Vi uma, duas, três vezes e o filme continua com sua beleza e melancolia que o tornam único. História, visual e trilha sonora compõem uma obra nunca antes vista no cinema. Van Gogh certamente estaria orgulhoso!
Engraçado, charmoso, elegante, divertido, inspirador. Eddie Murphy - que eu, equivocadamente, já considerava um "ex-ator" - em grande forma naquele que é um dos melhores filmes de 2019. A história de alguém que, do nada, fez o tudo. Desprezado pelo pai na infância, idealista de um filme desacreditado até mesmo pelo próprio diretor que contratou, rejeitado pelas grandes distribuidoras. Nada disso impediu Dolemite de lançar seu próprio longa - e depois mais sete, como anuncia o letreiro no final.
O longa, sempre com bom humor e leveza, toca em questões importantes como a representatividade no cinema. Em determinado momento, o personagem interpretado por Wesley Snipes (inspirado no timing cômico de um astro inusitado) se orgulha de ter atuado num filme de Roman Polanski... como ascensorista em O Bebê de Rosemary. Um papel minúsculo pensado especialmente para um negro, já que estaria no lugar subalterno que os brancos esperem que ele ocupe.
Em outro, Lady Reed agradece a Dolemite pela oportunidade de trabalhar no filme, especialmente pelo fato de que nunca tinha visto alguém como ela (mulher, negra e acima do peso) no cinema. Uma prova de como a representatividade é importante para as pessoas.
O figurino é um show à parte. Roupas coloridas, elegantes e chamativas vestindo o elenco. Um trabalho muito acima do que normalmente é feito em filmes da década de 1970 - o que eu espero que seja reconhecido pela Academia com, pelo menos, uma indicação. Aliás, eu aproveitaria e indicaria Meu Nome é Dolemite também em mais duas: Melhor Filme e Melhor Ator para Eddie Murphy. Não seria exagero nenhum reconhecer o comeback do ator com uma nomeação à estatueta dourada. Com De Niro, Banderas, Phoenix, DiCaprio e Driver na disputa, é difícil, mas tenho fé no nosso Dolemite - afinal, ele já mostrou que sabe vencer o jogo mesmo quando o tabuleiro não o beneficia.
Olhar intimista, maduro e realista sobre a separação de um casal. Não esconde os defeitos de nenhum dos dois lados. Charlie, mais focado em sua carreira e em suas vontades no que em sua esposa, e Nicole, que descumpre o combinado ao contratar uma advogada, tornando o processo de separação ainda mais doloroso. O destaque aqui fica por conta do show de performance de Scarlett Johansson e, principalmente, Adam Driver. A indicação ao Oscar para a dupla é certa e merecida - só acho exagero o buzz em torno da atuação de Laura Dern.
Drama intimista sobre a vida de duas mulheres marcadas pelo silenciamento e sufocamento do machismo. Até mesmo o sexo aparece aqui mais como um elemento opressor masculino do que como uma satisfação carnal para as duas partes. Foi difícil acreditar que Carol Duarte estava fazendo a sua estreia: a impressão que tinha era a de uma atriz veterana, já experiente em papéis de protagonismo como o de Carol Duarte. Destaque também para Julia Stockler, intérpreta da irmã Guida. E, como cereja do bolo, Fernanda Montenegro, a dama do cinema brasileiro, nos últimos minutos.
Não é melhor que Bacurau e não vai ser dessa vez que levaremos o Oscar (provavelmente nem na indicação chegaremos), mas nada que tire o mérito de mais esse grande filme do cinema nacional. É o Brasil sendo contado pelo Brasil!
Épico em forma de filme de máfia. A duração demasiadamente longa prejudica a experiência, mas não dá para negar o show de atuações de De Niro, Pacino (digno de Oscar) e Pesci.
Se eu fosse comparar o trabalho de Woody Allen com qualquer outro ofício, diria que ele é um confeiteiro que faz brigadeiros deliciosos e únicos, mas que raramente arrisca novos ingredientes e receitas diferentes.
"Um Dia de Chuva em Nova York" é mais um desses brigadeiros. Narração em off, jazz na trilha, Big Apple como cenário, protagonista rico, erudito e em dúvida sobre sua vida amorosa são os ingredientes dessa comédia romântica que quase não saiu da geladeira devido às acusações de abuso sexual contra o cineasta.
Timothée Chalamet não tem orgulho em ter participado desse filme: no auge do Me Too, decidiu doar seu salário para três entidades e dificilmente vamos vê-lo divulgando o longa. Mesmo assim, ver o "magrinho e confiante" em cena é sempre prazeroso e aqui ele se sai muito bem como Gatsby (uma referência ao protagonista do livro "O Grande Gatsby", que também se passa em Nova York?). O jovem é mais uma das caricaturas de Allen - é como se fosse o próprio diretor falando ali. Na cena mais bonita do filme, Gatsby beija a personagem de Selena Gomez (que entrega uma boa atuação, para surpresa de muitos) durante a gravação de um filme, enquanto a chuva começa a cair. Destaque também para o diálogo com sua mãe, onde descobre um lado do passado dela que não conhecia e que acaba por aproximá-los.
Elle Fanning até se esforça, mas a sua Ashleigh no fundo não passa de uma moça do interior boba, deslumbrada e perdida em meio a quarentões do cinema atormentados por crises conjugais e existenciais. Allen força até um affair da garota com uma espécie de Antonio Banderas às avessas interpretado por Diego Luna. Totalmente desinteressante e descartável.
Melhor teria sido usar esses minutos para focar em Gatsby e suas andanças por Nova York. A cidade, aliás, recebe um design retrô que fica bem evidente, assim como o figurino dos personagens. Só fui perceber que estávamos nos dias atuais quando Gatsby usa seu celular saindo da casa do irmão.
Retomando a comparação do início, "Um Dia de Chuva em Nova York" não é um brigadeiro que se destaca na vitrine de 2019 e nem da carreira de Woody Allen. Mas, como todo bom doce, degustá-lo é sempre uma experiência deliciosa.
Lembrar sempre para nunca mais repetir. A escravidão é, sem dúvida, um dos capítulos mais vergonhosos da História da humanidade. É também um tema pouquíssimo explorado no cinema hollywoodiano - e, quando olhamos para o nosso próprio quintal, percebemos que foi e tem sido explorado menos ainda no cinema nacional.
Se serve de consolo para essa escassez de produções sobre o tema, 12 Anos de Escravidão é um filmaço que tem muito a dizer. No início, o que vemos é um Solomon Northup vivendo em uma bolha em meio à sociedade escravocrata da época. Veste roupas elegantes, encanta os brancos com suas habilidades no violino, divide a mesma mesa de jantar. Sente-se, afinal, como um deles. Mas descobre da pior maneira que isso não é verdade: na primeira oportunidade, Brown e Hamilton - seus parceiros de negócio - o drogam e o vendem. Começam aí os seus longos 12 Anos de Escravidão.
Ford, o primeiro "mestre", é o que poderia ser considerado um "escravocrata do bem" (uso aspas porque as duas palavras são contraditórias por natureza). Reconhece a crueldade da escravidão (repare em sua expressão ao ver a família sendo separada) da mesma forma como, fazendo um paralelo contemporâneo, reconhecemos a injustiça de ver alguém dormindo na rua. Mas, assim como nós, está mais disposto a aceitar o sistema do que mudá-lo: quando Solomon tenta contar sua história, Ford vira as costas. "Não posso ouvir isso", é o que diz.
Solomon, então, vai parar nas mãos de Epps. Um sujeito destemperado, possessivo, violento, que tortura e ridiculariza os seus escravos como uma forma de lazer pessoal. Mais do que isso, transforma Patsey em seu brinquedo sexual, para a repulsa de sua própria esposa. É interessante notar que, embora o filme não mostre explicitamente, Epps age como um álcoolatra. Ele explode quando não encontra Patsey numa tarde de domingo ou agindo como um beberrão depressivo quando confrontado pela esposa em uma noite de dança dos escravos. O diretor Steve McQueen, aliás, não economiza nas tintas de crueldade. Os brancos dos seus filmes matam, torturam e estupram sem hesitar. Tudo isso embasado pelas escrituras sagradas, a Bíblia. A religião serve como instrumento de repressão e também de resistência, esperança - o próprio Solomon afirma acreditar que a justiça divina se encarregará de Epps quando a estrada chegar ao fim.
