Não deve haver um único filme nacional, dentre os que adotam essa veia regionalista, que não conte com pelo menos umas cinco pérolas colhidas do léxico nacional, e este não foge à regra: é de vai "vai se foder na casa da desgraça para cima". Wagner Moura ótimo, Lázaro Ramos ótimo, Alice Braga reinando sobre os dois e sobre a tela, a história toda se desenvolvendo numa calma tremenda, dando voltas sem tropeçar no próprio rabo (pois o dilema dos personagens se aprofunda à medida em que se alonga essa circularidade), câmera pertinho dos atores, trilha sonora bem escolhida, bom desfecho. Cidade Baixa funciona muito bem, e sempre haverá quem despreze porque é "favela movie", porque "tem palavrão e putaria como todo filme nacional". Vai se foder na casa da desgraça.
Lá pela metade de Herança de Sangue, Mel Gibson e sua filha vão se refugiar no meio do mato, onde se encontram com uns caipiras nazistas que estão vivendo à margem convivência social ordinária e esperando algum tipo de colapso, mas movimentando a internet. Ali existe algo, a base para uma hard boilled novel de James Ellroy, um filme de Willian Fridklin, uma série roteirizada pelo Nic Pizzolatto. Existe uma história. Não me surpreendeu saber, pelos créditos finais, que Herança de Sangue é adaptação de um livro.
O diretor Jean-François Richet, porém, não se interessou por essa história, nem por nenhuma outra, nem em fazer mais nada. Se um filme se propõe a seguir a trilha segura dos clichês, fazê-lo não deveria parecer tão difícil. Se há quem tente e consiga, porque um filme tão sonolento, bambo na ação e povoado de personagens inócuos, ainda que interpretados por bons atores como Mel Gibson e Diego Luna? Gibson sequer interpreta, sua canastrice é de doer nas vistas, e trata-se de um ótimo ator. A atriz que faz a sua filha sequer merece avaliação, apenas a presunção de que, se houvesse um filme em volta dela, talvez se saísse melhor. E há ainda um elenco de apoio experiente e talentoso, que o roteiro não vê problema em desperdiçar.
Confesso que lá pelas tantas até achei que a trama daria uma virada, encontraria seu rumo, ou pelo menos se tornaria um bom exemplar de filminho de tiro. Mas, quando ocorreu a "reviravolta", vi que seria só aquilo mesmo, o que seria bom se fosse verdade, pois ainda tive de aturar uma constrangedora cena melodramática mais à frente, fabulosamente mal escrita, mal dirigida, mal editada e mal atuada por todos. Mostra, pelo menos, que Mel Gibson, um diretor talentoso, é profissa mesmo quando atua mal: nos filmes em que trabalha, não inverte a hierarquia, não interfere no trabalho do diretor. Se fizesse, Herança de Sangue seria melhor.
Esta pérola entrou no seleto rol dos filmes que não apenas têm quatro ótimos protagonistas* (personagens e atores), mas praticamente todos os diálogos também são bons. O subtexto sobre crise econômica é forte e muito bem utilizado, sempre a serviço do enredo. Para ser um jovem clássico, precisaria ter ainda uma trilha sonora sob medida e uma direção calibrada... e tem.
* O Gil Birmingham também é protagonista. Pôsteres e materiais promocionais são irrelevantes, o personagem dele tem tempo de tela e relevância com os temas do filme.
Não sou grande admirador da série Missão impossível, embora lhe reconheça o mérito de ser longeva sem apresentar, até onde vi, nenhum ponto decadente. O que menos gostei foi exatamente este. Missão Secreta não é inteligente como o primeiro (que é onde parece mirar), não tem a intensidade dos dois seguintes e nem o humor do quarto. É um filme longo, diálogos e vilão bregas, Rebecca Ferguson numa personagem nula (já a equipe de apoio com Ving Rhames, Simmon Pegg e Jeremy Renner é carismática). A trama de espionagem melhora um pouco no fim, dando uma elevada na cotação. Não me interessei, ainda, em ver Efeito Fallout, que é apontado como bem superior a este e deve ser mesmo.
Vi a maioria dos filmes do Heitor Dhalia, gosto bastante, mas para fazer um jogo de palavras duvidoso, este aqui é que devia se chamar À Deriva. O filme é bom naquilo que geralmente vai ser bom com esse diretor, isto é, boa fotografia, estética pop, boa manipulação de câmera, mas parece que Tungstênio transita entre o entretenimento e a crítica social e não se decide para onde vai, muito menos mescla as duas frentes. A narração pontuando tudo o que acontece também soa excessiva, mas reconheço que é uma tentativa de se utilizar uma linguagem não-convencional, o que é respeitável. Não gostei muito do filme, mas gostei de tê-lo visto.
Falando apenas nos conceitos do filme, gosto de todos. Vilões que são mafiosos (John Turturro e Colin Farrel muito bem) e não monstros\extraterrestres, Charada inspirado no Zodíaco, Bruce Wayne jovem e perturbadaço perdendo o controle na hora de sentar porrada, Gotham mais decadente do que nunca, os bilionários todos com rabo preso, inspiração total e absoluta nos filmes do David Fincher, cenas de ação com cores saturadas em contraste com a escuridão predominante - nas ideias, gostei de tudo.
Infelizmente, o Matt Reeves, ótimo esteta, não é um escritor de muita categoria. Para um filme ter 3 horas, precisa contar com o suporte de personagens que falam bem e emblematicamente, se relacionam, pelo amor ou pela dor, de maneira marcante. Dark Knight tem isso de sobra, quase todo mundo naquele filme protagoniza algum diálogo que vai no cerne dos temas lá abordados. E nesse The Batman? O "filme do Batman detetive" já estava virando uma instituição dos entusiastas do homem-morcego, mas a investigação aqui é boba demais, lamentável aquelas voltas todas em torno da "rata alada". O Alfred só existe para participar de uma cena melodramática no final (sobre o Charada ainda dou um desconto porque a ideia era ele ser um iludido mesmo). Que curioso: o diálogo do Batman com o Coringa, esse sim forte e simbólico, foi cortado da versão final.
Estruturalmente, The Batman também é bem viciado. A cena do Batmóvel, tão poderosa no trailer, se dilui lá pelo meio. O terceiro ato não conecta bem todas as frentes a que o roteiro parece dar alguma importância (o drama do próprio Bruce Wayne, a mulher-gato, os diferentes vilões e suas específicas motivações etc).
Pode ser que as sequências e derivados (a série do Pinguim pode ser bem interessante) podem corrigir alguns dos defeitos desse The Batman e torná-lo melhor como pontapé inicial desse universo do que como obra isolada. Não duvido, as qualidades estão aí, como apontei no início. Mas Reeves, foque na direção e contrate um roteirista para te ajudar!
É uma façanha como John Carpenter, àquela altura com trinta e poucos anos e em um de seus primeiros filmes, tem confiança e domínio em construir tensão e apresentar longamente a ameaça que só mais adiante entrará em ação. Halloween não estará muito ao gosto dos apreciadores de slashers mais convencionais que colocam os cutelos e as facas em funcionamento desde os primeiros instantes e seguem em ritmo rápido até o fim. Carpenter não tem pressa, ele apresenta minimamente os personagens, coloca o vilão, apresentado como uma espécie de bicho-papão não apenas verbalmente, mas também em suas ações, para rondar e rondar, prolongando o desconforto sem abuso de jump scare. A primeira cena, com a câmera subjetiva, prenuncia a ótima manipulação de câmera e decupagem que veremos ao longo do filme.
Myers, como dito, é uma representação do mal - aqui, não sobre-humano, mas apenas desumano, e essa frieza encontra expressões curiosas, como o fato de ele executar suas vítimas sem estardalhaço,mas de forma sorrateira com golpes precisos, reforçando a impressão de que está em todos os lugares ao mesmo tempo - algo que encontra uma ótima representação visual no finalzinho. Já Jamie Lee Curtis, boa atriz, apresenta desde jovem os traços de força e austeridade que marcam suas atuações da fase mais madura.
Contando ainda com uma dessas trilhas sonoras que são maiores até do que o próprio filme, Halloween está situado numa honrosa fase inicial do subgênero slasher. Tem muito a ensinar para quem pratica esse subgênero atualmente.
Em matéria de filmes, tenho encerrado os anos com as retrospectivas da Netflix. Nada mais otimista que a do ano anterior, essa novamente faz desfilar à nossa frente o catálogo de pessoas execráveis que pioram nossas vidas: os negacionistas da vacina e do clima, os políticos cabotinos, os gênios do mal das bigs-techs, essa cambada dos infernos. Faz troça deles com até boa desenvoltura, superando a ausência da "marca" Charlie Brooker. Este, um distópico nato, sucumbe perante as imagens da vida real e sua ausência não foi tão sentida na franquia (virará mesmo uma franquia? Até quando o mundo suportará os mesmos flagelos?).
