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  • Luís Guilherme

    ATENÇÃO: esta crítica contém spoilers. Os mais pontuais foram marcados.

    "Quando me tornei anarquista tentei toda a espécie de disfarces respeitáveis. Primeiro vesti-me de bispo. Tinha lido, nos nossos panfletos "Superstição, eis o Vampiro" e "Padres de Rapina", tudo o possível acerca de bispos. Desses escritos concluí que eles eram uns velhos estranhos e terríveis que ocultavam à humanidade um segredo cruel. Fui mal informado. Quando pela primeira vez me apresentei num salão com as vestes episcopais e clamei: "Humilha-te! Humilha-te, presunçosa razão humana!", descobriram logo que eu não era bispo. Apanharam-me." (G.K. Chesterton, "O Homem que era Quinta-feira")

    O terror de estreia de Evan Spiliotopoulos é muito bem resolvido com seu conteúdo religioso e a atmosfera gótica que quer construir. Para um católico como eu, isso é muito gratificante. Mas também é importante para conferir credibilidade a essa filiação ao gótico, que desde seus primórdios na literatura dialoga com a religião católica e articula mensagens em relação ao tema da fé. Abordagens e mensagens que partem, em muitas obras, apenas do senso comum e da aura de superstição em torno da religião, mas não aqui.

    Sob esse ponto de vista, o filme é bem católico em suas assunções. Não há, em momento algum, a tentativa de levar tudo para um ceticismo caricaturizador das crenças religiosas e dos líderes, ou tampouco para o sensacionalismo da profanação em busca de um choque fácil. Desde o título original em inglês, tristemente adulterado na tradução, fica bem claro que o filme não quer profanar a imagem de Nossa Senhora e da fé católica, como alguns desavisados pensariam, como também não quer instaurar dúvidas teológicas ou psicológicas. Fica bem claro desde o título que o que se revelará ali é o mal, o diabo que se utiliza da fé para atrair as almas. Não o encontro de um "lado oculto" em Nossa Senhora, não uma exposição sobre fanatismo religioso ou corrupção na Igreja, mas um enredo que entra em pleno acordo com a Bíblia e as possibilidades para o mal em suas manifestações.

    Todo o roteiro é construído de modo a mostrar ao espectador, logo de cara, que não se trata de um evento divino, mas sim satânico. Acompanhamos uma devoção a Maria que tem origem por Alice, a sobrinha do padre da igreja na pequena cidade de Banfield (Nova Inglaterra), que, após receber o que acredita ser uma cura miraculosa de Maria e começar a falar pela primeira vez na vida, sente o chamado da "Maria de Banfield" para espalhar sua mensagem e seu culto. Os eventos que precedem isso já deixam claros como tudo aquilo faz parte de uma maldição: a cena inicial de uma bruxa do século XIX,

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    que mais ao fim da trama descobriremos ser Maria Elnor

    , queimada pelos habitantes da cidade na mesma árvore em que Alice recebe o suposto chamado; o jornalista que chega na cidade para investigar uma história e, tentando criar uma falsa narrativa, acaba quebrando o boneco usado para aprisionar o mau-espírito de Maria Elnor.

    O mais interessante, porém, vem no tratamento espiritual de tudo aquilo. Alice diz com todas as letras que está feliz porque está ganhando fama ao espalhar a mensagem da "Maria de Banfield", que Maria a fez passar de uma garota esquecida a uma celebridade mundial. O jornalista, que é um homem com propensões ao ateísmo e com um passado de descrédito por inventar várias histórias para obter sucesso em sua carreira, se anima com a possibilidade de voltar a ser prestigiado e requisitado pelos jornais, já que ganha acesso exclusivo a Alice por estar envolvido no primeiro encontro dela com Maria. Percebemos a impossibilidade de se tratar de uma manifestação divina, uma vez que a palavra de Deus ensina que nunca se deve fazer algo buscando a glória pessoal, mas exclusivamente a glória de Deus. Tudo é errado desde o início naquela devoção, do ponto de vista cristão, e o filme escancara isso, até mesmo nas falas dos habitantes da cidade que citam versículos bíblicos a todo momento e não demoram a dizer: "O orgulho precede a queda", citando Provérbios 16, 18.

