Com o estrondoso sucesso de Indiana Jones e os Caçadores da Arca Perdida (1981) e a confirmação de que sequências de filmes como Star Wars: Episódio V - O Império Contra-Ataca (1980) rendiam tão bem quanto os originais, era mais do que certo de que Indy nos traria mais uma de suas aventuras num curto intervalo de tempo.
Seguindo uma estrutura narrativa tão dinâmica quanto a de seu predecessor, Indiana Jones e o Templo da Perdição (1984) consegue reunir em um único filme, mafiosos de Xangai, uma carente tribo rural, um marajá e seu palacete, e uma seita religiosa indiana, sem nunca perder o foco do momento retratado. Aliás, momento é uma das palavras que definem esta soberba franquia. Se pudéssemos retratar o filme num gráfico, veríamos diversos picos de excitação abarcados por furtivos momentos de calmaria e alívio cômico (característicos no humor de Indy) que quebrados por crescentes de suspense, recomeçam o ciclo. Em outras palavras, o momento é muito bem pontuado por um ritmo e montagem impressionantes que por si só dão vida às cenas.
O melhor exemplo disto pode ser visto nos 15 minutos iniciais. Já abrindo com um estupendo musical, o filme impulsiona o espectador ao seu primeiro pico (sem contar a formosura com que Willie (Kate Capshaw) nos é apresentada para momentos depois ser totalmente desconstruída). Alcançando a calmaria com o fim da performance e os aplausos, já nos deparamos com um lampejo de perigo ao constatarmos 4 seguranças ao redor de Lao Che (Roy Chiao). O suspense aumenta quando, assim como no primeiro filme, somos apresentados a partir de relances de Indiana Jones (Harrison Ford). Conforme o debate entre Indy e Lao Che se incendeia, aguardamos tensos o momento em que as personagens deixarão as "cordialidades" de lado, e veremos o circo pegar fogo. A partir daí, vemos a importância da montagem: através de cortes rápidos vemos a pistola, pessoas gritando, socos, e o diamante e o antídoto batendo de pé em pé. Ao pularem da janela e serem salvos por Shortie (Jonathan Ke Quan), temos um alívio cômico antes de voltarem ser perseguidos pelos chineses. Num tiroteio incessante, Indy consegue finalmente despistá-los com um avião. Mas quando tudo parece resolvido, Indy fecha a porta, descobrindo que eles haviam entrado em um avião do próprio Lao Che, reiniciando todo o ciclo. Nesta breve cena inicial, Spielberg consegue destacar o modelo de filme característico tanto na franquia Indiana Jones quanto em sua própria filmografia.
Mas O Templo da Perdição não bebe só de bons momentos de ação, mas também de funcionais personagens. Não vou negar que Willie é extremamente irritante e fraca em comparação a Marion. No entanto, ambas passam por um desenvolvimento de personagem forte e expressiva para as necessidades do filme (Willie até mais perceptivelmente que Marion por conta de sua função original - Willie passará de seu deslumbrante vestido vermelho para roupas encardidas e uma maquiagem desfeita), ao ponto de a mesma ser de extrema importância em momentos-chaves do filme, como a da cena em que Indy e Shortie ficam presos numa armadilha. Shortie, por sua vez, é não só divertido principalmente nas piadas de cunho sexual, como também importantíssimo para as cenas de ação do filme. Mas é Indy e sua carisma que roubam a cena do filme, dando expressão em situações de fraquejo (como quando se depara com uma cobra ou quando numa cena metalinguística, percebe que sua arma não está no coldre, precisando assim partir para o confronto físico) e força nos momentos de excitação (como quando arrebenta a corda que segurava a ponte). Os vilões também são tão bem caracterizados quanto seus protagonistas. Sendo assim, se os nazistas do primeiro filme tornavam-se risíveis diante do excesso de formalidades e rigores, os líderes religiosos de O Templo da Perdição perdem sua imponência com ossadas e pelos dispostos indiscriminadamente em seus corpos, transformando-os em espécies de cabides humanos.
Fora toda esta caracterização de personagens e ritmo de filme impecáveis, é curioso perceber como a figura arqueológica de Indy acaba se tornando muito mais espiritual, obscura (Arca Perdida e Pedras Místicas), e por conseguinte, respeitosa às diversas culturas que explora, do que poderia ser. Assim, contrastando essa sobriedade ao humor característico de Indy, temos uma personagem que consegue impor tanto admiração quanto empatia, transformando-se juntamente com a próspera trilha sonora no ícone indiscutível que é e sempre será.
Rodeado de muita expectativa, Star Wars: Episódio VI - O Retorno de Jedi (1983) vinha 3 anos após seu predecessor para fechar majestosamente a já prolífica saga. Trazendo uma última vez os queridos Luke Skywalker (Mark Hamill), Han Solo (Harrison Ford) e Leia (Carrie Fisher), exploraríamos ambientes florestais e criaturas totalmente diferentes dos vistos nos primeiros filmes (aridez de Tatooine e nevasca de Hoth), ao mesmo tempo que revisitaríamos antigos conhecidos como a Estrela da Morte ou confrontos galácticos.
Após uma breve introdução com Darth Vader (David Prowse e voz de James Earl Jones) anunciando a retomada do projeto da Estrela da Morte, somos levados assim como no segundo filme a uma longa sequência de 40 minutos (1/3 do filme) à parte da trama principal (Jabba the Hutt (Larry Ward)). Ainda que desnecessário em sua duração, este arco atém-se mais a fundo à apresentação e transformação das personagens (como por exemplo, Luke trajando-se mais obscuramente) de um filme para o outro, além de apresentar uma motivação mais poderosa que a do filme anterior (enquanto no segundo filme, o arco inicial só servia para apresentar a figura de Yoda (Frank Oz) - tal imagem poderia vir à mente de Luke em qualquer circunstância -, neste filme, o prólogo se dá em função do resgate de Han Solo (busca que só poderia ser feita em Tatooine)).
No entanto, assim como seu predecessor, este terceiro filme consegue sanar tal abertura trazendo novamente várias das ideias articuladas ao decorrer da saga. O maniqueísmo das Forças é enfatizado com o desequilíbrio decorrente da morte de Yoda (enfraquecimento do bem) e a aparição de um ser mais poderoso que Darth Vader, o Imperador (Ian McDiarmid, fortalecimento do mal). Tal desequilíbrio é aparente principalmente na caracterização de Luke, vestindo não só trajes escuros, como portando-se de uma forma mais robótica e calculista. No entanto, a maior expressão do conflito interno de Luke está na dialética das cores das sabres: se nos dois primeiros filmes, o azul (bem) confrontava o vermelho (mal), Luke usará uma sabre verde, representando o limiar dessas duas Forças.
Um outro tema forte do segundo filme presente aqui também é justamente a ligação familiar equiparando-se ao poder da Força (Darth Vader criando situações que prefiram deixar Luke do lado bom da Força do que vê-lo morto). Dessa forma, a informação de que Leia é irmã de Luke e, portanto, filha de Darth Vader pode não ter vindo tão espetacularmente como a da descoberta patriarcal do segundo filme, mas ela é sem dúvida, tão forte quanto esta outra. É sabendo disto que Luke vai com ainda mais força enfrentar seu pai, visto que caso ele falhe, ainda haverá uma última esperança. Da mesma forma, Darth Vader se deparará com mais um acréscimo de poder filial contra a sua fortitude maléfica. Por conta disto, se Darth Vader tivesse sido simplesmente tocado pelo discurso do filho, sua transformação seria extremamente irreal. No entanto, é justamente o balanço entre a Força e as relações familiares (ou no caso, a supressão da Força) que tornam sua traição para com o Imperador justificável. Visto a partir desta ótica, o maniqueísmo inicial do filme torna-se ínfimo (não é à toa que por baixo da máscara preta de Darth Vader há uma face totalmente branca).
Mas é ainda um outro conceito que mostra-se muito mais importante do que tudo já dito: o caminho Jedi. Tornar-se Jedi não é como um casamento (a partir de determinado ponto você está casado), mas sim um processo. Quando Yoda diz que o último passo para Luke tornar-se Jedi é enfrentar Darth Vader, na verdade, isto significa que ele deve enfrentar seus próprios sentimentos. Sendo assim, o Jedi já estava se formando com todo o treinamento, o que faltava era manter o controle sobre tal poder.
Desenvolvendo um arco com criaturas tribais sem se esquecer de torná-lo funcional à trama (o que Mad Max 3: Além da Cúpula do Trovão (1985) erra fatalmente) e empregando uma trilha sonora eficaz e efeitos especiais menos artificiais que o filme predecessor (mas ainda inferior ao primeiro - compare a cena de comemoração ao final do primeiro e deste filme. Enquanto lá, vislumbrar o rosto de cada combatente tornava a cerimônia muito mais pomposa, aqui, é claro que tudo fora construído digitalmente). Fechando a saga com a mesma classe de seus predecessores, Star Wars prova porque detém a Força que possui nos dias de hoje e que sempre terá.
Após o sucesso estrondoso de bilheteria (primeiro filme a ultrapassar a marca dos $300.000.000) e crítica de Star Wars: Episódio IV - Uma Nova Esperança (1977), em pouco menos de 3 anos, George Lucas e seus colaboradores davam mais um passo numa das mais prósperas franquias do cinema: Star Wars: Episódio V - O Império Contra-Ataca.
Começamos o filme com os típicos letreiros iniciais, informando a localização da nova base rebelde e o fortalecimento das tropas imperiais sob o comando de Darth Vader (David Prowse). Rapidamente somos cortados para um ambiente hostil e desolado totalmente averso à pompa do final do último filme. Reencontrando Luke Skywalker (Mark Hamill) e Han Solo (Harrison Ford), somos levados por quase 40 minutos de conflito que só acrescentam à trama a necessidade de Luke se encontrar com Yoda (Frank Oz). Além disso, se logo no começo as forças rebeldes afirmam terem bloqueio contra qualquer força imperial que tente adentrar o planeta gelado (afinal, as forças imperiais estão paradas sobre o planeta porque justamente não conseguem entrar nele), como é que máquinas do tamanho dos AT-ATs estão sob a superfície do planeta? Em suma, o maior problema não é o arco em si, mas a duração dele. Considerando que 40 minutos são 1/3 de filme, perde-se muito tempo com cenas de ação que por não terem motivação ao enredo, acabam tornando-se extensas demais, distanciando o espectador do desenvolvimento narrativo e da emoção da cena. Felizmente, o restante do filme cumpre a difícil tarefa de redimir tais escolhas iniciais.
Pouco a pouco, vamos revisitando cada um dos prolíficos personagens, percebendo que a majestosa composição do primeiro filme se mantém mais forte do que nunca. Han Solo enrijece sua persona canastrona, sendo por vezes inconveniente, mas conseguindo paulatinamente reviver a empatia que tínhamos por ele (tentando "manter a figura do macho alfa”, Han Solo acaba destrinchando a um nível tão estrondoso que acaba se tornando ridículo e frágil - “Eu amo você.” “Eu sei disso.”, prestes a ser congelado). Da mesma forma, temos um C-3PO (Anthony Daniels) formal e irritante, um Darth Vader mais sombrio e misterioso e um Luke aventureiro e inconsequente (personagens que começarão a se modificar com o decorrer do filme), levando-o aos empecilhos da excessivamente longa cena inicial.
Junto aos já conhecidos personagens, somos apresentados a dois novos personagens que são extremamente bem imersos ao enredo: Lando (Billy Dee Williams) e Yoda. O primeiro, assim como Han Solo, porta-se libertinamente, embora possua responsabilidades e princípios. Diferentemente do tio de Luke, Lando percebe que não poderá se subjugar a todas as demandas do Império caso queira sobreviver (simples acordos não são cumpridas, quem dera quando ele já não for mais útil aos interesses do Império). Já Yoda aparece como um sujeito maltrapilho e caduco que por fim, mostra-se extremamente sábio e poderoso (sua primeira aparição rima perfeitamente com o discurso dele de não julgar alguém pela aparência), servindo como base psicológica para as escolhas de Luke.
Mas não é só a composição de personagens que é muito bem feita, mas a de ambientes também. Uma das mais interessantes se dá por parte da Cidade das Nuvens: antes de nossos protagonistas pousarem na cidade, o quadro é repleto de tons alaranjados, evocando uma sensação de mistério/inferno do que eles viriam a encontrar. Assim que as personagens se tranquilizam em relação à cidade, as paredes começam a ficar brancas, dando a sensação de paz de espírito. Por conta disto, quando nos deparamos com Darth Vader sentado à mesa, seu preto contrasta fortemente com a brancura do recinto. A partir daí, todos os ambientes passam a ficar mais escuros, até acabarmos na sala de congelamento; composta por tons pretos e alaranjados, retomando a ideia de inferno.
Se formos analisar o desenvolvimento de Luke (através de uma montagem eficaz que evolui o suspense das duas tramas equiparadamente), veremos que ele também sofrerá mudanças na composição dos ambientes, adentrando cada vez mais às sombras do mal (ao chegar na sala de congelamento totalmente escura), enfatizado também na cor das espadas (azul (bem) e vermelho (mal). Após todo o conflito, perceberemos através de suas olheiras fortes, rasgos e sujeira da roupa e cabelo desgrenhado que embora "vitorioso" (visto que o conflito máximo das forças ocorra no terceiro filme), Luke saia bem fraquejado e instável para o conflito final.
No entanto, mais do que tudo isto, O Império Contra-Ataca só terá a força que tem pelo perfeito desenvolvimento psicológico de seus dois antagonistas (Luke e Darth Vader). Tendo vivido sua vida inteira num campo agrícola, Luke se inspirava fortemente na imagem que tinha do pai para realizar suas pequenas aventuras. Juntamente com a força, as relações familiares são estruturas definidoras e fortes para a formação do caráter de um indivíduo. A partir do momento em que Luke descobre que Darth Vader é seu pai, toda essa segurança e fortitude fraquejam (fazendo com que a cena icônica do "I am your father." (...) "Nooooo!" Seja muito mais poderosa"). Da mesma forma, vendo que seu filho segue os seus passos, Darth Vader tentará rebanhar sua cria para si (não é a toa que ele permite diversas chances a Luke ao invés de simplesmente matá-lo). Sendo assim, a pequena reminiscência familiar consegue pouco a pouco tomar posse da plena força do mal que o envolvia. Analisando deste modo, o maniqueísmo das personagens torna-se muito mais complexo do que a lógica aparente que o filme apresenta, sendo só completa ao fim do terceiro filme.
Por fim, através de efeitos especiais por vezes excessivamente utilizados, Star Wars: Episódio V - O Império Contra-Ataca consegue finalizar mais um episódio de forma eficaz, mesmo que clame muito mais do que o primeiro filme por uma sequência (nada se compara com a saga Hobbit (2012-14)), além de consolidar mais uma música-tema (Marcha Imperial) majestosamente!
Em 1977, o mundo conhecia uma das sagas de maior prestígio e sucesso de todos os tempos. Inspirando vida através de seus icônicos personagens, imponentes naves espaciais e rica ambientação, Star Wars: Episódio IV - Uma Nova Esperança consegue mesclar o melhor de diversos gêneros do cinema, como o Faroeste (mundo desolado e cenas de bar), o Pirata (naves que se assemelham e são comandadas como navios), e é claro, a Ficção Científica (presente desde a abertura episódica com o resumo dos principais acontecimentos), em uma aventura extremamente excitante.
Jogados ao conflito desde o início o filme, temos uma composição caricatural e física de alguma das principais personagens, como Leia (Carrie Fisher, mulher guerreira rebelde - branco inicial forte contrasta com a roupa escura de Darth Vader), R2-D2 (Kenny Baker, fofo, porém prestativo - giro leve da cabeça dá um tom gracioso), C-3PO (Anthony Daniels, neurótico, mas funcional - calculismo expresso no andar robótico e compassado) e Darth Vader (David Prowse, mal inabalável - preto de sua roupa e respiração profunda dão um ar de mistério), de forma a tanto torná-las memoráveis e empáticas pelo resto da saga, quanto desenvolvê-las pontualmente através das características que as definem. Da mesma forma, conheceremos o jovial e aventureiro Luke Skywalker (Mark Hamill), o mercenário, embora nobre caçador de recompensas Han Solo (Harrison Ford), o lacônico, mas atuante Chewbacca (Peter Mayhew - voz se assemelha com um grito de dor, como se sofresse pelos outros) e o sábio e poderoso Obi-Wan (Alec Guinness), compondo por fim a rica presença de personagens do filme.
Junto a seus personagens, um detalhado trabalho técnico ajuda tanto a impulsionar o espectador à aventura, como reforçar as alegorias e maniqueísmo de sua narrativa. Dessa forma, se por um lado temos o som de tiros, gritos e explosões (mesmo que estes não se propaguem no espaço) e uma riqueza de espécies alienígenas que deixam tudo mais empolgante, por outro, temos a dicotomia das forças (o mal de Darth Vader no traje preto, robótico, acrescido ainda de uma sabre vermelha, enquanto o vigor de Luke na mobilidade ágil e humana, roupas claras e sabre azul) e ambientes (enquanto Darth Vader vive em locais mecânicos, sufocantes e monocromáticos, Luke surge de uma realidade árida, disforme e livre, contrastando a rigidez e disciplina do primeiro com a boa-aventurança do segundo).
É também interessante perceber como embora despretensioso em sua mensagem, Star Wars consiga ludicamente pincelar noções de política (República (boa) X Império (mal)) e religião (Força (Obi-Wan) X céticos (Han Solo)), conseguindo assim transformar os conflitos e angústias das personagens mais semelhantes a de um ser humano comum. Se compararmos com o resto da trilogia original, podemos afirmar que o episódio IV é, sem dúvida, o filme em que as noções de sociedade são melhores apresentadas (talvez por ser o responsável pela apresentação do Universo Star Wars), visto que os seguintes filmes acabam se focando mais no conflito psicológico interno de Luke.
Apesar de tudo isto, o maior êxito em Star Wars - Episódio IV encontra-se em seu ritmo. Num crescente de suspense e aventura, cada cena é muito bem amarrada com a predecessora, justificando também a ambição de cada personagem (Luke tem uma vida calma -> compra robôs que inspiram seu senso de aventura -> perde a família (quem se conforma com o Império acaba morto) -> procura vingança -> junta-se a Resistência -> entregar a mensagem, mas precisa de uma nave -> falta de experiência e liderança os leva para a Estrela da Morte -> passam de despercebidos a procurados -> fuga -> Império e Rebeldes se articulam (iminência de conflito) -> conflito -> destruição de Estrela da Morte). Além disso, o trabalho de montagem se mostra impressionante, chegando a seu ápice durante a ofensiva dentro da Estrela da Morte, com as três perspectivas (Leia, Luke, Han + R2-D2, C-3PO + Obi-Wan, Darth Vader) muito bem encadeadas.
A minha única reclamação se dá em relação à última cena de ação, quando o antes perfeito ritmo parece fraquejar com a construção de três investidas a fim de acertarem o buraco da Estrela da Morte exatamente iguais. É claro que isto torna o feito de Luke muito mais recompensador, mas a dinâmica empregada é tão repetitiva que o efeito acaba sendo justamente o contrário, tirando um do furor e excitação da cena. No entanto, esta breve cena está longe de tirar o brilho e imponência que o filme possui.
Acompanhado ainda de uma trilha sonora embalante e efeitos especiais excepcionalmente inovadores para a época, Star Wars: Episódio IV - Uma Nova Esperança detém justamente o cargo de um dos primeiros e melhores blockbusters de todos os tempos, e que a força não abale este universo...
"Quem precisa de motivos quando você tem heroína?" Após ouvirmos um monólogo repleto de questionamentos e artigos recorrentes ao dia-a-dia da maioria das pessoas deste planeta, Renton (Ewan McGregor) parece ignorar todas essas preocupações com a frase supracitada. No entanto, o que o próprio Renton não percebe é que citar tudo isto acaba mostrando que ele de fato se importa com estas mesmas coisas, como expresso em uma outra frase dele: "Eu escolhi não escolher a vida." Bem, independentemente de ser ou não uma vida comum, Renton escolheu um modo de vida, e será justamente esta dualidade que permeará toda a duração de Trainspotting - Sem Limites (1996).