Nicolas Cage é um cara interessante. Sua bizarrice e os problemas com a Justiça volta e meia fazem sua carreira periclitar, mas ela jamais naufraga porque Cage, um imenso poço de carisma, em meio aos tantos filmes péssimos que faz, também tem o olhar para selecionar filmes que só pode ser protagonizados por Nicolas Cage.
Embora tremendamente capaz de conectar o público aos personagens que interpreta, dessa vez ele protagoniza uma obra que é tão sobre si como sobre os coadjuvantes. Todos na trama têm problemas próprios e o roteiro não adota como padrão resolvê-los com definitividade, são apenas fatos da vida abordados com imensa sensibilidade (que se torna mais pungente quando observamos que não há arcos bem delineados ou desfechos conclusivos para todos os personagens, o filme termina e a vida deles segue com as mesmas dificuldades - outros têm melhor ou pior sorte). É notável como além dos elementos mais óbvios, como a direção contida, porém não quadrada, e a bela fotografia em tons frios e tristes, há lances de roteiro utilizados com extrema precisão, como o hábito que os circunstantes têm de atirar objetos no protagonista (algo que ocorre um número suficiente de vezes para que percebamos tratar-se de uma leve metáfora, mas não chega a cansar pela repetição) ou o engajamento do personagem principal pela prática do arco-e-flecha como um catalizador de seu engajamento pela vida.
Perfeito em sua relativa despretensão e ainda melhor por contar com a atuação soberana de Michael Caine, "O Sol de Cada Manhã" parece ter ficado meio esquecido. Merece ser resgatado.
Não tenho a menor simpatia pela figura do Larry Flynt, eis aí um empresário do sexo, indivíduo vulgar que ganhou fortuna explorando a força de trabalho (num sentido bem peculiar) alheia e se comportando como um completo imbecil - o Oscar Maroni deles. Mas essa observação não deixa de reconduzir à principal discussão do filme, que diz respeito aos limites da liberdade de expressão e de como valores pessoais não podem ser impostos às outras pessoas. Será, sempre, um assunto candente, impassível de ser resolvido definitivamente por um "fator X".
"O Povo Contra Larry Flynt", embora dirigido por Milos Forman, diretor àquela altura já experiente e com alguns clássicos na bagagem, tem muito do estilo que o Oliver Stone imprimia aos seus filmes na primeira metade daquela década, denotando a influência que Stone, aqui atuando como produtor executivo, exerceu sobre o resultado final. Achei especialmente surpreendente a amizade que Flynt teria, segundo o filme, estabelecido com Ruth Carter, que inclusive o teria levado a modificar momentaneamente suas convicções e a maneira de dirigir a revista (que passou a adotar uma linha editorial no mínimo bizarra).Pouco encontrei na internet sobre essa ligação improvável entre ambos e se o filme a retrata com fidelidade.
Contando com boas interpretações do elenco, "O Povo Contra Larry Flynt" ilustra como a complexidade das sociedades modernas pode criar contingências históricas em que pessoas não muito admiráveis protagonizam avanços sociais que transcendem suas qualidades individuais. E também que filmes podem ser melhores que seus personagens.
"Entebbe" tem lá o seu valor, mas me soou um pouco como samba de uma nota só.
Sustenta a ideia válida de que se atinge a paz mediante negociação, porém o faz sem muitas camadas ou nuances, deficiência que diminui seu valor como thriller político. Há a qualidade de não enxergar o conflito ou as motivações dos personagens de forma maniqueísta ou unidimensional, e sim como fruto de conflitos mais profundos e arraigados, porém o filme, ainda que reconheça essa complexidade, parece mais ser dominado por ela do que capaz de elaborá-la cinematograficamente. Ainda o compromete um tanto seu ritmo morno - algo no mínimo problemático numa trama de pessoas que foram sequestradas e se inicia uma corrida contra o tempo para salvá-las, sendo necessário para tanto sanar ou ao menos contemporizar intrincados embates entre nações que se antagonizam no plano das relações exteriores.
Felizmente há o piloto interpretado pelo Denis Menochet, que dinamiza um pouco as relações entre os personagens sendo um contraponto aos sequestradores; dele saem algumas das melhores falas do roteiro ("Agua corrente é liberdade. Banheiro é liberdade").
Sou minoria em relação à montagem que intercala o tiroteio da operação de resgate com dança da namorada de um dos sequestradores. Até gostei dela, o que diminui a eficácia da cena é que a bailarina e seu namorado não são tão importantes na história, nem protagonizam algum conflito muito marcante ou a que o roteiro dê muito relevo. A técnica de alternar cenas, utilizada com frequência e maestria por Scorsese, por exemplo, é poderosa para amarrar desfechos de tramas distintas dentro do mesmo filme; aqui, ela não amarra nada e o efeito apenas cosmético a enfraquece.
Em qualquer filme do Leslie Nielsen há uma grande chance de a melhor coisa ser o próprio Leslie Nielsen. Aqui, a regra se aplica. "Airplane" é bobo pra burro, uma metralhadora de piadas de qualidade irregular, mas quando Nielsen aparece, domina as cenas com seu estilo fleumático de quem está num filme inglês da década de 50 enquanto os demais atores estão numa comédia rasgada. Há besteirois mais engraçados, mas considero este melhor do que Loucademia de Polícia, por exemplo.
"A coisa de que eu mais tinha medo era a inocência. Ela estar na minha frente e eu não vê-la. Não estou falando de veredictos. Só de inocência."
"O Poder e a Lei" (péssimo título nacional, pra variar) está um tanto abaixo da qualidade de seu elenco, mas um tanto acima da média dos filmes de tribunal. Em seu miolo há um dilema profissional sobre o qual giram todos os outros elementos da história, um dilema que há de segurar a atenção do espectador, embora, ao fim, não haja muito brilho. Há alguns anos, foi noticiado que a emissora ABC pretendia transformar The Lincoln Lawyer em uma série. Acho que este filme é precisamente isto: um bom episódio piloto.
Tenho sentimentos ambivalentes em relação a "Bela Vingança" (a primeira vítima é o título original). Ele é encabeçado por uma atriz extraordinária, é bem montado, ágil, o roteiro tem seus momentos de inspiração (diálogos bastante naturais) e, claro, versa sobre um tema altamente relevante - a cultura do estupro - o que o torna uma obra de seu tempo. Poucos anos atrás um estúdio dificilmente financiaria uma obra tão direta sobre o assunto, não aprovaria o roteiro e muito menos permitiria que a própria roteirista, uma mulher, o dirigisse. Até então vamos muito bem, portanto.
Mas não vai tão bem assim porque trata-se de um filme grandemente contraditório, que cospe nas próprias premissas. Acho chocante que a estratégica da protagonista em relação aos abusadores seja, simplesmente, confrontá-los com sermões sem nenhum tipo de exposição. Em um mundo de predadores sexuais, essa dinâmica de constrangê-los em suas próprias casas sem ser agredida por eles é algo que depõe contra a própria ideia que norteia o roteiro. "Bela Vingança", segundo andei lendo, foi classificado como "subversivo", "incendiário", "polêmico". Trata-se de um filme-denúncia que coloca a protagonista sob riscos menores do que aqueles que a ameaçariam se fizesse o que faz na vida real, ainda assim é classificado como "incendiário", vai entender.
Mas a protagonista só usa a pedagogia de convencer com palavras duras do tipo "o livro que você está escrevendo parece ruim" quando está face a face com estupradores consumados ou em potencial. Com outras mulheres ela usa o que existe de mais aviltante à dignidade delas: faz com que uma pense que foi estuprada, no caso de outra, que sua filha adolescente o será. Tudo devidamente justificado pelo "isso é para você pensar em como seria se a vítima fosse você". É cinema rape and revenge dissimulado.
Aliás, acerca da ex-colega que foi levada para o quarto por um sujeito contratado para fingir estuprá-la, não estuprou mesmo? Não é a tese que o filme advoga, a de que toda mulher embriagada é presa fácil para os homens do ambiente, por mais confiáveis que pareçam? A roteirista mete uma cena dessas sem se dar conta da incoerência cruel, e das implicações possíveis da conduta da personagem supostamente contrária a abusos sexuais?
"Bela Vingança" às vezes flerta com o meme, como na cena em que ela arrebenta o carro de um sujeito com um taco, espantando-o facilmente. Catarse frágil. Por outro lado, que ator é o Alfred Molina, participação marcante com poucos diálogos.
