Possui uma proposta e um universo interessantes, que poderiam ser mais desenvolvidos pelo filme. Dada a grandeza do tal reino dos gatos, creio que mais história poderia ser encaixada ali, fazendo o próprio espectador imergir neste universo. Tudo acontece muito rápido. Mesmo que algumas revelações no final e pequenas reviravoltas deem mais profundidade aos personagens, não há tempo para o espectador “digerir” estas informações.
Não me entendam mal, “Reino dos Gatos” fica acima de muita coisa que sai anualmente em tema de animação, mas, ao final, fiquei com uma sensação de que vi algo incompleto, meio corrido. De qualquer forma, vale a assistida.
Interessante por dois motivos: 1) apresentar um embate diferente, envolvendo um índio que busca vingança; 2) aprofundar, mesmo que pouco, as questões dos nativos norte-americanos.
Ainda assim, achei o plot do filme simplício. O roteiro de Pirro, Regnoli e Di Leo é redondo, mas não traz elementos ou personagens que poderiam conferir mais profundidade à trama. Sergio Corbucci constrói situações convenientes demais, como, não revelando spoilers, quando nenhum personagem ouve um trem partindo a poucos metros de distância. Algo que também me incomodou foi ser obrigado a ouvir o tema principal a cada 5 minutos (ainda que seja bom).
No mais, vale a pena destacar Joe. Mesmo achando que este precisasse de mais falas e tempo de tela, trata-se de um personagem interessante e bem incorporado por Burt Reynolds. Salva bem.
A sequência inicial já mostra a que vem “A Morte Anda a Cavalo”. Intensa e violenta, esta serve para conhecermos a natureza dos personagens envolvidos e para nos apresentar o garoto que acompanharemos dali pra frente.
Petroni costura muito bem as histórias de Ryan e Bill, sabendo utilizar cada um deles na hora precisa – e trabalhando bem quando ambos estão em cena. John Phillip Law faz um Bill meio bobão e nada convicente (ainda que os bons diálogos salvem alguma coisa), mas Van Cleef está ótimo no papel e carrega boa parte do filme.
Fiquei com um pé atrás quando o primeiro segmento terminou. Cheguei a uma precipitada conclusão de que seria difícil manter a qualidade e o ritmo daquela história, tão bem contada em pouco tempo.
Grande engano.
Ainda que os planos aquietados e a montagem menos frenética de “Daniel y Valeria” enganem à primeira vista, nem parece que mudamos de história. O tema principal continua ali, perpassando os segmentos. Inserir cenas de outras histórias logo no começo foi uma decisão acertadíssima, fortalecendo a estrutura do longa.
Em terras tão peculiares quanto as nossas, latino-americanas, o urbano muitas vezes é mal utilizado por alguns diretores. Ainda assim, é expressivo o hall de filmes que souberam trabalhar com a temática. Por sua exemplar ambientação e uma construção ímpar do clima da cidade, não seria exagero já botar “Amores Perros” na lista. Um primeiro – e excelente – passo na carreira de Iñárritu.
Tem um material interessantíssimo. Registros, relatos, etc. Uma pena que isso tudo tenha sido tão mal aproveitado.
"The Propaganda Game" são 75 minutos de questões jogadas a esmo, sem o mínimo interesse de seus realizadores em respondê-las. Os entrevistados ocidentais ("especialistas", em alguns casos) pouco acrescentam. Alguns, vale ressaltam, reforçam até mesmo os estereótipos tão condenado pelo filme. A montagem também incomoda, uma vez que não dá ritmo ao filme e se perde em diversos momentos.
Theo está confuso e chora. À procura de alguém que o acolha naquele momento, ao menos para lhe servir de companhia, ele vai até a filha Klara. Naquele momento, um turbilhão de acontecimentos recentes coloca em cheque toda uma vivência. “O mundo está cheio de maldade, mas se ficarmos juntos, ele vai embora”, diz o rapaz.
É meio difícil ver “A Caça” sem saber nada da história. De qualquer forma, o que se destaca é o belíssimo desenvolvimento que Vinterberg dá ao roteiro, escrito em parceria com Tobias Lindholm. As subtramas da vida de Lucas, como o filho Marcus e seu envolvimento com Nadja, são pontuais e servem tanto ao conturbado momento da vida dele quanto para o próprio desenvolvimento do personagem. No início, as coisas acontecem de forma apressada, mas basta o filme se estabelecer para que o diretor conduza com calma seu realista drama.
Junto a Charlotte Bruus Christensen, que assina a fotografia, Vinterberg constrói bem as cenas que requerem um maior peso dramático. É interessante perceber como a luz é usada nos diálogos do longa, como, evitando maiores spoilers, na cena em que Klara relata o suposto abuso à professora, ou mesmo nos marcantes diálogos que Lucas mantém com Theo ao longo do filme, proporcionando belas rimas visuais. O uso de zoom na primeira metade do filme incomoda um pouco. Fiquei com a impressão de que o uso de outros artifícios não bastava para Vinterberg comentar o que queria. Pelo menos não é tão usado mais adiante.
Para finalizar, “A Caça” é o que é basicamente por sua delicada temática. Quanto a isso, não restam dúvidas da eficácia de seus realizadores. Um dos charmes da obra está no contraste entre uma suposta intolerância coletiva e a força do relato infantil (e a quase credibilidade cega e absoluta que damos a ele). Tal contraste só é possível na impressionante verossimilhança do filme, que reside também nos precisos diálogos e nas ótimas atuações (é claro que eu não me esqueceria de Mikkelsen).
De uma preguiça inacreditável. Como se já não bastasse repetir as mesmas piadas e situações, o filme ainda o coloca na forma road movie (como o anterior) para justificar uma nova história. O teor machista/xenofóbico/etc/etc das piadas também me incomodou. Em pleno 2014, a dupla Farrelly nem ao menos se dá ao trabalho de desconstruir estes preconceitos em prol de um humor mais refinado. E, não, não compro muito essa de "rimos deles, e não de suas piadas".
O que salva? Novamente, as atuações de Carrey e Daniels, que além de apresentarem uma química perfeita, são a cereja de um bolo que esperou 20 anos para aparecer - e veio bem ruinzinho.