Abrindo o filme com uma desenfreada e segmentada edição, Danny Boyle nos apresenta cada um dos cinco personagens ao seu tempo desenvolvendo a curiosidade do espectador em relação a vida destes sujeitos. Conforme vamos nos aproximando dos 15 minutos de filme, esse ritmo não só começa a desacelerar, como vamos nos adequando ao ambiente e modo de vida deles. O que talvez alguns sintam, mas não consigam explicar é que ao criar uma overdose de imagens iniciais, Boyle constrói uma sensação semelhante a que as personagens têm com as drogas, indicando desde já, o poder com que ele conduz cada uma de suas cenas.
Através de um jogo de cores muito interessante, vemos que a dicotomia do rebelde (vermelho) e do ajustado (verde) é também transposta para a linguagem visual do filme. Dessa forma, enquanto de um lado temos um vermelho pulsante quando Renton e seus amigos estão se drogando ou na fachada da boate quando Renton conhece Diane (Kelly Macdonald) pela primeira vez (de vestido vermelho também), temos um verde no tapete em que o bebê primeiro aparece ou na parte externa do vidro em que vemos os pais de Diane tomando café-da-manhã. No entanto, o uso mais interessante dessa lógica ocorre logo após vermos o caos na vida particular de cada uma das personagens: assim que os quatro amigos saem do trem, vemos uma placa gigantesca com uma bola em vermelho dizendo "Stop". Ao mesmo tempo, ao fundo podemos ver uma soberba natureza ocupando todo o resto do quadro (verde). Sendo assim, é possível interpretar que caso eles sigam adiante, toda a rebeldia/drogas será contida, no entanto, eles acabam desistindo e retornando à placa vermelha, entrando fundo na heroína.
Seguindo ainda na composição visual das personagens e pegando Renton como exemplo, vemos que quando ele usa heroína, seus lábios estão mais secos, seus olhos mais esbugalhados e com olheiras e seus trajes são mais despojados (camisetas curtas e jaquetas jeans). Por outro lado, quando o vemos limpo, ele não só mantém-se mais ativo, como ele também prefere um traje mais formal (paletó e gravata). Fora tais caracterizações, é interessante perceber como o andar de Renton muda de uma postura mais desleixada quando drogado para uma mais firme quando são.
Continuando na ideia dual do filme, podemos perceber como embora Renton use e abuse das drogas, ele constantemente reclame dos vícios legais que o Estado cria para curar drogados ou de vícios que as pessoas normais possuem (carros, TV, casa, Valium). Disso, se compararmos estes vícios com as drogas de Renton, é interessante ver como também afirmamos a nós mesmos que utilizaremos determinada coisa pela última vez, para simplesmente no dia seguinte comprar algo mais avançado, tecnológico e, consequentemente, viciante. Sendo assim, a pergunta "quem é o mais viciado. Renton ou as pessoas comuns?" não faz sentido, visto que o vício é algo incontrolável independentemente da fonte dele. Portanto, um grande problema é justamente o fato do ser humano criticar naturalmente o vício do outro, esquecendo que ele próprio não é perfeito. No entanto, tal constatação esconde um problema ainda maior: muitos de nossos vícios são extremamente aparentes (como as drogas ou o consumo excessivo), mas o problema é quando estes mesmos vícios acabam escondendo outros mais profundos, como por exemplo o amor.
Quero deixar bem claro que não estou criticando o amor e suas vertentes! O que quero dizer é que a obsessão por ele, a busca por ele é um vício tão forte como qualquer outro antes citado, afinal, não conseguimos controlá-lo racionalmente. E desse modo, assim que nos vemos fisgados por alguém, tal sentimento cresce de uma forma a nos corroer. Voltando ao filme, podemos perceber que um dos grandes motivadores de Tommy (Kevin McKidd) a começar a usar heroína é justamente o fim de seu relacionamento. Renton e Spud (Ewen Bremner) também sofrem nas mãos de suas parceiras de forma a retornando ao mundo das drogas. Por conta disto, sinto que o papel de Diane poderia ter sido mais largamente usada, visto que ela possui uma única grande aparição, sumindo sem renovar o conflito emocional.
Por outro lado, chegando ao fim do filme, percebemos que este conflito cresce novamente na figura da amizade: percebendo que nunca conseguirá ter uma vida ao seu prazer (palavra dita diversas vezes nos mais diversos contextos) se não se desprender de seus "amigos", Renton escolherá algo que a primeiros olhos até possa parecer traição, mas que na verdade, será a única forma de seguir a vida conforme queira. Sendo assim, como no início do filme, Renton escolherá viver uma vida, só que dessa vez, acreditando no controle de suas ações. E por mais que a vida possa ser um grande vício, o simples poder de escolha acaba a transformando em algo muito mais motivante (e talvez menos chapado).
Após cobrir uma matéria com a mais prolífica toureira da Espanha, Marco (Darío Grandinetti) acaba se apaixonando perdidamente pela mesma. Ao mesmo tempo, Benigno (Javier Cámara) é um enfermeiro preso na obsessão de possuir o amor de Alicia (Leonor Watling). Assim como em qualquer relacionamento (e aqui me refiro a qualquer tipo de relacionamento, amoroso ou não), ambos se esbarrarão sem nenhuma cerimônia, se reencontrando muito tempo depois devido a acidentes ocorrido a suas amadas.
O maior trunfo de Fale com Ela (2002) está na ausência da estereotipização dos gêneros, construindo, por exemplo, Lydia (Rosario Flores) como uma destemida (imersa no universo masculino das touradas), embora sentimental (além de temer cobras, chora vendo casamentos) mulher, ao mesmo tempo que Marco se equilibra entre o sentimentalismo amoroso e a racionalidade de seu trabalho. Juntamente a isto, o filme desenvolve um estudo de relacionamento interessante ao unir e desunir casais na velocidade de um infeliz acidente.
Empregando um visual imponente, Almodóvar constrói quadros repletos de cores fortes, principalmente o vermelho (refletindo a pulsante sensação do que se é amar), prezando mais pelas sensações que as atuações de seus atores denotam do que na que a movimentação e enquadramento de suas câmeras criariam. Por outro lado, construindo uma narrativa em diversos momentos temporais diferentes, Almodóvar se baseia numa montagem dinâmica que se utiliza por vezes de letreiros, e outras pela suposição do espectador. Em certo momento, o diretor decide contar um episódio passado numa lógica reversa (observado em filmes como Amnésia (2000) e Irreversível (2002)) que acaba destoando do ritmo empregado por ser específico demais.
No entanto, mesmo que possua pontos levemente positivos, Fale com Ela perde-se num erro temático imperdoável, sendo encarado de uma forma tão natural que chega a ser desprezível. Benigno (nome que ainda apela para o lado positivo e angelical da personagem), por mais ingênuo e inconsequente que seja, não justifica o ato repudiável do estupro. Alicia (ou qualquer outro indivíduo) pode ser a pessoa mais desprezível, liberal sexualmente, ou querida do mundo, mas nada permite que outrem a estupre. Nada! E Fale com Ela não só tenta justificar tal ato pela condição excepcional e psicótica de Benigno como também se utiliza disso como impulsionador de um novo romance e desenrolar de trama, esquecendo (como se tivesse acabado de sair de um coma) que Alicia é muito mais vítima do que mero elemento narrativo.
É certo que Fale com Ela tenha um dinâmico roteiro, uma funcional trilha sonora e fortes atuações, destacando-se principalmente pelo seu estudo de relacionamentos. No entanto, ao tratar um caso de estupro com desdém e como mero elemento coesivo, Almodóvar desconstrói toda a antes bela ideia do filme.
"O animal que fez isso só pode ter vindo de um lugar: Cidade de Deus." Uma das poucas frases vindas de um personagem externo à Cidade de Deus não só reforça preconceitos, como torna o ciclo da violência e do tráfico constante com o passar das gerações (não achando solução, órgãos governamentais incitam ódio suficiente para alocá-los como mais uma parcela no conflito das favelas).
Diferentemente da perspectiva narrada pela grande maioria das novelas brasileiras, Cidade de Deus (2002) não se conforta em caracterizar uma grande comunidade fraternal vivendo em harmonia, onde malandros são sujeitos de boa índole e carismáticos. A sensação estável inicial é rapidamente denegrida para uma situação de total caos e guerra; uma coisa é certa, uma vez que a luta de interesses cresce e se escancara, o que se segue é nada mais, nada menos do que morte e tristeza.
Acompanhando Buscapé (Luis Otávio/Alexandre Rodrigues) da infância a sua juventude, Cidade de Deus justifica o clássico que é por empregar uma narrativa do ponto de vista de alguém pertencente a realidade retratada (o escritor do livro que baseia o filme viveu de fato em uma favela), dando uma atmosfera muito mais natural e crua da vida de cada uma das personagens descritas. Por conta disto, da mesma forma que sentimos pena da infância miserável e empoeirada (filtro alaranjado faz todo este arco parecer ainda mais duro e sofrido) de Buscapé e sua turma, começamos a sentir repulsa da usurpação e violência imposta por Zé Pequeno (Leandro Firmino) a toda a favela (filtro azulado contrapõe a sobriedade e maturidade presente com a ingenuidade e senso de sobrevivência do passado das personagens).
Da mesma forma, um outro aspecto técnico enfatiza a noção de um mundo pulsante, sem regras e sem descanso: a dinâmica edição. Sendo assim, desde a maravilhosa cena inicial, passando pela evolução do ponto de drogas ou de Zé Pequeno (encadeamento de vários momentos esparsos em um único tempo), e chegando à horrenda cena de estupro e chacina da família de Mané Galinha (Seu Jorge) (câmera disforme - tanto por não vermos a mulher ser estuprada, como pelo desfoco ao ver seu irmão ao relento - refletindo a dor e desilusão de Mané Galinha).
Toda esta construção será de vital importância para que possamos entender a mudança de rumo das mais variadas personagens, como Thiago (Daniel Zettel) entrando no mundo das drogas, Bené (Phellipe Haagensen) tornando-se "playboy", mas principalmente de Mané Galinha entrando para o mundo do crime. Através de uma lógica determinista, Mané Galinha é coagido a se transformar neste novo homem por sofrer do desejo e do tráfico, vislumbrando a interferência destes nas pessoas mais comuns. Dessa forma, sua mobilização vingativa passa a ser mais do que pessoal, influenciado na vida de inocentes do mesmo modo que ele temia anteriormente; Mané Galinha não nasce meliante, ele torna-se um. Disto decorre a seguinte pergunta: será que o bandido é aquele torna o público, pessoal (obter controle sobre o tráfico de drogas), ou aquele que torna o pessoal, público (transformar sua vingança numa guerra de milícias)? O fato é que "A exceção vira regra", ou seja, assim como Mané Galinha começa a matar inocentes para se perpetuar, o trabalhador vira bandido. Da mesma forma, Buscapé vai aos poucos migrando do mundo do tráfico para o mundo jornalístico, quebrando o senso determinista da favela, tornando-se a exceção.
Chegado a tal ponto, é mais do que relevante comparar a ascensão de Buscapé no jornal com a entrada de um outro jovem ao mundo do crime (tendo sua expressão máxima em Dadinho (Douglas Silva)). Se formos pegar o bruto desses dois processos, veremos que de fato não há muitas diferenças. Mas então qual será o ponto em que esses dois personagens começaram a tomar rumos diferentes? As oportunidades? Motivação de vida? Ao meu ver, Buscapé não tinha nenhuma pretensão de ser grande com a fotografia, ele só queria trabalhar com isso. Desenvolvimento psicológico? Experiências de vida? Influências? Tanto Buscapé quanto Dadinho tiveram a mesma origem e os mesmos contatos. Por que eles se tornaram então tão diferentes? Não sei responder. No entanto, isto ratifica que não necessariamente nascer em uma favela seja condição obrigatória para se tornar um mau sujeito, contrariando totalmente a frase preconceituosa citada no início deste excerto. E o mais interessante disto tudo é que mesmo Buscapé criando uma vida fora da favela são as suas escolhas que determinarão como levar sua vida, e não qualquer outro jornalista, confirmando mais uma vez a genialidade do filme em situar a narrativa através do olhar de um indivíduo da favela.
Um outro tema forte do filme é justamente o papel do amor na vida das personagens. Buscapé passa um tempo razoável do filme atrás de Angélica (Alice Braga), que aparece em sua vida da mesma forma que desaparece, sem rodeios. Mais tarde, Buscapé terá sua primeira experiência sexual com a jornalista que usa de suas fotos (Graziela Moretto) de um jeito bem menos romantizado que ele imaginara. Da mesma forma, Zé Pequeno iniciará o conflito com Mané Galinha por achá-lo muito mais bonito e festeiro que ele. O amor é um sentimento muito forte, e mesmo no ambiente mais hostil do mundo ele existirá. No entanto, o que Cidade de Deus mostra é que as relações não são tão idealizadas como vemos costumeiramente, sendo cru e efêmero assim como o clima do filme. Por outro lado, mesmo que o amor (o amor pode ser também por um gosto ou sina, como Buscapé pela fotografia ou Zé Pequeno pelo controle) seja raso e breve, um ser humano pode, movido por este sentimento, lutar irracionalmente sem vislumbrar todas as suas consequências.
A maior expressão deste tema está na cena da balada. Motivado pelo sentimento de posse, Zé Pequeno entrará num crescente de raiva estrategicamente articulado para que sua extrapolação final tenha muito mais peso: rejeitado pela mulher, rejeitado pelo amigo (câmera começa a ficar caótica), desconta em Mané Galinha (câmera começa a virar bruscamente), luzes piscantes, aumenta a música, cortes rápidos, tiros, gritos, confusão e Bené morto. Neste ponto, Zé Pequeno fará com que um trauma pessoal acabe se transformando em toda uma guerra pública, se assemelhando com o conflito de Mané Galinha.
Antes da conclusão, como elencado acima, é perceptível o papel da mixagem de som como linguagem importante ao filme (aumentando a música e tiros), e de fato, tal detalhe técnico é tão bem empregado que em cenas como a da abertura (afiando a faca, samba, vozes e cacarejo de fundo que com o tempo aumentam de intensidade, tiros) ou do tiroteio entre as milícias (som de tiros com a imagem de uma rodinha de homens rezando), ela sozinha já dá vida ao momento.
E voltamos a galinha fugindo... neste momento é claro que o animal remete a figura de Mané Galinha sendo perseguida, e dentre tiros para cá (muitos diretores de ação deveriam se inspirar na forma em que Fernando Meirelles emprega a câmera tremida, utilizando-a somente em momentos de extrema tensão, incorporando assim muito mais impacto), corrupção para lá, "flashbacks" para cá e cliques de fotos para cá, temos uma veloz resolução. Buscapé decide não enviar as fotos incriminatórias da polícia tentando evitar maiores complicações. Se pararmos para pensar junto com ele, sua escolha parece ser de fato a mais inteligente: uma vez longe da favela e do tráfico (que o impediam de ascender), Buscapé quer seguir sua vida da forma como quiser, sem ter que dar satisfação a ninguém. Manter-se incógnito é a melhor escolha. Mas o mais revelador reside mais uma vez sobre a figura de Mané Galinha...
Através de um "flashback" explicativo, entendemos que o garoto que o mata é na verdade filho do homem que ele havia matado no banco. Dessa forma, se uma vez concordávamos com a frase "a exceção vira regra", temos aqui o contra-argumento prático das consequências do mundo do crime. Seja busca por controle ou por vingança, o certo é que ambos são bandidos, e o pior de tudo, o garoto que procurou vingança à morte do pai estava tão errado quanto Mané Galinha (que também procurava vingança). Sendo assim, a única conclusão que podemos ter é a de que crime propaga crime, consequentemente se estendendo através das gerações assim como o filme mostra com os garotos da Caixa Baixa.
Tomando Sandy (Olivia Newton-John) e Danny (John Travolta) como conflito principal, Grease (1978) utiliza-se do musical e de momentos oníricos para tecer otimisticamente o romantismo juvenil, inspirando muito mais naturalidade em situações pontuais do que na obra em conjunto.
Através de um clichê narrativo (que não necessariamente é ruim), observamos como cada sexo valoriza o mundo e suas relações. Dessa forma, enquanto o lado feminino transborda meiguice e idealização, o masculino foca-se no teor sexual e carnal. No entanto, se formos analisar mais a fundo, veremos que este esteriótipos são sutilmente contraditos na figura de personagens específicas. Sendo assim, se Rizzo (Stockard Channing) nega-se a agir como uma "boa garota", "corrompendo" as demais, Danny desliza em momentos de sensibilidade às lembranças das férias passadas. Conforme prosseguimos no filme, percebemos que tais barreiras de gênero são gradativamente superadas, tendendo à confluência e à harmonia em forma de relacionamentos amorosos.
Não se preocupando em construir um desenvolvimento espetacular (no sentido de espetáculo), Grease prefere ambientar sua narrativa no crescente das amizades, atendo-se aos pequenos momentos. Por conta disto, ao mesmo tempo da hiper-cafona cena de Kenickie (Jeff Conaway) tomando uma portada na cabeça, temos a dinâmica edição da cena de "Summer Nights". Da mesma forma, contemplamos um Danny que na tentativa de praticar esportes, porta-se como se estivesse numa pista de dança, andando com um rebolado contagiante e arrumando constantemente o gel de seu cabelo. Preferindo quadros mais abertos (fazendo com que os atores brilhem mais que o jogo de câmeras - e cá entre nós, John Travolta cumpre bem o papel), Randal Kleiser raramente impõe uma linguagem fílmica, deixando com que o design de produção se prepondere nas cenas -as vezes desnecessárias- oníricas do filme.
Por vezes idealizado demais (como na deixa criada após Sandy sair do Drive-In para somente acrescentar um momento musical a mais ao filme), Grease se perde em cenas destoantes ao então bom ritmo empregado (como numa extensa cantoria a Frenchy (Didi Conn), personagem que não será desenvolvida nem antes, nem depois desta cena), conseguindo, no entanto, se redimir em valorosos momentos de euforia (cena da garagem com "Greased Lighting", ou do empolgante final de "You're The One That I Want").
Assim como os requebros de seu protagonista, Grease oscila entre seus altos e baixos momentos, deixando transparecer a fragilidade de seu ritmo e direção. No entanto, conseguindo mimetizar o espírito jovial e libertador dos anos 50, Grease causa empatia pelo frescor e naturalidade de suas personagens.
Omar (2013) é um filme repleto de ótimas interpretações, situado em um panorama pungente e político de uma das regiões mais conflituosas do mundo, e com uma maravilhosa cinematografia e composição de quadro. No entanto, o filme acaba se perdendo na ambição de se manter sob viradas de narrativas (plot-twists) (in)esperadas.
Omar (Adam Bakri) é um jovem padeiro que nas horas vagas militará junto a dois amigos de infância, Tarek (Eyad Hourani) e Amjad (Samer Bisharat), em uma guerrilha palestina. Juntamente a isto, Omar aos poucos descobrirá o valor do amor, se apaixonando perdidamente pela irmã de Tarek, Nadia (Leem Lubany). Assim que o infortúnio de suas ações o levará a trabalhar para o serviço secreto israelense, Omar se verá dividido entre conseguir manter uma vida pessoal e prolífica, traindo seus amigos, ou permanecer preso, quiçá morto, mantendo a ideologia e a lealdade. Tentando postergar a decisão, Omar perceberá que cada segundo perdido, complica ainda mais sua situação.
A situação da Palestina não é novidade a ninguém, vindo de uma herança político-religiosa conflituosa, a região é atualmente controlada político e militarmente por Israel. Cada medida revolucionária é brutalmente contida gerando represálias, fazendo com que este seja um dos conflitos mais alarmantes e de difícil solução do mundo moderno. Dessa forma, é muito interessante ver como o filme tenta abordar muito mais do que o conflito político, aventurando-se em personagens que no íntimo não deixam de ser humanas. Este balanço de ideais será algo vital para que consigamos entender o dilema moral de Omar ou de Amjad (já que mesmo que ele seja o traidor, ele não tenha culpa do que fizera, estando na mesma situação que Omar).
O clima bucólico do início do filme (encontro dos três amigos em meio a risadas e contemplações é enfatizado por uma fotografia em pastel, dando uma sensação ainda mais agradável ao encontro) é paulatinamente substituído por um clima de tensão (como nas cenas de fuga, em que uma câmera mais tremida, sem que ela nos impeça de visualizar o que acontece, acompanha as personagens através das vielas e muros da cidade). Mais uma vez é importante ressaltar que essa tensão se dividirá entre a dor pessoal e a dor pública (política no grego se refere àquilo que é público), expressa nos momentos estilísticos sutis que vão desde uma câmera estática (como quando Omar contempla o inseto em sua cela) a uma trilha sonora minimalista, que prefere os momentos de silêncio como forma de acentuar a tensão (como quando Omar conversa com Tarek no restaurante antes de serem atacados, em que o silêncio exacerbado prenuncia algo de errado).