    Dessa forma, a visão católica racional com relação aos milagres e aparições é sempre enfatizada em contraposição à superstição sensacionalista de que o demônio se utiliza. E o filme é bem explícito em suas intenções. As informações apresentadas sobre o processo do Vaticano para investigação desses eventos, com todo o rigor da provação científica, são mesmo bem acuradas. Ao invés da aceitação fácil que se expressaria em um filme que buscasse criticar uma suposta manipulação religiosa da Igreja para enganar os fiéis e um aspecto irracional da crença, essa relação entre ciência e fé, que a visão caricaturada tenderia a contrapor em uma antítese, é afirmada em sua união. Há o inquisidor que usa de todo seu conhecimento científico para tentar refutar a todo custo os supostos milagres, deixando desde o início bem clara suas intenções ordenadas pela Igreja. Essa união entre ciência e fé fica até mesmo escancarada na fala de uma personagem que tenta convencer o jornalista de que a fé não precisa ser irracional.

    Há mesmo uma questão de posicionamento no espectro teológico de que o filme se utiliza para reafirmar essa racionalidade da fé. O padre Hagan, que deve representar a oposição naquela comunidade de aceitação fácil, cita uma frase de Martinho Lutero, que é imediatamente reconhecida pelo jornalista: "Onde Deus abre uma igreja, o diabo constrói uma capela ao lado". Ao contrário do pastor de First Reformed (2017), que dentro de sua posição protestante tem uma formação de autores católicos para enfatizar o valor que dá ao sacrifício, martírio e sofrimento, mais presentes na teologia católica, valores de grande importância em seu arco no filme, o padre aqui manifesta essa formação protestante que é mais radical em seu ceticismo com relação às aparições. Tudo sempre de maneira bem explícita, sem deixar nada nas entrelinhas, para que qualquer tipo de espectador possa reconhecer mesmo sem informações prévias. Esse escape da teologia católica no personagem, no extremismo de suas posições, mostra que, para além de manifestar uma visão católica, a unidade do filme está nessa contraposição entre as manifestações divinas, em sua razoabilidade, descompromisso e simplicidade, e as manifestações demoníacas em seu arrebatamento sensacionalista.

    Para essa evidenciação, os aspectos estilísticos do filme parecem contribuir. O CGI meio kitsch das cenas de aparições e mortes, com momentos dignos de novela da Record, estranham sobretudo pelo fato do orçamento do filme não ser tão baixo: um orçamento padrão de A24 ou Blumhouse, que não produziria efeitos tão caricatos. Para além da marca da produção de Sam Raimi, que talvez assinale essa preferência pelo kitsch em alguma medida, parece que há uma permanente desconjunção entre o sobrenatural e o natural no filme. Isso se mostra tanto nessas cenas de aparições e mortes (a aparição da senhora no céu; a aparição saindo do lago; a cruz do altar pegando fogo

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    e matando o padre inquisidor

    ), em que a figura do sobrenatural aparece sempre bastante destacada do cenário natural, como uma moldura bastante gritante e destoante em um quadro, quanto em momentos súbitos que quebram um padrão construído até ali (cujo maior exemplo é a cena de documentário sobre o comércio da fé que está sendo realizado às portas da igreja em que todos os fiéis se reuniram para a grande consagração à Maria de Banfield, trazendo subitamente para o cotidiano banal um universo que estava centrado na atmosfera gótica sobrenatural).