A impressão que fica é que Cowspiracy é um daqueles professores chatos que repetem a mesma informação toda hora. Com exceção dessa repetiçãozinha de alguns dados, é um doc necessário para ao menos peitar essas empresas. A inserção de Kip como personagem ativo e narrador da história toda é algo que funciona em boa parte.
O mais curioso só encontramos nos letreiros mesmo: DiCaprio como produtor executivo. Uma atitude corajosa e arriscada para alguém com tanto nome.
Trata-se de uma história que, em sua versão original, já é de tirar o fôlego. No entanto, se por um lado gostei bastante de algumas alterações de Reiner e Goldman no roteiro, outras me deixaram desapontado. Uma delas é o fato de eles contarem muito o que acontece fora da casa. Talvez seja para o desenvolvimento de alguém fora daquele xadrez macabro, o que me tirou da imersão no quarto quase que por completo em algumas ocasiões. No livro, há uma comicidade meio insana que sai dos pensamentos de Paul, algo que funciona muito bem narrativamente. O filme até tenta trazer um alívio cômico com o xerife, não convencendo tanto.
O que há de bom na adaptação? Paul e Annie. Durante os pouco mais de 100 minutos de filme, há um desenvolvimento de personagens muito bem realizado. Conhecemos os dois nas minúcias, nos planos-detalhe (que Reiner usa até não poder mais) e nas situações – muitas vezes alteradas em relação ao livro, por sinal – apresentadas pela trama.
A montagem de Robert Leighton também é outro ponto forte, com especial destaque ao momento em que, segura que vem spoiler bem de levinho, Paul sai do quarto pela primeira vez e Annie está voltando pra casa. Durante todo o filme, a agilidade de Reiner é algo que dá ritmo e, principalmente, gosto de ver.
Achei o terceiro ato MUITO corrido, principalmente o desfecho e os pormenores ali depois. Incomoda um pouco, mas não tira o brilho da obra.
Não fiz meu dever de casa como explorador mirim da obra de King e ainda não li o livro. Assim sendo, torço para que seja melhor que o fraco roteiro de Lawrence D. Cohen, que pouquíssimo trabalha os personagens e deixa a história canastrona em muitos momentos. O que salva, mas salva MESMO é a puta direção de Brian De Palma.
É nas mãos do talentoso De Palma que a trama ganha corpo e ritmo. Sua câmera viaja pelos cenários, alternando a abordagem de acordo com o que requerem as situações, mas sempre dialogando perfeitamente com o jogo de cores e iluminação do longa. O trabalho conjunto com Mario Tosi, que assina a fotografia, é fantástico até mesmo no uso de técnicas para ditar o tom e antecipar resoluções ao longo da obra. Outro aspecto que me agradou bastante foi a boa trilha de Pino Donaggio, que pontua os acontecimentos sem apelar para a pura exposição.
Para fechar: quem é a VERDADEIRA aberração do filme?
É encarando sem preconceitos a filmografia de John Ford que me surpreendo cada vez mais com suas obras. "No Tempo das Diligências" demorou um pouco para conseguir minha atenção, acho o comecinho corrido e o filme meio inchado ali pelo meio. Porém, a partir da metade ele deslancha de vez, muito pela eficiente direção de Ford.
A relação entre Dallas e Ringo poderia ser retratada da forma mais clichê e melosa do universo, mas é feita com delicadeza e muita paciência. Ford e Glennon, que assina a fotografia, trazem composições belíssimas, que por si só já traduzem o que o enrolado roteiro de Nichols demora a fazer. E, não nos esqueçamos, estamos falando de um bandido e uma prostituta.
O filme também possui sequências de ação realizadas com primor. A perseguição que envolve a diligência, além de muito bem montada, faz uso de planos ousados para a época. A cena é dinâmica, ágil, assim como todo o terceiro ato do longa.
No entanto, "Stagecoach" ainda é um filme bem racista no que tange à representação dos apaches. Acompanhamos o grupo de Buck e os outros desde o começo, nos identificamos com alguns e por aí vai. Quando os nativos aparecem, parece meio inevitável o filme tratá-los como ameaça, mas fiquei com a sensação de que ele exagera quando faz isso. Sem falar dos diálogos (olha Nichols de novo), sempre expondo o ódio quanto aos apaches.
É um filme que funciona de forma relativa dada sua proposta. Furtado constrói os planos com delicadeza, muitas vezes até bastante didático com o que quer dizer. Esta nova empreitada do diretor, no entanto, é um tanto engessada. Os diálogos são artificiais, mesmo quando interpretados pelos eficientes Brichta, Esteves e Cuoco.
Outra coisa é o fato de a trama girar num drama burguês com personagens com quem pouco nos importamos. Senti também um teor sexista ao longo das situações do filme. Anita é de Pedro, queria ser de João, mas só será dele quando o marido falecer. Há inclusive um diálogo com os dois rapazes que explicita bem isso, lá pro final do longa. A coisa das modelos também reflete um pouco isso.
Analisando o todo, não gostei de Real Beleza como filme, mas não há dúvidas de que é uma tentativa válida de um cineasta que procura sempre se reinventar.
A covardia de um homem ao abandonar companheira e filho recém-nascido. A falta de perspectivas e condições desta mulher, que leva o garoto ao segundo abandono. Fica com o personagem de Chaplin, um sujeito de classe média baixa que ganha a vida como caloteiro e mora num lugarzinho pra lá de precário.
Há duas questões que eu gostaria de tratar melhor sobre o filme. Primeiramente, como ele trabalha símbolos religiosos em prol de sua narrativa. Quando, logo no início, vemos a figura de Cristo a carregar a cruz, numa clara alusão ao sofrimento não merecido da moça, se destaca a eficiente montagem de Chaplin (outra de suas habilidades). Já aquela sequência que se encontra lá pelo final, com os anjos, é uma puta metáfora que o realizador encontrou para explicar os sentimentos do personagem naquele momento.
Outra coisa é a perspicácia de Chaplin em questões de cunho social. Afinal, trata-se de uma vida (quando vemos o garotinho ainda bebê) que, a priori, não tem importância alguma pro Estado. Ele não arcará com o sustento e pouco liga para suas condições, mas está sempre lá para apontar o dedo (caso do policial no início do filme). A solução paliativa? Pegar a criança quando crescida na tentativa de consertar o descaso (caso do orfanato).
Um filme de uma sensibilidade ímpar, que se propõe a abordar assuntos delicados sem medo de arriscar - e com muito bom humor e otimismo.