Após escrever esta resenha, acho que minha opinião sobre o filme se tornou menos ambivalente. Acho que a agora ganhadora do Oscar Emerald Fennel é mesmo uma picareta de talento, roteirista/diretora capaz de se esconder atrás de um tema seríssimo para tratá-lo de forma leviana, camuflando sob a estética badass todas as inconsistências que ela, inteligente como deve ser, sabe que estão lá, mas não confessará jamais: é preciso usar a urgência de um tema para tirar proveito dele.
Não há muito o que dizer sobre a história de The Evil Dead. Jovens chegam a uma cabana no meio do nada e são aterrorizados pelos espíritos da floresta. É tão simples quanto parece.
Ainda assim, The Evil Dead é uma obra ambiciosa. Não no sentido frequente que se emprega de falar de Cinema: não a ambição do memorável, épico, a perseguição do clássico. É a ambição de terminar a filmagem, de extrair da pindaíba um filme. Sim, tudo é muito é barato, os poucos recursos saltam na tela, mas Sam Raimi, o inovador, se virou e fez um filme que anunciou a obra que ergueria mais tarde.
A Netflix segue em busca de seu John Wick. Depois de Polar, Resgate e outros, talvez "Kate" seja a melhor tentativa. Tinha muito para dar errado, pois fracassa em pilares básicos: a história é um lixo, previsível até o último minuto, e a relação entre a protagonista e a adolescente asiática fica meio sabotada pela falta de carisma desta última.
Contudo, o filme fica parcialmente redimido por ser estiloso (situá-lo no Japão, valendo-se de locações banhadas de neon e referências locais, foi seu maior acerto), apresentar tiroteios eficientes e lutas viscerais, sobretudo aquela que ocorre numa cozinha, além de ter cenas que a despeito da pobreza do conjunto são eficazes isoladamente - gosto muito daquela em que a protagonista vai buscar o chefe da máfia local, um idoso, para matá-lo e acabam travando um ótimo diálogo.
Mary Elizabeth Winstead sempre foi boa atriz e aqui despacha com facilidade a dura empreitada de, sendo uma mulher magra e de estatura mediana, tornar verossimil que sua personagem sente porrada em exércitos de marmanjos. Ela é flexível, tem uma dureza na expressão, uma aura forte que a talha para o cinema de ação.
"Kate" é mediocridade com alguma qualidade, podia ser menos medíocre, talvez em algum momento a Netflix chegue lá.
Ambientes virtuais, expedições a níveis mais profundos do sistema, programas que desempenham funções específicas nos diversos "espaços" daquele universo, personagens que ficam perdidos em dobras da Matrix. As premissas e consequências destes filmes têm muito apelo para mim - a trama retoma elementos da filosofia clássica enquanto dialoga de forma revolucionária com a linguagem da internet, até então embrionária.
Por esse motivo, gostei até bastante de Matrix Reaload, filme cheio de momentos instigantes embora seja Cinema inferior ao primeiro.
Matrix Revolutions rebaixa mais um pouco a trilogia, infelizmente. Ainda há muito a se salvar: Wachowski são roteiristas de categoria e escreveram diálogos cheios de classe, cuja certa pompa não os vulgariza, pois se adequam à grandiosidade da guerra que o filme retrata. Volta e meia alguma cena revela inspiração, como o breve momento acima das nuvens e a luta entre Neo e Smith, exagerada em sua coreografia porém beneficiada pelo estilo techno-noir. São momentos não somente bonitos visualmente, mas que retratam conceitos interessantes para a história.
Além disso, é enriquecedor que Neo, Trinity, Morpheus e os demais rebeldes que ocupam grande parte dos primeiros filmes possuam menos tempo de tela, em favor da população de Zion em guerra contra as máquinas. Desde o início sabíamos que os protagonistas eram somente parte de um épico cibernético com infinitos desdobramentos que agora nos são apresentados mais explicitamente.
Ocorre que, novamente, tal como o antecessor, Matrix Revolutions parece carecer de polimento; trata-se de uma pilha de conceitos ambiciosos que o filme apresenta de maneira obscura e pouco aliciante, ao contrário da primeira parte da trilogia, exemplar em despertar curiosidade pelo mundo novo que ali se abria. O tom de pastiche de Star Wars também incomoda. Ao fim, trata-se de uma conclusão que não satisfaz - não nos dá respostas, o que em si não é problema, mas seu desenvolvimento é tão genérico que sequer cria o mistério adequado sobre as perguntas (há um ou outro momento mais interessante de dissecar, como os últimos diálogos com o Oráculo e com o Agente Smith). O filme é frio; os coadjuvantes de Zion, desinteressantes.
É evidente que produzir dois filmes simultaneamente para lançá-los a toque de caixa recolhendo as bilheterias dos fãs ávidos não foi, artisticamente, um bom negócio. Havia um ótimo filme dentro deste desfecho, mas a pressa do estúdio não o deixou se libertar da Matrix.
Os zumbis de Busanhaeng não são conscientes, não se organizam em sociedades estruturadas, não estabelecem hierarquias. São bestas que atacam aos bandos, correndo e amontoando-se, burros e maus como um membro da família Bolsonaro. Nesse aspecto é difícil deixar de compará-lo - em seu favor - ao The Army of the Dead, aquele vazio de 02h30min em que Zack Snyder escreveu zumbis inteligentes e humanos sem inteligência nenhuma - nem carisma.
Não aqui. Povoado de personagens que despertam identificação (prepare-se para não gostar com o que acontecerá com alguns deles), o roteiro é hábil em enfiá-los em sequências tensas que exploram as possibilidades geográficas em que se passa quase todo o filme, isto é, um trem de vagões. Para maior azar dos envolvidos, eles precisam se virar sem o aparato comumente empregado em histórias de apocalipse zumbi, portanto não se usam armas de fogo, lança-chamas e outros brinquedos. O que os personagens fazem é se esgueirar, rastejar, bater e, principalmente, correr. Correm muito, inclusive em direção ao emocionante desfecho.
O filme conta com algumas das qualidades habituais do cinema do Woody Allen, como certos bons diálogos e uma ou outra sacada. Também gosto desse "pessimismo praticista" do diretor em estar sempre abordando o dilema de termos que fazer algo de nossas vidas, que são pequenos ponto luminosos dentro de uma gigantesca escuridão cósmica e precisamos agarrar ao que pode nos transir de sentido (o "whatever works", ou "tudo que funciona" do título original representa bem melhor o tema do filme do que a açucarada tradução).
Apesar disso, considerei o conjunto meio frouxo, com subtramas pueris e personagens coadjuvantes um tanto caricatos. Pareceu-me, na verdade, que o protagonista é melhor do que o filme. Acho que é uma das poucas obras do Woody Allen que comportariam com naturalidade uma continuação: gostaria de ver como, na sequência de sua vida, o arrogante, hipocondríaco, culto e insuportável Bóris continuaria a se virar para tudo continuar funcionando.
É mais um filme de ação de Jason Statham (que mira no implacável e acerta no carrancudo) do que de um filme criminal de Guy Ritchie, previsível em relação a alguns pontos importantes e que ao fim vira de vez um filme de ação mais convencional.
Mas gostei? Até que gostei. Tenho uma paciência quase que ilimitada com os filmes criminais do Ritchie, a forma como ele emprega certos elementos (personagens, montagem, diálogos - exceto os do primeiro ato, terríveis) quase sempre me agrada, não por outra razão o filme se salvou de ser ruim (na minha perspectiva) em razão do segundo ato, quando acompanhamos o protagonista numa jornada de vingança que o faz se enfiar no submundo das organizações criminosas inglesas lançando mão de brutalidades, filmadas bem ao ao modo do diretor, para identificar os culpados por certo homicídio que é bom não revelar, apesar de estar no trailer.
Infiltrado não ganhou nada adotando um tom mais dark, narrativa e visualmente, do que a maioria dos filmes de crime do Ritchie. Durante a divulgação, o vi numa entrevista no Youtube falando compenetradamente sobre o filme, usando expressões shakesperianas como "vingança visceral" e afins. A trama de vingança não é incompatível com seu estilo habitual, mas compreendo que buscar abordagens diferentes seja algo que exalta um criador. No fundo acho que não quero que Guy Ritchie melhore, e sim que continue fazendo filmes para mim.
Se um filme fosse apenas o que está nele, Sniper Americano seria melhor.
