Esse filme é lotado de subtexto. E é um filme de máscaras: pouca coisa aqui é natural por mais do que alguns minutos.
Involuntariamente póstumo, é o derradeiro trabalho de uma carreira brilhante do velho Kubrick. Me cansou um pouco depois dos 120 minutos, mas o encerramento é excelente.
É também o maior filme da carreira do Tom Cruise, que não mandou mal. Nem sei se ele estava à altura do texto, mas se o Kubrick escalou eu não posso criticar pois o velho nunca errou =pp
Isso aqui é um excelente conto urbano tendo como fundo uma Pequim cuja recém abertura econômica impacta a vida de alguns jovens: a necessidade de auto afirmação, orgulho e delinquência juvenis mais a dificuldade de se manter e trabalhar sob exploração na tenra idade em uma enorme cidade. Uma crônica das ruas de uma cidade que se transformava.
Em algum sentido esse filme é filho de 'no country for old men', a grande obra dos irmão Coen. Abraça a causa daquele e usa da mesma fórmula: um faroeste pelas ruas do oeste norte americano; um xerife e seu parceiro em uma espécie de duelo com criminosos que eles nunca encaram, mas sempre partilham os mesmos locais, andam no encalço, travam contatos com as mesmas pessoas mas nunca se olham nos olhos. Se David Mackenzie tomou emprestado toda a atmosfera que permeia a obra dos irmãos, os mesmos arquétipos de personagem e estrutura aqui são conduzidos por caminhos que dialogam com temas contemporâneos e arranham outras conversas: a população local passa de forma mais ativa na trama, seja dialogando com os criminosos, apoiando-os (como a garçonete que recebe gorjeta suficiente para ajudar na hipoteca e prefere não ajudar a entregar os bandidos) ou perseguindo-os e ajudando a polícia a capturá-los; a população local está pronta para atirar em bandidos, com suas armas sempre à cintura. O tema do porte de armas está bem explícito e a cultura texana onde todo homem tem seu revólver é parte importante dos acontecimentos gerais. São os mesmos velhos personagens mas numa roupagem atual que dialoga direto com nossa época. E nessa época atual desses personagens, homem branco que colonizou o oeste afugentando os índios agora sofre uma nova colonização; a dos bancos e dos especuladores que tomam as terras, não com exércitos, mas com empréstimos e assinaturas.
"Hell or high water" é um filme de assalto e perseguição em que cada bala atirada cai no lugar certo para cravar seu discurso no exato momento em que foi concebido. No fim deixa um gosto meio amargo e melancólico em que cada diálogo se encaixa e cada personagem tem seu espaço desenhado de forma a preencher exatamente esse cosmo que se desenhou e que não foi, necessariamente, finalizado.
Kelly Reichardt é mesmo uma diretora interessante. "Wendy and Lucy" é mais um presente imersivo que ela nos dá.
"Wendy and Lucy" é um filme sincero, sobre uma garota da qual nada sabemos quando ela chega a uma pequena vila no Oregon: de onde ela veio, por que veio, são questões que não interessam. Ela vai ao Alaska, em busca de um emprego. Por que o Alaska? Sua irmã vive em Indiana e essa é uma das poucas informações que teremos sobre o que Wendy deixou para trás. Ir ao Alaska apenas para buscar um emprego não parece ser o único motivo que move Wendy, como o telefonema para a irmã deixa subentendido. Há algo a mais. Mas não saberemos mais que isso. Temos aqui um filme bastante subjetivo: acompanhamos Wendy, junto da câmera de Kelly, por todo o filme. Enquanto ela caminha do mercado até o canil, do canil até a oficina de carros e de volta. Não há muito mais que isso. O que Kelly nos dá é uma imersão completa na vida de Wendy naqueles poucos dias em que ela fica presa nessa vila do Oregon após seu carro quebrar e sua cachorra, Lucy, desaparecer. Com parcos recursos financeiros, com suas contas praticamente definidas nota por nota até a chegada ao Alaska, Wendy enfrentará o que ela define como uma "maré de azar" desde a chegada àquela vila até sua partida de lá. Não se trata de uma garota que 'dropou' a vida, mas sim de uma cuja vida parece tê-la 'dropado'. Mas Wendy é convicta e vai se resolver, mesmo que tenha que dormir dentro do carro ou no meio do mato, tomar banho em banheiro de posto de gasolina e roubar enlatado de comida de cão para sua Lucy. Wendy está em situação desfavorável mas com um objetivo claro em mente.