O vírus da raiva em sua fase de infecção cerebral é a prova viva, irrefutável e determinante de que, sim, o mal existe e é uma força quase invencível. Não tenho dúvidas de que Stephen King sabia dessa verdade terrena quando escreveu Cujo (ainda que pouco se recorde do processo de escrita do livro). O filme inspirado em sua obra, no entanto, peca ao desenvolver mal seus personagens e não apresentar soluções mais inventivas em sua narrativa.
Além de Cujo, acompanhamos os Trenton e, em alguns momentos, o pessoal que mora junto com o cão. Quando estamos com a família feliz e inabalável, vemos pouquíssimo desenvolvimento destes personagens. Não sabemos quem eles são ou o que fazem (à exceção do pai, publicitário). E não nos esqueçamos de Steve, um conhecido da família que se revela extremamente descartável, servindo apenas às escapadas que o roteiro de Dunaway e Currier encontra para (tentar) amarrar suas pontas. A relação entre eles é boa? Ah, até vai. Mas as pouco inspiradas atuações comprometem o tratamento de Lewis Teague neste aspecto.
Ainda assim – já que não odiei profundamente tudo -, o cãozinho Cujo é algo a ser destacado. Afinal, ele dá nome à obra, né? Mesmo que eu tenha ficado um tanto desconfiado quanto à rapidez da transformação decorrida da raiva, há um trabalho admirável na caracterização do canino. Dos caninos, no caso, já que cinco São Bernardo foram usados na produção. Dos planos que o colocam superior às vítimas aos avanços desesperadores, vemos os méritos de Teague e do montador Neil Travis na elaboração destes momentos.
O final desaponta bastante ao optar pelo caminho mais confortável e lugar comum possível, Mas pra não ser mauzão, prefiro pensar que Cujo foi um TV Movie sem grandes pretensões de entrar para história como um novo Iluminado da vida.
Não é que ele fica até melhorzinho quando pensado dessa forma?
Convivência e aceitação, seja de si mesmo ou em comunidade. É esta a leitura que fiz de "Ponyo", um filme que trabalha tão bem personagens e história a fim de ressignificá-los numa obra de pinceladas bonitas e tom singelo.
Para mim, a abordagem e as temáticas de Miyazaki são os fatores que mais diferenciam suas animações das de outros realizadores. Filmes de uma sensibilidade admirável.
Às vezes (quase sempre) é melhor assistir a um filme sabendo apenas seu título. Fui assim para "O Silêncio dos Inocentes" e me surpreendi imensamente, principalmente pelo belíssimo desenvolvimento de personagens.
A primeira metade nem chega ao fim e já conhecemos toda a vida de Clarice. Por meio de flashbacks que se encaixam perfeitamente à narrativa, o passado da protagonista se esclarece diante do espectador, explicando os porquês de sua complexa personalidade e atitudes presentes (muito devido à montagem, ponto forte do longa). Acompanhamos a transformação da moça despreparada, que comete os erros de principiante numa das visitas a Lecter, em uma Clarice determinada, que tem firmeza em suas ações e calca sua autoridade na personalidade imponente.
Introspectiva e milimétrica, a atuação de Hopkins confere a Hannibal o tom perfeito demandado pelo roteiro. Sentimo-nos ameaçados pela presença de Lecter, a cena envolvendo os dois policiais, a propósito, não poderia resumir mais a frieza das ações calculadas do psicopata. Num diálogo lá pelo fim do segundo ato, a câmera de Demme encontra-se colada na cara do rapaz, enquanto Clarice está entre as grades do próprio Hannibal. Milimétrico e sugestivo até nos planos.
Me frustrei um pouco com a solução encontrada pelo roteiro lá pro final do filme. Estragou o desfecho? Não, mas a irrealidade da situação incomoda. Ainda assim, a conclusão de "O Silêncio dos Inocentes" é fantástica. Nela,
fiz a leitura de que o mal se reencarna, tem uma de suas peças tomadas para que outra volte a agir (assim como "Twin Peaks"). Outra coisa brilhante num dos últimos segmentos é a vítima de Buffalo Bill carregar seu animalzinho nos braços, mostrando o afeto e carinho por um canino que Bill parece nunca ter tido com humanos. Mas por quê?
É conhecidíssima a sequência que mostra o funcionamento dos abatedouros, com planos fechados nos rostos e captando principalmente o sofrimento ali presente. Ao longo de todo o doc., há também outras imagens de arquivo importantes do ponto de vista da abordagem do filme. Com uma boa montagem, só estas gravações já dariam um doc. interessante. Neste aspecto, sim, “A Carne é Fraca” acerta em cheio nos registros utilizados/captados. Ainda mais quando sabemos quão infestada é a internet de vídeos falsos e afins.
O grande problema está nas entrevistas do filme. A meu ver, um bom documentário deve suscitar discussões embasadas, promover nele mesmo linhas de reflexão conflitantes. Ao longo de 54 minutos vi apenas exposição atrás de exposição. Seria ótimo, por exemplo, abordar como as grandes empresas do ramo IMPEDEM que este debate ocorra em veículos de comunicação tradicionais. Ou mesmo traçar projeções interessantes no que tange à manutenção de um número tão grande de animais que precisam ser alimentados/hidratados para este consumo.
“A Carne é Fraca” tem menos de uma hora. Que fizessem dessa hora algo mais proveitoso, com mais especialistas, pesquisadores, gente da área. A discussão poderia ser MUITO melhor se, ao invés desta quantidade de “gente de fora”, eles colocassem pessoas de fato envolvidas. Nada contra psicólogos ou jornalistas (estudo Comunicação Social, rs), mas poxa, bota gente que lida com isso diariamente!
Não me entendam mal, passei quase o tempo todo acenando com o que eles diziam e me indignando com o que era exposto. Porém, como FILME, não sei se este foi o melhor caminho escolhido.