É característico dos filmes de Clint Eastwood acompanhar personagens movidos por intensa força de vontade e senso de dever contra alguma realidade adversa que acaba por se entranhar em suas mentalidades e moldá-las. Nisso o filme vai bem; dirigido com segurança e cheio de boas cenas de ação (Eastwood parece ter tentando imprimir às sequências envolvendo o sniper inimigo uns ares de Nascidos Para Matar, do Kubrick, que também tem como personagem importante um atirador inimigo que dizima os americanos com disparos perfeitos), conta ainda com a atuação sólida do Bradley Cooper, que, imponente fisicamente, ficou mesmo parecido com um SEAL.
Ocorre que um filme também é o que escolheu não ver e não contar. Sem questionar nenhuma das motivações por trás da guerra nem fazer qualquer esforço para lançar um olhar humano sobre o povo iraquiano, o filme acaba ganhando uma feição de presepada, de enlatado. Mas o filme acompanha um soldado que acreditava cegamente nas boas intenções da guerra em que lutou, dirão alguns, o filme é mais descritivo do que crítico, argumentarão. Não, não se trata de um filme descritivo, pois não descreve e sim argumenta a favor da guerra através dos recortes que faz nos eventos reais. É Eastwood usando a boca do autor de 160 baixas para proclamar seu apoio ao que Bush fez no Iraque.
É um filme de ascensão e queda mafiosa de Scorsese menos enérgico, vigoroso na ascensão e com menos melancolia na queda, portanto, é um filme de máfia de Ridley Scott. Apesar de algumas fraquezas (em alguns momentos, principalmente no começo, o roteiro fica episódico demais, saltando de um evento a outro sem costurá-los muito bem), o filme funcionava em 2008 e continua bom em 2021, com o respaldo de duas grandes interpretações - Denzel Washington botando carisma por todos os poros, com aquela imponência de um personagem que embora gentil e carinhoso deixa entrever o bandido ameaçador que na verdade ele é; Russel Crowe a passos lentos fazendo o possível para detê-lo. Qualquer filme que busque esse efeito ganha muito quando consegue fazer o espectador acompanhar dois protagonistas fortes com interesses antagônicos, gerando torcida por ambos quando só um (ou nenhum deles) pode vencer. Dei uma pesquisada na história real, muito interessante, o detetive Richie Roberts definitivamente fez um grande bem à sociedade.
Comparar Alemão com Tropa de Elite ou Cidade de Deus é superficial e inexato. Não existe aqui a ambição, presente nos outros filmes citados, de realizar uma crítica social aprofundada, iluminar o funcionamento de um sistema ou abordar com elementos documentais uma realidade complexa. Quando Alemão busca fazer alguma dessas coisas, ainda que de forma simplificada, não é muito certeiro e ao fim fica a certeza de que com pouquíssimas modificações o projeto poderia se chamar Bagdá e enfocar cinco soldados encurralados na capital iraquiana pouco antes da queda de Saddam Hussein (direção de Paul Greengrass).
Nessa conclusão não vai embutido, aprioristicamente, nenhum juízo de valor negativo. É completamente legítimo que realizadores se apropriem de uma realidade local (nesse caso, as interações entre as forças institucionalizadas de repressão e o crime organizado num espaço urbano bastante específico - os morros cariocas - bem como a maneira como as interações entre essas duas forças e a população ali estabelecida) para criar um filme de gênero, sem maiores pretensões sociológicas.
Infelizmente, mesmo livre das amarras que o condicionariam se assumisse a condição de filme-tese, Alemão fracassa também como entretenimento. Trata-se de um desses filmes irritantemente esquemáticos, que parecem ter sido concebidos sob a batuta de um manual de roteiro e direção dos mais medíocres do mercado. Os personagens, como se já não bastasse povoarem uma história cheia de furos e saídas convenientes, são eles próprios rasos, apresentados sob as rubricas mais estereotipadas (um é ex-corrupto, outro é o policial irritadiço, outro é certinho, etc). Faltou dramaticidade? Enfie-se uma relação de parentesco. Mais dramaticidade? Coloque-se uma mãe desesperada. Tudo assim mesmo, de qualquer jeito, bem esculhambado, sem elaborar os elementos.
Esse modo aguado e burocrático de escrever destrói a tensão que o desenrolar da trama deveria criar, pois não há pessoas com que se preocupar, por quem torcer, não há como gostar mais de alguns personagens do que de outros, conforme as preferências de cada espectador, nem qualquer nuance que predisponha julgar com maior ou menor rigor qualquer ação que algum deles pratique: é simplesmente um teatro de fantoches, um bando de espantalhos recitando um texto desinteressante, defeito grave a ponto de sabotar o trabalho do bom elenco e suprimir o apelo do ato final, impedindo que produza o impacto desejado.
"Bom elenco" se refere aos atores que interpretam os policiais. É admirável que Cauã Reymond (também creditado como produtor) busque transcender o papel de galã, interpretando personagens diferentes, mas sua "persona" atrapalha o filme impedindo que seu vilão seja tão ameaçador como parece ter sido a intenção (algo que a própria narrativa parece de certa forma reconhecer, não deve ser acaso que o traficante tenha sido sugestivamente alcunhado de "Playboy"). Os outros atores deste núcleo se saem bem melhor.
Nada de bom, então? Depende. Visualmente é um filme profissional, dirigido direitinho (exceto na cena de ação, que é fraca), editado de modo a não ser muito tedioso, dá pra ver até o fim sem largar mão. É uma sensaboria inofensiva, bem-sucedida em sua proposta de ser nota 5.
P.S: os letreiros finais informam que na data tal a PM, a Polícia Civil, a Polícia Militar e o Exército invadiram o Alemão. Gostaria de acreditar que os responsáveis sabem que a PM é a Polícia Militar, mas depois de ver o filme, não duvido muito de que eles não se informaram a esse ponto.
Vamos às premissas: Zack Snyder é diretor de mão pesada, esteticista, que despontou como "visionário" na década de 2000 trabalhando sobre obras de outros artistas e sem jamais conseguir tirar de dentro de si mesmo uma história sólida, embora frequentemente tenha tentado salpicar em seus filmes umas filosofadas. Sendo porém um diretor de apelo (e quem não seria depois de tantos anos à frente do parque de diversões bilionário da DC, com direito a campanha por uma versão sua de um megabblockbuster?), virou facilmente alvo da Netflix, sedenta por mostrar ao público e ao mercado que seu bilionário parque de diversões também é promissor.
Vamos ao filme: uma ou outra coisa salva. Passa voando, há algumas cenas de ação medianas. Na realidade, nada há nele que desabone a carreira anterior de Snyder. Como era de se esperar, consiste em um longo inventário de elementos recorrentes em filmes de zumbi, mostrando que o roteirista/diretor reviu atentamente uma infinidade de obras do subgênero achando muito fácil anotar e muito difícil cortar ideias ou trabalhá-las adequadamente. Sem o valioso auxilio de um produtor carrasco, foi adiante com aquela auto-complacência de sempre, dando a lógica às favas, tratando a coesão como os zumbis tratam carne humana. E se Snyder teve 90 milhões de dólares para ser ele mesmo com todas suas fantasias, onde a ação desenfreada, onde o esteticismo que, na falta de qualidade melhor dos filmes, ao menos dava vontade de emoldar suas imagens?
Vamos aos resultados: a Netflix não comprou um filme, comprou uma grife, um rolo de filmes com o nome do Zack Snyder. Divulgou Army of the Dead apresentando-o como "esse já é o Snyder Cut". E como não seria, se o filme é apenas um detalhe? Army of the Dead está apanhando feio. Está sendo massacrado. Em alguns aspectos, até injustamente. Bom para a Netflix, antes isso que uma recepção fria. Talvez a reputação do filme seja resgatada mais tarde, talvez tanto apanhar atraia a curiosidade de quem já tinha largado mão por não gostar do snyderverse da DC. Já há um prequel encomendado, e uma série animada. Até os últimos minutos fica mantido o suspense sobre se algum dos personagens ficará com o dinheiro. Spoiler:
Cidade Baixa
3.4 356 Assista AgoraNão deve haver um único filme nacional, dentre os que adotam essa veia regionalista, que não conte com pelo menos umas cinco pérolas colhidas do léxico nacional, e este não foge à regra: é de vai "vai se foder na casa da desgraça para cima". Wagner Moura ótimo, Lázaro Ramos ótimo, Alice Braga reinando sobre os dois e sobre a tela, a história toda se desenvolvendo numa calma tremenda, dando voltas sem tropeçar no próprio rabo (pois o dilema dos personagens se aprofunda à medida em que se alonga essa circularidade), câmera pertinho dos atores, trilha sonora bem escolhida, bom desfecho. Cidade Baixa funciona muito bem, e sempre haverá quem despreze porque é "favela movie", porque "tem palavrão e putaria como todo filme nacional". Vai se foder na casa da desgraça.