Enquanto seus planos se desintegravam, numa sucessão lenta de acontecimentos, Wendy permanecia de cabeça erguida, tentando contornar as situações, e se ela não voltava para casa e mantinha o plano de ir adiante arrumar dinheiro de alguma forma, mesmo que muito longe de casa, eu me convencia de que o que a tirou de lá foi alguma situação bem complicada. Michelle Williams, intérprete de Wendy, e em quem a câmera de Kelly está o tempo inteiro colada, é a grande responsável por todas as nuances da persona de Wendy que se revelam durante os 80 minutos de projeção; atriz concisa e completamente consciente do que está fazendo, Michelle é a grande alma do filme. Kelly é a grande mestra que com sua câmera segue Wendy e nos revela os pedaços de sua história, aos poucos, de forma sútil e clara, com planos ora fechados, ora subjetivos, ora estáticos apenas observando.
"Wendy and Lucy" é um excelente filme, de algum formato americano naturalista, recortando o dia-a-dia das ruas, sem algum grande desenvolvimento de roteiro do que seria por aí chamado de "grande história". É um filme "sem história". É apenas um recorte de uns dias de sua personagem: sabe-se bem pouco de onde veio, e sabe-se nada de para onde vai.
O plano no qual Wendy deixa Lucy, já de costas, sacolas na mão, o ritmo lento, o som leve do choro no fundo, é de uma beleza arrebatadora. O sentimento construído é puro. O rosto de Michelle Williams encarando Lucy pelo cercadinho, lágrimas nos olhos, prestes a deixá-la e dizendo que vai viajar para arrumar dinheiro e voltar para buscá-la é de matar. Se faz isso com a gente não =//////////
Western é o gênero de cinema norte-americano por excelência, e o que mais sofreu desconstruções/revisões ao longo da história do cinema. Após tanto tempo, o gênero parece ainda respirar e "O atalho" parece ser mais uma revisão. Mas mais importante do que discutir se estamos diante de mais um western revisionista, é discutir se estamos diante de um dos grandes filmes da década.
Oregon, 1845. Três famílias vagam perdidas em busca de uma terra prometida aonde terão nova vida. Atrás deles perde-se uma terra concreta, aonde viviam, e tudo era certo; à frente deles, uma terra prometida aonde o ouro jorra e a felicidade é certa, mas essa terra é apenas uma promessa, um sonho que pode ou não se tornar realidade. Entre eles, o deserto imenso ainda não desbravado da época em que o oeste norte americano ainda era terra de muitas tribos indígenas. O deserto será como um limbo, uma experiência.
É o primeiro filme que eu vejo no gênero em que tudo é contado pelo ponto de vista de quem não participa das aventuras: os homens conversam, decidem se vão enforcar, guiam as carroças, mas estão sempre de costas ou ao longe, no quadro quadrado escolhido pela diretora, sendo observados pelas mulheres. Somente quando elas estão perto deles é que vemos melhor suas faces. Quando eles saem é a elas que acompanhamos. A experiência de "O atalho" é a travessia do deserto e a incerteza de que se chegará ao fim, mas é também a rotina do dia a dia do viajante. Planos em que as mulheres colhem madeira ou lavam a roupa. A maior tensão do filme é um plano longo de dois disparos para o alto, no qual o carregar a arma de pólvora é o grande catalisador.