Ron está prestes a tomar AZT pela primeira vez. Joga na garganta, empurra com cerveja e logo vai para o pó. A tela da TV que o reflete também o deixa sozinho naquele enquadramento. Ron quer se preencher, não só com químicos, mas com uma razão para viver. Afinal, está apenas existindo. Existência esta que se encontra fadada a acabar logo – tendo sua sentença suscetível à redução a cada novo raio, gole ou exagero. A doença o faz se identificar com sujeitos que não passariam pela figura assombrosa que aparece quando provocada. Este ser, de tanto (mach/rac)ismos, (homo/trans/afins)fobismos ainda apresenta estes traços no decorrer do filme, mas muda consideravelmente com sua militância não-intencional por aqueles que têm seus dias contados por conta do vírus, algo que nem sequer passou pela escolha.
Rayon, de início, é um contraponto interessante aos extremismos e à arrogância de Ron. Também tem seus excessos, suas extravagâncias, porém, faz parte de uma balança necessária para o protagonista. Em seu segundo encontro com Ron, a trans recusa os medicamentos oferecidos pelo característico sulista e sai a andar. Ron a acompanha de carro, num belíssimo plano que carrega e traduz a aproximação que logo viríamos a conhecer.
Um filme muito interessante e inteligente, que apresenta um desenvolvimento admirável de seus complexos personagens. E, ah, McConaughey e Leto.
“Sometimes I feel like I'm fighting for a life I ain't got time to live”
Em algum momento da minha breve vivência cristã, passei pelos quatro evangelhos e por outros livros da Bíblia. Lembro pouco daqueles que se propõem a narrar a vida de Jesus, mas ao assistir a “O Evangelho Segundo São Mateus”, senti que pelo menos um eu não precisaria reler. Afinal, já deve estar tudo ali.
Pier Paolo Pasolini parece transcrever com extrema fidelidade – à versão escolhida, claro – os diálogos bíblicos das passagens em questão. Isto fez com que eu me sentisse assistindo a mais fiel adaptação de um evangelho, mas me deixou com várias pulgas atrás da orelha. Em seus 137 minutos, o filme se mostra mais como uma compilação de momentos da vida de Cristo do que uma obra a contar e traçar uma linha concisa desta. As situações não parecem factíveis, os diálogos são engessadíssimos, ainda mais saindo da boca do elenco em grande parte de não-atores. Lá pela metade, há uma montagem de alguns minutos com Jesus (mais um interpretado por um não-ator) a soltar várias parábolas. Assim. De uma vez. Sem mais nem menos.
O que salva é a habilidade de Pasolini com a câmera. Na cena em que são apresentados os discípulos, ela vai da direita pra esquerda focando em cada um deles, espaçados na profundidade, mas juntos naquela linha. Durante, há uma filmagem íntima, quase milimétrica dos rostos. No entanto, isto se quebra na crucificação, momento este que a câmera acompanha distante, parecendo não querer presenciar aquela situação. Na mesma linha está a trilha sonora, a pontuar e trabalhar bem a história. Mas... sei lá. Ao final, fiquei com a sensação de apenas ter relido aqueles antigos textos com os quais tinha me deparado certa vez. Agora sem muito tempo pra refletir, meio sonolento...
Toda vez em que adentro num filme de George Miller, percebo como esse cara sabe contar bem uma história. Ainda na primeira metade de "Mad Max 2", Gyro e Max estão no alto de uma montanha e observam uma emboscada entre gangues rivais. Não voltei à cena para precisar os minutos, mas o longo período que Miller consegue construir uma tensão sem nem usar diálogos é assustador.
E isso ocorre em quase todo o longa. Com mais dinheiro para queimar estradas afora, a sequência impressiona por seu absoluto esmero técnico. Contudo, assim como aconteceu com o primeiro, o enredo fez com que meu conceito caísse muito no decorrer do filme. Continuei com a sensação de que havia ali um universo foda e zilhões de boas histórias a serem contadas, mas que, por razão de sabe-se-lá-o-que, foram deixadas pra lá. É arrastado, meio inacabado.
Ainda vale pela frenética e maluca experiência nas estradas.
Meu tempo para cinema está apertado, o que levou a me fechar ainda mais na minha zona de conforto, seja em temáticas ou até mesmo no próprio país de origem dos filmes. “O Sétimo Selo” me arrancou desse território. É um filme que, pra que seja digerido corretamente, precisarei rever outras várias vezes.
Esta alegoria incisivamente questionadora de Bergman parece se encaixar com extrema perfeição à ambientação do longa. Em pouco mais de 90 minutos, senti uma miríade de sensações e pensamentos que só mesmo a genialidade deste sueco poderia proporcionar em tela.
Me identifiquei demais com o personagem de Gunnar Björnstrand, mas, afinal, quem não? E, mesmo resistente, é possível sair o mesmo após “O Sétimo Selo?”
Trata-se, como muitos já apontaram, de um casal quase perfeito que sai do interior (cheio de pessoas caóticas e não resolvidas) para caçar seu lugar na grande América do Norte (aí, lotada de pessoas caóticas, não resolvidas, maluconas, viciadas, neuróticas, etc, etc). "Distante nós Vamos" possui um roteiro sem muitas firulas ou assassinatos ou grandes plots ou qualquer coisa do tipo. É simples, leve e deliciosamente assistível.
E apesar de o filme não ter conversado muito comigo, a leveza com que Mendes conduz esta "pouco provável" história é bem interessante. Três anos antes de botar James Bond em sua melhor aventura em talvez vinte anos, o diretor brincava com as criações sinceras do também casal Dave Eggers e Vendela Vida. Ah, e dez anos depois de "Beleza Americana". Sua versatilidade é algo a ser destacado.
Vale praquele dia em que a maior emoção que você procura é não procurar emoção demais.
O Reino dos Gatos
3.9 403 Assista AgoraPossui uma proposta e um universo interessantes, que poderiam ser mais desenvolvidos pelo filme. Dada a grandeza do tal reino dos gatos, creio que mais história poderia ser encaixada ali, fazendo o próprio espectador imergir neste universo. Tudo acontece muito rápido. Mesmo que algumas revelações no final e pequenas reviravoltas deem mais profundidade aos personagens, não há tempo para o espectador “digerir” estas informações.
Não me entendam mal, “Reino dos Gatos” fica acima de muita coisa que sai anualmente em tema de animação, mas, ao final, fiquei com uma sensação de que vi algo incompleto, meio corrido. De qualquer forma, vale a assistida.
Joe, O Pistoleiro Implacável
3.7 27 Assista AgoraInteressante por dois motivos: 1) apresentar um embate diferente, envolvendo um índio que busca vingança; 2) aprofundar, mesmo que pouco, as questões dos nativos norte-americanos.
