uma pessoa. Nina, a protagonista, é tão frágil, tão dependente e ingênua que muitas vezes sentimentos vontade de protegê-la, abraçá-la e lhe mostrar o caminho. É uma pessoa tão singela que até se teme pelo que os sonhos frustrados possam fazer com ela. Bailarina perfeccionista, mas que reprime a maturidade, dormindo em um quarto feito para uma criança, uma princesinha, Nina é tratada com um cuidado sufocante pela mãe (vivida por Barbara Hershey). Dançando no Balé de Nova Iorque, Nina sabe que já não é tão nova, sabe que as chances estão lhe escapando pelos dedos e por isso mesmo, por esse senso de desespero se apresenta nos ensaios com um grau calculadíssimo de técnica e anseio. Seu coreógrafo Thomas diz o que está evidente: de tanto Nina ser uma figura delicada ela é a escolha perfeita para o papel do Cisne Branco na produção de O Lago dos Cisnes, mas é improvável que ela consiga encarnar o avesso dessa personagem, o Cisne Negro.
É fácil se identificar com Nina. Seu esforço lembra-nos aquela vontade que temos de conquistar algo, quando tudo conspira pra que não consigamos. É maravilhosa a cena em que ela descobre ter sido escolhida para o papel que tanto almejava – o de Swan Queen – aquele em que tem que se dividir entre o Cisne Branco e o Negro, duas personalidades totalmente opostas que lutam dentro de uma única bailarina. Pressionada, empurrada e humilhada Nina tenta ir além de seus limites e aos poucos aquilo que evitou a vida toda começa a surgir: a sexualidade, a extroversão, a simpatia. Mas essa revelação cobra também um preço muito caro. Cada episódio de euforia vem acompanhado de outro de delírio na imaginação frenética de Nina.
Darren Aronofski é um diretor tão preciso na dramatização desse mergulho nas trevas que muitas vezes o expectador se sente levado para dentro daquela ilusão. Os números de balé têm um efeito inédito de levar a câmera para bem perto do dançarino. O elenco é um show, espetáculo mesmo. Desde a ponta perturbadora de Winona Ryder até o trabalho eroticamente lapidado da esfuziante Mila Kunis.
Obviamente não há como falar sobre o filme e não mencionar a interpretação de Natalie Portman, que conseqüentemente já vem carregada de todos os adjetivos possíveis: estupenda, inebriante, soberba, precisa, magistral. É, enfim, o reconhecimento de uma carreira que já vinha pedindo por reconhecimento há muito tempo, mais precisamente pela época de “Closer” e “Free Zone”. É uma atriz com maiúscula, atriz mesmo, que é capaz de despertar todo tipo de sentimento no público. E quando essa atriz, na pela dessa bailarina enfim faz vir à torna seu lado negro, na cena em que desponta como o cisne terrivelmente sensual e perigoso, perto do desfecho do filme, entendemos porque Natalie fez o raspa na maioria das premiações, levando inclusive o Oscar.
Namorados para Sempre
3.6 2,5K Assista AgoraA formula é bem lógica. Relacionamentos sempre irão começar bem e , caso um dia terminem, terminarão mal, com muitos assuntos não resolvidos, magoa e decepção, geralmente de ambas as partes. Namoros, amizades e casamentos, relações fraternais entre parentes, pais e filhos se iniciam com perceptível felicidade. Alguém já viu um pai não ficar feliz e satisfeito com o nascimento de um filho? Ou um menino que acaba de trocar de escola conseguir fazer um novo amiguinho não se descobrir radiante com a nova companhia?
Mas então se intromete nessa equação algo chamado tempo, e essas pessoas – e nós mesmos – passam a mostrar características que não havíamos percebido, a fazer e dizer coisas as quais não estávamos acostumados. E a inquietação começará a aflorar em nossa mente e trazer emoções que fariam mais bem se continuassem guardadas. Passamos a dizer coisas sem pensar, a nos desesperarmos com a possibilidade de perdemos aquela pessoa tão próxima, ou pior, de querer aquela pessoa longe e não ter a coragem dizê-lo.