É fantástico como o quadro quadrado parece dar pouca importância para o ambiente; apesar do deserto estar sempre lá imenso e parecendo sem fim, o quadro quase sempre é tomado exclusivamente pelos personagens. Quando o inimigo natural chega, com falas em outra língua da qual não temos nenhuma pista, em sua persona misteriosa, contida, não do formato de guerreiro ou de indígena perigoso, o deserto, as terras, aparecem mais, porém tão vastas e misteriosas quanto antes: a diretora não revela nada a nós que também não revele aos viajantes, e se o índio parece conhecer e saber por onde anda, para nós tudo ainda é incerto. Entretanto, na esperança de chegarmos lá, aceitamos caminhar com o ser que nos foi posto como inimigo, cujas histórias eram sempre de terror e violência.
"O atalho", revisionista ou não, pode acompanhar os grandes westerns do passado, pois independente de gênero, é um filme inovador nos contando a história dos pioneiros da América - depois dos índios - numa época em que desbravar aqueles territórios, por qualquer motivo que fosse, podia significar muita coisa, inclusive a morte. Não sabemos de onde vieram aquelas pessoas, apenas sabemos que sua caravana se separou da principal para pegar um atalho para uma terra prometida; também não sabemos para onde vão, se é que chegarão em algum lugar.
<333333333333333 "Noites de Cabíria" é um produto do neorrealismo italiano: é todo feito nas ruas, nas margens de uma Itália que ainda se reconstrói da guerra que 'acabou' de sair; os personagens são marginais e imersos em um ambiente no qual eles sempre estão em busca por melhores dias. Cabíria é uma prostituta que mora em uma pequena casa, da qual muito se orgulha, numa região industrial meio abandonada; vizinha de Wanda, colega de trabalho, quando não está correndo de policiais e se escondendo em arbustos, está se desiludindo com os homens pelos quais se apaixona.
Cabíria é sensível, tempestuosa, esperançosa. Típica personagem do movimento neorrealista, encara as frustrações com alguma dose de esperança. Traída pelo namorado que rouba seu dinheiro e a lança para a morte logo no começo do filme, não consegue crer na maldade dele e à cada decepção não tarda para que seus olhos tornem a sorrir. Pois "Noites de Cabíria" é isso: em ritmo episódico é um pequeno passeio por Roma e pelas margens de Roma, seguindo essa personagem em suas noites - e alguns dias - trata da sua busca por um amor e alguma mudança de vida, para melhor, mesmo que já esteja bom na pequena casa com, olha só, um termômetro.
Esse filme é bem singelo, simples mesmo, quase "não tem história", seu objetivo é claro, como dito pelo próprio diretor: guiar a personagem e presenteá-la com uma serenata, contar para ela que tudo vai ficar bem, apesar das coisas ruins. E é isso que Fellini faz, de pedacinho em pedacinho, de desilusão em desilusão, em cada pedaço de Roma - de área abandonado, point de prostituas, mansões de estrelas de cinema - através de dança e música, em boates e na rua, ao guiar sua personagem, e nos guiar com ela.
Sei lá o que que eu to falando...
Aliás, a cena final é a mais bonita de todos os tempos? :33333
Eu estava há uns dois anos sem ver filmes de Apichatpong Weerasethakul. Talvez por isso esse tenha sido meu preferido até o momento, enquanto não revejo os outros. Já adianto aqui que Cemitério do esplendor é nada menos que maravilhoso. Não consigo não pensar na influência que o cinema de Tarkovsky deve ter tido no diretor tailandês: estão lá as câmeras paradas, o tom contemplativo, o passar do tempo como parâmetro para tornar cada vez mais sólida a experiência dos personagens ou o espaço físico etc. E o que há de mais pessoal na obra deve ser a Tailândia, seu povo, os costumes. Aqui, enquanto dormem os soldados numa espécie de 'doença de sono' numa sala de aula de uma escola pública, acompanhamos duas moças que cuidam deles, sendo uma delas dotada de uma sensibilidade mediúnica, gancho para conectar o espaço físico real e presente com o mundo dos sonhos, com o passado, no tempo e no espaço, características tão caras aos filmes do diretor tailandês. Numa cena chave, enfermeira voluntária e a garota médium andam sobre o terreno da escola, erguido sob um cemitério de reis, e enquanto a primeira anda ali no presente, a segunda parece vivenciar uma experiência diferente, descrevendo os palácios que só ela pode ver. O filme assume essa fusão com o onírico e torna-se cada vez mais mágico, como o soldado que que ora está acordado e ora está dormindo. E assim eu caminhava junto do soldado, nesse estado de sonambulismo. Que filme!!!