    Toda essa desconjunção, além de necessidades técnicas ou marca autoral, parece contribuir para a já destacada contraposição entre o universo divino e o universo satânico. Por já termos a noção da falsidade da aura divina que Alice e os outros veem no acontecimento, o suspense não está em descobrir o segredo (pelo menos não o grosso dele), mas em saber como se dará a contraposição, como tudo vai se resolver. Ou seja, em saber o que classicamente nossa curiosidade sempre espera: se o bem vencerá o mal. Mais ainda, nesse caso, como o bem se construirá em relação ao mal. Dessa forma, o filme constrói uma atmosfera gótica em que, diferentemente do que é classicamente feito, o segredo está na descoberta do bem a partir do mal instaurado. E essa atmosfera é bem construída, não é minada pelo uso dos tão temidos jump scares. Pelo contrário, eles ajudam a construí-la, já que são parte do destaque desarmônico do sobrenatural naquele mundo. Não aparecem em número desnecessário e não se tornam a muleta de apoio do filme, mas são utilizados em momentos em que fazem sentido.

    As manifestações do mal que prevalecem ao longo do filme encontram-se nessa atmosfera de espetáculo sensacionalista, irracionalismo, egoísmo e falsidade.

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    O milagre divino, quando chega, é simples, humilde e dura para sempre. Em outras palavras, é um verdadeiro milagre, não uma ilusão para impressionar. Vem não por alguém necessitado de fama, mas pela oração sincera de um pecador e cético convertido, que sacrifica sua posição e reputação para salvar alguém que ama. Entra, assim, em concordância com o Evangelho, que mostra o Deus que se alegra pela conversão sincera dos pecadores, atende suas orações e se manifesta na simplicidade. É o Deus que nasce em uma manjedoura em meio aos animais e derrota os que ocupam trono de ouro. Que atende não quem ora com grandiloquência e mostra a todos as marcas de suas penitências, mas quem se recolhe em sua intimidade, seus joelhos no chão e pratica a virtude sem querer ser visto, conforme ensinou Jesus. Que se alegra mais com a volta de uma única ovelha que se perdeu do que com multidões de seguidores. E é por isso que nossa certeza sobre a veracidade desse milagre não é contaminada pelo final "to be continued...": o milagre tem essas características que atestam a real presença divina e marcam a contraposição estabelecida. Se há algo que o final revela, é apenas a continuidade dessa batalha espiritual que, segundo a revelação divina nos dá a conhecer, deve durar até o fim dos tempos.

    De igual modo, os milagres ocorridos em Lourdes, que são mencionados no filme, vieram na manifestação simples e na humildade da jovem Bernadette, a quem Nossa Senhora pediu não que atraísse multidões e alcançasse fama no mundo todo, mas que cavasse um poço com as próprias mãos para fazer brotar a água dos milagres. E como o padre Hagan bem assinala, sofreu em vida o martírio do descrédito, não a glória da fama. "Pois todo aquele que a si mesmo se exaltar será humilhado, e todo aquele que a si mesmo se humilhar será exaltado", disse Jesus (Lucas 14, 11).

    Talvez proposital, talvez por acidente, mas é um dos únicos casos em que um CGI tosco contribui para articular a ideia que o filme quer passar e para lidar com o gótico de maneira inventiva.

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  • Luís Guilherme

    O filme todo se apoia nas interpretações de Daniel Kaluuya e Lakeith Stanfield, fazendo de seus momentos mais fortes e marcantes os discursos políticos inflamados de Fred Hampton (sobretudo o discurso final que consegue contagiar também Bill). Nesse sentido, parece quase uma peça de propaganda revolucionária misturada com uma certa abordagem de Wikipédia para contar a história dos dois.

    Os dois atores conseguem carregar o filme com relativo sucesso, mas qualquer coisa mais interessante que podia ter sido explorada nas relações humanas e conflitos internos e externos dos personagens é deixada na superfície. No caso de Bill, seus remorsos e dúvidas são muito contidos, ficam no meio caminho entre a evidenciação e o apagamento. Parece que o diretor quer mostrá-los ao espectador em alguns momentos-chave, mas faz tudo de maneira meio discreta e indefinida, o que leva a não seguir por nenhum dos dois caminhos nas possibilidades para o personagem e entregar algo pouco verossímil.