“Blue Valentine” toma o doloroso caminho da derrota conjugal. Daquela forma tão terrível e brutal que conhecemos bem. Cindy e Dean estão casados há cinco anos e já vivem o peso do tempo. Não há ação que se cometa que não denote em Cindy (Michelle Williams) a frustração e o desconforto com o rumo que sua vida tomou, e ela faz questão de deixar isso claro. Mas Dean (Ryan Gosling) nunca percebe que é justamente seu jeito descontraído e seu carinho para com ela que deixa Cindy tão frustrada. Ela quer ousadia da parte dele. Ele quer apenas que ela o ame.
Dirigido e escrito por Derek Cianfrance e co-roteirizado por Joey Curtis e Cami Delavigne, “Blue Valentine” é o filme mais lindo e mais terrivelmente triste que já assisti. Não tem canto de nosso coração que não seja atingido por aquela sensação de perda, de coisas que não foram ditas. Acredito que só vi uma angustia assim em “Closer – Perto Demais”. Ryan Gosling tem uma interpretação muito boa, romântica e sofrida. Já Michelle Williams se permite vários momentos de brilho com um desempenho cheio de sutilezas, hora antipático, ora sonhador e por vezes amargurado. Não é um filme com final feliz, como o escabroso título em português indica, mas não querendo tirar o mérito das produções que seguem a linha do felizes para sempre, “Blue Valentine” é de uma coragem e de um romantismo tão reais, e filmado com matizes tão sinceras, que é difícil ficar indiferente ao que ali é apresentado. E a cena final mostra, sobretudo, o que se perde quando duas almas resolvem seguir separadas no tortuoso labirinto da vida.
Inverno da Alma
3.5 938Imagine um lugar perdido no tempo, uma vizinhança ignorante, obscura e violentíssima, e uma família que mais dificulta do que facilita suas chances quase ínfimas de sair deste lugar esquecido. Agora pense em uma garota bonita e em plena adolescência, ser obrigada á duras penas a amadurecer para enfim sobreviver a tudo aquilo. Ao contrario do que pensa grande parte do publico, nem o cenário, nem a protagonista são tão fictícios assim. Muito menos as circunstancia e o enredo. Ele se repete ano após anos em cantos do mundo que sabemos existir, mas preferimos esquecer, ou deixar a cargo de governantes que final das contas tomam o mesmo rumo da negligencia.
Só para se ter uma idéia, a protagonista de “Inverno da Alma” têm uma única alternativa viável de esperança, que é a de ingressar no exercito americano; alternativa esta que se sempre sobra aos mais carentes de oportunidade. Contradizendo aquela capciosa afirmação de que “nós” é que fazemos nossas oportunidades, milhares de pessoas não possuem condições mínimas de ir a escola ou sequer possuem qualidade de vida e quando conseguem romper a barreira dura do comodismo e do preconceito social muitas vezes terminam como o estudante brasileiro que as vésperas de se formar na universidade foi assassinado dentro da própria casa.
Ree (a magnífica Jennifer Lawrence, que recentemente interpretou a mística em X-Men-Primeira Classe), é uma adolescente de 16 anos que mora no interior do Missouri, em uma cidade vizinha as montanhas Ozark. Seu pai, um sujeito criminoso e inconseqüente, está a tempos desaparecido e a policia vive a bater a porta da família a procura dele, que deve comparecer em breve a uma audiência de condicional ou então a casa será dada como pagamento da fiança. Ree tem uma mãe desligada da realidade, e um casal de irmãos pequenos adoráveis, mas incapazes de cuidar de si mesmos. Vive de vender lenha e ocasionalmente da caridade de alguns vizinhos em situação tão ou mais difícil que a dela. Ree sabe que têm de encontrar o pai, ou o que restou dele. Mas como e onde é o problema que mais lhe preocupa.
Ela vai primeiramente à casa do tio (John Hawkes), para logo em seguida arrepender-se de ter ido. O homem é irascível, bruto e violento e o único conselho que dá a Ree – acompanhado, obviamente de uma agressividade assustadora – é o de dar meia volta e rumar para casa, se mantendo longe dos problemas que sua curiosidade acarretaria. Mas Ree possui uma obstinação e uma força de vontade inalienável, ela sabe melhor do que ninguém que aquela é uma situação de ganhar ou ganhar, não existindo outra opção a seguir. Se o tio lhe nega ajuda, ela vai buscar ajuda sozinha e a partir disso inicia uma busca tão solitária, tão sofrível e resoluta que chega a ser admirável.