Surpreendentemente bom. Fazia tempo que eu não me empolgava com filme de terror-suspense atual. Esse vale a pena. A diretora talvez perca a mão em um ou duas cenas ao tornar tudo muito explicito quando o contrário é que estava legal, mas nada que prejudique o resultado final que é muito positivo. Toda a obra é muito bem construída, desde a transição quando parecia que ia ser em cima do garoto e passa a ser em cima da mãe, até toda a transformação psicológica dela e o medo crescente do qual não consegue escapar e pelo qual se deixa ser dominada; a analogia no final é sensacional. Filmaço.
2046 - Os Segredos do Amor
4.0 150 Assista Agoramais um filme do Kar Wai que é lotado de gente bonita pqp. Os filmes dele são uma concentração absurda de beleza por metro quadrado
Radioactive
3.5 221isso é um não-filme, um amontoado de baboseira, meu deus como algo pode ser tão ruim???????
Cinzas do Passado Redux
3.7 52 Assista AgoraLindíssimo. E só tem gente linda nesse filme hein pqp
De Olhos Bem Fechados
3.9 1,5K Assista AgoraEsse filme é lotado de subtexto. E é um filme de máscaras: pouca coisa aqui é natural por mais do que alguns minutos.
Involuntariamente póstumo, é o derradeiro trabalho de uma carreira brilhante do velho Kubrick. Me cansou um pouco depois dos 120 minutos, mas o encerramento é excelente.
É também o maior filme da carreira do Tom Cruise, que não mandou mal. Nem sei se ele estava à altura do texto, mas se o Kubrick escalou eu não posso criticar pois o velho nunca errou =pp
Bicicletas de Pequim
3.9 12Isso aqui é um excelente conto urbano tendo como fundo uma Pequim cuja recém abertura econômica impacta a vida de alguns jovens: a necessidade de auto afirmação, orgulho e delinquência juvenis mais a dificuldade de se manter e trabalhar sob exploração na tenra idade em uma enorme cidade. Uma crônica das ruas de uma cidade que se transformava.
O Dilema das Redes
4.0 594 Assista Agoramuito bom, mas só faltou a coragem da netflix de denunciar seus próprios algoritmos também =ppp
2001: Uma Odisseia no Espaço
4.2 2,4K Assista AgoraAbsurdamente belo. Uma completa experiência audiovisual pra mim.
A morte do HAL 9000 é uma cena avassaladora. É desesperador que o personagem mais humano e ambíguo seja um computador.
O Castelo Animado
4.5 1,3K Assista AgoraMelhor filme
The Perfection
3.3 720 Assista Agoraessa aberração é uma ofensa às instituições humanas
The Perfection
3.3 720 Assista AgoraCeci n'est pas une film
Vende-se Esta Casa
1.4 988 Assista Agoraeita nóis isso aqui é um insulto, mais chato que um assalto, mais feio que roubar dinheiro da caixinha das velhinhas da igreja...
A Qualquer Custo
3.8 803 Assista AgoraEm algum sentido esse filme é filho de 'no country for old men', a grande obra dos irmão Coen. Abraça a causa daquele e usa da mesma fórmula: um faroeste pelas ruas do oeste norte americano; um xerife e seu parceiro em uma espécie de duelo com criminosos que eles nunca encaram, mas sempre partilham os mesmos locais, andam no encalço, travam contatos com as mesmas pessoas mas nunca se olham nos olhos. Se David Mackenzie tomou emprestado toda a atmosfera que permeia a obra dos irmãos, os mesmos arquétipos de personagem e estrutura aqui são conduzidos por caminhos que dialogam com temas contemporâneos e arranham outras conversas: a população local passa de forma mais ativa na trama, seja dialogando com os criminosos, apoiando-os (como a garçonete que recebe gorjeta suficiente para ajudar na hipoteca e prefere não ajudar a entregar os bandidos) ou perseguindo-os e ajudando a polícia a capturá-los; a população local está pronta para atirar em bandidos, com suas armas sempre à cintura. O tema do porte de armas está bem explícito e a cultura texana onde todo homem tem seu revólver é parte importante dos acontecimentos gerais. São os mesmos velhos personagens mas numa roupagem atual que dialoga direto com nossa época. E nessa época atual desses personagens, homem branco que colonizou o oeste afugentando os índios agora sofre uma nova colonização; a dos bancos e dos especuladores que tomam as terras, não com exércitos, mas com empréstimos e assinaturas.