Herança de Sangue
3.1 201 Assista AgoraLá pela metade de Herança de Sangue, Mel Gibson e sua filha vão se refugiar no meio do mato, onde se encontram com uns caipiras nazistas que estão vivendo à margem convivência social ordinária e esperando algum tipo de colapso, mas movimentando a internet. Ali existe algo, a base para uma hard boilled novel de James Ellroy, um filme de Willian Fridklin, uma série roteirizada pelo Nic Pizzolatto. Existe uma história. Não me surpreendeu saber, pelos créditos finais, que Herança de Sangue é adaptação de um livro.
O diretor Jean-François Richet, porém, não se interessou por essa história, nem por nenhuma outra, nem em fazer mais nada. Se um filme se propõe a seguir a trilha segura dos clichês, fazê-lo não deveria parecer tão difícil. Se há quem tente e consiga, porque um filme tão sonolento, bambo na ação e povoado de personagens inócuos, ainda que interpretados por bons atores como Mel Gibson e Diego Luna? Gibson sequer interpreta, sua canastrice é de doer nas vistas, e trata-se de um ótimo ator. A atriz que faz a sua filha sequer merece avaliação, apenas a presunção de que, se houvesse um filme em volta dela, talvez se saísse melhor. E há ainda um elenco de apoio experiente e talentoso, que o roteiro não vê problema em desperdiçar.
Confesso que lá pelas tantas até achei que a trama daria uma virada, encontraria seu rumo, ou pelo menos se tornaria um bom exemplar de filminho de tiro. Mas, quando ocorreu a "reviravolta", vi que seria só aquilo mesmo, o que seria bom se fosse verdade, pois ainda tive de aturar uma constrangedora cena melodramática mais à frente, fabulosamente mal escrita, mal dirigida, mal editada e mal atuada por todos. Mostra, pelo menos, que Mel Gibson, um diretor talentoso, é profissa mesmo quando atua mal: nos filmes em que trabalha, não inverte a hierarquia, não interfere no trabalho do diretor. Se fizesse, Herança de Sangue seria melhor.
A Qualquer Custo
3.8 803 Assista AgoraEsta pérola entrou no seleto rol dos filmes que não apenas têm quatro ótimos protagonistas* (personagens e atores), mas praticamente todos os diálogos também são bons. O subtexto sobre crise econômica é forte e muito bem utilizado, sempre a serviço do enredo. Para ser um jovem clássico, precisaria ter ainda uma trilha sonora sob medida e uma direção calibrada... e tem.
* O Gil Birmingham também é protagonista. Pôsteres e materiais promocionais são irrelevantes, o personagem dele tem tempo de tela e relevância com os temas do filme.
Missão: Impossível - Nação Secreta
3.7 805 Assista AgoraNão sou grande admirador da série Missão impossível, embora lhe reconheça o mérito de ser longeva sem apresentar, até onde vi, nenhum ponto decadente. O que menos gostei foi exatamente este. Missão Secreta não é inteligente como o primeiro (que é onde parece mirar), não tem a intensidade dos dois seguintes e nem o humor do quarto. É um filme longo, diálogos e vilão bregas, Rebecca Ferguson numa personagem nula (já a equipe de apoio com Ving Rhames, Simmon Pegg e Jeremy Renner é carismática). A trama de espionagem melhora um pouco no fim, dando uma elevada na cotação. Não me interessei, ainda, em ver Efeito Fallout, que é apontado como bem superior a este e deve ser mesmo.
Tungstênio
3.3 45Vi a maioria dos filmes do Heitor Dhalia, gosto bastante, mas para fazer um jogo de palavras duvidoso, este aqui é que devia se chamar À Deriva. O filme é bom naquilo que geralmente vai ser bom com esse diretor, isto é, boa fotografia, estética pop, boa manipulação de câmera, mas parece que Tungstênio transita entre o entretenimento e a crítica social e não se decide para onde vai, muito menos mescla as duas frentes. A narração pontuando tudo o que acontece também soa excessiva, mas reconheço que é uma tentativa de se utilizar uma linguagem não-convencional, o que é respeitável. Não gostei muito do filme, mas gostei de tê-lo visto.
Batman
4.0 1,9K Assista AgoraFalando apenas nos conceitos do filme, gosto de todos. Vilões que são mafiosos (John Turturro e Colin Farrel muito bem) e não monstros\extraterrestres, Charada inspirado no Zodíaco, Bruce Wayne jovem e perturbadaço perdendo o controle na hora de sentar porrada, Gotham mais decadente do que nunca, os bilionários todos com rabo preso, inspiração total e absoluta nos filmes do David Fincher, cenas de ação com cores saturadas em contraste com a escuridão predominante - nas ideias, gostei de tudo.
Infelizmente, o Matt Reeves, ótimo esteta, não é um escritor de muita categoria. Para um filme ter 3 horas, precisa contar com o suporte de personagens que falam bem e emblematicamente, se relacionam, pelo amor ou pela dor, de maneira marcante. Dark Knight tem isso de sobra, quase todo mundo naquele filme protagoniza algum diálogo que vai no cerne dos temas lá abordados. E nesse The Batman? O "filme do Batman detetive" já estava virando uma instituição dos entusiastas do homem-morcego, mas a investigação aqui é boba demais, lamentável aquelas voltas todas em torno da "rata alada". O Alfred só existe para participar de uma cena melodramática no final (sobre o Charada ainda dou um desconto porque a ideia era ele ser um iludido mesmo). Que curioso: o diálogo do Batman com o Coringa, esse sim forte e simbólico, foi cortado da versão final.
Estruturalmente, The Batman também é bem viciado. A cena do Batmóvel, tão poderosa no trailer, se dilui lá pelo meio. O terceiro ato não conecta bem todas as frentes a que o roteiro parece dar alguma importância (o drama do próprio Bruce Wayne, a mulher-gato, os diferentes vilões e suas específicas motivações etc).
Pode ser que as sequências e derivados (a série do Pinguim pode ser bem interessante) podem corrigir alguns dos defeitos desse The Batman e torná-lo melhor como pontapé inicial desse universo do que como obra isolada. Não duvido, as qualidades estão aí, como apontei no início. Mas Reeves, foque na direção e contrate um roteirista para te ajudar!
Halloween: A Noite do Terror
3.7 1,2K Assista AgoraÉ uma façanha como John Carpenter, àquela altura com trinta e poucos anos e em um de seus primeiros filmes, tem confiança e domínio em construir tensão e apresentar longamente a ameaça que só mais adiante entrará em ação. Halloween não estará muito ao gosto dos apreciadores de slashers mais convencionais que colocam os cutelos e as facas em funcionamento desde os primeiros instantes e seguem em ritmo rápido até o fim. Carpenter não tem pressa, ele apresenta minimamente os personagens, coloca o vilão, apresentado como uma espécie de bicho-papão não apenas verbalmente, mas também em suas ações, para rondar e rondar, prolongando o desconforto sem abuso de jump scare. A primeira cena, com a câmera subjetiva, prenuncia a ótima manipulação de câmera e decupagem que veremos ao longo do filme.
Myers, como dito, é uma representação do mal - aqui, não sobre-humano, mas apenas desumano, e essa frieza encontra expressões curiosas, como o fato de ele executar suas vítimas sem estardalhaço,mas de forma sorrateira com golpes precisos, reforçando a impressão de que está em todos os lugares ao mesmo tempo - algo que encontra uma ótima representação visual no finalzinho. Já Jamie Lee Curtis, boa atriz, apresenta desde jovem os traços de força e austeridade que marcam suas atuações da fase mais madura.
Contando ainda com uma dessas trilhas sonoras que são maiores até do que o próprio filme, Halloween está situado numa honrosa fase inicial do subgênero slasher. Tem muito a ensinar para quem pratica esse subgênero atualmente.
(v.i.22)
2021 Nunca Mais
3.2 30 Assista AgoraEm matéria de filmes, tenho encerrado os anos com as retrospectivas da Netflix. Nada mais otimista que a do ano anterior, essa novamente faz desfilar à nossa frente o catálogo de pessoas execráveis que pioram nossas vidas: os negacionistas da vacina e do clima, os políticos cabotinos, os gênios do mal das bigs-techs, essa cambada dos infernos. Faz troça deles com até boa desenvoltura, superando a ausência da "marca" Charlie Brooker. Este, um distópico nato, sucumbe perante as imagens da vida real e sua ausência não foi tão sentida na franquia (virará mesmo uma franquia? Até quando o mundo suportará os mesmos flagelos?).