Essa busca cobrará seu preço. Um preço alto e violento, mas que a despeito da atmosfera caipira e perigosa dos habitantes daquela cidade acaba sendo compreendida no final das contas. O mais bonito em “Inverno da Alma” é que Ree, tão bonita e heróica em nenhum momento se faz de vitima ou sente-se vitima da situação, ela compreende o mundo a sua volta, apesar de repudiá-lo e magoar-se dele. É uma pessoa ainda em formação, mas com um caráter enorme, que apesar de suas limitações olha os outros de cima e sempre tenta passar aos irmãos aquela personalidade virtuosa, mesmo que nem ela saiba disso a principio. Ao final, uma frase ficou marcada em mim, na cena em que o irmão pequeno de Ree vê o vizinho esfolando um veado morto e pergunta a irmã se deveria pedir a ele um pouco da carne, ao que ela responde “nunca peça o que deveria ser oferecido”.
Estrela Solitária
3.8 19“Estrela Solitária” foi o primeiro contato (e único, até agora) que tive com a obra de Wim Wenders. Motivado pela presença de Sarah Polley – de quem sou fã incondicional – no elenco, fui buscar o filme na locadora e encontrei uma das melhores coisas que já assisti na vida. Escrito por Sam Shepperd, um ator que só há pouco tempo descobri, “Estrela Solitária” (ou Don’t Coming Knocking) é o retrato de uma homem em reflexão; um astro decadente de faroestes chamado Howard Spence abandona o set de filmagens de seu mais novo filme e ruma para lugar nenhum, sem saber ao certo o que quer ou para onde que ir. Dono de uma trajetória marcada pela inconstância, surtos de violência e excessos, Howard chega a sua cidade natal para reencontrar a mãe, com quem não falava há quase trinta anos.
Interpretada por Eva Marie Saint, a senhora Spence é uma força gigante da compreensão e do amor materno. Alias, em “Estrela Solitária” o que mais reconforta é o valor de suas atrizes e mais ainda de suas personagens: mulheres marcadas por perdas profundas e irreparáveis que têm, cada uma da sua maneira, de lidar com o abandono. Graças a sua capacidade de se desapegar, Howard foi deixando pelo caminho muitas sementes de magoa. Na sua mãe viúva que já vive sozinha há muitos anos; na sua ex-namorada Doreen (Jéssica Lange, ainda deslumbrante); e em Earlie, o filho que não conhecia. De todos, a única que surge motivada mais por um interesse genuíno do que por rancor é Sky (personagem de Sarah Polley que, sim, é o céu), uma jovem que acaba de perder a mãe e anda com as cinzas dela por onde quer que vá.
Sky tem uma ligação com Howard que só é revelada no desfecho, mas é ela, com sua voz doce e de alcance implacável que vai inspirar Earlie a admirar o pai. Outra figura que marca uma presença hilária é o advogado da empresa que produz o filme estrelado por Howard. Percorrendo todo o caminho feito por ele, o homem alcança Howard em um momento crucial: em que este descobre, afinal, possuir um lar, um lugar para o qual retornar depois de um dia de trabalho. É nesse ponto que se pode captar a essência do trabalho de Wenders como diretor, fazendo de seu filme um olhar tocante, mas nunca trágico, de uma vida que em algum momento se perdeu, mas que agora procura retornar às raízes. É o primeiro drama que assisto que emociona por sua leveza e por uma pureza de espírito tão maiores que não apela para nenhum sensacionalismo ou vulgaridade.
Comer Rezar Amar
3.3 2,3K Assista AgoraVou admitir. Com quinze minutos de exibição eu já estava convicto de que não iria acompanhar o filme até o final: ou dormiria na poltrona do cinema ou iria embora mesmo. O início é pouco próspero, constrangedor até, chegando á um ponto que, quem assiste não sabe bem dizer o que move a protagonista, por que no fim das contas nem a própria o sabe. Mas quando progride “Comer, Rezar, Amar” não apenas se torna um dos melhores filmes que você pode assistir como também, um dos melhores filmes que você pode assistir. É uma adaptação em tom de comédia romântica do best-seller autobiográfico da jornalista Elizabeth Gilbert, que em 2003 empreendeu uma jornada de auto-ajuda através de uma viagem pelo mundo.