Um outro tema interessante é a influência americana sobre as personagens do filme, uma vez que Israel mantém relações estreitas com os EUA desde sua independência. Dessa forma, vemos referências que vão desde atores americanos (Marlon Brando e Brad Pitt) até a marcas famosas (Tic Tac. É possível comparar a ideia que Amjad fala sobre dar açúcar aos macacos, viciando-os e podendo controlá-los, com o Tic Tac/açúcar oferecido a todo momento pelo agente Rami (Waleed Zuaiter) a Omar - mesmo que ele nunca aceite). A partir desta ideia temos uma das cenas mais impressionantes do filme: em certo momento quando Omar conversa ao orelhão, temos o enquadramento de um outdoor com duas crianças plantando uma árvore com os dizeres "Plantando esperança" em inglês. Analisando a composição da cena, vemos que o contraponto visual é nítido: o outdoor grandioso, alegre e composto por uma cor verde forte destoa dos arredores do quadro, em que vemos casas estropiadas e cobertas de areia, denotando um ar de miséria e abandono. Por conta disto, é possível afirmar que mesmo sutilmente, o filme critica a falsa ideia de salvação imposta pelos americanos.
Em meio a tantas cenas bem construídas, uma se destaca vertiginosamente: a cena em que Omar descobre que Amjad o havia enganado com a história do bebê. Mais uma vez com o silêncio da trilha sonora, Nadia vai aos poucos explicando todo o desentendimento passado sem saber do embate entre Amjad e Omar. Conforme ela vai falando da idade dos bebês, a câmera vai gradativamente de cada um, enquanto cortes vão nos levando de um semblante ao outro. Em razão de segundos, estamos tão próximos dos rostos de cada um que sentimos a claustrofóbica tensão em que Omar se encontra.
Se Omar se resumisse a todas as qualidades que vim elencando até aqui, o filme seria perfeito. No entanto, o filme perde grande parte de seu frescor ao tentar se basear em inesperadas viradas de narrativas (plot-twists) que acabam sendo previsíveis demais (já sabia que Amjad era o traidor, já sabia que não havia bebê e já sabia que Omar mataria o Rami ao final). Quero deixar bem claro que o problema não está em desenvolver uma narrativa clichê, visto que filmes como Janela Indiscreta (1954) conseguem construir um suspense magistral até o previsível fim (a graça em Janela Indiscreta é duvidar da sanidade da personagem principal ao mesmo tempo que se desenvolve uma tensão em volta do thriller criado) O problema é que Omar utiliza-se largamente da surpresa destas viradas de narrativa como chaves para o desenrolar da narrativa. Sendo assim, uma vez que estes momentos tornam-se previsíveis, a magia da descoberta, e consequentemente do filme, acaba sendo banalizada. Estas sensações podem variar de pessoa para pessoa, mas tentarei elencar alguns elementos do filme que me levaram a prever tais fatos.
Quando Omar é intimado a levar os agentes israelenses até seus amigos, Rami afirma que o responsável pelo tiro havia sido Tarek. Blefando ou não, Rami já havia mostrado que tinha vastas informações sobre a vida de Omar. Não é muito estranho Rami ter até mesmo fotos do encontro de Omar e Nadia e não saber (ou proteger) Amjad? Algumas cenas depois, quando os três se encontram no restaurante antes do ataque israelense, antes mesmo de Amjad se retirar da mesa, ele olha diretamente para a câmera como se admitisse a culpa. Em relação ao bebê, na cena em que Omar beija Nadia, além do peso de uma sociedade que não aceita tais atitudes, vemos uma garota ingênua e encantada, levantando até mesmo os pés pela excitação da novidade. Agora compare toda esta fofura e inexperiência com a mulher que transa dias depois de transpor uma das principais barreiras de sua sociedade (o beijo). Mas a minha maior revolta se dá por parte da segunda vez que Rami libera Omar. Poucos minutos atrás, Rami quase mata Omar com toda a sua brutalidade. Mesmo traído, Rami não só não desferirá nenhuma violência contra Omar como ainda lhe dará uma segunda chance. A simples bondade de Rami não faz com que suas escolhas se preponderem sobre as escolhas do estado, o que para mim indicava que ele só havia liberado Omar tendo pleno controle sobre o que aconteceria (já que ele mandava em Amjad também). Uma vez solto pela segunda vez, Omar não só não acaba com Amjad como o protege diante da fúria de Tarek. Neste momento, Omar já havia entendido que o culpado não era Amjad (ele estava na mesma situação que ele), mas sim Rami, chamando-o para assassiná-lo. Mais uma vez reforço que nada disto seria negativo se o filme não encarasse tais descobertas como momentos excepcionais e inesperados.
Analisada em sua mensagem, Omar mostra a epopeia de um homem que podia possuir tudo, mas imerso num universo hostil de uma guerra perde toda a humanidade e relações que tinha, tornando seu conflito pessoal tão corrosivo quanto o político. Dessa forma, é monstruoso perceber como o sujeito tranquilo e esperançoso das cenas iniciais do filme, acabe se tornando uma pessoa violenta e desiludida. E é nesta construção psicológica que a força política e antibelicista vem mais forte: o indivíduo não vive se seu político (tanto quanto na luta contra Israel como no desmembrar das relações públicas mais íntimas) não se encontra em harmonia.
Desde junho de 2010, quando a Pixar lançava Toy Story 3, não tínhamos um filme tão criativo, e instigante. É claro que Valente (2012) e Universidade Monstros (2013) até conseguem dar uma revitalizada ao já prolífico mundo imaginativo da Pixar, mas será somente em 2015 com Divertida Mente que voltaremos a sentir a aventura e profundidade sentimental que rondearam o maravilhoso intervalo de 2008-2010 (Wall-E, Up - Altas Aventuras e Toy Story 3).
Contar a história evolutiva de uma criança é sempre uma tarefa muito complicada, visto que ao desenvolver uma narrativa, o autor possa se perder na nostalgia do momento. Sabendo disto, é possível constatar a força criativa de Divertida Mente, seu conceito: acompanhando a história de Riley desde o seu primeiro dia de vida, entramos a fundo em sua cabeça para observarmos todo o desenvolvimento psicológico e moral de uma forma bem gráfica e intuitiva. Por conta disto teremos Alegria, Tristeza, Medo, Raiva e Nojinho expressos em cores e características fortes (por exemplo em Nojinho usando um cachecol e com um cabelo estiloso, ou em Medo vestindo formalmente e tendo uma aparência flácida e retraída) a fim de identificarmos visualmente a preponderância de determinado sentimento em cada cena. Além disso, decorrente da lógica empregada, a Pixar acerta em cheio em evitar com que seus personagens humanos sejam caricaturais demais, transportando toda esta responsabilidade para os sentimentos (humanizados). Dessa forma, mais do que analisarmos o desenvolvimento psicológico de Riley, é interessante ver como todos os sentimentos confluam com o tempo a uma harmonia, embora um deles acabe preponderante no caráter da pessoa (como é possível observar com a Raiva no pai e a Tristeza na mãe de Riley). Por fim, é primoroso ver a diferença visual na composição dos sentimentos entre diferentes faixas etárias. Dessa forma, é possível constatar que as delineações dos sentimentos de Riley sejam mais soltas, repletas de pelos e glitter, enquanto que as dos seus pais sejam mais sóbrias e organizadas.
Mas o magnífico conceito de Divertida Mente não para na composição de suas personagens, ela permeia todo o universo do filme. Dessa forma, é lindo ver como cada base da nossa vida estrutura-se em uma ilha, imponente e frágil como o percurso da vida. O diálogo do mundo dos sonhos com os estúdios de Hollywood, o subconsciente como um labirinto dos horrores, o mundo da imaginação com abstrações e fantasias, operários que limpam lembranças velhas e mantém memórias-chiclete. Seguindo ainda a lógica visual, vemos que a professora da classe nova de Riley usa um vestido e um óculos roxo, refletindo todo o medo da garota em relação a este mundo novo. Da mesma forma, podemos ver que um dos trajes iniciais mais marcantes de Riley são justamente um composto por faixas de várias cores, assim como o broche que Bing Bong, seu amigo imaginário, leva ao peito, ambos remetendo a uma infância em que os sentimentos (diferentes cores) ainda não estavam em conflito.
Falando em Bing Bong, este personagem é o principal responsável por levar o público ao choro, visto que embora ele seja a lembrança de uma época ingênua e carinhosa, ele também personifique o processo de amadurecimento de Riley quando de seu esquecimento. Dessa forma, o excesso de nostalgia que poderia comprometer o desenvolvimento narrativo é aqui trabalhado delicada e demoradamente para que o espectador se identifique com o passado de Riley (coisa parecida com o que acontece ao final de Toy Story 3), funcionando como um agravante a toda a epopeia da personagem principal. Não é à toa então que Riley bebê-criança tenha em sua maioria sensações positivas e felizes, mas que conforme ela/sentimentos começa a conhecer o mundo à sua volta, percebe-se que uma pessoa não pode ter unicamente lembranças positivas como memórias-base. E é aqui que a Pixar magistralmente transforma sentimentos inicialmente caricaturais em características infinitamente mais complexas, afinal nenhum sentimento vem sozinho, mas sim aos conjuntos/harmonia, que é como os veremos nas personagens mais adultas.
Não quero aqui entrar em questões de crenças, mas acredito que um dos temas mais fortes, embora sutis, do filme seja a noção de destino. Se seguirmos superficialmente a ideia de que todos nós possuímos seres internos que nos controlam, esta noção parece ser bastante válida. No entanto, se formos pegar o filme por completo, veremos que existem vários momentos em que os respectivos sentimentos sentem coisas não condizentes com seu caráter (a cena mais aparente é justamente quando Alegria chora no limbo). Sendo assim, se nem os próprios sentimentos conseguem se controlar, como eles irão nos controlar? E é aqui que esta a beleza de Divertida Mente. O divertido não está na risada desenfreada, mas sim na conjugação de sentimentos que tem por última instância, nos tornar seres humanos.
O que é irreversível? Os fatos passados? O tempo? Traumas? Irreversível (2002) subverte tudo isto aplicando uma narrativa de trás para frente nos apresentando as consequências antes mesmo de suas causas. Por conta disto, o desconforto é de certa forma atenuado, visto que o choque se dá pelas momento, e não pelo encadeamento deles. Será só quando tivermos informações mais aprofundadas da situação que o choque ganhará peso, se situando estrategicamente ao meio do filme com a famigerada cena de estupro. Ao mesmo tempo, presenciar a fúria de Marcus (Vincent Cassel) antes do fato em si ajuda a acentuar ainda mais o peso do estupro, visto que a animalidade presente reverbera a violência de Marcus.
Logo quando começamos o filme, o primeiro choque não virá nem do estupro/sexo, nem da violência, mas sim da estética implementada: através de uma câmera caótica por um plano-sequência vamos pouco a pouco conhecendo o ambiente e as personagens do filme. Esta escolha será racionalmente articulada não só para amplificar a sensação de desconforto e desvario, como também para mimetizar visualmente a confusão e dor mental de Marcus e Pierre (Albert Dupontel). Quando entramos no bar gay, uma trilha sonora dissonante e imutável vai nos desnorteando junto com a movimentação de câmera a cada novo cômodo quase como se verbalizasse que nós não fizéssemos parte do meio em que estamos. Por fim, a coloração preponderantemente vermelha cria um clima infernal e quente nos fazendo querer fugir de cada novo cômodo que entramos. Estes detalhes técnicos serão largamente utilizados para enfatizarem as sensações que o filme nos quer passar ao decorrer de sua duração.
Conforme vamos conhecendo os dois protagonistas masculinos mais a fundo, percebemos que eles na verdade se completam. Enquanto Marcus é o homem mais expansivo e espontâneo, Pierre é mais contido e analítico. Dessa forma, Alex (Monica Bellucci) entra nessa relação como o balanço das personalidades (não é à toa que ela já terá se relacionado com os dois em algum momento de sua vida), podendo até mesmo ter uma conversa aberta sobre sua vida sexual. E é justamente quando Alex é estuprada (quebrando o balanço) que essas duas personalidades entrarão em choque.
É também após presenciarmos o estupro que começamos a encarar mais fortemente cada movimento contra Alex como abusivo. Dessa forma, é nítida a atitude agressiva de Marcus na festa que precede a cena de estupro. Disto, é irônico perceber que tentando evitar maiores complicações com Marcus, Alex decide voltar para casa, sendo fatalmente estuprada (se destrincharmos ainda mais, a mesma lógica acontece quando Alex decide ir pela passagem subterrânea ao invés de atravessar a rua movimentada). Temos aqui uma das mensagens mais fortes do filme: a fraqueza feminina, visto que as escolhas com fins de preservar a integridade, acabam sendo violadas por figuras masculinas. Mais uma vez, temos a presença da cor vermelha como anunciadora de deslocamento, presente na placa com os dizeres "Passagem", mas principalmente na iluminação do corredor em que ocorrerá a vildade (se contrapormos o vermelho destes momentos pulsantes com as demais cenas, veremos que no resto o filtro predominante é amarelo, dando a sensação de comodidade e casualidade).
Nesta mesma cena ainda temos uma outra ideia forte do filme: a falta de compaixão dos seres humanos. Se não bastasse a prostituta que não volta com ajuda, ainda vemos um sujeito que aparece ao fundo e, percebendo o ato, evita o contato. Não estou querendo condenar a ação de ninguém, muito porque o princípio básico do homem se dá em preservar a individualidade e integridade própria. No entanto, fazendo parte ou não da natureza humana, esta característica é algo tão chocante quanto as cenas mais fortes, visto que Alex só é estuprada pois decide parar e tentar socorrer a prostituta de alguma forma. Esta sensação de impunidade é ainda maior pelo fato do estuprador sair intacto (além da lei não o punir, a vingança pessoal não foi efetivada).
O filme vai chegando ao seu fim (ou ao seu começo) e, embora as cenas pesadas diminuam em intensidade, a memória força em comparar os momentos de alegria com toda a brutalidade e violência do pós-estupro. Não é à toa que a cena final mesmo sendo feliz, o concebimento de uma nova vida (com direito à Starchild de 2001 atrás) seja tão trágica, pois nem ao menos sabemos se esta vida vingará após tal ato. Por outro lado, podemos imaginar que tudo que acontece após Alex dizer que estava sonhando seja na verdade fictício (o que faria sentido para a lógica de um sonho, já que eles são descontínuos e não-lineares assim como a estética do filme), e como se tudo que havíamos passado fosse só um mal prenúncio. Seguindo esta interpretação ou acreditando que o filme mantenha a lógica de sua estética até o fim, o certo é que a força do pessimismo estará visualmente contido na movimentação da câmera de sua fatídica cena, com seus giros remetendo ao início do filme, como se todo o filme passasse de trás para frente e tivéssemos que revisitar cada dor passada.
Irreversível é uma obra de difícil ingestão, bruto e pessimista. No entanto, ao contrário de muitos outros filmes, este pessimismo não é o ponto de vista de um autor, personagem ou sucessão de eventos, mas sim uma abominação real e mais recorrente do que parece. E indo na contramão do que o filme tenta elucidar, "O tempo NÃO destrói tudo, algumas coisas ficam até o fim da vida".
"- Até onde eu sei, nem existe um Leo ali dentro. - Existe sim. Tatum assegurou-se disso."
Muito antes de O Abutre (2014), Billy Wilder já tecia suas incisivas críticas ao jornalismo sensacionalista em A Montanha dos Sete Abutres (1951). Aqui, Kirk Douglas é Chuck Tatum, um experiente embora conturbado jornalista que em uma curta sucessão de anos passara pelos mais importantes boletins diários dos Estados Unidos. Buscando se restabelecer como indivíduo de prestígio que uma vez fora, Tatum recomeçará sua carreira se instalando no pequeno jornal de Albuquerque. É interessante perceber como a lábia que futuramente trará milhares de curiosos a Escudero, já é mordaz desde o início do filme, quando ele se promove para o diretor (Porter Hall) do jornal ("Já menti muito na minha vida. Já menti para homens com cintos, e homens com suspensórios. Mas não seria tolo o bastante para mentir a um homem de cinto e suspensório"). Não é à toa que uma vez com o material em mãos, Tatum manipulará as mais diversas pessoas em favor de seus interesses.
No entanto, se de um lado vemos o seguro calculismo de suas falas, por outro, vemos o constante uso da violência para com Lorraine (Jan Sterling), que juntamente com sua faceta ambiciosa acaba criando um monstro sem amarras morais cujo único intuito reside em buscar uma boa história. Dessa forma, é assombroso perceber como Tatum se veste inicialmente com cinto e suspensório para rimar com a autoridade de seu diretor, jogando-o com triunfo ao chão quando deixa o jornal de Albuquerque ou como se aproxima "romanticamente" de Lorraine quando vê que podia "perdê-la" (veja "perder a autenticidade da história") para os demais jornalistas.
Por conta disto é muito relevante se fazer a seguinte pergunta: será que Tatum gosta de fato da profissão que exerce, ou será que ele só faz tudo que faz pelo reconhecimento? A resposta não é tão trivial quanto parece. Talvez Tatum tenha até começado como Herbie (Robert Arthur), curioso pela notícia, triunfando diante do mais banal acontecimento. No entanto, um jornalista não é motivado a continuar somente com pequenas histórias, e considerando o fato de Tatum ter participado da Segunda Guerra Mundial (visto que ele conhece a letra da música que Minosa (Richard Benedict) canta) e ter vivido em grandes metrópoles americanas, faz com que o primeiro grande acontecimento que lhe aconteça seja suficiente para ensandecê-lo a ponto de querer controlar toda a cobertura dos fatos. Portanto, respondendo a pergunta, Tatum gosta sim do que faz, mas sua experiência de vida o modelou ao ponto de reconhecimento ser um sinônimo de prazer pela profissão. O problema é que com a índole de Tatum, o resultado tende ao desastre.
A diferença é que aqui o desastre é sutil e compassado, bem como um jogo de cartas (como o título Ás Escondido) deve ser. No entanto, o título é tão genial que dele ainda decorrem mais duas acepções. A primeira vem da tradução livre do título, Campeão no Buraco. Dela podemos interpretar que tanto Minosa quanto Tatum sejam estes campeões, visto que o primeiro é o objeto/prêmio utilizado para alçar o sucesso do segundo. Por uma outra acepção, se todo o jogo parece perfeito para Tatum, será uma surpresa, uma carta na manga que alterará todo o esquema dele: o prenúncio da morte de Minosa.
No entanto, a genialidade de Billy Wilder não se contentará em desmoralizar somente a figura de Tatum; ele esquadrinhará toda uma sociedade sem escrúpulos, ou melhor, sete facetas dela, compondo assim os sete abutres que assombrarão Minosa durante os sete dias de seu resgate. Tatum e o jornalismo sensacionalista, Xerife Gus (Ray Teal) e a lei, Lorraine e o casamento por interesse (após vermos Minosa comentando sobre a beleza de Lorraine, somos cortados para ela e um caminhão com os dizeres "Os Magníficos S&M Companhia de Espetáculos", metaforicamente ilustrando o espetáculo que ela se tornou), Sam (Frank Jaquet) e o serviço público, Al Federber (Frank Cady) e os curiosos (assim como os preços para a visita vão subindo conforme a procura aumenta) e as crenças espirituais (espíritos indígenas e catolicismo. Há uma cena sutil em que após a mãe de Minosa (Frances Dominguez) ser enquadrada rezando, vemos Lorraine comendo uma maçã com um olhar malicioso, remetendo à imagem bíblica pecaminosa da fruta). Neste momento você provavelmente está contando o número de elencados e perceberá que é seis, consequentemente se perguntando quem seria o sétimo. Você! Nós como espectadores também fazemos parte do filme, nos diferenciando do que vemos por sermos a parte real dele. Dessa forma, nós também fazemos parte desta sociedade que paga por espetáculos, afinal tudo o que fora analisado se trata de cinema! Mas calma, a crítica não está em si no espetáculo, mas sim no tipo de espetáculo que procuramos. Dessa forma, devemos entender a crítica como uma forma de aviso a fim de repensarmos o que vemos.