Artista plástico por formação, McQueen conjuga, na medida do possível, beleza a uma história tão dolorosa. Destaque para os planos em que a câmera desliza por meio da vegetação ou mostra a paisagem pantaneira, embalados pela trilha quase espiritual de Hans Zimmer.
12 Anos de Escravidão tem um problema que me incomodou desde que vi o filme pela primeira vez, na época do seu lançamento. A passagem do tempo não é bem trabalhada. Os personagens não envelhecem, continuam com a mesma aparência - o que, convenhamos, deveria mudar principalmente para Solomon e Patsey, vítimas de trabalho forçado e castigos físicos. Fica a impressão de que se passou apenas um ano de escravidão, não 12.
Um defeito mísero comparado às qualidades do filme que facilmente entra como um dos melhores da década, como podem atestar os 238 prêmios que recebeu e os outros 330 aos quais foi indicado mundo afora. Uma obra para ser vista, revista e discutida em casa hoje, amanhã e sempre. É cinema em sua melhor forma.
Longa argentino simples, cru e realista sobre a questão do aborto. Sem trilha sonora, falso moralismo ou frases de efeito prontas, não romantiza o drama de Ely, uma garota cujo silêncio fala mais alto do que qualquer uma das suas frases durante o filme.
Ely está viva e ao mesmo tempo está morta. Vai ao trabalho, à escola, volta para dormir no sofá de casa. Tudo sempre sem ter prazer algum no que faz e com o pensamento perdido Não pode contar com a mãe - depressiva e incapaz de sair de casa - e muito menos com o pai do seu filho - um homem casado que a vê apenas como objeto sexual. Aliás, a relação entre os dois é estritamente sexual: nos pouquíssimos momentos que os vemos juntos, não há um único ato de afeto, de vínculo entre os dois. O sexo existe para responder a uma necessidade carnal e nada mais.
Ely é madura e sabe que, seja na Argentina ou em qualquer outro lugar do mundo, as regras do jogo não foram feitas para favorecer as mulheres. É interessante notar que o longa foi lançado oficialmente em 2017, um ano antes do Senado rejeitar a descriminalização do aborto no país. 38 senadores disseram "não" à possibilidade de Ely e tantas outras mulheres terem acesso ao aborto seguro, gratuito e legal. Foram jogadas à invisibilidade, como o próprio nome do filme diz.
O diretor Pablo Giorgelli (um nome que eu não conhecia e que me despertou a atenção com a sua abordagem sincera e intimista sobre o aborto) também aproveita as brechas que tem para fazer uma denúncia da desigualdade social na Argentina. Em uma aula, escutamos sobre o processo histórico de endividamento do país. No rádio, chama a atenção o dado de que cerca de 30% dos argentinos vivem na pobreza e também chegam relatos de protestos de bolivianos por alguma questão de moradia não especificada. Como espectador, admiro sempre quando um cineasta consegue tocar, ainda que de forma discreta e pontual, em questões políticas.
Sobre o final: vi gente aqui reclamando que o desfecho romantizou a situação de Ely. Outros já tomando como certo que ela vai ter o filho. Eu já enxergou como mais um momento de incerteza. Não fez o aborto, mas tampouco está disposta a ser mãe. A qualquer momento pode tomar as pílulas que comprou, já que pagar aquela fortuna para a clínica do aborto está fora de sua realidade.
"Invisível" é mais um exemplar do rico cinema argentino, que vai muito além do astro Ricardo Darín e merece ser prestigiado sempre.
"O que fazemos em vida ecoa na eternidade". Um daqueles clássicos que a gente enrola anos para ver. Não sou muito fã de filmes de época (principalmente os que se passam em Roma, Grécia antiga, etc), o que talvez tenha prejudicado um pouco a minha experiência. É um filme com boas cenas de combate entre gladiadores, turbinadas pela atuação de Russell Crowe como o general Maximus e Joaquin Phoenix como o unidimensional imperador Comodus. Me incomodou a trilha-sonora de Hans Zimmer, praticamente igual ao tem que o próprio compositor faria três anos depois para Piratas do Caribe. Um músico talentoso, mas que fica preso na mesmice, reciclando suas composições (só comparar as de Batman, A Origem e 12 Anos de Escravidão).
O filme dá um show de direção de arte e figurino, com cenários grandiosos e uma grande variedade de roupas. Enquanto assistia, fiquei curioso para saber onde eram as belas locações do filme - segundo o IMDB, Marrocos, Itália e Malta. Dos filmes que vi do Ridley Scott, Thelma & Louise ainda segue como meu preferido.
Dia de Treinamento é um clássico estudo de dois personagens em que acompanhamos o primeiro dia do policial Jake Hoyt (Ethan Hawke) na divisão de Narcóticos com o experiente Alonzo (Denzel Washington, ganhador do Oscar de Melhor Ator pelo papel)
Na primeira impressão, a imagem que fica é a de um Alonzo como um policial "rodado", implacável no combate ao crime e que conhece a realidade das ruas como a palma da sua mão. Ou seja, o mentor ideal para Hoyt.
Mas logo o filme nos faz esquecer tudo isso. Alonzo é, na verdade, parte do problema, não da solução. É corrupto, violento, inescrupuloso, ladrão, assassino. O contraponto de Hoyt, jovem, idealista, íntegro e que quer seguir as regras como elas são. Apesar da história se passar em Los Angeles, Alonzo poderia ser muito bem um policial de alguma grande cidade aqui do Brasil.
Dia de Treinamento trabalha bem a tensão de seu roteiro (escrito por David Ayer, o futuro diretor de Esquadrão Suicida), deixando o espectador sem conseguir prever o que vai acontecer a seguir. Um verdadeiro jogo de gato e rato em que Alonzo parece estar sempre um passo à frente.
Curiosidade: quem mais viu Terry Crews fazendo papel de figurante? Ele não tem uma única fala, mas tá lá fazendo cara de bravo
Filme de sobrevivência com protagonista feminina que entretém. Blake Lively carrega bem o filme e tem pelo menos uma cena bem agonizante envolvendo sangue e a ferida deixada pela mordida do tubarão. Destaque também para a montagem, fotografia e as cenas embaixo d'água. A das águas-vivas dá um desespero especial, já que sempre tive medo de um dia ter o azar de trombar com um desses bichos - que são bem comuns no litoral brasileiro.
No mais, um entretenimento razoável, mas nada marcante
Assistir a "A Jurada" é como pegar Uber com um motorista que não sabe o caminho e fica mudando de trajeto. Isso não é um elogio, já que a viagem acaba se tornando incômoda.
A sinopse promete um filme de tribunal. E o começo do filme até dá uma leve esperança de que se trata disso. Mas tudo acontece rápido demais:
a personagem de Demi Moore (firme no papel) convence os outros jurados muito facilmente. Sem tensão, sem suspense nenhum, o julgamento termina em um piscar de olhos, sem que saibamos muito detalhes dele.
Ok, o julgamento acabou em um piscar de olhos. Agora vem um filme sobre máfia. Errado. O diretor toma outro caminho e transforma A Jurada praticamente em um Missão Impossível.
Alec Baldwin (convincente e assustador) se torna quase um Ethan Hunt, lutando contra três homens armados, explodindo um carro e terminando o filme lá na Guatemala. Forçaram demais a barra.
E aquela promotora hein? Quer dizer que sacou todo o esquema só porque viu o mafioso encarando a testemunha? E o personagem do Baldwin é tipo Deus, sempre onipresente e onisciente? Como ele sabia que denunciá-lo ao juiz foi ideia da Juliet? O roteirista quis que a gente engolisse essa presepada?
Acho que as atuações são as únicas coisas que realmente funcionam no filme. Além de Moore e Baldwin, foi muito bom ver Joseph Gordon-Levitt atuando tão bem desde criança. Vi também pela primeira vez Anne Heche, que tem uma atuação talentosa como Juliet, embora a personagem não seja tão bem trabalhada.