"Hell or high water" é um filme de assalto e perseguição em que cada bala atirada cai no lugar certo para cravar seu discurso no exato momento em que foi concebido. No fim deixa um gosto meio amargo e melancólico em que cada diálogo se encaixa e cada personagem tem seu espaço desenhado de forma a preencher exatamente esse cosmo que se desenhou e que não foi, necessariamente, finalizado.
Puta filme.
Wendy e Lucy
3.6 72Em meu reino esse filme tem um quartinho especial, aonde ele fica sendo tocado em looping, pra sempre.
Há até um templo para louvá-lo.
Wendy e Lucy
3.6 72Kelly Reichardt é mesmo uma diretora interessante. "Wendy and Lucy" é mais um presente imersivo que ela nos dá.
"Wendy and Lucy" é um filme sincero, sobre uma garota da qual nada sabemos quando ela chega a uma pequena vila no Oregon: de onde ela veio, por que veio, são questões que não interessam. Ela vai ao Alaska, em busca de um emprego. Por que o Alaska? Sua irmã vive em Indiana e essa é uma das poucas informações que teremos sobre o que Wendy deixou para trás. Ir ao Alaska apenas para buscar um emprego não parece ser o único motivo que move Wendy, como o telefonema para a irmã deixa subentendido. Há algo a mais.
Mas não saberemos mais que isso.
Temos aqui um filme bastante subjetivo: acompanhamos Wendy, junto da câmera de Kelly, por todo o filme. Enquanto ela caminha do mercado até o canil, do canil até a oficina de carros e de volta. Não há muito mais que isso. O que Kelly nos dá é uma imersão completa na vida de Wendy naqueles poucos dias em que ela fica presa nessa vila do Oregon após seu carro quebrar e sua cachorra, Lucy, desaparecer. Com parcos recursos financeiros, com suas contas praticamente definidas nota por nota até a chegada ao Alaska, Wendy enfrentará o que ela define como uma "maré de azar" desde a chegada àquela vila até sua partida de lá. Não se trata de uma garota que 'dropou' a vida, mas sim de uma cuja vida parece tê-la 'dropado'. Mas Wendy é convicta e vai se resolver, mesmo que tenha que dormir dentro do carro ou no meio do mato, tomar banho em banheiro de posto de gasolina e roubar enlatado de comida de cão para sua Lucy. Wendy está em situação desfavorável mas com um objetivo claro em mente.
Enquanto seus planos se desintegravam, numa sucessão lenta de acontecimentos, Wendy permanecia de cabeça erguida, tentando contornar as situações, e se ela não voltava para casa e mantinha o plano de ir adiante arrumar dinheiro de alguma forma, mesmo que muito longe de casa, eu me convencia de que o que a tirou de lá foi alguma situação bem complicada.
Michelle Williams, intérprete de Wendy, e em quem a câmera de Kelly está o tempo inteiro colada, é a grande responsável por todas as nuances da persona de Wendy que se revelam durante os 80 minutos de projeção; atriz concisa e completamente consciente do que está fazendo, Michelle é a grande alma do filme. Kelly é a grande mestra que com sua câmera segue Wendy e nos revela os pedaços de sua história, aos poucos, de forma sútil e clara, com planos ora fechados, ora subjetivos, ora estáticos apenas observando.