Por fim, ciente da bomba que criara, Tatum não só se negará a tudo que construíra, como também dará todas as suas forças para salvar Minosa. Uma vez morto, Tatum tentará se redimir seguindo o lema de seu ex-diretor, "Fale a verdade". No entanto, ele se dará conta do monstro a qual se transformara, tornando-se frágil e suprimido (o que terá muito mais força se contraposto a sua caracterização inicial). Em sua fatídica cena, o abandono de Tatum será tão digno de pena como um dos últimos e mais belos enquadramentos de A Montanha dos Setes Abutres: o pai de Minosa (John Berkes) observa a gigantesca montanha que levara seu filho, rodeado pela sujeira deixada pelos curiosos. Se não bastasse ser suprimido pelo paredão de pedra à frente, ele ainda se encontra encaixotado pelos dizeres de reeleição do xerife Gus à esquerda e um cartaz acerca do revertimento dos lucros à direita. Se ainda consideramos que quem o vê é Tatum, o pai de Minosa estará fechado por todos os lados, indefeso como uma presa cercada pelos abutres.
Depois de quase 15 anos de espera, somos levados mais uma vez ao mundo de Jurassic Park. Diante de novas instalações e dinossauros ainda maiores, acompanhamos a funcional premissa dos demais filmes. Após um fugaz momento de maravilhamento, algo sai completamente dos planos, fazendo com que nossas personagens tenham que fugir para sobreviverem.
Logo de cara, Jurassic World (2015) resolve um problema latente dos dois últimos Jurassic Park: a falta de motivo para retornar à ilha. Se em 1993, Jurassic Park era tão surpreendente tanto para as personagens quanto para os telespectadores, em 1997 e em 2001, o retorno ao mundo dos dinossauros parecia improvável diante de tamanha destruição e perigo passados na aventura anterior. Sabendo disso, a solução foi renovar todo o elenco de personagens, para que mesmo que alguns deles possuam as mesmas ambições que as dos originais, pelo menos estejam virgens de qualquer acontecimento desastroso.
Solucionado isto, é nostálgico reentrar pelo portão principal ao som de John Williams, ou até mesmo abarcar a dimensão do parque através de um enquadramento aéreo. Dessa forma, ao mesmo tempo que vamos revendo cada um dos queridos dinossauros, vamos tendo traços da insuficiência administrativa causada pela ambição humana. Portanto, é inevitável relacionar as ações das novas com as das antigas personagens (Owen (Chris Pratt) assim como o Dr. Alan Grant (Sam Neill), se maravilha com os dinossauros, mas os respeita acima de tudo, e Claire (Bryce Dallas Howard) assim como John Hammond (Richard Attenborough) reaprende a ver os dinossauros muito mais do que meras formas de lucro), criando assim um eco interessante com o filme original.
Ainda em relação as personagens, é inquestionável ver o jogo de cintura de Chris Pratt, alternando seus momentos canastrões com outros mais sérios. Bryce Dallas Howard também faz um ótimo trabalho na figura de uma moça que vai aos poucos se deixando tomar mais pelas emoções do que pela razão (no início do filme, Claire passa pelo meio dos hologramas dos dinossauros denotando o desprezo que tem pelos animais), como visto no semblante mais trêmulo conforme o filme prossegue (além disso, há um eco visual nas roupas de Claire incrível. No início, seus trajes impecavelmente brancos destoam do clima selvagem e pungente do parque, denotando um ar de sobriedade e calculismo. Conforme Claire começa a respeitar os dinossauros, suas roupas começam a ficar sujas e rasgadas, como se a emoção estivesse tomando conta dela). Por outro lado, senti que as demais personagens fora um tanto mal desenvolvidas: enquanto Gray (Ty Simpkins) até consegue exprimir certa carisma, Zach (Nick Robinson) é um sujeito desinteressante que flerta constantemente com garotas sem nenhum vínculo aparente com a trama e feições irritadas. Da mesma forma, temos Barry (Omar Sy), Dr. Henry Wu (BD Wong), Hoskins (Vincent D'Onofrio) e Masrani (Irrfan Khan) aquém do que poderiam trazer a trama. Por conta disto, algumas das tramas envolvendo estas personagens acabam se tornando menos empolgantes que as dos dois protagonistas.
Felizmente, o filme consegue compensar seus problemas de personagem com um ritmo de filme bem dinâmico. Primeiro contemplamos a beleza do parque e dos dinossauros. A partir do momento que Indominus Rex se mostra um problema, acompanhamos a equipe de contenção, visto que matá-lo causaria extremos prejuízos. Concluído que contê-lo é impossível, a missão é tentar aniquilá-lo. Sem sucesso, a última saída é escapar da ilha. Este crescente de suspense é impressionante, pois conseguimos de fato entender quão poderoso Indominus Rex é do que se simplesmente quiséssemos fugir da ilha de primeira. É por conta disto também que o final é tão poderoso, visto que Indominus Rex/ambição humana desestabilizou tanto o sistema da ilha, que será necessária a união de forças de humanos, Velociraptors, T-Rex e Mosassauro.
Por sua vez, os dinossauros do filmes são utilizados funcionalmente, de forma a dar um espaço específico no filme para cada um deles. Destaco uma cena em que vemos um campo de brontossauros ao relento, confirmando a morte da beleza do parque diante da presença da força maior que Indominus Rex é. Além disso, temos também um emprego positivo das cenas de suspense, prezando por cortes mais fechados do olho ou do rabo, ao mesmo tempo que demora-se no som dos passos, ou no balançar das árvores antes de de fato mostrar o dinossauro. Uma cena impressionante ocorre justamente quando vemos o ataque dos Velociraptors pelos chips implantados ou pela contagem de vítimas. Por conta disto, cenas como a do salto do Mosassauro ou do confronto entre T-Rex e Indominus Rex são tão imponentes, justamente por contrapor toda a construção de suspense com cenas insanas de ação.
Mesmo que possua personagens mal desenvolvidos e, consequentemente, tramas desinteressantes, Jurassic World faz jus ao nome da franquia, e embora esteja longe do peso inovativo que o primeiro Jurassic Park trouxe, funciona como um belo thriller de divertimento. Ah, e o 3D não vale a pena.
Em 1981, Steven Spielberg nos concebia mais uma de suas memoráveis obras. Aqui, é possível ver todas as marcas que o fizeram o diretor de renome que hoje é. Dessa forma, temos um roteiro ágil e inteligente, personagens absurdamente cativantes e representativos, uma direção marcante e a favor da narrativa, cenas de ação antológicas, uma trilha sonora pontual (com a grande parceria de John Williams) e, acima de tudo, um ritmo de narração e suspense único que juntos compõem uma das melhores obras de aventura e ação que o cinema pôde ter: Indiana Jones e os Caçadores da Arca Perdida (1981).
Sobrevivendo como professor de história de uma grande universidade, Indiana Jones (Harrison Ford) é regido pelo sentimento de viver sobre o de simplesmente saber acerca, fazendo com que ele se meta nas mais diversas aventuras em busca de relíquias do passado, sendo justamente assim como nos somos apresentados: nos situando num ambiente selvagem, vamos vagarosamente recebendo novos fragmentos de nosso herói (o chicote, o chapéu e o vulto), ocasionalmente por cortes distantes que por si só engrandecessem e aumentam a expectativa da pessoa que estamos por encontrar. Mesmo após vermos seu semblante, a idolatração que temos por Indy continua crescendo, visto que o filme vai pincelando as técnicas de sobrevivência de um experiente explorador. A partir do momento que Indy finalmente tem a relíquia em mãos, sua caracterização passará para extremo inverso, no simples trejeito de satisfação premeditada. E se antes, contemplávamos Indy quase como um deus, ele agora passará a ser um sujeito canastrão, meso que cheio de habilidades (o que é muito ajudado pela perfeita pantomima de desespero contido de Harrison Ford). Este balanço de personalidade será a força motora da empatia que sentimos por Indy, afinal ele também é um ser humano assim como nós!
Teremos também uma protagonista feminina (Karen Allen) que agirá exatamente como Indy, tendo seus lapsos de grandiosidade, expostos em sua força de ação e sensualidade, e de canastrice (tendo sua expressão máxima na cena em que ela embriaga Belloq (Paul Freeman) e tenta sem êxito fugir, correndo rapidamente para Belloq), criando entre os dois uma relação instável, embora ardente. Daqui decorre uma ideia que ajudará ainda mais à empatia que teremos pelo casal: a paixão. Nós gostamos deles, pois vemos a paixão de suas ações; coisa que não acontece com os vilões, sendo movidos por interesses gananciosos e indigestos (pegue por exemplo o papel da arqueologia na vida de Indy e de Belloq. Enquanto no primeiro vemos o prazer pela surpresa de cada nova relíquia, no segundo vemos a busca de dinheiro e influência). No caso do Major Arnold Toht (Ronald Lacey) sua caracterização física ainda ajuda para criarmos desafeição, visto que ele sempre se porta em roupas escuras e largas, atrás de um óculos inquisidor e um andar cambaleante. No entanto, existe um fator ainda maior de desgosto para com nossos vilões: o nazismo.
Como judeu, Spielberg nos concebeu uma das obras mais sensíveis sobre o tema com A Lista de Schindler (1993), e mesmo que com 1941 (1979) ele já escancarasse certo desgosto, seria somente 3 anos depois que o diretor ganharia notoriedade pelo tema. O descompromisso de Indiana Jones e os Caçadores da Arca Perdida faz a ideia parecer ainda mais forte, já que se num filme comercial os nazistas já conseguiam ser abomináveis, quem dirá na vida real?
Interessante também é observar como o filme pontua indícios do declínio da arqueologia, seja pela ambição corrosiva dos profissionais da área (em certo momento Belloq diz "It's worthless - ten dollars from a vendor in the street. But I take it, I bury it in the sand for a thousand years, it becomes priceless. Like the Ark"), seja pela ascensão da tecnologia, ou seja pelo contraponto visual dos ambientes amarelados e rústicos dos campos de exploração e da universidade de Indy com os recortes escuros e frios dos postos nazistas.
Mesmo que existam cenas bem computadorizadas, como a da escavação da arca ou o ritual final, o filme consegue desenvolver seus aspectos técnicos de uma forma bem contundente, denotado na embalante trilha sonora ou nos momentos em que as sombras das personagens refletem o suspense da cena. No entanto, são as incontáveis cenas de ação que dão uma dose extra de vida à obra. Prezando sempre por enquadramentos mais abertos e cortes mais seletivos, Spielberg cria um ritmo de filme que juntamente com a alternância entre a cafonice e o heroísmo de Indy, não se preocupa em se alongar para acentuar o suspense e excitação do momento. Dessa forma, Spielberg demora-se em Indy entortando o símbolo da Mercedes, antes de quase ser esmagado pelos carros, ou desenvolver toda uma impagável luta entre Indy e um brucutu alemão antes deste ser destroçado pelas hélices do avião. Em termos gerais, são tantas as cenas memoráveis (saco de areia pela relíquia, bola gigante, Marion sendo levada nos cestos, tiroteio no bar, entre outras) que tentarei resumir tudo o que eu dosse em uma única: após aparecer um manipulador de espadas realizando os movimentos mais complexos imagináveis, Indy saca uma arma e o mata. Nesta curta cena temos mais uma vez o contraponto da seriedade e da cafonice, junta com a construção de suspense, rapidamente quebrada pelo heroísmo hilário de Indy.
Sabemos que Indy sairá vivo, sabemos que tudo ocorrerá bem, no entanto, o processo para que isso se torne-se verdade é tão magnetizante que paramos de anteceder o que acontecerá, e começamos a seguir os movimentos de Indy como se fôssemos mais um coadjuvante. Criando uma narrativa fluida e cativante, Spielberg não só mostra seu dom de encantar públicos, como também consolida Indiana Jones como um dos heróis do cinema sem precedentes (e procedentes).
"E se este filme fosse como Sociedade dos Poetas Mortos (1989)?"
Esta foi definitivamente a pergunta que mais me fiz durante A Onda (2008). Após se ver sem poder ministrar a aula sobre anarquia, Rainer Wenger (Jürgen Vogel) acaba tendo que preparar o material para autocracia. Vendo que seus alunos já não aguentam mais aprender o conteúdo ano após ano, Rainer tentará muito mais do que ensinar, fazê-los vivenciar como um governo autocrático funciona. Através de detalhes posturais e gestuais, Rainer transformará a sala de aula em algo muito parecido com o teatro do colégio (figurino é uma roupa branca, a modulação e a rapidez do falar se assemelham ao roteiro teatral que antes de tudo deve ser entendível, e até mesmo, a posição de Rainer como o diretor da trupe). De fato, esta será a forma inicial com que o movimento surgirá, fazendo com que o grande mote do filme seja justamente perceber quando a brincadeira passara do ponto.
Uma vez descoberto, mais interessante do que ver a conclusão do episódio, será acompanhar o processo e sedução pelas quais cada um dos estudantes passará (que é o que dará mais força ao desfecho). Dessa forma, é impressionante perceber como o sentimento de união cresce nas coisas mais pequenas. O que inicialmente é fraterno, com o tempo passa a ser segregacionista. A genialidade do filme é então fazer com que nós estejamos tão imersos na ideia de grupo que tentamos achar desculpas para cada ação dúbia que os integrantes façam. Por conta disto, achamos as duas garotas, que são na verdade as mais direitas, as mais insuportáveis. Não é à toa que não só achamos infantil o fato de Karo (Jennifer Ulrich) não querer se vestir como os demais por vaidade, como também torcemos para que Marco (Max Riemelt) a traia (interessante é ver que assim que Karo se declara contra as ideias de A Onda/Rainer, o filme os separa também visualmente, visto que vemos Karo e o reflexo de Rainer conversando). Da mesma forma, é marcante ver como o ódio contra os anarquistas cresce na medida que o coletivo se prepondera sobre o indivíduo. Se voltarmos ao início do filme e pegarmos os a caracterização de Rainer (dirigindo um carro ao som (Rock'n'Roll High School) e vestido com uma camisa dos Ramones) o choque vem ainda mais forte.
Falando em anarquismo, este talvez seja um dos motivadores de Rainer a burlar o sistema de ensino e iniciar a experiência. O mais irônico é justamente ver como o anarquismo funciona aqui em prol do fascismo (mesmo que Rainer tenha tido a melhor das intenções inicialmente), o que nos leva a pergunta: quão diferente é um do outro? Não quero tentar responder isso baseado em ideologias políticas, peguemos então os elementos do filme: o que vemos são grupos anarquistas bem caricaturais que agem tão brutalmente quanto A Onda (pichação, violência, grupo como força ao indivíduo - como na cena em que os dois grupos começam a se esmurrar - e repulsa ao Estado). Por outro lado, vemos que os jovens de A Onda se relacionam e ouvem músicas tão porra-loucas como os anarquistas (lembre-se que no Fascismo a música oficial era clássica/erudita). Mais do que isso, vemos diversos nichos sociais (punks, nerds, esportistas) formando a composição do movimento (mais uma vez, lembre-se que uma das principais premissas do Fascismo era a seleção dos mais aptos, o que consequentemente eliminaria vários dos indivíduos da classe). Portanto, mesmo que não tenhamos uma caracterização mais complexa do que seja o anarquismo para o filme, podemos dizer que há uma confusão de ideias que os torna bem semelhantes.
Quando percebe que tudo o que criou está fora de controle, Rainer tentará ir até o fim para mostrar o quão uniformizados cada um deles se tornara (quando Rainer ultrapassa a cortina e vemos a frieza de cada jovem enfileirado como se fosse só mais um é definitivamente o momento mais aterrador do filme). Enquanto a maioria capta bem a mensagem será justamente o garoto transtornado (Frederick Lau) que verá toda a sua ilusão ruir, reagindo da pior maneira possível e levando Rainer à prisão (remetendo ao diálogo de Karo e Rainer, a mulher deste último o vê pela última vez pelo do vidro do carro, num enquadramento que pega Rainer de dentro do automóvel e o reflexo de sua mulher). Cabe aqui uma pequena análise para o causador da morte deste garoto: quem o matou? Ele mesmo? Não. Os pais que não ligam para seus problemas mentais? Não. Os amigos que tiraram de sua cara a vida inteira? Não. O professor que implementou esta nova abordagem de aula? Não. Quem o matou foi uma ideia. Juntando à psicopatia que ele já possuía, uma ideia o motivou a seguir os preceitos de A Onda religiosamente, uma ideia o fez sentir fazer parte de um grupo. Uma ideia.
Não veremos os resultados do experimento, mas o certo é que dentro daquele auditório poderia muito bem haver outros indivíduos que assim como Tim fossem motivados por uma ideia. É por conta disto que a frase em que Rainer diz que A Onda morreu no momento em que seu líder o abandona é levianamente enganosa. A ideia vive, não é à toa que ainda hoje vemos animais como os neo-nazistas andando pela rua. O mais triste é que não somos só nós que percebemos que seu discurso está errado, Rainer também percebe, o que o faz olhar desesperado para NÓS. Nós também passamos por todo o processo, vendo a ideia crescer e depois definhar. O olhar final diretamente para o telespectador confirma o seu maior receio: se ele, que amava pensamentos anarquistas, que respirava ideias liberais criou isto, e se isso acontece conosco também? Será que a ascensão de uma nova ditadura é realmente impossível? O final do filme abre a janela do fictício para o real, e nós ficamos com a janela da alma de Rainer.
Talvez no filme mais famoso de sua carreira, Jerry Lewis mostra porque é um grande comediante, recorrendo a trejeitos que vão desde o trêmulo andar ao encolhimento dos ombros enquanto cientista, e o olhar empinado e a classe do balançar do cigarro enquanto conquistador. Jerry Lewis ainda aumenta o brilho de sua atuação por empregar uma direção que preza pelo momento das personagens, ao mesmo tempo que pontua detalhes sutis que enriquecem a experiência da cena. Se parássemos por aqui o filme seria a melhor forma de entretenimento que Lewis poderia nos conceber. O problema é que tanto personagens caricatos quanto uma narrativa incoerente e desleixada afundam toda a maestria do vigor de sua atuação.
Embora apronte as maiores confusões imagináveis num laboratório, o professor Julius Kelp (Jerry Lewis) continua ministrando as suas aulas de química para os mais diversos alunos. Sendo totalmente desrespeitado pelos mesmos, Kelp se vê de um lado ajudado por uma de suas estudantes (Stella Stevens), e de outro, disposto a mudar por contar própria tudo o que sofre, criando assim, uma fórmula que o deixa mais confiante (arrogante). Se de um lado temos o ser mais indefeso (como podemos ver na cena em que Kelp basicamente afunda no estofado do sofá, tornando-se ainda menor que a gigantesca mesa do diretor (Del Moore)), embora explosivo, de outro temos um ser narcisista (quando retornamos a mesma sala, Buddy Love está sobre a mesa do diretor, pondo-se maior tanto imagética quanto psicologicamente) e prepotente com um poder de sedução questionável.
Questionável porque a todo momento eu me punha no lugar das personagens, e tentava entender o porquê de sua sedução. E não só não encontrava a justificativa, como também desgostava cada momento que o via na tela. Ao mesmo tempo, quando voltávamos ao professor Kelp, não aguentava a sua chatice. Ao meu ver, Lewis foi tão primoroso na composição de suas personagens que não consegui sentir empatia por nenhum dos dois. Por fim, ainda tínhamos um diretor e uma garota tão submissos que chegavam momentos em que suas escolhas não faziam mais sentido (o histórico de Kelp é desastroso, mas porque raios o diretor da universidade ainda o mantinha no corpo docente. Da mesma forma, tínhamos uma garota que reclamava da intromissão e agressividade de Buddy Love, e mesmo assim, mantinha-se ao seu lado). Entendo que a ideia tenha sido criar uma persona inversa de Kelp tão irritante quanto ele. O problema é que esta irritação nos afasta da graça do filme a ponto de eu ter no máximo, abrido um sorrisinho tímido em algumas cenas pontuais.