Assim como o motorista do Uber que erra o caminho, A Jurada merece duas estrelas. Isso sendo muito generoso.
Esse foi apenas o quarto filme da franquia Halloween a que assisti. Um longa fraco, sem mortes legais e com personagens desinteressantes (com exceção da própria Laurie, vivida pela sempre ótima Jamie Lee Curtis). Remixaram o tema clássico do John Carpenter, que aqui virou uma trilha sem grandes atrativos. Foi uma surpresa ver Joseph Gordon-Levitt (vi o nome dele nos créditos, mas não "achei" ele no filme e só agora fui descobrir que o molequinho do começo era ele kkk) e Michelle Williams. Tem também uma participação especial da Janet Leigh, de Psicose, como a senhora que aborda a Laurie na saída da escola.
Sin City era um filme que eu conhecia de nome, mas que nunca tinha parado pra assistir. Até que topei com ele no catálogo da Amazon durante uma noite no domingo e, poxa, que longa incrível!
Obviamente, o que chama a atenção logo de cara é o visual. Uma experiência impactante em que me senti como se estivesse em uma mistura de videogame com história em quadrinhos. Um trabalho apurado de fotografia e direção de arte que não está ali só por estar - ele, na verdade, contribui para a criação da atmosfera de uma cidade ultraviolenta, caótica e corrupta. Único cenário possível para os nossos personagens perturbados que vagueiam pela noite como hienas em meio à carniça.
A figura de policial idealista cai como uma luva para Bruce Willis, em um papel que lembra bastante o David Dunn de Corpo Fechado. Interesse que aqui ele enfrenta um dos antagonistas mais desprezíveis que eu já vi: o pedófilo assassino Roarke Jr. Um vilão que dá gosto de torcer contra.
A raiva que eu senti quando ele disse "Ela é muito velha pra mim", se referindo a uma garota de 19 anos, não foi pequena
Mickey Rourke surge escondido pela maquiagem pesada como um brutamontes em busca de justiça/vingança (em Sin City, não existe muita diferença entre os dois). Um personagem interessante, mas que tem um segmento demasiado longo que acaba perdendo um pouco o ritmo. Por fim, Clive Owen exala charme, inteligência e força com Dwight. Um personagem que, por mais que as condições sejam adversas, parece ter sempre uma carta na manga. E que surpresa boa foi rever nessa mesma história o saudoso Michael Clarke Duncan, marcado por interpretar John Coffey em À Espera de Um Milagre. Triste lembrar que nos deixou há mais de 7 anos.
Por fim, Sin City merece elogios também pelo modo como interliga as histórias. É comum ocorrer uma conexão forçada em filmes com vários segmentos, mas aqui a ligação vem meio que naturalmente. O bar é o elemento em comum entre os três personagens centrais e a poderosa família Roarke - o senador, o cardeal e o pedófilo - surge como um obstáculo para o policial de Bruce Willis e o brutamontes de Mickey Rourke.
Um puta suspense psicológico do nosso cinema! Otávio Muller monstruoso na pele do Afrânio, um ex-dublador stalker telefônico de mulheres sob a alcunha de "Gorila". Um filme onde não é possível distinguir o delírio da realidade já que vemos tudo pela perspectiva do nosso solitário e protagonista perturbado. Uma pegada que me lembrou bastante O Operário, com o Christian Bale.
Muito interessante a relação de cumplicidade que se estabelece entre a Magda/Rosalinda e o Afrânio. A única pessoa que o ajuda a manter o pé no chão e tentar entender toda essa loucura que tomou conta da vida dele. O filme também traça paralelos entre o personagem principal e o seriado em que Afrânio trabalhou como dublador.
Prestaram atenção no trecho em que o detetive da série conversa com a colega de investigação e tem uma fala assim: "se ela se matou na casa do francês, como foi encontrada morta em casa?". Conseguem relacionar com o que rolou na festa daquela casa rica e o disparo no apartamento do Afrânio?
Um filme que me envolveu bastante e me deu mais orgulho ainda do cinema nacional!
Há pouco tempo, escrevi aqui no Filmow que temia que Timothée Chalamet se tornasse ator de um único filme - no caso Me Chame Pelo Seu Nome, em que interpretou Elio com maestria. Um receio que surgiu ao ver Querido Menino, um longa problemático em que Chalamet não convence como um jovem dependente químico. Felizmente, O Rei afasta, pelo menos por enquanto, esse medo.
O que vemos é um Chalamet muito diferente daquele de Me Chame Pelo Seu Nome. O "menino magrinho e confiante" interpreta Henry, um príncipe que leva uma vida longe dos luxos da realeza com um espírito pacifista, criticando a sede do seu irmão e pai pela guerra. O que muda logo após assumir o trono de rei da Inglaterra - o poder sobe à mente e o rapaz logo se converte em um líder que não hesita em mandar arrancar a cabeça de seus próprios aliados, incluindo um primo pelo simples motivo de ter se reunido com um mensageiro francês.
Outra grata surpresa aqui é Robert Pattinson no papel de um vilão. Quem ainda tem preconceito com o ator por causa da saga Crepúsculo é bobo ou não anda acompanhando seus projetos. Pattinson mostra novamente que é muito mais do que um rostinho teen de sucesso. Aliás, acho que super valeria uma indicação ao Oscar de Melhor Ator Coadjuvante para ele e de Melhor Ator para Timothée Chalamet. Não seria exagero nenhum, embora o fato de o filme ser da Netflix possa ser um empecilho na busca por uma indicação.
É um filme consideravelmente lento e que se sustenta mais em diálogos e interpretações do que em ação. Não espere ver um épico de época com grandes cenas de combate e guerra. Até mesmo o conflito é mostrado de forma crua, numa escala bastante humana, sem trilha efusiva ou takes dramáticos. Como ponto negativo, destacaria a fotografia demasiada escura em cenas interiores, como no castelo. Deu vontade de acender uma vela aqui para ver se clareava.
É interessante notar que, embora de personalidade forte e decidida, Henry acaba não percebendo que a guerra com a França foi planejada e manipulada por William, o seu braço-direito (genialmente interpretado por Sean Harris). Uma revelação que surge em um diálogo espinhoso com sua nova esposa e que desperta a reação esperada no nosso protagonista.
Um bom filme que recomendo facilmente para quem gosta de cinema!
Ah, o cinema argentino! Do mesmo diretor do ótimo Um Conto Chinês, A Odisseia dos Tontos consegue ser emocionante e engraçado na medida certa. Um filme "de assalto" que segue a mesma receita de vários outros que já vimos, mas a história é tão bem contada que assistimos a tudo como se a trama fosse uma grande e atraente novidade.
Os personagens mais marcantes aqui são, obviamente, o protagonista vivido por Ricardo Darín (um ator que nunca decepciona) e o interpretado por Chino Darín (em sua primeira parceria com o pai em cena). O vilão - um advogado golpista - também consegue ser bem carismático com sua arrogância e
O humor é bem natural e pode não despertar mil gargalhadas, mas com certeza escapa um sorriso de canto de boca. Destaque também para a trilha sonora, que embala toda a ação com o que parece ser rock argentino. O plano de fundo da história lembra bastante o confisco da poupança feito por Collor no Brasil, que deixou bastante gente na mão.
A Odisseia dos Tontos foi o filme indicado pela Argentina para concorrer ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro. Apesar de todos os seus méritos, a indicação é improvável, já que a abordagem cômica e despretensiosa não costuma ser uma das favoritas da Academia nessa categoria.
Fui ver por motivos de Timothée Chalamet, mas a decepção foi grande. A montagem aqui prejudica e o filme mais parece um extenso e cansativo videoclipe, cheio de cenas aleatórias e sem ordem cronológica acompanhadas de músicas manjadas. O longa também não mostra a realidade e os danos causados pela dependência química - eu não fui assistir esperando um Trainspotting ou um Réquiem Para um Sonho, claro, mas a maneira como Querido Menino aborda o assunto, reduzindo-o ao máximo possível, é brochante.