O Sol de Cada Manhã
3.2 220 Assista AgoraNicolas Cage é um cara interessante. Sua bizarrice e os problemas com a Justiça volta e meia fazem sua carreira periclitar, mas ela jamais naufraga porque Cage, um imenso poço de carisma, em meio aos tantos filmes péssimos que faz, também tem o olhar para selecionar filmes que só pode ser protagonizados por Nicolas Cage.
Embora tremendamente capaz de conectar o público aos personagens que interpreta, dessa vez ele protagoniza uma obra que é tão sobre si como sobre os coadjuvantes. Todos na trama têm problemas próprios e o roteiro não adota como padrão resolvê-los com definitividade, são apenas fatos da vida abordados com imensa sensibilidade (que se torna mais pungente quando observamos que não há arcos bem delineados ou desfechos conclusivos para todos os personagens, o filme termina e a vida deles segue com as mesmas dificuldades - outros têm melhor ou pior sorte). É notável como além dos elementos mais óbvios, como a direção contida, porém não quadrada, e a bela fotografia em tons frios e tristes, há lances de roteiro utilizados com extrema precisão, como o hábito que os circunstantes têm de atirar objetos no protagonista (algo que ocorre um número suficiente de vezes para que percebamos tratar-se de uma leve metáfora, mas não chega a cansar pela repetição) ou o engajamento do personagem principal pela prática do arco-e-flecha como um catalizador de seu engajamento pela vida.
Perfeito em sua relativa despretensão e ainda melhor por contar com a atuação soberana de Michael Caine, "O Sol de Cada Manhã" parece ter ficado meio esquecido. Merece ser resgatado.
O Povo Contra Larry Flynt
3.9 251 Assista AgoraNão tenho a menor simpatia pela figura do Larry Flynt, eis aí um empresário do sexo, indivíduo vulgar que ganhou fortuna explorando a força de trabalho (num sentido bem peculiar) alheia e se comportando como um completo imbecil - o Oscar Maroni deles. Mas essa observação não deixa de reconduzir à principal discussão do filme, que diz respeito aos limites da liberdade de expressão e de como valores pessoais não podem ser impostos às outras pessoas. Será, sempre, um assunto candente, impassível de ser resolvido definitivamente por um "fator X".
"O Povo Contra Larry Flynt", embora dirigido por Milos Forman, diretor àquela altura já experiente e com alguns clássicos na bagagem, tem muito do estilo que o Oliver Stone imprimia aos seus filmes na primeira metade daquela década, denotando a influência que Stone, aqui atuando como produtor executivo, exerceu sobre o resultado final. Achei especialmente surpreendente a amizade que Flynt teria, segundo o filme, estabelecido com Ruth Carter, que inclusive o teria levado a modificar momentaneamente suas convicções e a maneira de dirigir a revista (que passou a adotar uma linha editorial no mínimo bizarra).Pouco encontrei na internet sobre essa ligação improvável entre ambos e se o filme a retrata com fidelidade.
Contando com boas interpretações do elenco, "O Povo Contra Larry Flynt" ilustra como a complexidade das sociedades modernas pode criar contingências históricas em que pessoas não muito admiráveis protagonizam avanços sociais que transcendem suas qualidades individuais. E também que filmes podem ser melhores que seus personagens.
7 Dias em Entebbe
3.1 102 Assista Agora"Entebbe" tem lá o seu valor, mas me soou um pouco como samba de uma nota só.
Sustenta a ideia válida de que se atinge a paz mediante negociação, porém o faz sem muitas camadas ou nuances, deficiência que diminui seu valor como thriller político. Há a qualidade de não enxergar o conflito ou as motivações dos personagens de forma maniqueísta ou unidimensional, e sim como fruto de conflitos mais profundos e arraigados, porém o filme, ainda que reconheça essa complexidade, parece mais ser dominado por ela do que capaz de elaborá-la cinematograficamente. Ainda o compromete um tanto seu ritmo morno - algo no mínimo problemático numa trama de pessoas que foram sequestradas e se inicia uma corrida contra o tempo para salvá-las, sendo necessário para tanto sanar ou ao menos contemporizar intrincados embates entre nações que se antagonizam no plano das relações exteriores.
Felizmente há o piloto interpretado pelo Denis Menochet, que dinamiza um pouco as relações entre os personagens sendo um contraponto aos sequestradores; dele saem algumas das melhores falas do roteiro ("Agua corrente é liberdade. Banheiro é liberdade").
Sou minoria em relação à montagem que intercala o tiroteio da operação de resgate com dança da namorada de um dos sequestradores. Até gostei dela, o que diminui a eficácia da cena é que a bailarina e seu namorado não são tão importantes na história, nem protagonizam algum conflito muito marcante ou a que o roteiro dê muito relevo. A técnica de alternar cenas, utilizada com frequência e maestria por Scorsese, por exemplo, é poderosa para amarrar desfechos de tramas distintas dentro do mesmo filme; aqui, ela não amarra nada e o efeito apenas cosmético a enfraquece.
Apertem os Cintos... O Piloto Sumiu
3.6 617 Assista AgoraEm qualquer filme do Leslie Nielsen há uma grande chance de a melhor coisa ser o próprio Leslie Nielsen. Aqui, a regra se aplica. "Airplane" é bobo pra burro, uma metralhadora de piadas de qualidade irregular, mas quando Nielsen aparece, domina as cenas com seu estilo fleumático de quem está num filme inglês da década de 50 enquanto os demais atores estão numa comédia rasgada. Há besteirois mais engraçados, mas considero este melhor do que Loucademia de Polícia, por exemplo.
O Poder e a Lei
3.8 611 Assista grátis"A coisa de que eu mais tinha medo era a inocência. Ela estar na minha frente e eu não vê-la. Não estou falando de veredictos. Só de inocência."
"O Poder e a Lei" (péssimo título nacional, pra variar) está um tanto abaixo da qualidade de seu elenco, mas um tanto acima da média dos filmes de tribunal. Em seu miolo há um dilema profissional sobre o qual giram todos os outros elementos da história, um dilema que há de segurar a atenção do espectador, embora, ao fim, não haja muito brilho. Há alguns anos, foi noticiado que a emissora ABC pretendia transformar The Lincoln Lawyer em uma série. Acho que este filme é precisamente isto: um bom episódio piloto.
Bela Vingança
3.8 1,3K Assista AgoraTenho sentimentos ambivalentes em relação a "Bela Vingança" (a primeira vítima é o título original). Ele é encabeçado por uma atriz extraordinária, é bem montado, ágil, o roteiro tem seus momentos de inspiração (diálogos bastante naturais) e, claro, versa sobre um tema altamente relevante - a cultura do estupro - o que o torna uma obra de seu tempo. Poucos anos atrás um estúdio dificilmente financiaria uma obra tão direta sobre o assunto, não aprovaria o roteiro e muito menos permitiria que a própria roteirista, uma mulher, o dirigisse. Até então vamos muito bem, portanto.
Mas não vai tão bem assim porque trata-se de um filme grandemente contraditório, que cospe nas próprias premissas. Acho chocante que a estratégica da protagonista em relação aos abusadores seja, simplesmente, confrontá-los com sermões sem nenhum tipo de exposição. Em um mundo de predadores sexuais, essa dinâmica de constrangê-los em suas próprias casas sem ser agredida por eles é algo que depõe contra a própria ideia que norteia o roteiro. "Bela Vingança", segundo andei lendo, foi classificado como "subversivo", "incendiário", "polêmico". Trata-se de um filme-denúncia que coloca a protagonista sob riscos menores do que aqueles que a ameaçariam se fizesse o que faz na vida real, ainda assim é classificado como "incendiário", vai entender.
Mas a protagonista só usa a pedagogia de convencer com palavras duras do tipo "o livro que você está escrevendo parece ruim" quando está face a face com estupradores consumados ou em potencial. Com outras mulheres ela usa o que existe de mais aviltante à dignidade delas: faz com que uma pense que foi estuprada, no caso de outra, que sua filha adolescente o será. Tudo devidamente justificado pelo "isso é para você pensar em como seria se a vítima fosse você". É cinema rape and revenge dissimulado.
Aliás, acerca da ex-colega que foi levada para o quarto por um sujeito contratado para fingir estuprá-la, não estuprou mesmo? Não é a tese que o filme advoga, a de que toda mulher embriagada é presa fácil para os homens do ambiente, por mais confiáveis que pareçam? A roteirista mete uma cena dessas sem se dar conta da incoerência cruel, e das implicações possíveis da conduta da personagem supostamente contrária a abusos sexuais?