"Wendy and Lucy" é um excelente filme, de algum formato americano naturalista, recortando o dia-a-dia das ruas, sem algum grande desenvolvimento de roteiro do que seria por aí chamado de "grande história". É um filme "sem história". É apenas um recorte de uns dias de sua personagem: sabe-se bem pouco de onde veio, e sabe-se nada de para onde vai.
O plano no qual Wendy deixa Lucy, já de costas, sacolas na mão, o ritmo lento, o som leve do choro no fundo, é de uma beleza arrebatadora. O sentimento construído é puro. O rosto de Michelle Williams encarando Lucy pelo cercadinho, lágrimas nos olhos, prestes a deixá-la e dizendo que vai viajar para arrumar dinheiro e voltar para buscá-la é de matar. Se faz isso com a gente não =//////////
O Atalho
3.3 60 Assista AgoraWestern é o gênero de cinema norte-americano por excelência, e o que mais sofreu desconstruções/revisões ao longo da história do cinema. Após tanto tempo, o gênero parece ainda respirar e "O atalho" parece ser mais uma revisão. Mas mais importante do que discutir se estamos diante de mais um western revisionista, é discutir se estamos diante de um dos grandes filmes da década.
Oregon, 1845. Três famílias vagam perdidas em busca de uma terra prometida aonde terão nova vida. Atrás deles perde-se uma terra concreta, aonde viviam, e tudo era certo; à frente deles, uma terra prometida aonde o ouro jorra e a felicidade é certa, mas essa terra é apenas uma promessa, um sonho que pode ou não se tornar realidade. Entre eles, o deserto imenso ainda não desbravado da época em que o oeste norte americano ainda era terra de muitas tribos indígenas. O deserto será como um limbo, uma experiência.
É o primeiro filme que eu vejo no gênero em que tudo é contado pelo ponto de vista de quem não participa das aventuras: os homens conversam, decidem se vão enforcar, guiam as carroças, mas estão sempre de costas ou ao longe, no quadro quadrado escolhido pela diretora, sendo observados pelas mulheres. Somente quando elas estão perto deles é que vemos melhor suas faces. Quando eles saem é a elas que acompanhamos. A experiência de "O atalho" é a travessia do deserto e a incerteza de que se chegará ao fim, mas é também a rotina do dia a dia do viajante. Planos em que as mulheres colhem madeira ou lavam a roupa. A maior tensão do filme é um plano longo de dois disparos para o alto, no qual o carregar a arma de pólvora é o grande catalisador.
É fantástico como o quadro quadrado parece dar pouca importância para o ambiente; apesar do deserto estar sempre lá imenso e parecendo sem fim, o quadro quase sempre é tomado exclusivamente pelos personagens. Quando o inimigo natural chega, com falas em outra língua da qual não temos nenhuma pista, em sua persona misteriosa, contida, não do formato de guerreiro ou de indígena perigoso, o deserto, as terras, aparecem mais, porém tão vastas e misteriosas quanto antes: a diretora não revela nada a nós que também não revele aos viajantes, e se o índio parece conhecer e saber por onde anda, para nós tudo ainda é incerto. Entretanto, na esperança de chegarmos lá, aceitamos caminhar com o ser que nos foi posto como inimigo, cujas histórias eram sempre de terror e violência.
"O atalho", revisionista ou não, pode acompanhar os grandes westerns do passado, pois independente de gênero, é um filme inovador nos contando a história dos pioneiros da América - depois dos índios - numa época em que desbravar aqueles territórios, por qualquer motivo que fosse, podia significar muita coisa, inclusive a morte. Não sabemos de onde vieram aquelas pessoas, apenas sabemos que sua caravana se separou da principal para pegar um atalho para uma terra prometida; também não sabemos para onde vão, se é que chegarão em algum lugar.
É um filme louvável.
Noites de Cabíria
4.5 381 Assista Agora<333333333333333
"Noites de Cabíria" é um produto do neorrealismo italiano: é todo feito nas ruas, nas margens de uma Itália que ainda se reconstrói da guerra que 'acabou' de sair; os personagens são marginais e imersos em um ambiente no qual eles sempre estão em busca por melhores dias. Cabíria é uma prostituta que mora em uma pequena casa, da qual muito se orgulha, numa região industrial meio abandonada; vizinha de Wanda, colega de trabalho, quando não está correndo de policiais e se escondendo em arbustos, está se desiludindo com os homens pelos quais se apaixona.