E, pra finalizar, nem o Chalamet convence no papel (estamos diante de mais um ator de um só papel?). A única coisa que presta é a atuação do Steve Carell, sempre brilhante no que faz. E só.
Tive oportunidade de ver esse filme na Mostra Internacional de Cinema de São Paulo. Fui esperando um suspense de tribunal no estilo daqueles episódios de Law & Order SVU, com muita tensão e reviravoltas. Mas a Garota com a Pulseira tem, na verdade, uma pegada diferente. A história é mostrada em retrospectiva, quando os fatos principais já aconteceram. Uma narrativa inteira contada na sala de um tribunal.
O foco, então, fica mais no drama do que no suspense, na tensão. A todo momento chama a atenção a frieza de Lise (aliás, que atuação de Mélissa Guers). Frieza essa que fica difícil de não interpretar como um atestado de culpa no caso em que é acusada. Dolorosa também a cena em que a filmagem íntima da garota é exibido diante de todo o júri - não tenho filhos e provavelmente nem terei, mas vendo a reação do pai, consigo imaginar perfeitamente a dor dele naquele momento.
Lise para mim é, sim, culpada. Uma garota fria e calculista que encenou um choro e uma mensagem para a mãe da vítima no último depoimento para comover o júri. O ato final dela, tirando a pulseira e colocando no lugar da tornozeleira, também, na minha visão, serve como um atestado de culpa. Apesar de inocentada, vai carregar para sempre o crime.
Alejandro González Iñárritu já mostrava o grande cineasta que viria a se tornar logo em seu primeiro longa-metragem. Amores Brutos é um filme com enredo tripartido, guiado por três histórias, três eixos narrativos que se cruzam em um cruzamento da cidade. O meu favorito é o protagonizado por Gael García Bernal, cheio de intrigas familiares, brigas de cachorros e desejos frustrados. Um conto sobre a busca a qualquer preço por dinheiro fácil em um país tão desigual e violento quanto o México.
Se Octavio, o jovem interpretado com maestria por Gael García Bernal, quer a todo custo começar uma nova vida, Daniel (Álvaro Guerrero) está um passo a frente. O protagonista da segunda história acaba de deixar a mulher e os filhos para viver o "romance dos sonhos" com uma bela modelo em um apartamento recém-comprado. Só que uma série de infelizes eventos acabam por arruinar a nova vida de Daniel. Uma história que poderia muito bem acontecer na vida real, onde fazemos uma infinidade de planos sempre pensando que tudo vai dar certo.
Por último, a história de El Chivo (Emilio Echevarría), um ex-guerrilheiro que vive praticamente como mendigo, fazendo bicos de assassino de aluguel. É um segmento que demora um pouco para engrenar, mas consegue trabalhar bem a tensão no seu final. Ao contrário dos outros dois, nesse fica o sentimento de que algo bom ainda pode acontecer na vida de El Chivo.
Aquele típico caso de um filme que começa mal e termina bem.
Jogo do Dinheiro tem um início pouco empolgante com um Jack O'Connell nada convincente na pele do sequestrador e um dinâmica que parece não embalar. Isso muda na metade da trama e o filme acaba entretendo com qualidade e desviando de alguns clichês -
quem esperava que a esposa do sequestrador iria dizer "eu te amo, volta pra casa, vamos criar o nosso filho" se lascou
. Destaque para as atuações de George Clooney e Julia Roberts, esta última o grande cérebro do programa que se esforça para manter o controle do show mesmo com a ameaça da bomba. O roteiro toca em pontos como a ganância corporativa, golpes na bolsa de valores, a crise econômica de 2008 e o movimento Occupy Wall Street. Lembra bastante um episódio de Black Mirror envolvendo o sequestro do representante de uma grande empresa por um motorista de aplicativo. Jogo do Dinheiro, aliás, poderia ser ele mesmo um episódio de Black Mirror.
Sou suspeito para falar porque sou apaixonado por filmes com múltiplas histórias. Gosto de longas assim porque mostram o poder das coincidências e também como estamos conectados um com o outro. Muitas vezes, até com pessoas do outro lado do mundo.
Um filme simples, bonito, envolvente em que todos os personagens estão ligados um ao outro pelo amor, pelo sexo ou por desejos. Histórias e encontros improváveis que acontecem todos os dias, em todos os lugares. Os meus segmentos favoritos foram o da brasileira com o ex-presidiário e o do chofer russo com a irmã da garota de programa. Em comum, pessoas que estão fugindo do passado e buscando um novo começo, assim como muitos de nós. A única história que deixa a desejar é a do personagem do Jude Law, que carece de dramaticidade e peso narrativo maior. No mais, um elenco de grandes nomes sendo dirigido com maestria pelo brasileiro Fernando Meirelles.
O grande trunfo de Coringa é entregar possíveis respostas a essa pergunta que fazemos a nós mesmos todos os dias quando vemos a notícia de algum massacre em escola, de assassinatos em série, crimes chocantes. No caso do Coringa, não existe um único fator gerador. Sua monstruosidade é produto de abusos na infância, problemas psicológicos, desigualdade social, omissão do Estado (que cortou o único tratamento, que já não era grande coisa, a que ele tinha acesso) e carência emocional. Tudo isso é mostrado com perfeição no filme de Todd Philips, um diretor que dificilmente imaginaríamos em um longa como esse, dado o seu histórico em produções de comédia como a trilogia Se Beber Não Case.
A escolha de Joaquin Phoenix é um grande acerto, construindo um Coringa diferente daquele que já tínhamos visto em desenhos e filmes. Além da dimensão social dada pelo roteiro ao personagem, existe todo um trabalho minuciosamente calculado pelo ator em cima de gestos, voz e, claro, a risada característica do vilão. Em um momento de total entrega, Phoenix protagoniza a cena mais poderosa do longa: a dança no banheiro. Um ato de catarse, de libertação, de autodescoberta após conseguir, pela primeira vez, reagir a um dos tantos abusos e humilhações a que foi submetido durante toda a sua vida. É o macabro e a beleza se combinando de forma que raramente se vê no cinema. O interessante é que a ideia da cena veio do próprio Joaquin Phoenix - segundo o diretor Todd Philips, no roteiro original o Coringa iria tirar a maquiagem e ficar se olhando no espelho em um tom de "o que foi que eu fiz?".
A qualidade técnica também chama a atenção com a trilha melancólica, a fotografia de encher os olhos e uma direção de arte inspirada em Nova York para criar uma Gotham City em colapso - colapso esse que fica evidente logo na primeira cena do filme, com uma greve de garis sendo anunciada no rádio. A podridão da cidade, antes oculta, torna-se visível aos olhos de todos.
Coringa tem apenas um ou outro deslize que o impedem de ser um filme irretocável. O mais grave é a forçada transformação dos assassinatos no metrô em um estopim para um movimento antissistema e do protagonista em um símbolo, um líder dos oprimidos de Gotham. Fica a impressão de que é algo forçado e artificial, apenas para dar uma dimensão maior aos atos do vilão. O outro tropeço é mastigar uma explicação que já tinha ficado bastante clara para o espectador.
A reação da moça ao ver Arthur em seu apartamento já não era suficiente para entendermos que ele fantasiou toda a relação que teve com ela?
Com muito a dizer sobre o tempo em que nós vivemos (não à toa, o filme foi lançado uma semana antes do Bolsonaro vetar a lei que garantia atendimento psicológico nas escolas, fazendo não muito diferente do que fez o Estado ao cortar a verba para a terapia de Arthur no filme), Coringa é um filme que rende boas discussões. Uma provocação e um convite à reflexão sobre a nossa responsabilidade que temos na construção daqueles que tanto odiamos.
Com Amor, Van Gogh
4.3 1,0K Assista AgoraVi uma, duas, três vezes e o filme continua com sua beleza e melancolia que o tornam único. História, visual e trilha sonora compõem uma obra nunca antes vista no cinema. Van Gogh certamente estaria orgulhoso!