"Bela Vingança" às vezes flerta com o meme, como na cena em que ela arrebenta o carro de um sujeito com um taco, espantando-o facilmente. Catarse frágil. Por outro lado, que ator é o Alfred Molina, participação marcante com poucos diálogos.
Após escrever esta resenha, acho que minha opinião sobre o filme se tornou menos ambivalente. Acho que a agora ganhadora do Oscar Emerald Fennel é mesmo uma picareta de talento, roteirista/diretora capaz de se esconder atrás de um tema seríssimo para tratá-lo de forma leviana, camuflando sob a estética badass todas as inconsistências que ela, inteligente como deve ser, sabe que estão lá, mas não confessará jamais: é preciso usar a urgência de um tema para tirar proveito dele.
Uma Noite Alucinante: A Morte do Demônio
3.8 1,4K Assista AgoraNão há muito o que dizer sobre a história de The Evil Dead. Jovens chegam a uma cabana no meio do nada e são aterrorizados pelos espíritos da floresta. É tão simples quanto parece.
Ainda assim, The Evil Dead é uma obra ambiciosa. Não no sentido frequente que se emprega de falar de Cinema: não a ambição do memorável, épico, a perseguição do clássico. É a ambição de terminar a filmagem, de extrair da pindaíba um filme. Sim, tudo é muito é barato, os poucos recursos saltam na tela, mas Sam Raimi, o inovador, se virou e fez um filme que anunciou a obra que ergueria mais tarde.
Kate
3.3 301 Assista AgoraA Netflix segue em busca de seu John Wick. Depois de Polar, Resgate e outros, talvez "Kate" seja a melhor tentativa. Tinha muito para dar errado, pois fracassa em pilares básicos: a história é um lixo, previsível até o último minuto, e a relação entre a protagonista e a adolescente asiática fica meio sabotada pela falta de carisma desta última.
Contudo, o filme fica parcialmente redimido por ser estiloso (situá-lo no Japão, valendo-se de locações banhadas de neon e referências locais, foi seu maior acerto), apresentar tiroteios eficientes e lutas viscerais, sobretudo aquela que ocorre numa cozinha, além de ter cenas que a despeito da pobreza do conjunto são eficazes isoladamente - gosto muito daquela em que a protagonista vai buscar o chefe da máfia local, um idoso, para matá-lo e acabam travando um ótimo diálogo.
Mary Elizabeth Winstead sempre foi boa atriz e aqui despacha com facilidade a dura empreitada de, sendo uma mulher magra e de estatura mediana, tornar verossimil que sua personagem sente porrada em exércitos de marmanjos. Ela é flexível, tem uma dureza na expressão, uma aura forte que a talha para o cinema de ação.
"Kate" é mediocridade com alguma qualidade, podia ser menos medíocre, talvez em algum momento a Netflix chegue lá.
Matrix Revolutions
3.5 822 Assista AgoraAmbientes virtuais, expedições a níveis mais profundos do sistema, programas que desempenham funções específicas nos diversos "espaços" daquele universo, personagens que ficam perdidos em dobras da Matrix. As premissas e consequências destes filmes têm muito apelo para mim - a trama retoma elementos da filosofia clássica enquanto dialoga de forma revolucionária com a linguagem da internet, até então embrionária.
Por esse motivo, gostei até bastante de Matrix Reaload, filme cheio de momentos instigantes embora seja Cinema inferior ao primeiro.
Matrix Revolutions rebaixa mais um pouco a trilogia, infelizmente. Ainda há muito a se salvar: Wachowski são roteiristas de categoria e escreveram diálogos cheios de classe, cuja certa pompa não os vulgariza, pois se adequam à grandiosidade da guerra que o filme retrata. Volta e meia alguma cena revela inspiração, como o breve momento acima das nuvens e a luta entre Neo e Smith, exagerada em sua coreografia porém beneficiada pelo estilo techno-noir. São momentos não somente bonitos visualmente, mas que retratam conceitos interessantes para a história.
Além disso, é enriquecedor que Neo, Trinity, Morpheus e os demais rebeldes que ocupam grande parte dos primeiros filmes possuam menos tempo de tela, em favor da população de Zion em guerra contra as máquinas. Desde o início sabíamos que os protagonistas eram somente parte de um épico cibernético com infinitos desdobramentos que agora nos são apresentados mais explicitamente.
Ocorre que, novamente, tal como o antecessor, Matrix Revolutions parece carecer de polimento; trata-se de uma pilha de conceitos ambiciosos que o filme apresenta de maneira obscura e pouco aliciante, ao contrário da primeira parte da trilogia, exemplar em despertar curiosidade pelo mundo novo que ali se abria. O tom de pastiche de Star Wars também incomoda. Ao fim, trata-se de uma conclusão que não satisfaz - não nos dá respostas, o que em si não é problema, mas seu desenvolvimento é tão genérico que sequer cria o mistério adequado sobre as perguntas (há um ou outro momento mais interessante de dissecar, como os últimos diálogos com o Oráculo e com o Agente Smith). O filme é frio; os coadjuvantes de Zion, desinteressantes.
É evidente que produzir dois filmes simultaneamente para lançá-los a toque de caixa recolhendo as bilheterias dos fãs ávidos não foi, artisticamente, um bom negócio. Havia um ótimo filme dentro deste desfecho, mas a pressa do estúdio não o deixou se libertar da Matrix.
Invasão Zumbi
4.0 2,0K Assista AgoraOs zumbis de Busanhaeng não são conscientes, não se organizam em sociedades estruturadas, não estabelecem hierarquias. São bestas que atacam aos bandos, correndo e amontoando-se, burros e maus como um membro da família Bolsonaro. Nesse aspecto é difícil deixar de compará-lo - em seu favor - ao The Army of the Dead, aquele vazio de 02h30min em que Zack Snyder escreveu zumbis inteligentes e humanos sem inteligência nenhuma - nem carisma.
Não aqui. Povoado de personagens que despertam identificação (prepare-se para não gostar com o que acontecerá com alguns deles), o roteiro é hábil em enfiá-los em sequências tensas que exploram as possibilidades geográficas em que se passa quase todo o filme, isto é, um trem de vagões. Para maior azar dos envolvidos, eles precisam se virar sem o aparato comumente empregado em histórias de apocalipse zumbi, portanto não se usam armas de fogo, lança-chamas e outros brinquedos. O que os personagens fazem é se esgueirar, rastejar, bater e, principalmente, correr. Correm muito, inclusive em direção ao emocionante desfecho.
Tudo Pode Dar Certo
4.0 1,1KO filme conta com algumas das qualidades habituais do cinema do Woody Allen, como certos bons diálogos e uma ou outra sacada. Também gosto desse "pessimismo praticista" do diretor em estar sempre abordando o dilema de termos que fazer algo de nossas vidas, que são pequenos ponto luminosos dentro de uma gigantesca escuridão cósmica e precisamos agarrar ao que pode nos transir de sentido (o "whatever works", ou "tudo que funciona" do título original representa bem melhor o tema do filme do que a açucarada tradução).
Apesar disso, considerei o conjunto meio frouxo, com subtramas pueris e personagens coadjuvantes um tanto caricatos. Pareceu-me, na verdade, que o protagonista é melhor do que o filme. Acho que é uma das poucas obras do Woody Allen que comportariam com naturalidade uma continuação: gostaria de ver como, na sequência de sua vida, o arrogante, hipocondríaco, culto e insuportável Bóris continuaria a se virar para tudo continuar funcionando.
Infiltrado
3.6 319 Assista AgoraÉ mais um filme de ação de Jason Statham (que mira no implacável e acerta no carrancudo) do que de um filme criminal de Guy Ritchie, previsível em relação a alguns pontos importantes e que ao fim vira de vez um filme de ação mais convencional.
Mas gostei? Até que gostei. Tenho uma paciência quase que ilimitada com os filmes criminais do Ritchie, a forma como ele emprega certos elementos (personagens, montagem, diálogos - exceto os do primeiro ato, terríveis) quase sempre me agrada, não por outra razão o filme se salvou de ser ruim (na minha perspectiva) em razão do segundo ato, quando acompanhamos o protagonista numa jornada de vingança que o faz se enfiar no submundo das organizações criminosas inglesas lançando mão de brutalidades, filmadas bem ao ao modo do diretor, para identificar os culpados por certo homicídio que é bom não revelar, apesar de estar no trailer.