Ainda assim, achei o plot do filme simplício. O roteiro de Pirro, Regnoli e Di Leo é redondo, mas não traz elementos ou personagens que poderiam conferir mais profundidade à trama. Sergio Corbucci constrói situações convenientes demais, como, não revelando spoilers, quando nenhum personagem ouve um trem partindo a poucos metros de distância. Algo que também me incomodou foi ser obrigado a ouvir o tema principal a cada 5 minutos (ainda que seja bom).
No mais, vale a pena destacar Joe. Mesmo achando que este precisasse de mais falas e tempo de tela, trata-se de um personagem interessante e bem incorporado por Burt Reynolds. Salva bem.
A Morte Anda a Cavalo
4.0 64 Assista AgoraA sequência inicial já mostra a que vem “A Morte Anda a Cavalo”. Intensa e violenta, esta serve para conhecermos a natureza dos personagens envolvidos e para nos apresentar o garoto que acompanharemos dali pra frente.
Petroni costura muito bem as histórias de Ryan e Bill, sabendo utilizar cada um deles na hora precisa – e trabalhando bem quando ambos estão em cena. John Phillip Law faz um Bill meio bobão e nada convicente (ainda que os bons diálogos salvem alguma coisa), mas Van Cleef está ótimo no papel e carrega boa parte do filme.
Amores Brutos
4.2 818 Assista AgoraFiquei com um pé atrás quando o primeiro segmento terminou. Cheguei a uma precipitada conclusão de que seria difícil manter a qualidade e o ritmo daquela história, tão bem contada em pouco tempo.
Grande engano.
Ainda que os planos aquietados e a montagem menos frenética de “Daniel y Valeria” enganem à primeira vista, nem parece que mudamos de história. O tema principal continua ali, perpassando os segmentos. Inserir cenas de outras histórias logo no começo foi uma decisão acertadíssima, fortalecendo a estrutura do longa.
Em terras tão peculiares quanto as nossas, latino-americanas, o urbano muitas vezes é mal utilizado por alguns diretores. Ainda assim, é expressivo o hall de filmes que souberam trabalhar com a temática. Por sua exemplar ambientação e uma construção ímpar do clima da cidade, não seria exagero já botar “Amores Perros” na lista. Um primeiro – e excelente – passo na carreira de Iñárritu.
Keith Richards: Under the Influence
4.1 45Gostei do recorte que fizeram da vida de Keith. Mesmo conhecendo bem pouco da música dele, é um documentário bem interessante.
The Propaganda Game
3.9 76Tem um material interessantíssimo. Registros, relatos, etc. Uma pena que isso tudo tenha sido tão mal aproveitado.
"The Propaganda Game" são 75 minutos de questões jogadas a esmo, sem o mínimo interesse de seus realizadores em respondê-las. Os entrevistados ocidentais ("especialistas", em alguns casos) pouco acrescentam. Alguns, vale ressaltam, reforçam até mesmo os estereótipos tão condenado pelo filme. A montagem também incomoda, uma vez que não dá ritmo ao filme e se perde em diversos momentos.
As duas estrelinhas são para os registros. E só.
A Caça
4.2 2,0K Assista AgoraTheo está confuso e chora. À procura de alguém que o acolha naquele momento, ao menos para lhe servir de companhia, ele vai até a filha Klara. Naquele momento, um turbilhão de acontecimentos recentes coloca em cheque toda uma vivência. “O mundo está cheio de maldade, mas se ficarmos juntos, ele vai embora”, diz o rapaz.
É meio difícil ver “A Caça” sem saber nada da história. De qualquer forma, o que se destaca é o belíssimo desenvolvimento que Vinterberg dá ao roteiro, escrito em parceria com Tobias Lindholm. As subtramas da vida de Lucas, como o filho Marcus e seu envolvimento com Nadja, são pontuais e servem tanto ao conturbado momento da vida dele quanto para o próprio desenvolvimento do personagem. No início, as coisas acontecem de forma apressada, mas basta o filme se estabelecer para que o diretor conduza com calma seu realista drama.
Junto a Charlotte Bruus Christensen, que assina a fotografia, Vinterberg constrói bem as cenas que requerem um maior peso dramático. É interessante perceber como a luz é usada nos diálogos do longa, como, evitando maiores spoilers, na cena em que Klara relata o suposto abuso à professora, ou mesmo nos marcantes diálogos que Lucas mantém com Theo ao longo do filme, proporcionando belas rimas visuais. O uso de zoom na primeira metade do filme incomoda um pouco. Fiquei com a impressão de que o uso de outros artifícios não bastava para Vinterberg comentar o que queria. Pelo menos não é tão usado mais adiante.
Para finalizar, “A Caça” é o que é basicamente por sua delicada temática. Quanto a isso, não restam dúvidas da eficácia de seus realizadores. Um dos charmes da obra está no contraste entre uma suposta intolerância coletiva e a força do relato infantil (e a quase credibilidade cega e absoluta que damos a ele). Tal contraste só é possível na impressionante verossimilhança do filme, que reside também nos precisos diálogos e nas ótimas atuações (é claro que eu não me esqueceria de Mikkelsen).
Recomendado.
Debi & Lóide 2
3.0 753 Assista AgoraDe uma preguiça inacreditável. Como se já não bastasse repetir as mesmas piadas e situações, o filme ainda o coloca na forma road movie (como o anterior) para justificar uma nova história. O teor machista/xenofóbico/etc/etc das piadas também me incomodou. Em pleno 2014, a dupla Farrelly nem ao menos se dá ao trabalho de desconstruir estes preconceitos em prol de um humor mais refinado. E, não, não compro muito essa de "rimos deles, e não de suas piadas".
O que salva? Novamente, as atuações de Carrey e Daniels, que além de apresentarem uma química perfeita, são a cereja de um bolo que esperou 20 anos para aparecer - e veio bem ruinzinho.
A Conspiração da Vaca: O Segredo da Sustentabilidade
4.4 212 Assista AgoraA impressão que fica é que Cowspiracy é um daqueles professores chatos que repetem a mesma informação toda hora. Com exceção dessa repetiçãozinha de alguns dados, é um doc necessário para ao menos peitar essas empresas. A inserção de Kip como personagem ativo e narrador da história toda é algo que funciona em boa parte.