Meu Nome é Dolemite
3.8 362 Assista AgoraEngraçado, charmoso, elegante, divertido, inspirador. Eddie Murphy - que eu, equivocadamente, já considerava um "ex-ator" - em grande forma naquele que é um dos melhores filmes de 2019. A história de alguém que, do nada, fez o tudo. Desprezado pelo pai na infância, idealista de um filme desacreditado até mesmo pelo próprio diretor que contratou, rejeitado pelas grandes distribuidoras. Nada disso impediu Dolemite de lançar seu próprio longa - e depois mais sete, como anuncia o letreiro no final.
O longa, sempre com bom humor e leveza, toca em questões importantes como a representatividade no cinema. Em determinado momento, o personagem interpretado por Wesley Snipes (inspirado no timing cômico de um astro inusitado) se orgulha de ter atuado num filme de Roman Polanski... como ascensorista em O Bebê de Rosemary. Um papel minúsculo pensado especialmente para um negro, já que estaria no lugar subalterno que os brancos esperem que ele ocupe.
Em outro, Lady Reed agradece a Dolemite pela oportunidade de trabalhar no filme, especialmente pelo fato de que nunca tinha visto alguém como ela (mulher, negra e acima do peso) no cinema. Uma prova de como a representatividade é importante para as pessoas.
O figurino é um show à parte. Roupas coloridas, elegantes e chamativas vestindo o elenco. Um trabalho muito acima do que normalmente é feito em filmes da década de 1970 - o que eu espero que seja reconhecido pela Academia com, pelo menos, uma indicação. Aliás, eu aproveitaria e indicaria Meu Nome é Dolemite também em mais duas: Melhor Filme e Melhor Ator para Eddie Murphy. Não seria exagero nenhum reconhecer o comeback do ator com uma nomeação à estatueta dourada. Com De Niro, Banderas, Phoenix, DiCaprio e Driver na disputa, é difícil, mas tenho fé no nosso Dolemite - afinal, ele já mostrou que sabe vencer o jogo mesmo quando o tabuleiro não o beneficia.
História de um Casamento
4.0 1,9K Assista AgoraOlhar intimista, maduro e realista sobre a separação de um casal. Não esconde os defeitos de nenhum dos dois lados. Charlie, mais focado em sua carreira e em suas vontades no que em sua esposa, e Nicole, que descumpre o combinado ao contratar uma advogada, tornando o processo de separação ainda mais doloroso. O destaque aqui fica por conta do show de performance de Scarlett Johansson e, principalmente, Adam Driver. A indicação ao Oscar para a dupla é certa e merecida - só acho exagero o buzz em torno da atuação de Laura Dern.
A Vida Invisível
4.3 642Drama intimista sobre a vida de duas mulheres marcadas pelo silenciamento e sufocamento do machismo. Até mesmo o sexo aparece aqui mais como um elemento opressor masculino do que como uma satisfação carnal para as duas partes. Foi difícil acreditar que Carol Duarte estava fazendo a sua estreia: a impressão que tinha era a de uma atriz veterana, já experiente em papéis de protagonismo como o de Carol Duarte. Destaque também para Julia Stockler, intérpreta da irmã Guida. E, como cereja do bolo, Fernanda Montenegro, a dama do cinema brasileiro, nos últimos minutos.
Não é melhor que Bacurau e não vai ser dessa vez que levaremos o Oscar (provavelmente nem na indicação chegaremos), mas nada que tire o mérito de mais esse grande filme do cinema nacional. É o Brasil sendo contado pelo Brasil!
O Irlandês
4.0 1,5K Assista AgoraÉpico em forma de filme de máfia. A duração demasiadamente longa prejudica a experiência, mas não dá para negar o show de atuações de De Niro, Pacino (digno de Oscar) e Pesci.
Um Dia de Chuva em Nova York
3.2 295 Assista AgoraSe eu fosse comparar o trabalho de Woody Allen com qualquer outro ofício, diria que ele é um confeiteiro que faz brigadeiros deliciosos e únicos, mas que raramente arrisca novos ingredientes e receitas diferentes.
"Um Dia de Chuva em Nova York" é mais um desses brigadeiros. Narração em off, jazz na trilha, Big Apple como cenário, protagonista rico, erudito e em dúvida sobre sua vida amorosa são os ingredientes dessa comédia romântica que quase não saiu da geladeira devido às acusações de abuso sexual contra o cineasta.
Timothée Chalamet não tem orgulho em ter participado desse filme: no auge do Me Too, decidiu doar seu salário para três entidades e dificilmente vamos vê-lo divulgando o longa. Mesmo assim, ver o "magrinho e confiante" em cena é sempre prazeroso e aqui ele se sai muito bem como Gatsby (uma referência ao protagonista do livro "O Grande Gatsby", que também se passa em Nova York?). O jovem é mais uma das caricaturas de Allen - é como se fosse o próprio diretor falando ali. Na cena mais bonita do filme, Gatsby beija a personagem de Selena Gomez (que entrega uma boa atuação, para surpresa de muitos)
durante a gravação de um filme, enquanto a chuva começa a cair. Destaque também para o diálogo com sua mãe, onde descobre um lado do passado dela que não conhecia e que acaba por aproximá-los.
Elle Fanning até se esforça, mas a sua Ashleigh no fundo não passa de uma moça do interior boba, deslumbrada e perdida em meio a quarentões do cinema atormentados por crises conjugais e existenciais. Allen força até um affair da garota com uma espécie de Antonio Banderas às avessas interpretado por Diego Luna. Totalmente desinteressante e descartável.
Melhor teria sido usar esses minutos para focar em Gatsby e suas andanças por Nova York. A cidade, aliás, recebe um design retrô que fica bem evidente, assim como o figurino dos personagens. Só fui perceber que estávamos nos dias atuais quando Gatsby usa seu celular saindo da casa do irmão.
Retomando a comparação do início, "Um Dia de Chuva em Nova York" não é um brigadeiro que se destaca na vitrine de 2019 e nem da carreira de Woody Allen. Mas, como todo bom doce, degustá-lo é sempre uma experiência deliciosa.
12 Anos de Escravidão
4.3 3,0KLembrar sempre para nunca mais repetir. A escravidão é, sem dúvida, um dos capítulos mais vergonhosos da História da humanidade. É também um tema pouquíssimo explorado no cinema hollywoodiano - e, quando olhamos para o nosso próprio quintal, percebemos que foi e tem sido explorado menos ainda no cinema nacional.
Se serve de consolo para essa escassez de produções sobre o tema, 12 Anos de Escravidão é um filmaço que tem muito a dizer. No início, o que vemos é um Solomon Northup vivendo em uma bolha em meio à sociedade escravocrata da época. Veste roupas elegantes, encanta os brancos com suas habilidades no violino, divide a mesma mesa de jantar. Sente-se, afinal, como um deles. Mas descobre da pior maneira que isso não é verdade: na primeira oportunidade, Brown e Hamilton - seus parceiros de negócio - o drogam e o vendem. Começam aí os seus longos 12 Anos de Escravidão.
Ford, o primeiro "mestre", é o que poderia ser considerado um "escravocrata do bem" (uso aspas porque as duas palavras são contraditórias por natureza). Reconhece a crueldade da escravidão (repare em sua expressão ao ver a família sendo separada) da mesma forma como, fazendo um paralelo contemporâneo, reconhecemos a injustiça de ver alguém dormindo na rua. Mas, assim como nós, está mais disposto a aceitar o sistema do que mudá-lo: quando Solomon tenta contar sua história, Ford vira as costas. "Não posso ouvir isso", é o que diz.
Solomon, então, vai parar nas mãos de Epps. Um sujeito destemperado, possessivo, violento, que tortura e ridiculariza os seus escravos como uma forma de lazer pessoal. Mais do que isso, transforma Patsey em seu brinquedo sexual, para a repulsa de sua própria esposa. É interessante notar que, embora o filme não mostre explicitamente, Epps age como um álcoolatra. Ele explode quando não encontra Patsey numa tarde de domingo ou agindo como um beberrão depressivo quando confrontado pela esposa em uma noite de dança dos escravos. O diretor Steve McQueen, aliás, não economiza nas tintas de crueldade. Os brancos dos seus filmes matam, torturam e estupram sem hesitar. Tudo isso embasado pelas escrituras sagradas, a Bíblia. A religião serve como instrumento de repressão e também de resistência, esperança - o próprio Solomon afirma acreditar que a justiça divina se encarregará de Epps quando a estrada chegar ao fim.
