Tanwarin Sukkhapisit é uma katoey – uma mulher transgênero. Mas o que ela se identifica em primeiro lugar é como cineasta. Identificada como menino ao nascer, Tanwarin Sukkhapisit se sentia uma menina desde muito cedo. Durante uma fase de sua vida, estudou numa tradicional escola tailandesa só para meninos, o que a fez ter ainda mais certeza de que não era como eles. Já decidida pela dramaturgia após terminar a escola, Tanwarin Sukkhapisit participou de um casting para a Exact, uma empresa de produção de TV e ganhou uma participação na lakorn (série) Chai Mai Jing Ying Tae [Fake Man, Real Human] que foi ao no início dos anos 2000. A diretora afirma: “Eu me sentia infeliz com a minha vida. Eu era professora de inglês na época e não podia fazer as coisas que eu amava. Então eu peguei emprestado a câmera de vídeo do meu tio para fazer um curta metragem, Wan, e enviou-o para a competição Thai Short Film em 2001. Eu não sabia nada sobre a criação de filmes, mas ganhei uma menção honrosa e comecei a fazer muito mais filmes, tanto aqui como no exterior”.
A diretora afirma que a atração pelo cinema foi reforçada pelo fato de que ela acreditava que em competições internacionais, eles não se importavam se o autor ou autora era transexual ou não, se preocupando mais em avaliar a obra. E era assim que ela queria ser julgada. Depois de conquistar prêmios e reconhecimentos na Ásia por vários curta metragens, a fama internacional veio com seu longa “Insects in the backyard”, filme que dirige, roteiriza e atua como protagonista. Entretanto, apesar da obra ter sido aclamada pela crítica, foi banida pela censura da Tailândia, que vive crise política desde 2006, passando por vários confrontos entre manifestantes e golpes de estado. O filme de Tanwarin Sukkhapisit foi o primeiro de uma série de outros que foi barrado devido à uma nova lei de censura da Tailândia. Essa lei foi promulgada em meio à crise política e veta tudo que possa conter conteúdo que acirre os já exaltados ânimos políticos. Curiosamente, “Insects in the backyard” não faz referência ao tipo de conteúdo político que o governo considera sensível. O filme não aborda as crises macropolítica e de estado que se arrastam no país nos últimos anos. Se há algum conteúdo político no filme, é o sexual. A trama conta a história de uma Kathoei, interpretada pela própria diretora, que precisa ser a mãe dos irmãos mais novos na ausência dos pais. Recheado de homoerotismo e com cenas de sexo bem realistas, o filme chocou os censores do reino. A diretora ficou surpresa e abalada pela censura. Segundo ela, a lei de censura passou a ser usada pra censurar qualquer filme que contrarie o gosto do censor, sendo seu conteúdo macropolítico ou não. A cineasta recorreu da decisão alegando que as cenas de sexo eram cruciais para a trama e que não poderiam ser cortadas. “O problema com o meu filme não é que era um filme de temática gay -, porque há muitas comédias gays autorizados na Tailândia,” Tanwarin afirma. “Meu filme foi proibido porque é um filme sério. Ele mostrou que podem haver problemas reais quando a sociedade não pode aceitar as diferenças sexuais.”
A Tailândia é conhecida por sua tolerância para com a comunidade transgênero. As Kathoei e tomboys (transgênero feminino e masculino, respectivamente) fazem parte tradicionalmente da cultura de entretenimento do país, através de papéis cômicos em seriados, filmes e apresentações teatrais e musicais. Transgêneros são vistos regularmente em toda Bangkok, trabalhando no balcão de estabelecimentos de cosméticos, em lojas de departamentos, restaurantes populares e também nas passarelas em vários concursos de beleza transexual. Apesar dessa aparente aceitação, quando um transexual decide partir para carreiras ditas “sérias”, enfrenta resistência. Todos amam uma kathoei cômica na TV, mas torcem o nariz se ela decide ser médica, advogada ou mesmo diretora de um filme de forte conteúdo sexual que não pretende ser cômico, como é o caso de Tanwarin e “Insects in the backyard”. “Nossa sociedade tenta mostrar que aceita as diferenças – mas, na verdade, isso não acontece”, disse Tanwarin em entrevista à época da censura. “A Tailândia é ainda uma sociedade conservadora. Este é um caso do governo usando seu poder para suprimir as pessoas com opiniões diferentes “. Depois desse episódio de censura, a cineasta passou a fazer filmes um pouco mais comerciais e ligados aos grandes estúdios de cinema tailandeses. Mesmo perdendo seu ar indie e independente que a caracterizou no começo da carreira, a diretora ainda assim produziu filmes interessantes e fora dos padrões da indústria local. Em “It gets better”, ela volta ao tema da transexualidade feminina, explorando mais uma vez sua autobiografia. Já em “Fin Sugoi”, há um personagem Tomboy dentre os protagonistas. Mesmo em "À três” (Threesome), uma comédia romântica comercial no estilo tailandês sobre um triângulo amoroso entre uma garota, um rapaz e o espírito de um garoto morto, a diretora consegue arrancar elogios da crítica pela forma como conseguiu costurar a trama. O lançamento de "Ror Door Khao Chon Pee”, entretanto, deixou algumas pessoas preocupadas com a possível total absorção da diretora pela indústria cinematográfica comercial da Tailândia. O filme é um clássico "besteirol" de terror tailandês. Nesse tipo de filme, a trama mistura elementos de terror (gênero bastante forte não só na Tailândia como em toda região Ásia-Pacífico) com comédia pastelão. Em "Ror Door Khao Chon Pee", um grupo de jovens que está prestando serviço militar enfrenta a aparição de um fantasma, o que é usado como desculpa para várias situações de apelo homoerótico.
Ao que tudo indica, entretanto, a diretora voltará ao seu estilo mais polêmico, mas sem deixar de lado um apelo comercial, com seu próximo filme chamado “Vinho tinto numa noite escura” que, segundo rumores, contará com uma trama gay com destacado conteúdo sexual, mesclado à fantasia.