Cabíria é sensível, tempestuosa, esperançosa. Típica personagem do movimento neorrealista, encara as frustrações com alguma dose de esperança. Traída pelo namorado que rouba seu dinheiro e a lança para a morte logo no começo do filme, não consegue crer na maldade dele e à cada decepção não tarda para que seus olhos tornem a sorrir. Pois "Noites de Cabíria" é isso: em ritmo episódico é um pequeno passeio por Roma e pelas margens de Roma, seguindo essa personagem em suas noites - e alguns dias - trata da sua busca por um amor e alguma mudança de vida, para melhor, mesmo que já esteja bom na pequena casa com, olha só, um termômetro.
Esse filme é bem singelo, simples mesmo, quase "não tem história", seu objetivo é claro, como dito pelo próprio diretor: guiar a personagem e presenteá-la com uma serenata, contar para ela que tudo vai ficar bem, apesar das coisas ruins. E é isso que Fellini faz, de pedacinho em pedacinho, de desilusão em desilusão, em cada pedaço de Roma - de área abandonado, point de prostituas, mansões de estrelas de cinema - através de dança e música, em boates e na rua, ao guiar sua personagem, e nos guiar com ela.
Sei lá o que que eu to falando...
Aliás, a cena final é a mais bonita de todos os tempos? :33333
PS: Giulietta Masina está um amor
Cemitério do Esplendor
3.8 43Eu estava há uns dois anos sem ver filmes de Apichatpong Weerasethakul. Talvez por isso esse tenha sido meu preferido até o momento, enquanto não revejo os outros. Já adianto aqui que Cemitério do esplendor é nada menos que maravilhoso.
Não consigo não pensar na influência que o cinema de Tarkovsky deve ter tido no diretor tailandês: estão lá as câmeras paradas, o tom contemplativo, o passar do tempo como parâmetro para tornar cada vez mais sólida a experiência dos personagens ou o espaço físico etc. E o que há de mais pessoal na obra deve ser a Tailândia, seu povo, os costumes. Aqui, enquanto dormem os soldados numa espécie de 'doença de sono' numa sala de aula de uma escola pública, acompanhamos duas moças que cuidam deles, sendo uma delas dotada de uma sensibilidade mediúnica, gancho para conectar o espaço físico real e presente com o mundo dos sonhos, com o passado, no tempo e no espaço, características tão caras aos filmes do diretor tailandês. Numa cena chave, enfermeira voluntária e a garota médium andam sobre o terreno da escola, erguido sob um cemitério de reis, e enquanto a primeira anda ali no presente, a segunda parece vivenciar uma experiência diferente, descrevendo os palácios que só ela pode ver. O filme assume essa fusão com o onírico e torna-se cada vez mais mágico, como o soldado que que ora está acordado e ora está dormindo. E assim eu caminhava junto do soldado, nesse estado de sonambulismo. Que filme!!!
O Babadook
3.5 2,0KSurpreendentemente bom.
Fazia tempo que eu não me empolgava com filme de terror-suspense atual. Esse vale a pena.
A diretora talvez perca a mão em um ou duas cenas ao tornar tudo muito explicito quando o contrário é que estava legal, mas nada que prejudique o resultado final que é muito positivo.
Toda a obra é muito bem construída, desde a transição quando parecia que ia ser em cima do garoto e passa a ser em cima da mãe, até toda a transformação psicológica dela e o medo crescente do qual não consegue escapar e pelo qual se deixa ser dominada; a analogia no final é sensacional. Filmaço.
O Sequestro do Metrô 1 2 3
3.2 663 Assista AgoraFilme muito importante na minha vida: me ensinou como usar o botão de passar pra frente mais rápido do dvd *--*
Os Miseráveis
4.1 4,2K Assista AgoraMais feio que minha divida com o cartão de crédito
Nine
3.0 859 Assista AgoraFilme ridículo; me sinto ofendido