Artista plástico por formação, McQueen conjuga, na medida do possível, beleza a uma história tão dolorosa. Destaque para os planos em que a câmera desliza por meio da vegetação ou mostra a paisagem pantaneira, embalados pela trilha quase espiritual de Hans Zimmer.
12 Anos de Escravidão tem um problema que me incomodou desde que vi o filme pela primeira vez, na época do seu lançamento. A passagem do tempo não é bem trabalhada. Os personagens não envelhecem, continuam com a mesma aparência - o que, convenhamos, deveria mudar principalmente para Solomon e Patsey, vítimas de trabalho forçado e castigos físicos. Fica a impressão de que se passou apenas um ano de escravidão, não 12.
Um defeito mísero comparado às qualidades do filme que facilmente entra como um dos melhores da década, como podem atestar os 238 prêmios que recebeu e os outros 330 aos quais foi indicado mundo afora. Uma obra para ser vista, revista e discutida em casa hoje, amanhã e sempre. É cinema em sua melhor forma.
Invisível
3.2 60Longa argentino simples, cru e realista sobre a questão do aborto. Sem trilha sonora, falso moralismo ou frases de efeito prontas, não romantiza o drama de Ely, uma garota cujo silêncio fala mais alto do que qualquer uma das suas frases durante o filme.
Ely está viva e ao mesmo tempo está morta. Vai ao trabalho, à escola, volta para dormir no sofá de casa. Tudo sempre sem ter prazer algum no que faz e com o pensamento perdido Não pode contar com a mãe - depressiva e incapaz de sair de casa - e muito menos com o pai do seu filho - um homem casado que a vê apenas como objeto sexual. Aliás, a relação entre os dois é estritamente sexual: nos pouquíssimos momentos que os vemos juntos, não há um único ato de afeto, de vínculo entre os dois. O sexo existe para responder a uma necessidade carnal e nada mais.
Ely é madura e sabe que, seja na Argentina ou em qualquer outro lugar do mundo, as regras do jogo não foram feitas para favorecer as mulheres. É interessante notar que o longa foi lançado oficialmente em 2017, um ano antes do Senado rejeitar a descriminalização do aborto no país. 38 senadores disseram "não" à possibilidade de Ely e tantas outras mulheres terem acesso ao aborto seguro, gratuito e legal. Foram jogadas à invisibilidade, como o próprio nome do filme diz.
O diretor Pablo Giorgelli (um nome que eu não conhecia e que me despertou a atenção com a sua abordagem sincera e intimista sobre o aborto) também aproveita as brechas que tem para fazer uma denúncia da desigualdade social na Argentina. Em uma aula, escutamos sobre o processo histórico de endividamento do país. No rádio, chama a atenção o dado de que cerca de 30% dos argentinos vivem na pobreza e também chegam relatos de protestos de bolivianos por alguma questão de moradia não especificada. Como espectador, admiro sempre quando um cineasta consegue tocar, ainda que de forma discreta e pontual, em questões políticas.
Sobre o final: vi gente aqui reclamando que o desfecho romantizou a situação de Ely. Outros já tomando como certo que ela vai ter o filho. Eu já enxergou como mais um momento de incerteza. Não fez o aborto, mas tampouco está disposta a ser mãe. A qualquer momento pode tomar as pílulas que comprou, já que pagar aquela fortuna para a clínica do aborto está fora de sua realidade.
"Invisível" é mais um exemplar do rico cinema argentino, que vai muito além do astro Ricardo Darín e merece ser prestigiado sempre.
Gladiador
4.2 1,7K Assista Agora"O que fazemos em vida ecoa na eternidade". Um daqueles clássicos que a gente enrola anos para ver. Não sou muito fã de filmes de época (principalmente os que se passam em Roma, Grécia antiga, etc), o que talvez tenha prejudicado um pouco a minha experiência. É um filme com boas cenas de combate entre gladiadores, turbinadas pela atuação de Russell Crowe como o general Maximus e Joaquin Phoenix como o unidimensional imperador Comodus. Me incomodou a trilha-sonora de Hans Zimmer, praticamente igual ao tem que o próprio compositor faria três anos depois para Piratas do Caribe. Um músico talentoso, mas que fica preso na mesmice, reciclando suas composições (só comparar as de Batman, A Origem e 12 Anos de Escravidão).
O filme dá um show de direção de arte e figurino, com cenários grandiosos e uma grande variedade de roupas. Enquanto assistia, fiquei curioso para saber onde eram as belas locações do filme - segundo o IMDB, Marrocos, Itália e Malta.
Dos filmes que vi do Ridley Scott, Thelma & Louise ainda segue como meu preferido.
Dia de Treinamento
3.9 728 Assista AgoraDia de Treinamento é um clássico estudo de dois personagens em que acompanhamos o primeiro dia do policial Jake Hoyt (Ethan Hawke) na divisão de Narcóticos com o experiente Alonzo (Denzel Washington, ganhador do Oscar de Melhor Ator pelo papel)
Na primeira impressão, a imagem que fica é a de um Alonzo como um policial "rodado", implacável no combate ao crime e que conhece a realidade das ruas como a palma da sua mão. Ou seja, o mentor ideal para Hoyt.
Mas logo o filme nos faz esquecer tudo isso. Alonzo é, na verdade, parte do problema, não da solução. É corrupto, violento, inescrupuloso, ladrão, assassino. O contraponto de Hoyt, jovem, idealista, íntegro e que quer seguir as regras como elas são. Apesar da história se passar em Los Angeles, Alonzo poderia ser muito bem um policial de alguma grande cidade aqui do Brasil.
Dia de Treinamento trabalha bem a tensão de seu roteiro (escrito por David Ayer, o futuro diretor de Esquadrão Suicida), deixando o espectador sem conseguir prever o que vai acontecer a seguir. Um verdadeiro jogo de gato e rato em que Alonzo parece estar sempre um passo à frente.
Curiosidade: quem mais viu Terry Crews fazendo papel de figurante? Ele não tem uma única fala, mas tá lá fazendo cara de bravo
Águas Rasas
3.4 1,4K Assista AgoraFilme de sobrevivência com protagonista feminina que entretém. Blake Lively carrega bem o filme e tem pelo menos uma cena bem agonizante envolvendo sangue e a ferida deixada pela mordida do tubarão. Destaque também para a montagem, fotografia e as cenas embaixo d'água. A das águas-vivas dá um desespero especial, já que sempre tive medo de um dia ter o azar de trombar com um desses bichos - que são bem comuns no litoral brasileiro.
No mais, um entretenimento razoável, mas nada marcante
A Jurada
3.0 92 Assista AgoraAssistir a "A Jurada" é como pegar Uber com um motorista que não sabe o caminho e fica mudando de trajeto. Isso não é um elogio, já que a viagem acaba se tornando incômoda.
A sinopse promete um filme de tribunal. E o começo do filme até dá uma leve esperança de que se trata disso. Mas tudo acontece rápido demais:
a personagem de Demi Moore (firme no papel) convence os outros jurados muito facilmente. Sem tensão, sem suspense nenhum, o julgamento termina em um piscar de olhos, sem que saibamos muito detalhes dele.
Ok, o julgamento acabou em um piscar de olhos. Agora vem um filme sobre máfia. Errado. O diretor toma outro caminho e transforma A Jurada praticamente em um Missão Impossível.
Alec Baldwin (convincente e assustador) se torna quase um Ethan Hunt, lutando contra três homens armados, explodindo um carro e terminando o filme lá na Guatemala. Forçaram demais a barra.
E aquela promotora hein? Quer dizer que sacou todo o esquema só porque viu o mafioso encarando a testemunha? E o personagem do Baldwin é tipo Deus, sempre onipresente e onisciente? Como ele sabia que denunciá-lo ao juiz foi ideia da Juliet? O roteirista quis que a gente engolisse essa presepada?