Essa crítica vem de alguém que têm suas próprias angustias e anseios da vida, e, como a personagem verídica que Julia Roberts interpreta muito bem, sofre com a falta de equilíbrio físico e mental. Não é preciso elucidar o aspecto deplorável que o modo de vida urbano inflige ao homem e mulher modernos, sendo necessário – mas nem sempre oportuno – fugir daquela zona de conforto em que nos instalamos (família, trabalho, casamento). É o que faz Liz, que parte de Nova Iorque, deixando para trás um ex-marido magoado, um namorado triste, amigos e uma carreira de sucesso, para se aventurar durante um ano por três países com culturas totalmente diferentes. Primeiro, na Itália, ela aprenderá os prazeres do paladar, com muito vinho e macarrone, pizza e outras delicias (COMER), sendo iniciada no hilário dialeto italiano, com aqueles enfáticos e emblemáticos gestos. Aprende ainda a arte de não se preocupar, de não ser obrigada a ter sempre que fazer algo especifico e afinal, viver o momento. Aprende a ver a felicidade conjugal alheia e se sentir bem com a própria solidão.
Na Índia, terá que domar a própria paciência, abdicando do conforto físico para alcançar o conforto espiritual meditando e seguindo os mantras de uma guru hinduísta internacionalmente conhecida (REZAR). Também descobrirá, através da amizade com o texano Richard (Richard Jenkins), que não faz sentido continuar a se punir, pelas decisões difíceis que tomou para ir em busca da própria realização pessoal. Ali, em um retiro espiritual, onde Liz tem que acordar de madrugada, rezar, limpar o chão, almoçar em um lugar lotado, ela finalmente fará as pazes consigo mesma e com seu casamento falido, sem que para isso tenha que lamentar ou culpar-se pelos fracassos. As coisas que deixou continuarão sem ela, por isso ela desiste de se preocupar.
Finalmente em Bali, Indonésia, a americana completará a terceira parte desse ciclo, com a palavra AMAR ilustrando sua relação com o brasileiro Felipe (interpretado pelo espanhol Javier Bardem), também este divorciado e dono de um passado amoroso desastrado. Essa parte talvez seja a mais reprimível do filme; Javier Bardem perdeu aquele charme que tinha em “Vicky Cristina Barcelona”, e como não é bonito mesmo tudo acaba lhe faltando como par romântico de Julia Roberts. Esta ultima também têm seus tropeços – a cena em que se ajoelha na sala de sua casa, ainda em Nova Iorque, para rezar é meio embaraçosa e muito pouco crível. Mas a atriz se encontra quando chegam às cenas na Itália e na Índia. O saldo é positivo. O ganho mesmo fica por conta do turismo visual que o filme proporciona ao expectador, com boas tomadas de diversas locações nos três países.
A Estrada
3.6 1,3K Assista Agora“A Estrada” é um dos filmes mais angustiantes e tristes que já assisti. Fala de luta psicológica e esperança, e atinge o expectador direto no coração. Não é uma produção apocalíptica que segue o gênero ficção cientifica como em “Presságio” ou “Eu sou a Lenda”. É um drama, que utiliza o fator trágico do holocausto nuclear como pano de fundo para a tragédia de seus pouquíssimos personagens, na maior parte do filme são apenas pai e filho em busca de um motivo concreto para ainda continuarem vivos quando a vida em si já não existe.
A destruição impera ao redor, a atmosfera é cinzenta, as famílias que restaram cometeram suicídio coletivo e a própria esposa do personagem principal e mãe do único filho deste, interpretada por Charlize Theron, de tão devastada por aquela realidade decidiu que não queria mais viver e uma noite simplesmente saiu pela porta e rumou para a escuridão.