O mais curioso só encontramos nos letreiros mesmo: DiCaprio como produtor executivo. Uma atitude corajosa e arriscada para alguém com tanto nome.
Louca Obsessão
4.1 1,3K Assista AgoraTrata-se de uma história que, em sua versão original, já é de tirar o fôlego. No entanto, se por um lado gostei bastante de algumas alterações de Reiner e Goldman no roteiro, outras me deixaram desapontado. Uma delas é o fato de eles contarem muito o que acontece fora da casa. Talvez seja para o desenvolvimento de alguém fora daquele xadrez macabro, o que me tirou da imersão no quarto quase que por completo em algumas ocasiões. No livro, há uma comicidade meio insana que sai dos pensamentos de Paul, algo que funciona muito bem narrativamente. O filme até tenta trazer um alívio cômico com o xerife, não convencendo tanto.
O que há de bom na adaptação? Paul e Annie. Durante os pouco mais de 100 minutos de filme, há um desenvolvimento de personagens muito bem realizado. Conhecemos os dois nas minúcias, nos planos-detalhe (que Reiner usa até não poder mais) e nas situações – muitas vezes alteradas em relação ao livro, por sinal – apresentadas pela trama.
A montagem de Robert Leighton também é outro ponto forte, com especial destaque ao momento em que, segura que vem spoiler bem de levinho, Paul sai do quarto pela primeira vez e Annie está voltando pra casa. Durante todo o filme, a agilidade de Reiner é algo que dá ritmo e, principalmente, gosto de ver.
Achei o terceiro ato MUITO corrido, principalmente o desfecho e os pormenores ali depois. Incomoda um pouco, mas não tira o brilho da obra.
Carrie, a Estranha
3.7 1,4K Assista AgoraNão fiz meu dever de casa como explorador mirim da obra de King e ainda não li o livro. Assim sendo, torço para que seja melhor que o fraco roteiro de Lawrence D. Cohen, que pouquíssimo trabalha os personagens e deixa a história canastrona em muitos momentos. O que salva, mas salva MESMO é a puta direção de Brian De Palma.
É nas mãos do talentoso De Palma que a trama ganha corpo e ritmo. Sua câmera viaja pelos cenários, alternando a abordagem de acordo com o que requerem as situações, mas sempre dialogando perfeitamente com o jogo de cores e iluminação do longa. O trabalho conjunto com Mario Tosi, que assina a fotografia, é fantástico até mesmo no uso de técnicas para ditar o tom e antecipar resoluções ao longo da obra. Outro aspecto que me agradou bastante foi a boa trilha de Pino Donaggio, que pontua os acontecimentos sem apelar para a pura exposição.
Para fechar: quem é a VERDADEIRA aberração do filme?
No Tempo das Diligências
4.1 142 Assista AgoraÉ encarando sem preconceitos a filmografia de John Ford que me surpreendo cada vez mais com suas obras. "No Tempo das Diligências" demorou um pouco para conseguir minha atenção, acho o comecinho corrido e o filme meio inchado ali pelo meio. Porém, a partir da metade ele deslancha de vez, muito pela eficiente direção de Ford.
A relação entre Dallas e Ringo poderia ser retratada da forma mais clichê e melosa do universo, mas é feita com delicadeza e muita paciência. Ford e Glennon, que assina a fotografia, trazem composições belíssimas, que por si só já traduzem o que o enrolado roteiro de Nichols demora a fazer. E, não nos esqueçamos, estamos falando de um bandido e uma prostituta.
O filme também possui sequências de ação realizadas com primor. A perseguição que envolve a diligência, além de muito bem montada, faz uso de planos ousados para a época. A cena é dinâmica, ágil, assim como todo o terceiro ato do longa.
No entanto, "Stagecoach" ainda é um filme bem racista no que tange à representação dos apaches. Acompanhamos o grupo de Buck e os outros desde o começo, nos identificamos com alguns e por aí vai. Quando os nativos aparecem, parece meio inevitável o filme tratá-los como ameaça, mas fiquei com a sensação de que ele exagera quando faz isso. Sem falar dos diálogos (olha Nichols de novo), sempre expondo o ódio quanto aos apaches.
O que não estraga o filme. Não ele todo, claro.
Real Beleza
3.0 54É um filme que funciona de forma relativa dada sua proposta. Furtado constrói os planos com delicadeza, muitas vezes até bastante didático com o que quer dizer. Esta nova empreitada do diretor, no entanto, é um tanto engessada. Os diálogos são artificiais, mesmo quando interpretados pelos eficientes Brichta, Esteves e Cuoco.
Outra coisa é o fato de a trama girar num drama burguês com personagens com quem pouco nos importamos. Senti também um teor sexista ao longo das situações do filme. Anita é de Pedro, queria ser de João, mas só será dele quando o marido falecer. Há inclusive um diálogo com os dois rapazes que explicita bem isso, lá pro final do longa. A coisa das modelos também reflete um pouco isso.
Analisando o todo, não gostei de Real Beleza como filme, mas não há dúvidas de que é uma tentativa válida de um cineasta que procura sempre se reinventar.
O Garoto
4.5 584 Assista AgoraA covardia de um homem ao abandonar companheira e filho recém-nascido. A falta de perspectivas e condições desta mulher, que leva o garoto ao segundo abandono. Fica com o personagem de Chaplin, um sujeito de classe média baixa que ganha a vida como caloteiro e mora num lugarzinho pra lá de precário.
Há duas questões que eu gostaria de tratar melhor sobre o filme. Primeiramente, como ele trabalha símbolos religiosos em prol de sua narrativa. Quando, logo no início, vemos a figura de Cristo a carregar a cruz, numa clara alusão ao sofrimento não merecido da moça, se destaca a eficiente montagem de Chaplin (outra de suas habilidades). Já aquela sequência que se encontra lá pelo final, com os anjos, é uma puta metáfora que o realizador encontrou para explicar os sentimentos do personagem naquele momento.
Outra coisa é a perspicácia de Chaplin em questões de cunho social. Afinal, trata-se de uma vida (quando vemos o garotinho ainda bebê) que, a priori, não tem importância alguma pro Estado. Ele não arcará com o sustento e pouco liga para suas condições, mas está sempre lá para apontar o dedo (caso do policial no início do filme). A solução paliativa? Pegar a criança quando crescida na tentativa de consertar o descaso (caso do orfanato).