Acho que as atuações são as únicas coisas que realmente funcionam no filme. Além de Moore e Baldwin, foi muito bom ver Joseph Gordon-Levitt atuando tão bem desde criança. Vi também pela primeira vez Anne Heche, que tem uma atuação talentosa como Juliet, embora a personagem não seja tão bem trabalhada.
Assim como o motorista do Uber que erra o caminho, A Jurada merece duas estrelas. Isso sendo muito generoso.
Halloween H20: Vinte Anos Depois
3.1 435 Assista AgoraEsse foi apenas o quarto filme da franquia Halloween a que assisti. Um longa fraco, sem mortes legais e com personagens desinteressantes (com exceção da própria Laurie, vivida pela sempre ótima Jamie Lee Curtis). Remixaram o tema clássico do John Carpenter, que aqui virou uma trilha sem grandes atrativos. Foi uma surpresa ver Joseph Gordon-Levitt (vi o nome dele nos créditos, mas não "achei" ele no filme e só agora fui descobrir que o molequinho do começo era ele kkk) e Michelle Williams. Tem também uma participação especial da Janet Leigh, de Psicose, como a senhora que aborda a Laurie na saída da escola.
Enfim, um filme descartável.
Sin City: A Cidade do Pecado
3.8 1,3K Assista AgoraSin City era um filme que eu conhecia de nome, mas que nunca tinha parado pra assistir. Até que topei com ele no catálogo da Amazon durante uma noite no domingo e, poxa, que longa incrível!
Obviamente, o que chama a atenção logo de cara é o visual. Uma experiência impactante em que me senti como se estivesse em uma mistura de videogame com história em quadrinhos. Um trabalho apurado de fotografia e direção de arte que não está ali só por estar - ele, na verdade, contribui para a criação da atmosfera de uma cidade ultraviolenta, caótica e corrupta. Único cenário possível para os nossos personagens perturbados que vagueiam pela noite como hienas em meio à carniça.
A figura de policial idealista cai como uma luva para Bruce Willis, em um papel que lembra bastante o David Dunn de Corpo Fechado. Interesse que aqui ele enfrenta um dos antagonistas mais desprezíveis que eu já vi: o pedófilo assassino Roarke Jr. Um vilão que dá gosto de torcer contra.
A raiva que eu senti quando ele disse "Ela é muito velha pra mim", se referindo a uma garota de 19 anos, não foi pequena
Mickey Rourke surge escondido pela maquiagem pesada como um brutamontes em busca de justiça/vingança (em Sin City, não existe muita diferença entre os dois). Um personagem interessante, mas que tem um segmento demasiado longo que acaba perdendo um pouco o ritmo. Por fim, Clive Owen exala charme, inteligência e força com Dwight. Um personagem que, por mais que as condições sejam adversas, parece ter sempre uma carta na manga. E que surpresa boa foi rever nessa mesma história o saudoso Michael Clarke Duncan, marcado por interpretar John Coffey em À Espera de Um Milagre. Triste lembrar que nos deixou há mais de 7 anos.
Por fim, Sin City merece elogios também pelo modo como interliga as histórias. É comum ocorrer uma conexão forçada em filmes com vários segmentos, mas aqui a ligação vem meio que naturalmente. O bar é o elemento em comum entre os três personagens centrais e a poderosa família Roarke - o senador, o cardeal e o pedófilo - surge como um obstáculo para o policial de Bruce Willis e o brutamontes de Mickey Rourke.
O Gorila
3.1 24Um puta suspense psicológico do nosso cinema! Otávio Muller monstruoso na pele do Afrânio, um ex-dublador stalker telefônico de mulheres sob a alcunha de "Gorila". Um filme onde não é possível distinguir o delírio da realidade já que vemos tudo pela perspectiva do nosso solitário e protagonista perturbado. Uma pegada que me lembrou bastante O Operário, com o Christian Bale.
Muito interessante a relação de cumplicidade que se estabelece entre a Magda/Rosalinda e o Afrânio. A única pessoa que o ajuda a manter o pé no chão e tentar entender toda essa loucura que tomou conta da vida dele. O filme também traça paralelos entre o personagem principal e o seriado em que Afrânio trabalhou como dublador.
Prestaram atenção no trecho em que o detetive da série conversa com a colega de investigação e tem uma fala assim: "se ela se matou na casa do francês, como foi encontrada morta em casa?". Conseguem relacionar com o que rolou na festa daquela casa rica e o disparo no apartamento do Afrânio?
Um filme que me envolveu bastante e me deu mais orgulho ainda do cinema nacional!
O Rei
3.6 406Há pouco tempo, escrevi aqui no Filmow que temia que Timothée Chalamet se tornasse ator de um único filme - no caso Me Chame Pelo Seu Nome, em que interpretou Elio com maestria. Um receio que surgiu ao ver Querido Menino, um longa problemático em que Chalamet não convence como um jovem dependente químico. Felizmente, O Rei afasta, pelo menos por enquanto, esse medo.
O que vemos é um Chalamet muito diferente daquele de Me Chame Pelo Seu Nome. O "menino magrinho e confiante" interpreta Henry, um príncipe que leva uma vida longe dos luxos da realeza com um espírito pacifista, criticando a sede do seu irmão e pai pela guerra. O que muda logo após assumir o trono de rei da Inglaterra - o poder sobe à mente e o rapaz logo se converte em um líder que não hesita em mandar arrancar a cabeça de seus próprios aliados, incluindo um primo pelo simples motivo de ter se reunido com um mensageiro francês.
Outra grata surpresa aqui é Robert Pattinson no papel de um vilão. Quem ainda tem preconceito com o ator por causa da saga Crepúsculo é bobo ou não anda acompanhando seus projetos. Pattinson mostra novamente que é muito mais do que um rostinho teen de sucesso. Aliás, acho que super valeria uma indicação ao Oscar de Melhor Ator Coadjuvante para ele e de Melhor Ator para Timothée Chalamet. Não seria exagero nenhum, embora o fato de o filme ser da Netflix possa ser um empecilho na busca por uma indicação.
É um filme consideravelmente lento e que se sustenta mais em diálogos e interpretações do que em ação. Não espere ver um épico de época com grandes cenas de combate e guerra. Até mesmo o conflito é mostrado de forma crua, numa escala bastante humana, sem trilha efusiva ou takes dramáticos. Como ponto negativo, destacaria a fotografia demasiada escura em cenas interiores, como no castelo. Deu vontade de acender uma vela aqui para ver se clareava.
É interessante notar que, embora de personalidade forte e decidida, Henry acaba não percebendo que a guerra com a França foi planejada e manipulada por William, o seu braço-direito (genialmente interpretado por Sean Harris). Uma revelação que surge em um diálogo espinhoso com sua nova esposa e que desperta a reação esperada no nosso protagonista.
Um bom filme que recomendo facilmente para quem gosta de cinema!
A Odisseia dos Tontos
3.8 165Ah, o cinema argentino! Do mesmo diretor do ótimo Um Conto Chinês, A Odisseia dos Tontos consegue ser emocionante e engraçado na medida certa. Um filme "de assalto" que segue a mesma receita de vários outros que já vimos, mas a história é tão bem contada que assistimos a tudo como se a trama fosse uma grande e atraente novidade.
Os personagens mais marcantes aqui são, obviamente, o protagonista vivido por Ricardo Darín (um ator que nunca decepciona) e o interpretado por Chino Darín (em sua primeira parceria com o pai em cena). O vilão - um advogado golpista - também consegue ser bem carismático com sua arrogância e
O humor é bem natural e pode não despertar mil gargalhadas, mas com certeza escapa um sorriso de canto de boca. Destaque também para a trilha sonora, que embala toda a ação com o que parece ser rock argentino. O plano de fundo da história lembra bastante o confisco da poupança feito por Collor no Brasil, que deixou bastante gente na mão.
A Odisseia dos Tontos foi o filme indicado pela Argentina para concorrer ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro. Apesar de todos os seus méritos, a indicação é improvável, já que a abordagem cômica e despretensiosa não costuma ser uma das favoritas da Academia nessa categoria.