Por outro lado, o filme possui uma construção visual interessante (como as já citadas acima), especificamente na utilização simbólica de duas cores , refletindo as duas personas de Kelp: enquanto o verde aparece dominante em cenas que o professor Kelp prepondera (sua sala está repleta de lousas e estantes verdes, e até mesmo seu carro ou o gramado da universidade completam essa composição), o azul aparece em Buddy Love ou na tentação de transformar-se nele (o primeiro momento que a cor aparece com força é justamente no vestido de Stella. Da mesma forma, a primeira vez que ele se transformará em Buddy Love, ele aparecerá num paletó azul e irá para um lugar afastado com Stella no carro azul dela). No entanto, o momento mais impressionante do uso do azul ocorre justamente após sua revelação frente a toda escola: desiludido com as escolhas que tomou, Kelp fica sentado, enquanto que ao lado vemos uma espécie de tapume que o separa de uma caixa da cor azul. Este sutil corte reverbera todo o discurso que Kelp acabara de fazer (aceitar ser a pessoa que é, e não viver de ilusões (caixa azul/Buddy Love)).
Chegado a este ponto, vemos Stella finalmente se decidindo por algo e revelando o seu amor por Kelp e desgosto por Buddy Love. Mesmo ao decorrer de uma processo doloroso, O Professor Aloprado (1963) ainda consegue trazer uma conclusão significante até que Lewis decide lançar uma graça final. Reconfortando Kelp pela forma como os pais se utilizaram de sua fórmula, Stella vai em direção à porta ao que podemos ver duas garrafas do produto dos pais de Lewis presos à calça dela. Pausa. Há alguns minutos atrás, Stella fazia um discurso amoroso em que mais do que o que via por fora, o mais importante é o que havia por dentro. E não só, ao final do filme, Stella enfim declara todo o nojo que tem por Buddy Love, e aí simplesmente pega as garrafas, não só desmerecendo a confiança que Kelp havia posto nela, como também querendo retomar a relação que teria com Buddy Love. Bem, se isso não for incoerente com o desenvolvimento da garota, é no mínimo, repugnante, assim como a comédia do filme.
Mesmo diante de um sucesso estrondoso de bilheteria, O Mundo Perdido: Jurassic Park (1997) não recebeu as mesmas críticas positivas que seu predecessor. Além disso, o grande esforço direcionado à criação de A.I. Inteligência Artificial (2001), talvez expliquem o porquê de Spielberg ter deixado a saga. Coube então a Joe Johston, diretor de clássicos para a família como Querida, Encolhi as Crianças (1989) e Jumanji (1995), nos levar mais uma vez ao mundo dos dinossauros; felizmente, o filme cumpre seu papel.
Convencido de que nunca mais voltaria a ver dinossauros, Dr. Alan Grant (Sam Neill) é mais uma vez comprado pela possibilidade de continuar suas escavações (por conta disto, ele perceberá mais tarde quão hipócrita seu sermão para com Billy (Alessandro Nivola) fora) por um casal de charlatões que, na verdade, buscam seu filho. Através de um roteiro muito mais simples que o do segundo filme, Jurassic Park III (2001) consegue estabelecer algo que o primeiro filme havia feito com muita maestria, desenvolver suas personagens de uma forma fluida e interessante.
Dessa forma, é deslumbrante perceber, por exemplo, como Amanda (Téa Leoni) transformando-se de uma mulher histérica (gritando a cada novo dinossauro), a uma mais controlada e ciente do ambiente em que se encontra, ou como tanto Paul (William H. Macy) quanto Billy tentam se redimir heroicamente de ações anteriores (Paul enganando os paleontólogos e Billy roubando os ovos). No entanto, o desenvolvimento mais interessante se dá justamente por parte de nosso protagonista. Logo no início do filme temos um choque ao perceber que a criança com que ele brinca não é seu filho, e mais do que isso, que ele se separara de Ellie (Laura Dern). Mesmo aparentando tranquilo com a nova relação de sua parceira, Alan não confia nela (como é expresso tanto quando Ellie fala que ele guarda os problemas para si mesmo, como quando o próprio Alan fala que nunca verbalizou o quanto ela representava a ele). Além disso, é notável sua repulsa ao que foi o parque dos dinossauros, ou mesmo aos próprios dinossauros (como Erik (Traver Morgan) mesmo diz). Por conta disto, é incrível não só ver a revalorização de suas amizades, como também a de uma revitalização de seu carinho pelo mundo que estuda (expressa em cenas agradáveis e imponentes, mostrando a beleza dos dinossauros). Talvez a maior expressão deste sentimento esteja no monólogo do astrônomo e do astronauta, uma vez que ele é ao mesmo tempo respeitoso e temerário com estes seres.
Além disso, é aliviante perceber como Alan não prevê todos os ataques dos dinossauros (como o protagonista do segundo filme faz), quebrando grande parte do suspense. Muito pelo contrário, sabendo utilizar dessa artimanha em momentos pontuais, a força do suspense vem muito mais forte, como no momento em que ele se depara com ovos de Velociraptors. Um outro agravante decorre do fato dos dinossauros não servirem como meros coadjuvantes (como mais uma vez, ocorre no segundo filme), aparecendo e desaparecendo à medida que lhes convém. Pelo contrário, temos um processo gradativo, em que se explora um dinossauro ao máximo até passarmos para o seguinte. Juntamente com isto, há um trabalho muito bom de composição da personalidade dos dinossauros, uma vez que Alan pontua trejeitos que não precisarão ser repetidos para o entendimento da cena (quando um T-Rex vai embora ao surpreender as personagens imóveis sobre os montes de bosta, já sabemos que os T-Rex não percebem indivíduos parados). Por conta disto, cenas como as do Velociraptor atrás do tubo com líquido verde vem com muito mais força, visto que o inesperado funciona tão bem com todo o desenvolvimento de suspense criado até o momento.
Os efeitos especiais também são melhores que (adivinhe!) o segundo filme, embora o primeiro ainda contenha os melhores detalhes, trazendo novas espécimes como o pterodátilo tão imponentes como os T-Rex ou os Velociraptors. Mas mais do que os efeitos especiais, a minha maior crítica recai justamente a algumas cenas de ação do filme. Prezando por quadros mais fechados, muitas vezes não temos a dimensão dos dinossauros e da ação que acontece (como na cena em que as personagens fogem dos Velociraptors, correndo junto a outros dinossauros (cabe aqui uma cena que é melhor feita no segundo filme)). No entanto, são as cenas tremidas, principalmente no início do filme, que parecem acompanhar os grunhidos dos dinossauros que mais incomodam, uma vez que não conseguimos entender para onde as personagens estão correndo.
Embora não possua a mesma potência que o primeiro filme, Jurassic Park III faz jus à franquia, trazendo uma composição e desenvolvimento de personagens sólida, dinossauros com papeis mais incisivos e uma criação de suspense eficaz. Mas mais do que isso, o importante é que Jurassic Park III nos faz lembrar tanto do êxtase ao nos depararmos com os primeiros dinossauros da ilha, quanto do temor ao vermos o poder destrutivo dos mesmos, nos fazendo assim como Alan, respeitar este gigantesco mundo.
Diante do estrondoso sucesso de Jurassic Park - O Parque dos Dinossauros (1993), estava mais do que claro que uma sequência estava por vir. Em pouco mais de 6 anos, Steven Spielberg nos trazia então, O Mundo Perdido: Jurassic Park (1997). Diferindo em pequenos detalhes da lógica de seu predecessor, cientistas serão enviados para dessa vez preservar, ao invés de explorar. A diferença é que após suas falidas tentativas do passado, John Hammond (Richard Attenborough) terá perdido não só seu prestígio, como também seu cargo administrativo na InGen. Dessa forma, todo o conflito nascerá da postura de Peter Ludlow (Arliss Howard), que assim como Hammond, verá a inovação com uma forma fácil de lucrar. Diante da ganância humana, a natureza retrucará com o descontrole típico dos dinossauros. Dito isto, é pungente dizer que o filme retomaria os (incontáveis) acertos de seu predecessor, melhorando-os. A "leve" diferença é que O Mundo Perdido: Jurassic Park fará exatamente o contrário.
Logo após uma cena inicial de suspense (que em níveis comparativos com o primeiro filme, é ridícula), nos inteiramos de quem será o protagonista dessa sequência: Dr. Ian Malcolm (Jeff Goldblum). Tendo tido momentos heroicos e sendo o principal alívio cômico do primeiro filme, a escolha parecia a mais promissora, se sua participação não fosse tão desinteressante. O problema não está no seu ceticismo ou seu sarcasmo (elas são tão eficientes quanto o presente no primeiro filme), mas sim no desenvolvimento por que passa: das poucas vezes que Ian esteve em cena (visto que o filme abrange o desenvolvimento mais profundo de diversos coadjuvantes), a grande parte delas o apresenta como um profetizador dos ataques que ocorrerão (e é claro, ele sempre estará certo). A verbalização em si não é algo ruim, já que isso pode denotar o terror da personagem, o problema é quando essa artimanha é usada a todo momento, quebrando todo o suspense visual da cena (veja por exemplo o primeiro ataque do T-Rex no primeiro filme: o suspense não vem da fala de alguém dizendo "Olha o T-Rex!", mas sim dos elementos fílmicos que o cerceiam, como a ausência da cabra, o grunhido ou os passos do dinossauro).
Um outro erro estrondoso do filme está em seus efeitos visuais, visto que em diversos momentos, é claro perceber que os dinossauros não são computadorizados. Talvez este fosse o ápice da tecnologia na época, mas se compararmos mais uma vez com o filme anterior, parece que o O Parque dos Dinossauros é mais recente que O Mundo Perdido. Não vou negar que o primeiro filme também não tenha momentos mais irreais (principalmente as cenas com os brontossauros), mas neste segundo filme, temos também o mesmo problema com os dinossauros de maior porte, mas ao mesmo tempo, temos uma cena horrível (em seus aspectos técnicos, pois a edição é bem eficaz) de precipício e explosão, e pior, um fundo na High Hide totalmente falso. Erros como estes podem até serem perdoados em filmes de menor orçamento, mas num filme do calão de Spielberg não. Referindo-se ainda aos dinossauros, fiquei tremendamente desapontado em ver o uso aleatório dos T-Rex, que apareciam para dar tensão, sumindo da mesma forma (na cena do precipício, os T-Rex vem buscar o filhote, e vão embora (diferentemente do primeiro filme, em que desde o princípio fica claro que os Velociraptors são inteligentes e sabem se adaptar, abrindo portas, por exemplo, em nenhum momento é dito o porquê desta atitude -> um T-Rex não age através de seu instinto?), depois retornam para empurrar a estrutura, sumindo de novo, aparecendo mais uma vez no final para atrapalhar o trabalho de Eddie (Richard Schiff), matando-o e sumindo agora de vez).
Tudo isto nos leva ao principal problema de O Mundo Perdido: Jurassic Park: seu ritmo. Numa das cenas mais belas do filme, acompanhamos num quadro aberto e distante, a movimentação de Velociraptors pelo mato alto, cercando os combatentes. Nesses breves momentos, podemos de fato identificar alguns traços de genialidade de Spielberg. O problema é que o suspense criado até então (reitero uma última vez, perfeita no primeiro filme), não está em seu ápice, sem contar que esse breve enquadramento ocorre em questão de segundos, não aproveitando a completude da composição. O ritmo é também prejudicado pela ausência do tema que aparecerá magistral ao final do filme, fazendo com que o inicial maravilhamento dos cientistas seja não só defasado pelos comentários céticos de Ian, como pela falta de vigor de uma trilha sonora embalante. E por fim, num total desleixo, somos jogados de um final de um filme para o início de outro, numa falha tentativa de reprodução de Godzilla ou King Kong. Tudo isto acaba por ser desnecessário e apressado, tendo como única explicação, o desejo de Spielberg em terminar o ciclo de forma feliz.
O Mundo Perdido: Jurassic Park é um projeto que tinha recursos e ideias para dar certo, mas que é sucumbido ao brilho do primeiro filme por empregar personagens fracos, juntamente com uma falta de carisma, efeitos e, principalmente, ritmo, comprometendo assim, o produto final como um todo.
Temos aqui uma premissa simples: após desenvolver a tecnologia necessária para ressurgir com os dinossauros, um velho empreendedor tentará implementar um inovador "dinológico". A única barreira que separa o sonho da realidade vem da aprovação de um grupo de cientistas. Seja por conta da natureza dos dinossauros, ou seja pela ambição humana, o parque acabará dando errado, tornando a empreitada dos cientistas, uma grande luta por sobrevivência. Embora suplantado num clima familiar (momentos de grandes descobertas são alternados por debates em relação a crianças e unidade familiar, além de uma trilha sonora que ocasionalmente enfatiza a tranquilidade), Jurassic Park - O Parque dos Dinossauros (1993) dá sinais de alerta desde seus primeiros minutos (quando vemos a dificuldade de fazer um Velociraptor entrar em sua jaula, pontuado muito bem pelo clima de tensão decorrente dos cortes rápidos e planos fechados que prezam recortes do dinossauro, dando um tom ainda mais pitoresco à criatura).
Acompanhando a sucinta narrativa, teremos personagens bem caricatos de modo a seu desenvolvimento psicológico fique bem demarcado conforme prosseguimos no filme. Dessa forma, teremos o velhinho visionário que prefere o sucesso à família (John Hammond (Richard Attenborough)), o advogado mercenário que vê a vida em notas monetárias (Gennaro (Martin Ferrero)), o programador gordinho desamparado com a vida que leva (Nedry (Wayne Knight)), o neo-cientista, tanto em suas ideias quanto em seu modo galante de ser, mas que também vê a vida em teorias (Dr. Ian Malcolm (Jeff Goldblum)), o paleontólogo que tenta provar a importância de seus estudos, ao mesmo tempo que reprova qualquer investida de sua mulher em ter filhos (Dr. Alan Grant (Sam Neill)), e por fim, a sorridente e forte paleobotânica que já traz alguns traços feministas (Dr. Ellie Sattler (Laura Dern)). É claro que as repetições de frases como as de Hammomnd ("Não poupamos despesas"), ou de Nedry ("Isso é a Teoria do Caos") demarcam ainda mais o processo de desenvolvimento sofrido por tais personagens, uma vez que elas desaparecerão quando seus donos estiverem mudados ("Pegar um jipe e buscar meus netos", Hammond). Diante disto, Jurassic Park é um ótimo exemplo de um exercício de clichês, visto que o importante não é o que cada personagem se tornará, mas como ele chegará até lá (em filmes ruins, o foco é justamente na relação inversa, tornando a obra apressada e sensabor). Por conta disto, é impressionante como o cansaço de Alan e das crianças possa ser transposto visualmente para o acúmulo gradativo de sujeira em suas roupas, ou como o nervosismo de Hammond seja figurado no desarrumado de seus cabelos.
Por outro lado, é magnetizante perceber como tanto a tecnologia empregada na composição dos dinossauros, quanto a vigorosa trilha sonora (a primeira vez que ouvimos o tema, o filme mostra as encostas e vegetações da ilha, e mesmo assim é de tirar o fôlego. Em outro momento, a trilha acompanhará o demorado abrir dos portões de Jurassic Park, criando uma crescente ansiedade por vermos a gigantesca porta totalmente aberta e, consequentemente, o que há dentro) ajudam a dar vivacidade ao filme. Talvez com exceção dos brontossauros, todos os demais dinossauros parecem tão reais quanto animais comuns vistos em um zoológico. É lindo ver o trabalho de textura das couraças dos dinossauros, ao mesmo tempo que trememos ao leve grunhido de um T-Rex. No entanto, mais importante que isto é ver a perfeita criação do suspense em cenas que alongam-se antes de mostrar de fato o bicho, como o momento do ataque na cerca do T-Rex (ouvimos os passos, o balançar da água no copo, os fios elétricos estourando, restos da cabra, o grunhido e detalhes do corpo para então nos depararmos com a gigantesca espécime sobre o carro), ou do ataque na cozinha dos Velociraptors (com câmeras que pegam grandes distâncias, ao mesmo tempo em que as crianças aterrorizadas são enquadradas, vemos os dinossauros ao fundo, dando noção da proximidade do perigo).
Por muito mais que contar, mas sim nos fazer imergir no ambiente da história, Jurassic Park é um exemplo de como é possível juntar uma grande ideia a uma simples história através de uma montagem e ritmo de filme impressionantes, estabelecendo-o dentro dos melhores blockbusters já feito.
"Of all the gin joints, in all the towns, in all the world, she walks into mine." Talvez uma das tarefas mais difíceis de Casablanca (1942), seja escolher uma frase marcante, já que todas elas são! A beleza do roteiro de Casablanca está justamente na alternância de frases memoráveis e sutis, tendo como possível explicação, a época em que filme fora concebido.
Diante do contexto calamitoso da Segunda Guerra Mundial, muitos dos produtores judeus de Hollywood, veem a indústria cinematográfica como não só forma de entretenimento, mas difusora de ideologias (quando não propaganda de guerra). Ao mesmo tempo, órgãos censores buscavam preservar a moral americana numa sociedade cada vez mais corrompida. Dessa união, temos um filme anti-nazista, ambientado em uma cidade repleta de meliantes que para se manter dentro dos moldes impostos, utiliza-se de diálogos sutis tão bem escritos que o transformam num perpétuo clássico.
O filme começa então se situando na cidade de Casablanca, último refúgio de europeus que buscam fugir para a América. Nada mais justo que o ponto de encontro/seguro de todos esses indivíduos seja no Rick's Cafe Americain (primeiro passo antes da América propriamente dita). Antes mesmo de conhecermos Rick (Humphrey Bogart), o filme nos apresenta a tensão de Casablanca, alternada da pompa da comitiva do Major Strasser (Conrad Veidt). O interessante é que nesses breves minutos, temos duas cenas que já mostram para o que o filme veio: logo quando Strasser sai do avião, a primeira frase do Capitão Renault (Claude Rains, personagem que dividirá com Rick, as conversas mais ácidas do filme) é "Bem vindo à França NÃO ocupada", pregando uma afronta que nenhum dos oficiais alemão percebe. Alguns minutos antes, temos a cena em que a força policial francesa mata um sujeito à frente de uma placa com os dizeres "Je tiens mes promesses, meme celles des autres. Phillippe Petain, Marechal de France" (Eu mantenho as minhas promessas, assim como mantenho as dos outros). É irônico que as promessas propostas na Revolução Francesa (Liberdade, Igualdade e Fraternidade a todos os indivíduos) sejam quebradas com a morte de um cidadão justamente à frente desta placa. E se não bastasse, a cena logo a seguir trará ós mesmos dizeres da Revolução Francesa, ao som de uma fúnebre Marselhesa, em contrapartida com a imponente do início do filme.
Após termos a composição da caótica cidade de Casablanca, nada mais justo imaginarmos um Rick preocupado e ansioso com toda a situação que o rodeia. No entanto, o que vemos é uma pessoa sóbria, calculista e totalmente à parte das tensões dos clientes. A frieza de Rick chega a assustar, quando o vemos falar sobre a venda de humanos com a maior cautela, ou acompanhamos sua sombra pegando dinheiro do cofre, ou mais ainda, tratar com desdém o clamor de ajuda de Ugarte (Peter Lorre). Dito isto, é interessante perceber como o filme desvencilhará pouco a pouco a imagem racional de Rick, a ponto de torná-lo ainda mais misterioso e complexo.
Nesse meio tempo, Rick se reencontrará com o maior amor de sua vida ao som de "As Time Goes By", numa das cenas mais belas e, ao mesmo tempo, tristes do filme. Juntamente com Victor Laszlo (Paul Henreid), Ilsa (Ingrid Bergman) fará com que Rick repense em todos os princípios, deixando-o não somente transtornado como também dúbio em suas ações. Rick será então expressão máxima de um dos temas mais importantes do filme: a dualidade do ser humano em períodos de crise (seja emocional ou de guerra).