    Já no caso de Fred, uma cena como a do primeiro beijo com sua mulher, que mostra seu lado mais íntimo e as incertezas que esconde por trás daquela imagem inabalável, aparece ali isolada e nunca mais se repete. O personagem vai assumindo cada vez mais um tom "burocrático" nos meandros que enfrenta em sua rivalidade com o sistema, até sua morte, que é totalmente esvaziada de força e gera impacto zero no espectador, não conseguindo captar convincentemente nem a tristeza de sua mulher grávida. Logo o texto contando o restante dos eventos sobe na tela, na técnica mais manjada possível e sem deixar espaço para nenhuma emoção, contrastando com os objetivos catárticos que parecem ser buscados na figura de Fred.

    Parece que tudo fica entre a frieza assumida e essa tentativa de abordar um certo lado sentimental que falha. Ao invés do filme propor-se a um dos dois e entregar-se a ele, a direção que não quer se arriscar em nada deixa tudo muito contido e sem força suficiente, desde essa construção dos personagens até a decupagem e montagem padrões. Assim, a história é contada de maneira "bonitinha" para vender aos simpatizantes da revolução e da luta contra o racismo, porém sem qualquer traço autoral mais evidente que poderia produzir uma grande obra.

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  • Luís Guilherme

    Um dos melhores exemplos de combinação entre enredo e articulação estilística. Nosso olhar é jogado de um lado para o outro com os jump cuts, as mudanças de plano bruscas, a livre movimentação da câmera na mão, tudo provocando nossa desorientação em meio à perseguição urbana. É tudo tão bem combinado que quase nem sentimos o estranhamento desses recursos de filmagem pouco ortodoxos.

    O melhor é que o filme consegue nos envolver tanto nesses momentos frenéticos, quanto na cena de interiores. Godard sabe construir tudo de um modo que os anseios dos personagens em todas as situações passam a ser os nossos. Na agitação parisiense, nosso olhar corre junto com eles. Na intimidade do quarto, quando há uma quebra de ritmo, acompanhamos o lento jogo dos corpos, a agitação expectante dos amantes em suas dúvidas e conflitos.

    Por fim, o filme consegue mesmo enganar nossas expectativas, transformando nossa quase irritação frente à submissão, ingenuidade e complacência da figura feminina em empolgação com a virada no ato final. Patrícia, que passa a imagem de personagem plana ao longo do filme todo, mostra subitamente sua esfericidade. Há, então, uma quebra de “preconceitos”: mesmo com toda a desorientação promovida pela mise-en-scène experimental, tínhamos uma certa sensação de controle sobre o filme por essa planificação dos personagens. O destino final, com a fuga para a Itália, parecia certo. Por mais que nosso olhar saltasse de um lado para o outro, tínhamos plena certeza de onde terminaria por pousar. A finalização mostra que a desorientação não é um mero fetiche formalista ou mesmo somente um recurso para aumentar a emoção catártica nos momentos mais “movimentados”, mas o cerne de todo o filme.

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  • Filmow
    Filmow

    O Oscar 2017 está logo aí e teremos o nosso tradicional BOLÃO DO OSCAR FILMOW!

    Serão 3 vencedores no Bolão com prêmios da loja Chico Rei para os três participantes que mais acertarem nas categorias da premiação. (O 1º lugar vai ganhar um kit da Chico Rei com 01 camiseta + 01 caneca + 01 almofada; o 2º lugar 01 camiseta da Chico Rei; e o 3º lugar 01 almofada da Chico Rei.)

    Vem participar da brincadeira com a gente, acesse https://filmow.com/bolao-do-oscar/ para votar.
    Boa sorte! :)

    * Lembrando que faremos uma transmissão ao vivo via Facebook e Youtube da Casa Filmow na noite da cerimônia, dia 26 de fevereiro. Confirme presença no evento https://www.facebook.com/events/250416102068445/

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