Querido Menino
3.8 471 Assista AgoraFui ver por motivos de Timothée Chalamet, mas a decepção foi grande. A montagem aqui prejudica e o filme mais parece um extenso e cansativo videoclipe, cheio de cenas aleatórias e sem ordem cronológica acompanhadas de músicas manjadas. O longa também não mostra a realidade e os danos causados pela dependência química - eu não fui assistir esperando um Trainspotting ou um Réquiem Para um Sonho, claro, mas a maneira como Querido Menino aborda o assunto, reduzindo-o ao máximo possível, é brochante.
E, pra finalizar, nem o Chalamet convence no papel (estamos diante de mais um ator de um só papel?). A única coisa que presta é a atuação do Steve Carell, sempre brilhante no que faz. E só.
A Garota da Pulseira
3.6 8Tive oportunidade de ver esse filme na Mostra Internacional de Cinema de São Paulo. Fui esperando um suspense de tribunal no estilo daqueles episódios de Law & Order SVU, com muita tensão e reviravoltas. Mas a Garota com a Pulseira tem, na verdade, uma pegada diferente. A história é mostrada em retrospectiva, quando os fatos principais já aconteceram. Uma narrativa inteira contada na sala de um tribunal.
O foco, então, fica mais no drama do que no suspense, na tensão. A todo momento chama a atenção a frieza de Lise (aliás, que atuação de Mélissa Guers). Frieza essa que fica difícil de não interpretar como um atestado de culpa no caso em que é acusada. Dolorosa também a cena em que a filmagem íntima da garota é exibido diante de todo o júri - não tenho filhos e provavelmente nem terei, mas vendo a reação do pai, consigo imaginar perfeitamente a dor dele naquele momento.
Lise para mim é, sim, culpada. Uma garota fria e calculista que encenou um choro e uma mensagem para a mãe da vítima no último depoimento para comover o júri. O ato final dela, tirando a pulseira e colocando no lugar da tornozeleira, também, na minha visão, serve como um atestado de culpa. Apesar de inocentada, vai carregar para sempre o crime.
Carta Registrada
2.9 1 Assista AgoraVi num dia que estava cansado e com sono. Dei umas piscadas. O filme tem um ritmo lento e não sei muito o que falar.
Amores Brutos
4.2 818 Assista AgoraAlejandro González Iñárritu já mostrava o grande cineasta que viria a se tornar logo em seu primeiro longa-metragem. Amores Brutos é um filme com enredo tripartido, guiado por três histórias, três eixos narrativos que se cruzam em um cruzamento da cidade. O meu favorito é o protagonizado por Gael García Bernal, cheio de intrigas familiares, brigas de cachorros e desejos frustrados. Um conto sobre a busca a qualquer preço por dinheiro fácil em um país tão desigual e violento quanto o México.
Se Octavio, o jovem interpretado com maestria por Gael García Bernal, quer a todo custo começar uma nova vida, Daniel (Álvaro Guerrero) está um passo a frente. O protagonista da segunda história acaba de deixar a mulher e os filhos para viver o "romance dos sonhos" com uma bela modelo em um apartamento recém-comprado. Só que uma série de infelizes eventos acabam por arruinar a nova vida de Daniel. Uma história que poderia muito bem acontecer na vida real, onde fazemos uma infinidade de planos sempre pensando que tudo vai dar certo.
Por último, a história de El Chivo (Emilio Echevarría), um ex-guerrilheiro que vive praticamente como mendigo, fazendo bicos de assassino de aluguel. É um segmento que demora um pouco para engrenar, mas consegue trabalhar bem a tensão no seu final. Ao contrário dos outros dois, nesse fica o sentimento de que algo bom ainda pode acontecer na vida de El Chivo.
Jogo do Dinheiro
3.4 404 Assista AgoraAquele típico caso de um filme que começa mal e termina bem.
Jogo do Dinheiro tem um início pouco empolgante com um Jack O'Connell nada convincente na pele do sequestrador e um dinâmica que parece não embalar. Isso muda na metade da trama e o filme acaba entretendo com qualidade e desviando de alguns clichês -
quem esperava que a esposa do sequestrador iria dizer "eu te amo, volta pra casa, vamos criar o nosso filho" se lascou
360
3.4 928 Assista AgoraSou suspeito para falar porque sou apaixonado por filmes com múltiplas histórias. Gosto de longas assim porque mostram o poder das coincidências e também como estamos conectados um com o outro. Muitas vezes, até com pessoas do outro lado do mundo.
Um filme simples, bonito, envolvente em que todos os personagens estão ligados um ao outro pelo amor, pelo sexo ou por desejos. Histórias e encontros improváveis que acontecem todos os dias, em todos os lugares. Os meus segmentos favoritos foram o da brasileira com o ex-presidiário e o do chofer russo com a irmã da garota de programa. Em comum, pessoas que estão fugindo do passado e buscando um novo começo, assim como muitos de nós. A única história que deixa a desejar é a do personagem do Jude Law, que carece de dramaticidade e peso narrativo maior. No mais, um elenco de grandes nomes sendo dirigido com maestria pelo brasileiro Fernando Meirelles.
Coringa
4.4 4,1K Assista AgoraO que leva alguém a se tornar um monstro?
O grande trunfo de Coringa é entregar possíveis respostas a essa pergunta que fazemos a nós mesmos todos os dias quando vemos a notícia de algum massacre em escola, de assassinatos em série, crimes chocantes. No caso do Coringa, não existe um único fator gerador. Sua monstruosidade é produto de abusos na infância, problemas psicológicos, desigualdade social, omissão do Estado (que cortou o único tratamento, que já não era grande coisa, a que ele tinha acesso) e carência emocional. Tudo isso é mostrado com perfeição no filme de Todd Philips, um diretor que dificilmente imaginaríamos em um longa como esse, dado o seu histórico em produções de comédia como a trilogia Se Beber Não Case.
A escolha de Joaquin Phoenix é um grande acerto, construindo um Coringa diferente daquele que já tínhamos visto em desenhos e filmes. Além da dimensão social dada pelo roteiro ao personagem, existe todo um trabalho minuciosamente calculado pelo ator em cima de gestos, voz e, claro, a risada característica do vilão. Em um momento de total entrega, Phoenix protagoniza a cena mais poderosa do longa: a dança no banheiro. Um ato de catarse, de libertação, de autodescoberta após conseguir, pela primeira vez, reagir a um dos tantos abusos e humilhações a que foi submetido durante toda a sua vida. É o macabro e a beleza se combinando de forma que raramente se vê no cinema. O interessante é que a ideia da cena veio do próprio Joaquin Phoenix - segundo o diretor Todd Philips, no roteiro original o Coringa iria tirar a maquiagem e ficar se olhando no espelho em um tom de "o que foi que eu fiz?".
A qualidade técnica também chama a atenção com a trilha melancólica, a fotografia de encher os olhos e uma direção de arte inspirada em Nova York para criar uma Gotham City em colapso - colapso esse que fica evidente logo na primeira cena do filme, com uma greve de garis sendo anunciada no rádio. A podridão da cidade, antes oculta, torna-se visível aos olhos de todos.
Coringa tem apenas um ou outro deslize que o impedem de ser um filme irretocável. O mais grave é a forçada transformação dos assassinatos no metrô em um estopim para um movimento antissistema e do protagonista em um símbolo, um líder dos oprimidos de Gotham. Fica a impressão de que é algo forçado e artificial, apenas para dar uma dimensão maior aos atos do vilão. O outro tropeço é mastigar uma explicação que já tinha ficado bastante clara para o espectador.
A reação da moça ao ver Arthur em seu apartamento já não era suficiente para entendermos que ele fantasiou toda a relação que teve com ela?
Com muito a dizer sobre o tempo em que nós vivemos (não à toa, o filme foi lançado uma semana antes do Bolsonaro vetar a lei que garantia atendimento psicológico nas escolas, fazendo não muito diferente do que fez o Estado ao cortar a verba para a terapia de Arthur no filme), Coringa é um filme que rende boas discussões. Uma provocação e um convite à reflexão sobre a nossa responsabilidade que temos na construção daqueles que tanto odiamos.