Embora Casablanca ainda não faça parte dos domínios nazistas, a tensão do lugar obriga todos os indivíduos a se portarem dentro de uma sociedade de aparências, caso queiram sobreviver. Dessa forma, um dos maiores conflitos será justamente a dualidade do sentimental contra o dinheiro/pragmatismo ("Eu te amo, mas ele é quem me paga.", quando Sascha (Leonid Kinskey) nega a Yvonne (Madeleine Lebeau) uma nova dose). Mas o conflito mais recorrente do filme se dá na dualidade do amor e da guerra: - "The Germans wore gray, you wore blue." - Rick; - "Was that cannon fire, or is it my heart pounding?" - Ilsa; - "I love you so much. And I hate this war so much." - Ilsa; - "If we leave it that way, maybe we will remember those days, and not Casablanca" - Rick; - "Apparently you think of me only as the leader of a cause. Well, I'm also a human being." - Laszlo; - "You was alone? I was." - conversa de Laszlo e Ilsa (pode ser tanto que Ilsa estava sozinha sentimentalmente com a "morte" de Laszlo ou que ela estava sozinha diante dos avanços nazistas); - Num dos momentos mais sutis do filme, uma garota pergunta a Rick se Renault de fato aprovaria salvos-conduto caso ela transasse com ele. Temos aqui um dos momentos mais visíveis da antiga bondade de Rick, quando ele ajuda o marido desta mulher no pôquer para que ela não precise se submeter a este rebaixamento;
Temos ainda um outro conflito de dualidade entre a luta pelo nacionalismo e a inércia pela sobrevivência: - Rick lutou num passado na Etiópia e contra fascistas na Espanha, mas mais tarde quer se ver longe de qualquer conflito político. Isso pode ser explicado tanto por querer sobreviver, como também por estar desiludido com o fim que teve com Ilsa; - Yvonne fica com um oficial alemão para sobreviver, mas chora cantando a Marselhesa;
Esquadrinhado todos estes conflitos de dualidade, podemos enfim chegar ao fim do filme: numa série de viradas de roteiro (verbalizando o conflito que Rick passava dentro da si), Rick decide ajudar Laszlo a fugir com sua amada. E aqui cabe a pergunta: por que Rick não foge com Ilsa, se ela era o amor de sua vida? Uma possível interpretação é a de que Rick percebe que tudo que ele viveu com Ilsa tenha sido um momento em que ambos estavam carentes, decorrente de perdas inestimáveis (não sabemos por exemplo o porquê de Rick não poder retornar à América), apoiando-se um no outro, numa fuga romântica de todos os problemas do mundo. No entanto, não acredito tanto nesta interpretação porque o filme detalha-se em mostrar todo o sofrimento e rancor que Rick tem com Ilsa e com as pessoas ao seu redor ao ser deixado do jeito que foi. A minha outra interpretação cai então justamente na ideia da dualidade entre o amor e a guerra. Sabemos que Rick tem um passado militante. Em algum momento de sua vida, ele talvez estivesse desiludido com o fato de fazer o bem ao mundo, mas não conseguir fazer o bem a si mesmo. Talvez ele tenha se dado conta de que não é justo impedir o sucesso do mundo por assuntos pessoais. Assim como Renault, Rick com certeza possui alguma centelha política. O problema talvez seja que eles não queiram admitir, seja para se manterem vivos na conjuntura em que estão, ou simplesmente pelo orgulho de não se mostrarem fracos às desilusões passadas. O final de Casablanca é um final patriota, mas mais do que isso, ele mostra um desenvolvimento de personagem impressionante, já que mantém nosso protagonista tão misterioso quanto era no início. Tanto a amizade de Rick e Renault, quanto o amor que Rick cultiva por Ilsa são conturbados, sendo pincelados de vários momentos de fraquejo, sarcasmo e felicidade, mas mais do que isso, essas relações são reais, já que os momentos da vida não são planos e simples.
Para finalizar, gostaria de pontuar o maravilhoso trabalho técnico do filme, que não serve somente como um coadjuvante ao brilhantismo do roteiro, mas como um protagonista atuante a todo o universo criado. Se desde o começo do filme, os detalhes visuais e sonoros serviam como pontadas à administração dos países retratados, ela terá também um papel primordial no ritmo do filme, visto que a maior parte dele se trata de diálogos. Dessa forma, conjuntamente com a ótima composição de movimentos das personagens (em que uma angulação ou movimentação dos olhos situam a personagem em foco, como também a sua posição no salão), a edição do filme dá a vida aos trejeitos de cada personagem, preferindo cortes mais fechados do salão (a única cena forte que me vem a cabeça do salão como um todo é aquela em que Rick dirige-se à porta para receber Renault antes da chegada de Laszlo, ressaltando o vazio do salão interditado), como se dialogasse com a situação claustrofóbica/perigo de cada pessoa de Casablanca. E se não bastasse, recorrendo constantemente a linguagem visual do noir (sombras nos rostos e quadros da face que desfocam os arredores), temos a frequente sensação de que o perigo está mais próximo do que parece. Os detalhes são tão minuciosos que as duas cenas em que Rick se vê sem sua Ilsa entram em consonância: no primeiro momento, Rick entra no trem sendo engolido pela neblina, e ao final do filme, Rick e Renault andam dentro da neblina após o alçar do voo do avião. A genialidade já seria suficiente se parássemos por aqui, mas mais uma vez temos a sutileza do roteiro. Tanto ao fim da carta, quanto na última frase de Ilsa, temos mais uma vez um eco: "God Bless You". E sim, graças a Deus, Ilsa entrou no bar certo!
Em menos de uma década, George Miller foi construindo uma saga tão majestosa e diferente, reunindo o melhor do faroeste e da ação na história de um justiceiro que ao perder tudo, decide se vingar e se isolar da sociedade. A evolução da insanidade e do ritmo de filme é crescente e de tirar o fôlego, sendo calcado por uma narrativa brutal em que as personagens tem como último recurso a fala (compare a quantidade de falas de Max neste e nos demais filmes - até mesmo no primeiro filme, quando tudo ocorre bem, Max fala menos do que aqui). Tendo visto Mad Max: Estrada da Fúria (2015), nada mais justo em imaginar este terceiro filme como o ponto máximo em que Miller poderia ter chegado na década de 80. No entanto, o que temos é um simples e desinteressante Mad Max: Além da Cúpula do Trovão (1985).
Começando pela narrativa, este é sem dúvida nenhuma, o mais ambicioso dos filmes da primeira trilogia, visto que há uma articulação mais multifacetada de duas sociedades totalmente diferentes entre si no seu modo de organização. O mais engraçado é que a composição destas sociedades é muito bem feita (desta vez quem desestabiliza a ordem é justamente Max (Mel Gibson), denotando o caráter totalmente anárquico em que nosso protagonista se encontra. E particularmente na comunidade tribal, é interessante perceber como um culto religioso/concepção messiânica pode ser desenvolvida quando não há mais nada em se acreditar), o problema é que elas não funcionam juntas.
Algo feito com muito sucesso nos dois primeiros filmes foi criar uma edição dinâmica que nos situava tanto no que Max quanto no que os vilões faziam. Neste terceiro filme, o vácuo de aparição das personagens de Bartertown na segunda parte do filme cria um desinteresse quando de fato haver o reencontro. Não bastando, a saída que o roteiro encontra para unir as duas partes é severamente desleixada: Max acredita que a única saída é dirigir-se a Bartertown e resgatar The Master (Angelo Rossitto). Pausa. Em nenhum momento do filme, ficamos sabendo do porquê The Master os salvaria. O que nos leva a um outro gigantesco problema do filme: a falta de coerência e necessidade de algumas personagens.
Qual é a necessidade de um líder tribal que só reverbera as ideias de Max, e mais do que isso, não possui nenhuma tomada de decisão ou de importância para o desenrolar do filme e, simplesmente não só não ajuda Max a resgatar seus colegas, como também some do filme? Por que raios Jedediah (Bruce Spence) decide cooperar na fuga, se ele nem é ameaçado por Max, como também não possui nenhuma rixa com os habitantes de Barbertown? No entanto, a maior falha de roteiro é com certeza a decisão de Aunty Entity (Tina Turner) em deixar Max vivo. Há um minuto atrás ela não queria todos os fugitivos mortos? Essa inconsistência nas ações torna as personagens e os conflitos totalmente desinteressantes.
Em relação a aspectos mais técnicos, Miller prefere tomadas mais longas que prezam por uma maior dimensionalidade dos ambientes, transpondo toda sua estética para as cenas de ação muito bem coordenadas. Sendo assim, o problema não está na composição, mas sim na falta de cenas de ação (temos a cena do Thunderdome e a perseguição de carros ao final do filme), desapontando a marca dos outros filmes, em que a construção frenética substituía a sobriedade das falas. Para piorar ainda mais, temos uma péssima trilha sonora, e nem falo da total incongruência de implantar um estilo pop a um mundo pós-apocalíptico. O maior problema é que mesmo em cenas de ação, existem momentos seguidos de uma trilha mais solta e leve que quebra toda a tensão visual.
Mad Max: Além da Cúpula do Trovão junta a ideia de roteiro de dois filmes em um, criando personagens confusas e desinteressantes. O mais hilário disso tudo é que tentando dar um tom de sobriedade e rigidez a todo o espetáculo de horrores antes visto, temos um final duro e sério (mesmo que esperançoso) que faz tudo ficar pior ainda.
A cena inicial de Mad Max (1979) resume o ritmo crescente, insano e misterioso que permeará toda a saga: ao mesmo tempo que acompanhamos a fuga de dois maníacos numa empolgante perseguição de carros, conhecemos através de enquadramentos bem fechados (a mão no volante, os óculos, as botas) o nosso protagonista. Esta cena é genial pois consegue balancear a histeria frenética dos meliantes e a sobriedade inquisidora de Max (Mel Gibson) perfeitamente, fazendo nos aproximar automaticamente do último. Acabada a cena, não só temos certeza de que Max é o nosso herói (uma ideia que será constantemente questionada pelo próprio personagem), como também o consideramos a força legisladora suprema. O interessante é que nos minutos seguintes, George Miller desconstruirá toda a imagem truculenta que tínhamos dele, mostrando um lado mais emocional perto da mulher e do filho. Independentemente da forma em que ele é apresentado, uma coisa é certa: Max é o personagem mais humano do filme, e essa caracterização é importante para acentuar o destino final dele.
Dentre os filmes da primeira saga (ainda não vi o terceiro), este é o meu preferido pois apresenta não só um modo anárquico de se conduzir as cenas de ação (tendência que será acentuada a cada novo filme), como também um desenvolvimento de personagem primoroso. É certo que o segundo filme possua cenas de ação superiores, mas sinto que a brutalidade psicológica de Max é muito mais imponente neste primeiro filme, decorrente de tudo que lhe acontece.
Tentando agir pelo bem da sociedade como um típico herói, Max verá sua vida desmoronar aos poucos (perde o amigo, a mulher e o filho). É certo que antes mesmo destas perdas, Max denotará sinais de receio e medo em continuar. Talvez todos estes problemas provém justamente do fato de ele ser o menos insano dos indivíduos de seu meio. A ideia aqui é que não adianta legislar só com compaixão e pela sensação de dever cumprido; o sujeito tem que ter o mínimo de malícia para prever possíveis desastres e, por conseguinte, resolvê-los, antes que estourem. O triste é também perceber como não há justiça mesmo em conflitos que envolvam os próprios indivíduos que a regem. Se a justiça não consegue resolver os problemas dos próprios justiceiros, nada mais justo que os próprios justiceiros se desiludam com seu papel. Onde não há justiça, não há heróis e vilões, mas sim um jogo alternante entre quem terá o papel de gato e de rato. Num mundo anárquico como este, Max não conseguirá nem suprir as necessidades das leis, nem contestá-las. Dessa forma, Max negará tudo e todos e viverá a sua sobrevivência.
Um detalhe de composição muito interessante, é perceber como as roupas, o semblante e a quantidade de falas de Max se transformará com o tempo. Antes das diversas mortes, Max vestirá até mesmo uma roupa social, parecendo um pai de família. Seu semblante perante a família é sempre alegre e cativante, mesmo diante de alguma adversidade, comunicando-se tanto com seu chefe ou com sua mulher. Conforme perde seus familiares, numa cena em que nem os vemos uma bolinha e um sapato jogados ao relento, como se exprimisse que dali em diante toda a delicadeza tenha sido deixada em troca da estrada, Max não só se manterá permanentemente com sua roupa preta de trabalho, como seu rosto ficará cada vez mais sujo de poeira e sangue, sem que ele se importe em limpar e suas falas tornarão cada vez mais monossilábicas. A fotografia com tons de marrom sempre muito chapados, darão um tom desregrado e abandonado não só para os ambientes do filme, como também para o progressivo isolamento de Max.
O ápice de sua loucura/insanidade, quando Max se tornará de fato Mad Max é justamente em seu reencontro com Johnny the Boy (Tim Burns). Pior do que simplesmente matá-lo, é deixá-lo definir seu destino. Se destrincharmos a cena um pouco mais, é sutil perceber que o destino de Johnny the Boy estará também regrado à combustão da gasolina/petróleo. Se formos comparar com o início do filme, em que temos o petróleo como um dos bens mais valiosos para a perpetuação da existência, é irônico ver que o mesmo petróleo definirá se Johnny the Boy morrerá ou não. Em outras palavras, o petróleo tanto gera quanto tira a vida. Voltando ao fim de Max, cabe a pergunta: será que Max não se tornou tão ruim quanto todos os sujeitos que ele antes perseguia? Se a resposta for sim, o mundo está perdido, pois até mesmo os bons se desvirtuam. Por outro lado, se a resposta for não, temos que considerar que não existe o bom ou o ruim num estado anárquico; existe o instinto, a sobrevivência. E neste caso, retomo a ideia que elenquei logo no começo do comentário: se todos tiverem a malícia necessária para se perpetuarem, como será nosso mundo?
A cada novo filme da saga Mad Max, George Miller consegue trazer uma faceta diferente e mais insana deste mundo apocalíptico (falo isso sem ter visto o Mad Max: Além da Cúpula do Trovão (1985)) que não só empolga, como também perpetua o inédito a cada nova aventura. Dessa forma, juntamente com Kingsman: Serviço Secreto (2015), Mad Max: Estrada da Fúria (2015) renova mais do que simplesmente o universo fictício em que se encontram, renovam os filmes de ação num dos melhores anos que o gênero já pôde ter.
Seguindo a premissa básica de um mundo pós-apocalíptico em carência d'água e gasolina, os seres humanos remanescentes precisarão se unir ou subjugar às facções para que consigam sobreviver. Diante de toda esta discussão, temos um "protagonista", Max (Tom Hardy), que prefere viver isoladamente devido a motivos obscuros do passado (o interessante aqui é que tanto saber quanto não saber tal motivo trazem perspectivas sombrias. No primeiro caso, seu passado horroroso explica seu anarquismo, e no segundo, a ausência de explicação cria uma personagem perturbada com lapsos de loucura - ou seria sanidade, já que o filme é de loucos - que dão ainda mais profundidade à índole de Max). Desde já, o filme acerta em compor uma narrativa em que embora tenhamos um lado por qual torcer, não possua personagens que podemos classificar como boas. Remetendo aos velhos faroestes, Mad Max é tão mal quanto seus antagonistas (uma ideia muito poderosa em Meu Ódio Será sua Herança (1969)), dando-se ao prazer de matar personagens importantes pelo bem de uma conclusão mais verossímil.
Mesmo não tendo uma profundidade de tema tão grande quanto a do primeiro Mad Max (1979), este quarto filme insere ideias capitalistas e imperialistas (sendo bem forte no epílogo de explicação do mundo, como nas sutis referências a grandes empresas - McBanquete ou Aqua Cola) no universo mais anarquista imaginável, elucidando a característica inerente dos seres humanos de posse (presente também na divisão em classes sociais da Citadela). No entanto, o tom feminista é talvez a mensagem mais presente da obra, ganhando muita força na delicada mescla de cenas de emponderamento da mulher (como a das paredes pichadas à leite ou das de ação, comandadas por Furiosa (Charlize Theron)) com outras de extrema sensibilidade de Furiosa (embora a mais ruidosa, a mais tocante também, sendo assim, a personagem/protagonista mais humana do filme).
Se num filme de ação desenfreada de mais de duas horas não tivéssemos um cuidado de ritmo e composição de cena, teríamos nada mais, nada menos que um filme à la Michael Bay, nos cansando rapidamente. Felizmente temos George Miller. Utilizando-se de conflitos cada vez mais impetuosos e viscerais, Miller emprega desde câmeras aceleradas que só intensificam a sensação de loucura, como de planos abertos que dão maior plenitude da geografia e posicionamento das personagens, essenciais para o sequenciamento da ação. É maravilhoso ver também que Miller prefere tomadas mais longas aos incessantes - e horríveis - cortes, nos proporcionando não só menos dor de cabeça (principalmente em 3D, embora aqui a tecnologia valha muito a pena ao vermos diversas sequências em que a profundidade em três dimensões enaltece ainda mais a distância dos carros, lanças e bombas), como também mais emoção com a capotagem e explosão dos carros, simplesmente por termos acompanhado toda a investida deles contra nossos heróis. Um outro ponto fortíssimo aparece no design de produção (tive a sensação de artificialidade uma única vez ao final do filme), com carros diversos (e graças a Deus, carros com proteção nos pneus) e filtros laranjas (diurnos) e azuis (noturnos) que intensificam tanto a aridez quanto a desolação dos locais.
Mad Max: Estrada da Fúria é a prova de que filmes podem funcionar maravilhosamente bem através de sua linguagem visual (o que Gravidade (2013) fez há pouco tempo atrás), desde que bem conduzidos. Citando um colega de cinema, "se há uma palavra que resuma o filme, ela seria "poucas"". E que bem esse tom sintético faz ao filme!
Pierrot le Fou (1965) ou O Demônio das Onze Horas (por quê?) segue a onda (New Wave Francesa) de uma nova forma de sensação cinematográfica provinda da França: a Nouvelle Vague. Através de temas casuais do cinema, diretores como Godard, Truffaut ou Chabrol tentam articular narrativas com um baixo orçamento, repletas de experimentações técnicas (muitas vezes quebrando paradigmas do fazer cinema clássico), nos proporcionando uma obra final praticamente cubista; é claro que o filme possui uma história (Marianne (Anna Karina) é perseguida por traficantes de armas da Argélia, reencontrando Ferdinand(Jean-Paul Belmondo), seu antigo caso amoroso, que cansado da vida burguesa pacata e sensabor decide acompanhá-la na expectativa de uma vida de aventuras), mas o interessante nele decorre justamente de seus momentos (como no Cubismo, deve-se analisar pedaços separadamente).
Todo o segmento anterior à fuga de Ferdinand expressa a artificialidade de uma vida burguesa em meados da década de 60. Ferdinand está totalmente à parte de sua família, lendo com olhos de criança algo que é totalmente desinteressante a sua mulher. Esse deslocamento de Ferdinand e sua filha é representado quando a mulher não aparece enquadrada junto a eles, sendo substituída pela sua bunda (o que mais tarde será criticado na reflexão da revista). Saindo do banheiro, Ferdinand com sua explosão de cores parece desarmonizar com a ordem estética monocromática do quarto e da mulher. O interessante é que essa monocromia aparecerá na gravata de Ferdinand na primeira vez em que ele se encontra com Marianne, simbolizando a amarra que ele possui para com o casamento. Até aqui temos um retrato estético bem organizado, não fugindo muito de um cinema-padrão. No entanto, conforme Ferdinand vai se conformando com o fato de não estar satisfeito com sua vida (tendo seu ápice quando o diretor de cinema fala que sua arte é algo tão forte como o amor), o filme começa literalmente a despirocar. As cores monocromáticas que representavam uma ordem, agora ecoam em cada novo quadro como se estivessem ridicularizando a esta ordem que tanto prezam. Em uma outra interpretação, podemos afirmar que as personagens vistas sob as luzes são planas e desinteressantes para Ferdinand, explicando o fato dele estar sempre querendo fugir de cada novo quadro, visto que ele é um personagem bem mais complexo e esférico. Estando finalmente a sós com Marianne, Ferdinand estará suficientemente certo de que não há nada a perder caso suma numa fuga romântica.
A partir daqui, a ideia de momentos deve ser analisada mais do que tudo. Primeiramente, temos diversas situações em que Godard cita um ou outro artista (Velázquez, Magritte, Shakespeare, Rimbaud – este último é interessante pois depois de brigar com seu mentor, ele decide ir vender armas na África, dialogando com o plano de fundo do filme). Há também várias ideias políticas, desde a sátira ao humor raso dos americanos (“Oh yeah! Hollywood!”), passando por uma afirmação nacionalista (vemos as cores - quando não a bandeira – francesas juntas, por exemplo, nos letreiros em néon) e à crescente difusão da cultura americana (com a Coca-Cola, Hollywood ou a Esso – o foco no SS e o tigre lunático podem remeter à força cultural que a Alemanha possuía antes dos EUA) até a uma encenação da Guerra do Vietnã (talvez esta cenas não sejam tão politizadas, essa em específico, pois vale ressaltar que antes do conflito americano no Vietnã, quem colonizava a região era a própria França). E é claro que temos também referências cinematográficas (a mais marcante se dá na luta entre Marianne e o anão, em que a primeira lembra a cena do corte do olho de O Cão Andaluz (1929), e o segundo aponta a arma como ocorre na cena mais famosa de O Grande Roubo do Trem (1903)).