Um filme de uma sensibilidade ímpar, que se propõe a abordar assuntos delicados sem medo de arriscar - e com muito bom humor e otimismo.
"A picture with a smile, and perhaps a tear"
Cujo
3.3 439 Assista AgoraO vírus da raiva em sua fase de infecção cerebral é a prova viva, irrefutável e determinante de que, sim, o mal existe e é uma força quase invencível. Não tenho dúvidas de que Stephen King sabia dessa verdade terrena quando escreveu Cujo (ainda que pouco se recorde do processo de escrita do livro). O filme inspirado em sua obra, no entanto, peca ao desenvolver mal seus personagens e não apresentar soluções mais inventivas em sua narrativa.
Além de Cujo, acompanhamos os Trenton e, em alguns momentos, o pessoal que mora junto com o cão. Quando estamos com a família feliz e inabalável, vemos pouquíssimo desenvolvimento destes personagens. Não sabemos quem eles são ou o que fazem (à exceção do pai, publicitário). E não nos esqueçamos de Steve, um conhecido da família que se revela extremamente descartável, servindo apenas às escapadas que o roteiro de Dunaway e Currier encontra para (tentar) amarrar suas pontas. A relação entre eles é boa? Ah, até vai. Mas as pouco inspiradas atuações comprometem o tratamento de Lewis Teague neste aspecto.
Ainda assim – já que não odiei profundamente tudo -, o cãozinho Cujo é algo a ser destacado. Afinal, ele dá nome à obra, né? Mesmo que eu tenha ficado um tanto desconfiado quanto à rapidez da transformação decorrida da raiva, há um trabalho admirável na caracterização do canino. Dos caninos, no caso, já que cinco São Bernardo foram usados na produção. Dos planos que o colocam superior às vítimas aos avanços desesperadores, vemos os méritos de Teague e do montador Neil Travis na elaboração destes momentos.
O final desaponta bastante ao optar pelo caminho mais confortável e lugar comum possível, Mas pra não ser mauzão, prefiro pensar que Cujo foi um TV Movie sem grandes pretensões de entrar para história como um novo Iluminado da vida.
Não é que ele fica até melhorzinho quando pensado dessa forma?
Ponyo: Uma Amizade que Veio do Mar
4.2 993 Assista AgoraConvivência e aceitação, seja de si mesmo ou em comunidade. É esta a leitura que fiz de "Ponyo", um filme que trabalha tão bem personagens e história a fim de ressignificá-los numa obra de pinceladas bonitas e tom singelo.
Para mim, a abordagem e as temáticas de Miyazaki são os fatores que mais diferenciam suas animações das de outros realizadores. Filmes de uma sensibilidade admirável.
O Silêncio dos Inocentes
4.4 2,8K Assista AgoraÀs vezes (quase sempre) é melhor assistir a um filme sabendo apenas seu título. Fui assim para "O Silêncio dos Inocentes" e me surpreendi imensamente, principalmente pelo belíssimo desenvolvimento de personagens.
A primeira metade nem chega ao fim e já conhecemos toda a vida de Clarice. Por meio de flashbacks que se encaixam perfeitamente à narrativa, o passado da protagonista se esclarece diante do espectador, explicando os porquês de sua complexa personalidade e atitudes presentes (muito devido à montagem, ponto forte do longa). Acompanhamos a transformação da moça despreparada, que comete os erros de principiante numa das visitas a Lecter, em uma Clarice determinada, que tem firmeza em suas ações e calca sua autoridade na personalidade imponente.
Introspectiva e milimétrica, a atuação de Hopkins confere a Hannibal o tom perfeito demandado pelo roteiro. Sentimo-nos ameaçados pela presença de Lecter, a cena envolvendo os dois policiais, a propósito, não poderia resumir mais a frieza das ações calculadas do psicopata. Num diálogo lá pelo fim do segundo ato, a câmera de Demme encontra-se colada na cara do rapaz, enquanto Clarice está entre as grades do próprio Hannibal. Milimétrico e sugestivo até nos planos.
Me frustrei um pouco com a solução encontrada pelo roteiro lá pro final do filme. Estragou o desfecho? Não, mas a irrealidade da situação incomoda. Ainda assim, a conclusão de "O Silêncio dos Inocentes" é fantástica. Nela,
fiz a leitura de que o mal se reencarna, tem uma de suas peças tomadas para que outra volte a agir (assim como "Twin Peaks"). Outra coisa brilhante num dos últimos segmentos é a vítima de Buffalo Bill carregar seu animalzinho nos braços, mostrando o afeto e carinho por um canino que Bill parece nunca ter tido com humanos. Mas por quê?
Um baita filme.
A Carne é Fraca
4.0 227 Assista AgoraÉ conhecidíssima a sequência que mostra o funcionamento dos abatedouros, com planos fechados nos rostos e captando principalmente o sofrimento ali presente. Ao longo de todo o doc., há também outras imagens de arquivo importantes do ponto de vista da abordagem do filme. Com uma boa montagem, só estas gravações já dariam um doc. interessante. Neste aspecto, sim, “A Carne é Fraca” acerta em cheio nos registros utilizados/captados. Ainda mais quando sabemos quão infestada é a internet de vídeos falsos e afins.
O grande problema está nas entrevistas do filme. A meu ver, um bom documentário deve suscitar discussões embasadas, promover nele mesmo linhas de reflexão conflitantes. Ao longo de 54 minutos vi apenas exposição atrás de exposição. Seria ótimo, por exemplo, abordar como as grandes empresas do ramo IMPEDEM que este debate ocorra em veículos de comunicação tradicionais. Ou mesmo traçar projeções interessantes no que tange à manutenção de um número tão grande de animais que precisam ser alimentados/hidratados para este consumo.
“A Carne é Fraca” tem menos de uma hora. Que fizessem dessa hora algo mais proveitoso, com mais especialistas, pesquisadores, gente da área. A discussão poderia ser MUITO melhor se, ao invés desta quantidade de “gente de fora”, eles colocassem pessoas de fato envolvidas. Nada contra psicólogos ou jornalistas (estudo Comunicação Social, rs), mas poxa, bota gente que lida com isso diariamente!
Não me entendam mal, passei quase o tempo todo acenando com o que eles diziam e me indignando com o que era exposto. Porém, como FILME, não sei se este foi o melhor caminho escolhido.