Infiltrado não ganhou nada adotando um tom mais dark, narrativa e visualmente, do que a maioria dos filmes de crime do Ritchie. Durante a divulgação, o vi numa entrevista no Youtube falando compenetradamente sobre o filme, usando expressões shakesperianas como "vingança visceral" e afins. A trama de vingança não é incompatível com seu estilo habitual, mas compreendo que buscar abordagens diferentes seja algo que exalta um criador. No fundo acho que não quero que Guy Ritchie melhore, e sim que continue fazendo filmes para mim.
Sniper Americano
3.6 1,9K Assista AgoraSe um filme fosse apenas o que está nele, Sniper Americano seria melhor.
É característico dos filmes de Clint Eastwood acompanhar personagens movidos por intensa força de vontade e senso de dever contra alguma realidade adversa que acaba por se entranhar em suas mentalidades e moldá-las. Nisso o filme vai bem; dirigido com segurança e cheio de boas cenas de ação (Eastwood parece ter tentando imprimir às sequências envolvendo o sniper inimigo uns ares de Nascidos Para Matar, do Kubrick, que também tem como personagem importante um atirador inimigo que dizima os americanos com disparos perfeitos), conta ainda com a atuação sólida do Bradley Cooper, que, imponente fisicamente, ficou mesmo parecido com um SEAL.
Ocorre que um filme também é o que escolheu não ver e não contar. Sem questionar nenhuma das motivações por trás da guerra nem fazer qualquer esforço para lançar um olhar humano sobre o povo iraquiano, o filme acaba ganhando uma feição de presepada, de enlatado. Mas o filme acompanha um soldado que acreditava cegamente nas boas intenções da guerra em que lutou, dirão alguns, o filme é mais descritivo do que crítico, argumentarão. Não, não se trata de um filme descritivo, pois não descreve e sim argumenta a favor da guerra através dos recortes que faz nos eventos reais. É Eastwood usando a boca do autor de 160 baixas para proclamar seu apoio ao que Bush fez no Iraque.
O Gângster
4.0 456 Assista AgoraÉ um filme de ascensão e queda mafiosa de Scorsese menos enérgico, vigoroso na ascensão e com menos melancolia na queda, portanto, é um filme de máfia de Ridley Scott. Apesar de algumas fraquezas (em alguns momentos, principalmente no começo, o roteiro fica episódico demais, saltando de um evento a outro sem costurá-los muito bem), o filme funcionava em 2008 e continua bom em 2021, com o respaldo de duas grandes interpretações - Denzel Washington botando carisma por todos os poros, com aquela imponência de um personagem que embora gentil e carinhoso deixa entrever o bandido ameaçador que na verdade ele é; Russel Crowe a passos lentos fazendo o possível para detê-lo. Qualquer filme que busque esse efeito ganha muito quando consegue fazer o espectador acompanhar dois protagonistas fortes com interesses antagônicos, gerando torcida por ambos quando só um (ou nenhum deles) pode vencer. Dei uma pesquisada na história real, muito interessante, o detetive Richie Roberts definitivamente fez um grande bem à sociedade.
Alemão
2.8 380Comparar Alemão com Tropa de Elite ou Cidade de Deus é superficial e inexato. Não existe aqui a ambição, presente nos outros filmes citados, de realizar uma crítica social aprofundada, iluminar o funcionamento de um sistema ou abordar com elementos documentais uma realidade complexa. Quando Alemão busca fazer alguma dessas coisas, ainda que de forma simplificada, não é muito certeiro e ao fim fica a certeza de que com pouquíssimas modificações o projeto poderia se chamar Bagdá e enfocar cinco soldados encurralados na capital iraquiana pouco antes da queda de Saddam Hussein (direção de Paul Greengrass).
Nessa conclusão não vai embutido, aprioristicamente, nenhum juízo de valor negativo. É completamente legítimo que realizadores se apropriem de uma realidade local (nesse caso, as interações entre as forças institucionalizadas de repressão e o crime organizado num espaço urbano bastante específico - os morros cariocas - bem como a maneira como as interações entre essas duas forças e a população ali estabelecida) para criar um filme de gênero, sem maiores pretensões sociológicas.
Infelizmente, mesmo livre das amarras que o condicionariam se assumisse a condição de filme-tese, Alemão fracassa também como entretenimento. Trata-se de um desses filmes irritantemente esquemáticos, que parecem ter sido concebidos sob a batuta de um manual de roteiro e direção dos mais medíocres do mercado. Os personagens, como se já não bastasse povoarem uma história cheia de furos e saídas convenientes, são eles próprios rasos, apresentados sob as rubricas mais estereotipadas (um é ex-corrupto, outro é o policial irritadiço, outro é certinho, etc). Faltou dramaticidade? Enfie-se uma relação de parentesco. Mais dramaticidade? Coloque-se uma mãe desesperada. Tudo assim mesmo, de qualquer jeito, bem esculhambado, sem elaborar os elementos.
Esse modo aguado e burocrático de escrever destrói a tensão que o desenrolar da trama deveria criar, pois não há pessoas com que se preocupar, por quem torcer, não há como gostar mais de alguns personagens do que de outros, conforme as preferências de cada espectador, nem qualquer nuance que predisponha julgar com maior ou menor rigor qualquer ação que algum deles pratique: é simplesmente um teatro de fantoches, um bando de espantalhos recitando um texto desinteressante, defeito grave a ponto de sabotar o trabalho do bom elenco e suprimir o apelo do ato final, impedindo que produza o impacto desejado.
"Bom elenco" se refere aos atores que interpretam os policiais. É admirável que Cauã Reymond (também creditado como produtor) busque transcender o papel de galã, interpretando personagens diferentes, mas sua "persona" atrapalha o filme impedindo que seu vilão seja tão ameaçador como parece ter sido a intenção (algo que a própria narrativa parece de certa forma reconhecer, não deve ser acaso que o traficante tenha sido sugestivamente alcunhado de "Playboy"). Os outros atores deste núcleo se saem bem melhor.
Nada de bom, então? Depende. Visualmente é um filme profissional, dirigido direitinho (exceto na cena de ação, que é fraca), editado de modo a não ser muito tedioso, dá pra ver até o fim sem largar mão. É uma sensaboria inofensiva, bem-sucedida em sua proposta de ser nota 5.
P.S: os letreiros finais informam que na data tal a PM, a Polícia Civil, a Polícia Militar e o Exército invadiram o Alemão. Gostaria de acreditar que os responsáveis sabem que a PM é a Polícia Militar, mas depois de ver o filme, não duvido muito de que eles não se informaram a esse ponto.
Army of the Dead: Invasão em Las Vegas
2.8 956Vamos às premissas: Zack Snyder é diretor de mão pesada, esteticista, que despontou como "visionário" na década de 2000 trabalhando sobre obras de outros artistas e sem jamais conseguir tirar de dentro de si mesmo uma história sólida, embora frequentemente tenha tentado salpicar em seus filmes umas filosofadas. Sendo porém um diretor de apelo (e quem não seria depois de tantos anos à frente do parque de diversões bilionário da DC, com direito a campanha por uma versão sua de um megabblockbuster?), virou facilmente alvo da Netflix, sedenta por mostrar ao público e ao mercado que seu bilionário parque de diversões também é promissor.
Vamos ao filme: uma ou outra coisa salva. Passa voando, há algumas cenas de ação medianas. Na realidade, nada há nele que desabone a carreira anterior de Snyder. Como era de se esperar, consiste em um longo inventário de elementos recorrentes em filmes de zumbi, mostrando que o roteirista/diretor reviu atentamente uma infinidade de obras do subgênero achando muito fácil anotar e muito difícil cortar ideias ou trabalhá-las adequadamente. Sem o valioso auxilio de um produtor carrasco, foi adiante com aquela auto-complacência de sempre, dando a lógica às favas, tratando a coesão como os zumbis tratam carne humana. E se Snyder teve 90 milhões de dólares para ser ele mesmo com todas suas fantasias, onde a ação desenfreada, onde o esteticismo que, na falta de qualidade melhor dos filmes, ao menos dava vontade de emoldar suas imagens?
Vamos aos resultados: a Netflix não comprou um filme, comprou uma grife, um rolo de filmes com o nome do Zack Snyder. Divulgou Army of the Dead apresentando-o como "esse já é o Snyder Cut". E como não seria, se o filme é apenas um detalhe? Army of the Dead está apanhando feio. Está sendo massacrado. Em alguns aspectos, até injustamente. Bom para a Netflix, antes isso que uma recepção fria. Talvez a reputação do filme seja resgatada mais tarde, talvez tanto apanhar atraia a curiosidade de quem já tinha largado mão por não gostar do snyderverse da DC. Já há um prequel encomendado, e uma série animada. Até os últimos minutos fica mantido o suspense sobre se algum dos personagens ficará com o dinheiro. Spoiler:
vai ser a Netflix.