Talvez as cenas mais interessantes ocorram justamente quando Godard brinca com os aspectos técnicos do cinema. Em certo momento quando Ferdinand liga o rádio e automaticamente se sente num ambiente totalmente diferente do que eles se encontravam, passamos de um enquadramento dos rostos deles para a nuca deles e o que eles veem. Nesse mesmo momento, a música recomeça, como se iniciasse uma nova visão de mundo, e troca-se o paletó de Ferdinand por uma roupa praieira listrada. A cena em que roubam um carro do posto também é impressionante, já que vemos uma trilha sonora que contrasta o suspense do furto com a banalidade da ação na alternância de sua presença ou não (é nesta simples cena em que vemos a importância da trilha sonora para a composição de emoção num filme, como o diretor da festa macabra já havia falado no início do filme). É notável então que a lógica não linear é destrinchada ao máximo (quando o casal decide abandonar e queimar o carro, vemos uma ponte no meio do nada, e um carro estropiado num poste. Se lembrarmos alguns momentos atrás, havia uma cena romântica em que os dois combinavam o suicídio, pulando da ponte, mesmo que o carro neste momento fosse vermelho. Andando para o fim do filme, veremos que o carro azul estropiado no poste é na verdade o carro que está dentro da lanchonete em que o sujeito que foi traído conversa gentilmente com Ferdinand).
Mesmo com toda essa disparidade de sensações e temas, se formos analisar mais a fundo, conseguiremos perceber a evolução de nossas protagonistas. A pergunta mais básica, e no caso deste filme, muito complicada de ser respondida é: quem são eles? Pelo que vimos, Ferdinand faz parte da alta sociedade, conhecedor assíduo da literatura e da arte, e embora seja cético o suficiente para não achar graça nas regalias da burguesia, foge em busca de uma vida bucólica e isolada. Marianne é uma jovem ingênua e romântica que busca uma aventura e um par perfeito. No entanto, se de um lado vemos tais características bem demarcadas, vemos o total oposto em outro determinado momento: Ferdinand entra no musical de Marianne, e por mais que fuja da sociedade, acaba esporadicamente voltando à ela. Por sua vez, Marianne mostra-se uma mulher muito mais complexa ao final do filme, não só traindo, como tendo com sucesso finalizado seu plano sobre Ferdinand. Mas aí vem as perguntas: será que Ferdinand só não faz isso decorrente do amor que sente por Marianne? Mas se fosse assim, teríamos mais cenas amorosas entre os dois, pois são poucas as vezes que os vemos de fato se beijando. Mais do que isso, será que no final Ferdinand não está na verdade delirando, tentando achar uma explicação pelo fato de ter sido abandonado novamente por Marianne (visto que ela demonstrava impaciência conforme o filme andava)? Ferdinand se dirigia a Marianne no começo do filme como sobrinha de Frank, e por outro lado, Marianne repetidas vezes o chama de Pierrot. Será que eles de fato se conhecem tão bem assim, ou será que esse é aquele linguajar entre amantes? Não podemos responder nenhuma dessas coisas, pois quanto mais prosseguimos, menos conhecemos de cada uma das protagonistas.
Se pegarmos um elemento vital para o filme, as cores, talvez poderemos adentrar um pouco mais na atmosfera da obra. Se no começo, tínhamos a cor monocromática da gravata e dos ambientes como sinal de amarra social, conforme prosseguimos percebemos que as cores começam a tomar características particulares. O verde, por exemplo, aparece quando Ferdinand foge da sociedade, indo para a natureza, denotando uma sensação de liberdade. Por outro lado, Marianne, sente-se cada vez mais angustiada em estar nesse meio, fugindo para a sociedade com um vermelho cada vez mais forte. Ao final do filme, quando Ferdinand percebe que perdeu Marianne mais uma vez, usará as cores dela debaixo do paletó, como se ilustrasse o desejo que tem por ela. Quando a mata, o sangue sentencia essa paixão agora inalcançável, se enrolando mais externamente com uma dinamite vermelha, como se quisesse ir de encontro a ela. No entanto, a cor mais interessante será aquela que fará parte tanto de Ferdinand quanto de Marianne: o azul. A ideia contida nela é a de uma esperança inalcançável por algo maior, um escapismo nunca concluído; esta cor estará transparecida diversas vezes no céu e no mar como forma de diminuir nossas protagonistas, devido a sua amplitude e imensidão. Não é a toa que Ferdinand escreverá numa página azul a palavra “morte”, prenunciando a tentativa máxima de escapismo. Após seu suicídio a pergunta que fica é a seguinte: será que eles conseguiram de fato alcançar o que queriam, afinal a imagem final é a do céu com as vozes dos dois ao fundo? A resposta é mais uma vez incerta. Mas a vida é assim, não? Se tudo fosse explicadinho, qual seria a graça de viver?
Indiana Jones e o Templo da Perdição
3.9 506 Assista AgoraSPOILER DETECTED!!!
Com o estrondoso sucesso de Indiana Jones e os Caçadores da Arca Perdida (1981) e a confirmação de que sequências de filmes como Star Wars: Episódio V - O Império Contra-Ataca (1980) rendiam tão bem quanto os originais, era mais do que certo de que Indy nos traria mais uma de suas aventuras num curto intervalo de tempo.
Seguindo uma estrutura narrativa tão dinâmica quanto a de seu predecessor, Indiana Jones e o Templo da Perdição (1984) consegue reunir em um único filme, mafiosos de Xangai, uma carente tribo rural, um marajá e seu palacete, e uma seita religiosa indiana, sem nunca perder o foco do momento retratado. Aliás, momento é uma das palavras que definem esta soberba franquia. Se pudéssemos retratar o filme num gráfico, veríamos diversos picos de excitação abarcados por furtivos momentos de calmaria e alívio cômico (característicos no humor de Indy) que quebrados por crescentes de suspense, recomeçam o ciclo. Em outras palavras, o momento é muito bem pontuado por um ritmo e montagem impressionantes que por si só dão vida às cenas.
O melhor exemplo disto pode ser visto nos 15 minutos iniciais. Já abrindo com um estupendo musical, o filme impulsiona o espectador ao seu primeiro pico (sem contar a formosura com que Willie (Kate Capshaw) nos é apresentada para momentos depois ser totalmente desconstruída). Alcançando a calmaria com o fim da performance e os aplausos, já nos deparamos com um lampejo de perigo ao constatarmos 4 seguranças ao redor de Lao Che (Roy Chiao). O suspense aumenta quando, assim como no primeiro filme, somos apresentados a partir de relances de Indiana Jones (Harrison Ford). Conforme o debate entre Indy e Lao Che se incendeia, aguardamos tensos o momento em que as personagens deixarão as "cordialidades" de lado, e veremos o circo pegar fogo. A partir daí, vemos a importância da montagem: através de cortes rápidos vemos a pistola, pessoas gritando, socos, e o diamante e o antídoto batendo de pé em pé. Ao pularem da janela e serem salvos por Shortie (Jonathan Ke Quan), temos um alívio cômico antes de voltarem ser perseguidos pelos chineses. Num tiroteio incessante, Indy consegue finalmente despistá-los com um avião. Mas quando tudo parece resolvido, Indy fecha a porta, descobrindo que eles haviam entrado em um avião do próprio Lao Che, reiniciando todo o ciclo. Nesta breve cena inicial, Spielberg consegue destacar o modelo de filme característico tanto na franquia Indiana Jones quanto em sua própria filmografia.
Mas O Templo da Perdição não bebe só de bons momentos de ação, mas também de funcionais personagens. Não vou negar que Willie é extremamente irritante e fraca em comparação a Marion. No entanto, ambas passam por um desenvolvimento de personagem forte e expressiva para as necessidades do filme (Willie até mais perceptivelmente que Marion por conta de sua função original - Willie passará de seu deslumbrante vestido vermelho para roupas encardidas e uma maquiagem desfeita), ao ponto de a mesma ser de extrema importância em momentos-chaves do filme, como a da cena em que Indy e Shortie ficam presos numa armadilha. Shortie, por sua vez, é não só divertido principalmente nas piadas de cunho sexual, como também importantíssimo para as cenas de ação do filme. Mas é Indy e sua carisma que roubam a cena do filme, dando expressão em situações de fraquejo (como quando se depara com uma cobra ou quando numa cena metalinguística, percebe que sua arma não está no coldre, precisando assim partir para o confronto físico) e força nos momentos de excitação (como quando arrebenta a corda que segurava a ponte). Os vilões também são tão bem caracterizados quanto seus protagonistas. Sendo assim, se os nazistas do primeiro filme tornavam-se risíveis diante do excesso de formalidades e rigores, os líderes religiosos de O Templo da Perdição perdem sua imponência com ossadas e pelos dispostos indiscriminadamente em seus corpos, transformando-os em espécies de cabides humanos.
Fora toda esta caracterização de personagens e ritmo de filme impecáveis, é curioso perceber como a figura arqueológica de Indy acaba se tornando muito mais espiritual, obscura (Arca Perdida e Pedras Místicas), e por conseguinte, respeitosa às diversas culturas que explora, do que poderia ser. Assim, contrastando essa sobriedade ao humor característico de Indy, temos uma personagem que consegue impor tanto admiração quanto empatia, transformando-se juntamente com a próspera trilha sonora no ícone indiscutível que é e sempre será.
Star Wars, Episódio VI: O Retorno do Jedi
4.3 915 Assista AgoraSPOILER DETECTED!!!
Rodeado de muita expectativa, Star Wars: Episódio VI - O Retorno de Jedi (1983) vinha 3 anos após seu predecessor para fechar majestosamente a já prolífica saga. Trazendo uma última vez os queridos Luke Skywalker (Mark Hamill), Han Solo (Harrison Ford) e Leia (Carrie Fisher), exploraríamos ambientes florestais e criaturas totalmente diferentes dos vistos nos primeiros filmes (aridez de Tatooine e nevasca de Hoth), ao mesmo tempo que revisitaríamos antigos conhecidos como a Estrela da Morte ou confrontos galácticos.
Após uma breve introdução com Darth Vader (David Prowse e voz de James Earl Jones) anunciando a retomada do projeto da Estrela da Morte, somos levados assim como no segundo filme a uma longa sequência de 40 minutos (1/3 do filme) à parte da trama principal (Jabba the Hutt (Larry Ward)). Ainda que desnecessário em sua duração, este arco atém-se mais a fundo à apresentação e transformação das personagens (como por exemplo, Luke trajando-se mais obscuramente) de um filme para o outro, além de apresentar uma motivação mais poderosa que a do filme anterior (enquanto no segundo filme, o arco inicial só servia para apresentar a figura de Yoda (Frank Oz) - tal imagem poderia vir à mente de Luke em qualquer circunstância -, neste filme, o prólogo se dá em função do resgate de Han Solo (busca que só poderia ser feita em Tatooine)).
No entanto, assim como seu predecessor, este terceiro filme consegue sanar tal abertura trazendo novamente várias das ideias articuladas ao decorrer da saga. O maniqueísmo das Forças é enfatizado com o desequilíbrio decorrente da morte de Yoda (enfraquecimento do bem) e a aparição de um ser mais poderoso que Darth Vader, o Imperador (Ian McDiarmid, fortalecimento do mal). Tal desequilíbrio é aparente principalmente na caracterização de Luke, vestindo não só trajes escuros, como portando-se de uma forma mais robótica e calculista. No entanto, a maior expressão do conflito interno de Luke está na dialética das cores das sabres: se nos dois primeiros filmes, o azul (bem) confrontava o vermelho (mal), Luke usará uma sabre verde, representando o limiar dessas duas Forças.
Um outro tema forte do segundo filme presente aqui também é justamente a ligação familiar equiparando-se ao poder da Força (Darth Vader criando situações que prefiram deixar Luke do lado bom da Força do que vê-lo morto). Dessa forma, a informação de que Leia é irmã de Luke e, portanto, filha de Darth Vader pode não ter vindo tão espetacularmente como a da descoberta patriarcal do segundo filme, mas ela é sem dúvida, tão forte quanto esta outra. É sabendo disto que Luke vai com ainda mais força enfrentar seu pai, visto que caso ele falhe, ainda haverá uma última esperança. Da mesma forma, Darth Vader se deparará com mais um acréscimo de poder filial contra a sua fortitude maléfica. Por conta disto, se Darth Vader tivesse sido simplesmente tocado pelo discurso do filho, sua transformação seria extremamente irreal. No entanto, é justamente o balanço entre a Força e as relações familiares (ou no caso, a supressão da Força) que tornam sua traição para com o Imperador justificável. Visto a partir desta ótica, o maniqueísmo inicial do filme torna-se ínfimo (não é à toa que por baixo da máscara preta de Darth Vader há uma face totalmente branca).
Mas é ainda um outro conceito que mostra-se muito mais importante do que tudo já dito: o caminho Jedi. Tornar-se Jedi não é como um casamento (a partir de determinado ponto você está casado), mas sim um processo. Quando Yoda diz que o último passo para Luke tornar-se Jedi é enfrentar Darth Vader, na verdade, isto significa que ele deve enfrentar seus próprios sentimentos. Sendo assim, o Jedi já estava se formando com todo o treinamento, o que faltava era manter o controle sobre tal poder.
Desenvolvendo um arco com criaturas tribais sem se esquecer de torná-lo funcional à trama (o que Mad Max 3: Além da Cúpula do Trovão (1985) erra fatalmente) e empregando uma trilha sonora eficaz e efeitos especiais menos artificiais que o filme predecessor (mas ainda inferior ao primeiro - compare a cena de comemoração ao final do primeiro e deste filme. Enquanto lá, vislumbrar o rosto de cada combatente tornava a cerimônia muito mais pomposa, aqui, é claro que tudo fora construído digitalmente). Fechando a saga com a mesma classe de seus predecessores, Star Wars prova porque detém a Força que possui nos dias de hoje e que sempre terá.
Star Wars, Episódio V: O Império Contra-Ataca
4.4 1,0K Assista AgoraSPOILER DETECTED!!!
Após o sucesso estrondoso de bilheteria (primeiro filme a ultrapassar a marca dos $300.000.000) e crítica de Star Wars: Episódio IV - Uma Nova Esperança (1977), em pouco menos de 3 anos, George Lucas e seus colaboradores davam mais um passo numa das mais prósperas franquias do cinema: Star Wars: Episódio V - O Império Contra-Ataca.
Começamos o filme com os típicos letreiros iniciais, informando a localização da nova base rebelde e o fortalecimento das tropas imperiais sob o comando de Darth Vader (David Prowse). Rapidamente somos cortados para um ambiente hostil e desolado totalmente averso à pompa do final do último filme. Reencontrando Luke Skywalker (Mark Hamill) e Han Solo (Harrison Ford), somos levados por quase 40 minutos de conflito que só acrescentam à trama a necessidade de Luke se encontrar com Yoda (Frank Oz). Além disso, se logo no começo as forças rebeldes afirmam terem bloqueio contra qualquer força imperial que tente adentrar o planeta gelado (afinal, as forças imperiais estão paradas sobre o planeta porque justamente não conseguem entrar nele), como é que máquinas do tamanho dos AT-ATs estão sob a superfície do planeta? Em suma, o maior problema não é o arco em si, mas a duração dele. Considerando que 40 minutos são 1/3 de filme, perde-se muito tempo com cenas de ação que por não terem motivação ao enredo, acabam tornando-se extensas demais, distanciando o espectador do desenvolvimento narrativo e da emoção da cena. Felizmente, o restante do filme cumpre a difícil tarefa de redimir tais escolhas iniciais.
Pouco a pouco, vamos revisitando cada um dos prolíficos personagens, percebendo que a majestosa composição do primeiro filme se mantém mais forte do que nunca. Han Solo enrijece sua persona canastrona, sendo por vezes inconveniente, mas conseguindo paulatinamente reviver a empatia que tínhamos por ele (tentando "manter a figura do macho alfa”, Han Solo acaba destrinchando a um nível tão estrondoso que acaba se tornando ridículo e frágil - “Eu amo você.” “Eu sei disso.”, prestes a ser congelado). Da mesma forma, temos um C-3PO (Anthony Daniels) formal e irritante, um Darth Vader mais sombrio e misterioso e um Luke aventureiro e inconsequente (personagens que começarão a se modificar com o decorrer do filme), levando-o aos empecilhos da excessivamente longa cena inicial.
Junto aos já conhecidos personagens, somos apresentados a dois novos personagens que são extremamente bem imersos ao enredo: Lando (Billy Dee Williams) e Yoda. O primeiro, assim como Han Solo, porta-se libertinamente, embora possua responsabilidades e princípios. Diferentemente do tio de Luke, Lando percebe que não poderá se subjugar a todas as demandas do Império caso queira sobreviver (simples acordos não são cumpridas, quem dera quando ele já não for mais útil aos interesses do Império). Já Yoda aparece como um sujeito maltrapilho e caduco que por fim, mostra-se extremamente sábio e poderoso (sua primeira aparição rima perfeitamente com o discurso dele de não julgar alguém pela aparência), servindo como base psicológica para as escolhas de Luke.
Mas não é só a composição de personagens que é muito bem feita, mas a de ambientes também. Uma das mais interessantes se dá por parte da Cidade das Nuvens: antes de nossos protagonistas pousarem na cidade, o quadro é repleto de tons alaranjados, evocando uma sensação de mistério/inferno do que eles viriam a encontrar. Assim que as personagens se tranquilizam em relação à cidade, as paredes começam a ficar brancas, dando a sensação de paz de espírito. Por conta disto, quando nos deparamos com Darth Vader sentado à mesa, seu preto contrasta fortemente com a brancura do recinto. A partir daí, todos os ambientes passam a ficar mais escuros, até acabarmos na sala de congelamento; composta por tons pretos e alaranjados, retomando a ideia de inferno.
Se formos analisar o desenvolvimento de Luke (através de uma montagem eficaz que evolui o suspense das duas tramas equiparadamente), veremos que ele também sofrerá mudanças na composição dos ambientes, adentrando cada vez mais às sombras do mal (ao chegar na sala de congelamento totalmente escura), enfatizado também na cor das espadas (azul (bem) e vermelho (mal). Após todo o conflito, perceberemos através de suas olheiras fortes, rasgos e sujeira da roupa e cabelo desgrenhado que embora "vitorioso" (visto que o conflito máximo das forças ocorra no terceiro filme), Luke saia bem fraquejado e instável para o conflito final.
No entanto, mais do que tudo isto, O Império Contra-Ataca só terá a força que tem pelo perfeito desenvolvimento psicológico de seus dois antagonistas (Luke e Darth Vader). Tendo vivido sua vida inteira num campo agrícola, Luke se inspirava fortemente na imagem que tinha do pai para realizar suas pequenas aventuras. Juntamente com a força, as relações familiares são estruturas definidoras e fortes para a formação do caráter de um indivíduo. A partir do momento em que Luke descobre que Darth Vader é seu pai, toda essa segurança e fortitude fraquejam (fazendo com que a cena icônica do "I am your father." (...) "Nooooo!" Seja muito mais poderosa"). Da mesma forma, vendo que seu filho segue os seus passos, Darth Vader tentará rebanhar sua cria para si (não é a toa que ele permite diversas chances a Luke ao invés de simplesmente matá-lo). Sendo assim, a pequena reminiscência familiar consegue pouco a pouco tomar posse da plena força do mal que o envolvia. Analisando deste modo, o maniqueísmo das personagens torna-se muito mais complexo do que a lógica aparente que o filme apresenta, sendo só completa ao fim do terceiro filme.
Por fim, através de efeitos especiais por vezes excessivamente utilizados, Star Wars: Episódio V - O Império Contra-Ataca consegue finalizar mais um episódio de forma eficaz, mesmo que clame muito mais do que o primeiro filme por uma sequência (nada se compara com a saga Hobbit (2012-14)), além de consolidar mais uma música-tema (Marcha Imperial) majestosamente!