Clube de Compras Dallas
4.3 2,8K Assista AgoraRon está prestes a tomar AZT pela primeira vez. Joga na garganta, empurra com cerveja e logo vai para o pó. A tela da TV que o reflete também o deixa sozinho naquele enquadramento. Ron quer se preencher, não só com químicos, mas com uma razão para viver. Afinal, está apenas existindo. Existência esta que se encontra fadada a acabar logo – tendo sua sentença suscetível à redução a cada novo raio, gole ou exagero. A doença o faz se identificar com sujeitos que não passariam pela figura assombrosa que aparece quando provocada. Este ser, de tanto (mach/rac)ismos, (homo/trans/afins)fobismos ainda apresenta estes traços no decorrer do filme, mas muda consideravelmente com sua militância não-intencional por aqueles que têm seus dias contados por conta do vírus, algo que nem sequer passou pela escolha.
Rayon, de início, é um contraponto interessante aos extremismos e à arrogância de Ron. Também tem seus excessos, suas extravagâncias, porém, faz parte de uma balança necessária para o protagonista. Em seu segundo encontro com Ron, a trans recusa os medicamentos oferecidos pelo característico sulista e sai a andar. Ron a acompanha de carro, num belíssimo plano que carrega e traduz a aproximação que logo viríamos a conhecer.
Um filme muito interessante e inteligente, que apresenta um desenvolvimento admirável de seus complexos personagens. E, ah, McConaughey e Leto.
“Sometimes I feel like I'm fighting for a life I ain't got time to live”
No Limite do Amanhã
3.8 1,5K Assista AgoraNo Limite do Amanhã (PC, PS4, Xbox One)
O Evangelho Segundo São Mateus
4.0 89Em algum momento da minha breve vivência cristã, passei pelos quatro evangelhos e por outros livros da Bíblia. Lembro pouco daqueles que se propõem a narrar a vida de Jesus, mas ao assistir a “O Evangelho Segundo São Mateus”, senti que pelo menos um eu não precisaria reler. Afinal, já deve estar tudo ali.
Pier Paolo Pasolini parece transcrever com extrema fidelidade – à versão escolhida, claro – os diálogos bíblicos das passagens em questão. Isto fez com que eu me sentisse assistindo a mais fiel adaptação de um evangelho, mas me deixou com várias pulgas atrás da orelha. Em seus 137 minutos, o filme se mostra mais como uma compilação de momentos da vida de Cristo do que uma obra a contar e traçar uma linha concisa desta. As situações não parecem factíveis, os diálogos são engessadíssimos, ainda mais saindo da boca do elenco em grande parte de não-atores. Lá pela metade, há uma montagem de alguns minutos com Jesus (mais um interpretado por um não-ator) a soltar várias parábolas. Assim. De uma vez. Sem mais nem menos.
O que salva é a habilidade de Pasolini com a câmera. Na cena em que são apresentados os discípulos, ela vai da direita pra esquerda focando em cada um deles, espaçados na profundidade, mas juntos naquela linha. Durante, há uma filmagem íntima, quase milimétrica dos rostos. No entanto, isto se quebra na crucificação, momento este que a câmera acompanha distante, parecendo não querer presenciar aquela situação. Na mesma linha está a trilha sonora, a pontuar e trabalhar bem a história.
Mas... sei lá. Ao final, fiquei com a sensação de apenas ter relido aqueles antigos textos com os quais tinha me deparado certa vez. Agora sem muito tempo pra refletir, meio sonolento...
É.
Mad Max 2: A Caçada Continua
3.8 476 Assista AgoraToda vez em que adentro num filme de George Miller, percebo como esse cara sabe contar bem uma história. Ainda na primeira metade de "Mad Max 2", Gyro e Max estão no alto de uma montanha e observam uma emboscada entre gangues rivais. Não voltei à cena para precisar os minutos, mas o longo período que Miller consegue construir uma tensão sem nem usar diálogos é assustador.
E isso ocorre em quase todo o longa. Com mais dinheiro para queimar estradas afora, a sequência impressiona por seu absoluto esmero técnico. Contudo, assim como aconteceu com o primeiro, o enredo fez com que meu conceito caísse muito no decorrer do filme. Continuei com a sensação de que havia ali um universo foda e zilhões de boas histórias a serem contadas, mas que, por razão de sabe-se-lá-o-que, foram deixadas pra lá. É arrastado, meio inacabado.
Ainda vale pela frenética e maluca experiência nas estradas.
O Sétimo Selo
4.4 1,0KMeu tempo para cinema está apertado, o que levou a me fechar ainda mais na minha zona de conforto, seja em temáticas ou até mesmo no próprio país de origem dos filmes. “O Sétimo Selo” me arrancou desse território. É um filme que, pra que seja digerido corretamente, precisarei rever outras várias vezes.
Esta alegoria incisivamente questionadora de Bergman parece se encaixar com extrema perfeição à ambientação do longa. Em pouco mais de 90 minutos, senti uma miríade de sensações e pensamentos que só mesmo a genialidade deste sueco poderia proporcionar em tela.
Me identifiquei demais com o personagem de Gunnar Björnstrand, mas, afinal, quem não? E, mesmo resistente, é possível sair o mesmo após “O Sétimo Selo?”
Por uma Vida Melhor
3.7 211 Assista AgoraTrata-se, como muitos já apontaram, de um casal quase perfeito que sai do interior (cheio de pessoas caóticas e não resolvidas) para caçar seu lugar na grande América do Norte (aí, lotada de pessoas caóticas, não resolvidas, maluconas, viciadas, neuróticas, etc, etc). "Distante nós Vamos" possui um roteiro sem muitas firulas ou assassinatos ou grandes plots ou qualquer coisa do tipo. É simples, leve e deliciosamente assistível.
E apesar de o filme não ter conversado muito comigo, a leveza com que Mendes conduz esta "pouco provável" história é bem interessante. Três anos antes de botar James Bond em sua melhor aventura em talvez vinte anos, o diretor brincava com as criações sinceras do também casal Dave Eggers e Vendela Vida. Ah, e dez anos depois de "Beleza Americana". Sua versatilidade é algo a ser destacado.
Vale praquele dia em que a maior emoção que você procura é não procurar emoção demais.