Adaptado do romance de Cormac McCarthy, autor também do conto que deu origem ao filme “Onde os Fracos não Têm Vez”, “A Estrada” não é um filme caloroso e tão pouco agradável. Ele nos segura pelo pescoço e nos obriga a acompanhar todos os minutos de dor que aquelas duas pessoas passam. Elas querem sobreviver. Mas por quem e para quê? Não ha mais nada ali para eles, e as raríssimas lembranças boas do passado existem apenas na memória do pai, já que o filho (vivido por Kodi Smit-McPhee, um jovem e promissor ator) já nasceu depois do cataclisma.
Não li o livro no qual o filme se baseia, mas avaliando apenas o trabalho do diretor John Hillcoat já se pode tirar algumas conclusões a respeito das intenções de McCarthy. “A Estrada” é uma jornada por uma America destruída e de horizonte longínquo e inabitado; o dinheiro não vale mais nada, as pessoas que restam vivem como animais, espreitando pelas sombras e o que resta são as lembranças. Apenas lembranças.
Paris, Texas
4.3 697 Assista AgoraA cena de abertura de “Paris, Texas” é uma das mais bonitas e simbólicas que eu já vi. Nela um deserto belíssimo se descortina na frente de um homem vestido de calça e paletó, e com um boné vermelho na cabeça. Ele para e observa, possivelmente lembrando-se de quanto já andara e ainda, quanto caminho ainda lhe restava para completar uma travessia que a principio parece inominável. Uma águia pousa e o observa. O homem bebe o que lhe resta de água em seu galão e depois segue viagem, a pé. Localizado por sua família, em uma vila minúscula em uma estrada do Texas, Travis (Harry Dean Stanton) estava sumido havia quatro anos e quando seu irmão lhe encontra e o interroga sobre o acontecido Travis simplesmente olha para o horizonte, como se a resposta para aquela pergunta estivesse ali em algum lugar e ele precisasse encontrá-la para, então, esclarecer tudo. Como fica patente no evidente desconforto de seu irmão Walt (Dean Stockwell) nesse reencontro, aquele andarilho se tornou em resumo um “bicho do mato”: está magro, com a barba enorme, e também não faz esforço nenhum para se comunicar. Mas ao que tudo indica Travis não era assim, e o filme vai desenrolando lenta e calmamente a explicação para essa transformação tão radical.
Não é uma explicação simples, e vem acompanhada por uma boa dose de solidão. Travis reencontra Hunter, o filho de oito anos que abandonou ainda muito pequeno e com ele inicia uma fascinante luta de desbravamento. Hunter não o enxerga como pai, já que a única lembrança que têm de um é a presença de seu tio, mas Travis conhece muito bem as armas para conquistar a amizade e a admiração dele. Quanto retorna para esse convívio social e familiar, o insular exílio do personagem principal cai por terra e ali mesmo se descobre um homem soberbo, que apesar de não ser belo, e de não ter dinheiro algum consegue tornar plenamente crível o fato de sua ex-mulher ser uma ofensa de tão bonita. Harry Dean Stanton é um ator hipnótico, de capacidade tremenda. É profundo, charmoso e muito simples.
A certa altura do filme percebe-se que Travis aceitou retornar ao “mundo” que conhecia para acertar as contas com o passado e corrigir os erros que cometeu. Vem daí a decisão de procurar Jane, sua ex-mulher e mãe de Hunter, vivida por Nastassja Kinski. Jane é encontrada trabalhando em um clube privativo de Houston, como uma espécie de call girl. Ela fica em uma cabine dividida por uma parede e uma janela envidraçada, onde não se pode ver a pessoa que está do outro lado e onde o único elo de comunicação é um interfone.
Esse é um dos momentos mais belos que já vi em um filme. Travis começa a contar sua história, sem que Jane, no entanto, perceba até que se aproxime dos momentos em comum com o que ela viveu. A interpretação de Nastassja é o ponto máximo aqui. Com uma beleza angelical e desconcertante, ela leva sua personagem aos poucos a maturidade, depois de muitas lágrimas e uma volta terrível a lembrança daquele passado.
“Paris Texas” é um desses dramas riquíssimos. Uma história simples de pessoas simples, encontradas no momento mais crucial de suas vidas, e que se surpreendem com o que lhes acontecem. O filme tem uma trilha-sonora incisiva, com o violão sempre introduzido àquelas cenas mais marcantes.