Star Wars, Episódio IV: Uma Nova Esperança
4.3 1,2K Assista AgoraSPOILER DETECTED!!!
Em 1977, o mundo conhecia uma das sagas de maior prestígio e sucesso de todos os tempos. Inspirando vida através de seus icônicos personagens, imponentes naves espaciais e rica ambientação, Star Wars: Episódio IV - Uma Nova Esperança consegue mesclar o melhor de diversos gêneros do cinema, como o Faroeste (mundo desolado e cenas de bar), o Pirata (naves que se assemelham e são comandadas como navios), e é claro, a Ficção Científica (presente desde a abertura episódica com o resumo dos principais acontecimentos), em uma aventura extremamente excitante.
Jogados ao conflito desde o início o filme, temos uma composição caricatural e física de alguma das principais personagens, como Leia (Carrie Fisher, mulher guerreira rebelde - branco inicial forte contrasta com a roupa escura de Darth Vader), R2-D2 (Kenny Baker, fofo, porém prestativo - giro leve da cabeça dá um tom gracioso), C-3PO (Anthony Daniels, neurótico, mas funcional - calculismo expresso no andar robótico e compassado) e Darth Vader (David Prowse, mal inabalável - preto de sua roupa e respiração profunda dão um ar de mistério), de forma a tanto torná-las memoráveis e empáticas pelo resto da saga, quanto desenvolvê-las pontualmente através das características que as definem. Da mesma forma, conheceremos o jovial e aventureiro Luke Skywalker (Mark Hamill), o mercenário, embora nobre caçador de recompensas Han Solo (Harrison Ford), o lacônico, mas atuante Chewbacca (Peter Mayhew - voz se assemelha com um grito de dor, como se sofresse pelos outros) e o sábio e poderoso Obi-Wan (Alec Guinness), compondo por fim a rica presença de personagens do filme.
Junto a seus personagens, um detalhado trabalho técnico ajuda tanto a impulsionar o espectador à aventura, como reforçar as alegorias e maniqueísmo de sua narrativa. Dessa forma, se por um lado temos o som de tiros, gritos e explosões (mesmo que estes não se propaguem no espaço) e uma riqueza de espécies alienígenas que deixam tudo mais empolgante, por outro, temos a dicotomia das forças (o mal de Darth Vader no traje preto, robótico, acrescido ainda de uma sabre vermelha, enquanto o vigor de Luke na mobilidade ágil e humana, roupas claras e sabre azul) e ambientes (enquanto Darth Vader vive em locais mecânicos, sufocantes e monocromáticos, Luke surge de uma realidade árida, disforme e livre, contrastando a rigidez e disciplina do primeiro com a boa-aventurança do segundo).
É também interessante perceber como embora despretensioso em sua mensagem, Star Wars consiga ludicamente pincelar noções de política (República (boa) X Império (mal)) e religião (Força (Obi-Wan) X céticos (Han Solo)), conseguindo assim transformar os conflitos e angústias das personagens mais semelhantes a de um ser humano comum. Se compararmos com o resto da trilogia original, podemos afirmar que o episódio IV é, sem dúvida, o filme em que as noções de sociedade são melhores apresentadas (talvez por ser o responsável pela apresentação do Universo Star Wars), visto que os seguintes filmes acabam se focando mais no conflito psicológico interno de Luke.
Apesar de tudo isto, o maior êxito em Star Wars - Episódio IV encontra-se em seu ritmo. Num crescente de suspense e aventura, cada cena é muito bem amarrada com a predecessora, justificando também a ambição de cada personagem (Luke tem uma vida calma -> compra robôs que inspiram seu senso de aventura -> perde a família (quem se conforma com o Império acaba morto) -> procura vingança -> junta-se a Resistência -> entregar a mensagem, mas precisa de uma nave -> falta de experiência e liderança os leva para a Estrela da Morte -> passam de despercebidos a procurados -> fuga -> Império e Rebeldes se articulam (iminência de conflito) -> conflito -> destruição de Estrela da Morte). Além disso, o trabalho de montagem se mostra impressionante, chegando a seu ápice durante a ofensiva dentro da Estrela da Morte, com as três perspectivas (Leia, Luke, Han + R2-D2, C-3PO + Obi-Wan, Darth Vader) muito bem encadeadas.
A minha única reclamação se dá em relação à última cena de ação, quando o antes perfeito ritmo parece fraquejar com a construção de três investidas a fim de acertarem o buraco da Estrela da Morte exatamente iguais. É claro que isto torna o feito de Luke muito mais recompensador, mas a dinâmica empregada é tão repetitiva que o efeito acaba sendo justamente o contrário, tirando um do furor e excitação da cena. No entanto, esta breve cena está longe de tirar o brilho e imponência que o filme possui.
Acompanhado ainda de uma trilha sonora embalante e efeitos especiais excepcionalmente inovadores para a época, Star Wars: Episódio IV - Uma Nova Esperança detém justamente o cargo de um dos primeiros e melhores blockbusters de todos os tempos, e que a força não abale este universo...
Trainspotting: Sem Limites
4.2 1,9K Assista AgoraSPOILER DETECTED!!!
"Quem precisa de motivos quando você tem heroína?" Após ouvirmos um monólogo repleto de questionamentos e artigos recorrentes ao dia-a-dia da maioria das pessoas deste planeta, Renton (Ewan McGregor) parece ignorar todas essas preocupações com a frase supracitada. No entanto, o que o próprio Renton não percebe é que citar tudo isto acaba mostrando que ele de fato se importa com estas mesmas coisas, como expresso em uma outra frase dele: "Eu escolhi não escolher a vida." Bem, independentemente de ser ou não uma vida comum, Renton escolheu um modo de vida, e será justamente esta dualidade que permeará toda a duração de Trainspotting - Sem Limites (1996).
Abrindo o filme com uma desenfreada e segmentada edição, Danny Boyle nos apresenta cada um dos cinco personagens ao seu tempo desenvolvendo a curiosidade do espectador em relação a vida destes sujeitos. Conforme vamos nos aproximando dos 15 minutos de filme, esse ritmo não só começa a desacelerar, como vamos nos adequando ao ambiente e modo de vida deles. O que talvez alguns sintam, mas não consigam explicar é que ao criar uma overdose de imagens iniciais, Boyle constrói uma sensação semelhante a que as personagens têm com as drogas, indicando desde já, o poder com que ele conduz cada uma de suas cenas.
Através de um jogo de cores muito interessante, vemos que a dicotomia do rebelde (vermelho) e do ajustado (verde) é também transposta para a linguagem visual do filme. Dessa forma, enquanto de um lado temos um vermelho pulsante quando Renton e seus amigos estão se drogando ou na fachada da boate quando Renton conhece Diane (Kelly Macdonald) pela primeira vez (de vestido vermelho também), temos um verde no tapete em que o bebê primeiro aparece ou na parte externa do vidro em que vemos os pais de Diane tomando café-da-manhã. No entanto, o uso mais interessante dessa lógica ocorre logo após vermos o caos na vida particular de cada uma das personagens: assim que os quatro amigos saem do trem, vemos uma placa gigantesca com uma bola em vermelho dizendo "Stop". Ao mesmo tempo, ao fundo podemos ver uma soberba natureza ocupando todo o resto do quadro (verde). Sendo assim, é possível interpretar que caso eles sigam adiante, toda a rebeldia/drogas será contida, no entanto, eles acabam desistindo e retornando à placa vermelha, entrando fundo na heroína.
Seguindo ainda na composição visual das personagens e pegando Renton como exemplo, vemos que quando ele usa heroína, seus lábios estão mais secos, seus olhos mais esbugalhados e com olheiras e seus trajes são mais despojados (camisetas curtas e jaquetas jeans). Por outro lado, quando o vemos limpo, ele não só mantém-se mais ativo, como ele também prefere um traje mais formal (paletó e gravata). Fora tais caracterizações, é interessante perceber como o andar de Renton muda de uma postura mais desleixada quando drogado para uma mais firme quando são.
Continuando na ideia dual do filme, podemos perceber como embora Renton use e abuse das drogas, ele constantemente reclame dos vícios legais que o Estado cria para curar drogados ou de vícios que as pessoas normais possuem (carros, TV, casa, Valium). Disso, se compararmos estes vícios com as drogas de Renton, é interessante ver como também afirmamos a nós mesmos que utilizaremos determinada coisa pela última vez, para simplesmente no dia seguinte comprar algo mais avançado, tecnológico e, consequentemente, viciante. Sendo assim, a pergunta "quem é o mais viciado. Renton ou as pessoas comuns?" não faz sentido, visto que o vício é algo incontrolável independentemente da fonte dele. Portanto, um grande problema é justamente o fato do ser humano criticar naturalmente o vício do outro, esquecendo que ele próprio não é perfeito. No entanto, tal constatação esconde um problema ainda maior: muitos de nossos vícios são extremamente aparentes (como as drogas ou o consumo excessivo), mas o problema é quando estes mesmos vícios acabam escondendo outros mais profundos, como por exemplo o amor.
Quero deixar bem claro que não estou criticando o amor e suas vertentes! O que quero dizer é que a obsessão por ele, a busca por ele é um vício tão forte como qualquer outro antes citado, afinal, não conseguimos controlá-lo racionalmente. E desse modo, assim que nos vemos fisgados por alguém, tal sentimento cresce de uma forma a nos corroer. Voltando ao filme, podemos perceber que um dos grandes motivadores de Tommy (Kevin McKidd) a começar a usar heroína é justamente o fim de seu relacionamento. Renton e Spud (Ewen Bremner) também sofrem nas mãos de suas parceiras de forma a retornando ao mundo das drogas. Por conta disto, sinto que o papel de Diane poderia ter sido mais largamente usada, visto que ela possui uma única grande aparição, sumindo sem renovar o conflito emocional.
Por outro lado, chegando ao fim do filme, percebemos que este conflito cresce novamente na figura da amizade: percebendo que nunca conseguirá ter uma vida ao seu prazer (palavra dita diversas vezes nos mais diversos contextos) se não se desprender de seus "amigos", Renton escolherá algo que a primeiros olhos até possa parecer traição, mas que na verdade, será a única forma de seguir a vida conforme queira. Sendo assim, como no início do filme, Renton escolherá viver uma vida, só que dessa vez, acreditando no controle de suas ações. E por mais que a vida possa ser um grande vício, o simples poder de escolha acaba a transformando em algo muito mais motivante (e talvez menos chapado).
Fale com Ela
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Após cobrir uma matéria com a mais prolífica toureira da Espanha, Marco (Darío Grandinetti) acaba se apaixonando perdidamente pela mesma. Ao mesmo tempo, Benigno (Javier Cámara) é um enfermeiro preso na obsessão de possuir o amor de Alicia (Leonor Watling). Assim como em qualquer relacionamento (e aqui me refiro a qualquer tipo de relacionamento, amoroso ou não), ambos se esbarrarão sem nenhuma cerimônia, se reencontrando muito tempo depois devido a acidentes ocorrido a suas amadas.
O maior trunfo de Fale com Ela (2002) está na ausência da estereotipização dos gêneros, construindo, por exemplo, Lydia (Rosario Flores) como uma destemida (imersa no universo masculino das touradas), embora sentimental (além de temer cobras, chora vendo casamentos) mulher, ao mesmo tempo que Marco se equilibra entre o sentimentalismo amoroso e a racionalidade de seu trabalho. Juntamente a isto, o filme desenvolve um estudo de relacionamento interessante ao unir e desunir casais na velocidade de um infeliz acidente.
Empregando um visual imponente, Almodóvar constrói quadros repletos de cores fortes, principalmente o vermelho (refletindo a pulsante sensação do que se é amar), prezando mais pelas sensações que as atuações de seus atores denotam do que na que a movimentação e enquadramento de suas câmeras criariam. Por outro lado, construindo uma narrativa em diversos momentos temporais diferentes, Almodóvar se baseia numa montagem dinâmica que se utiliza por vezes de letreiros, e outras pela suposição do espectador. Em certo momento, o diretor decide contar um episódio passado numa lógica reversa (observado em filmes como Amnésia (2000) e Irreversível (2002)) que acaba destoando do ritmo empregado por ser específico demais.
No entanto, mesmo que possua pontos levemente positivos, Fale com Ela perde-se num erro temático imperdoável, sendo encarado de uma forma tão natural que chega a ser desprezível. Benigno (nome que ainda apela para o lado positivo e angelical da personagem), por mais ingênuo e inconsequente que seja, não justifica o ato repudiável do estupro. Alicia (ou qualquer outro indivíduo) pode ser a pessoa mais desprezível, liberal sexualmente, ou querida do mundo, mas nada permite que outrem a estupre. Nada! E Fale com Ela não só tenta justificar tal ato pela condição excepcional e psicótica de Benigno como também se utiliza disso como impulsionador de um novo romance e desenrolar de trama, esquecendo (como se tivesse acabado de sair de um coma) que Alicia é muito mais vítima do que mero elemento narrativo.
É certo que Fale com Ela tenha um dinâmico roteiro, uma funcional trilha sonora e fortes atuações, destacando-se principalmente pelo seu estudo de relacionamentos. No entanto, ao tratar um caso de estupro com desdém e como mero elemento coesivo, Almodóvar desconstrói toda a antes bela ideia do filme.
Cidade de Deus
4.2 1,8K Assista AgoraSPOILER DETECTED!!!
"O animal que fez isso só pode ter vindo de um lugar: Cidade de Deus."
Uma das poucas frases vindas de um personagem externo à Cidade de Deus não só reforça preconceitos, como torna o ciclo da violência e do tráfico constante com o passar das gerações (não achando solução, órgãos governamentais incitam ódio suficiente para alocá-los como mais uma parcela no conflito das favelas).
Diferentemente da perspectiva narrada pela grande maioria das novelas brasileiras, Cidade de Deus (2002) não se conforta em caracterizar uma grande comunidade fraternal vivendo em harmonia, onde malandros são sujeitos de boa índole e carismáticos. A sensação estável inicial é rapidamente denegrida para uma situação de total caos e guerra; uma coisa é certa, uma vez que a luta de interesses cresce e se escancara, o que se segue é nada mais, nada menos do que morte e tristeza.
Acompanhando Buscapé (Luis Otávio/Alexandre Rodrigues) da infância a sua juventude, Cidade de Deus justifica o clássico que é por empregar uma narrativa do ponto de vista de alguém pertencente a realidade retratada (o escritor do livro que baseia o filme viveu de fato em uma favela), dando uma atmosfera muito mais natural e crua da vida de cada uma das personagens descritas. Por conta disto, da mesma forma que sentimos pena da infância miserável e empoeirada (filtro alaranjado faz todo este arco parecer ainda mais duro e sofrido) de Buscapé e sua turma, começamos a sentir repulsa da usurpação e violência imposta por Zé Pequeno (Leandro Firmino) a toda a favela (filtro azulado contrapõe a sobriedade e maturidade presente com a ingenuidade e senso de sobrevivência do passado das personagens).
Da mesma forma, um outro aspecto técnico enfatiza a noção de um mundo pulsante, sem regras e sem descanso: a dinâmica edição. Sendo assim, desde a maravilhosa cena inicial, passando pela evolução do ponto de drogas ou de Zé Pequeno (encadeamento de vários momentos esparsos em um único tempo), e chegando à horrenda cena de estupro e chacina da família de Mané Galinha (Seu Jorge) (câmera disforme - tanto por não vermos a mulher ser estuprada, como pelo desfoco ao ver seu irmão ao relento - refletindo a dor e desilusão de Mané Galinha).
Toda esta construção será de vital importância para que possamos entender a mudança de rumo das mais variadas personagens, como Thiago (Daniel Zettel) entrando no mundo das drogas, Bené (Phellipe Haagensen) tornando-se "playboy", mas principalmente de Mané Galinha entrando para o mundo do crime. Através de uma lógica determinista, Mané Galinha é coagido a se transformar neste novo homem por sofrer do desejo e do tráfico, vislumbrando a interferência destes nas pessoas mais comuns. Dessa forma, sua mobilização vingativa passa a ser mais do que pessoal, influenciado na vida de inocentes do mesmo modo que ele temia anteriormente; Mané Galinha não nasce meliante, ele torna-se um. Disto decorre a seguinte pergunta: será que o bandido é aquele torna o público, pessoal (obter controle sobre o tráfico de drogas), ou aquele que torna o pessoal, público (transformar sua vingança numa guerra de milícias)? O fato é que "A exceção vira regra", ou seja, assim como Mané Galinha começa a matar inocentes para se perpetuar, o trabalhador vira bandido. Da mesma forma, Buscapé vai aos poucos migrando do mundo do tráfico para o mundo jornalístico, quebrando o senso determinista da favela, tornando-se a exceção.
Chegado a tal ponto, é mais do que relevante comparar a ascensão de Buscapé no jornal com a entrada de um outro jovem ao mundo do crime (tendo sua expressão máxima em Dadinho (Douglas Silva)). Se formos pegar o bruto desses dois processos, veremos que de fato não há muitas diferenças. Mas então qual será o ponto em que esses dois personagens começaram a tomar rumos diferentes? As oportunidades? Motivação de vida? Ao meu ver, Buscapé não tinha nenhuma pretensão de ser grande com a fotografia, ele só queria trabalhar com isso. Desenvolvimento psicológico? Experiências de vida? Influências? Tanto Buscapé quanto Dadinho tiveram a mesma origem e os mesmos contatos. Por que eles se tornaram então tão diferentes? Não sei responder. No entanto, isto ratifica que não necessariamente nascer em uma favela seja condição obrigatória para se tornar um mau sujeito, contrariando totalmente a frase preconceituosa citada no início deste excerto. E o mais interessante disto tudo é que mesmo Buscapé criando uma vida fora da favela são as suas escolhas que determinarão como levar sua vida, e não qualquer outro jornalista, confirmando mais uma vez a genialidade do filme em situar a narrativa através do olhar de um indivíduo da favela.
Um outro tema forte do filme é justamente o papel do amor na vida das personagens. Buscapé passa um tempo razoável do filme atrás de Angélica (Alice Braga), que aparece em sua vida da mesma forma que desaparece, sem rodeios. Mais tarde, Buscapé terá sua primeira experiência sexual com a jornalista que usa de suas fotos (Graziela Moretto) de um jeito bem menos romantizado que ele imaginara. Da mesma forma, Zé Pequeno iniciará o conflito com Mané Galinha por achá-lo muito mais bonito e festeiro que ele. O amor é um sentimento muito forte, e mesmo no ambiente mais hostil do mundo ele existirá. No entanto, o que Cidade de Deus mostra é que as relações não são tão idealizadas como vemos costumeiramente, sendo cru e efêmero assim como o clima do filme. Por outro lado, mesmo que o amor (o amor pode ser também por um gosto ou sina, como Buscapé pela fotografia ou Zé Pequeno pelo controle) seja raso e breve, um ser humano pode, movido por este sentimento, lutar irracionalmente sem vislumbrar todas as suas consequências.
A maior expressão deste tema está na cena da balada. Motivado pelo sentimento de posse, Zé Pequeno entrará num crescente de raiva estrategicamente articulado para que sua extrapolação final tenha muito mais peso: rejeitado pela mulher, rejeitado pelo amigo (câmera começa a ficar caótica), desconta em Mané Galinha (câmera começa a virar bruscamente), luzes piscantes, aumenta a música, cortes rápidos, tiros, gritos, confusão e Bené morto. Neste ponto, Zé Pequeno fará com que um trauma pessoal acabe se transformando em toda uma guerra pública, se assemelhando com o conflito de Mané Galinha.
Antes da conclusão, como elencado acima, é perceptível o papel da mixagem de som como linguagem importante ao filme (aumentando a música e tiros), e de fato, tal detalhe técnico é tão bem empregado que em cenas como a da abertura (afiando a faca, samba, vozes e cacarejo de fundo que com o tempo aumentam de intensidade, tiros) ou do tiroteio entre as milícias (som de tiros com a imagem de uma rodinha de homens rezando), ela sozinha já dá vida ao momento.
E voltamos a galinha fugindo... neste momento é claro que o animal remete a figura de Mané Galinha sendo perseguida, e dentre tiros para cá (muitos diretores de ação deveriam se inspirar na forma em que Fernando Meirelles emprega a câmera tremida, utilizando-a somente em momentos de extrema tensão, incorporando assim muito mais impacto), corrupção para lá, "flashbacks" para cá e cliques de fotos para cá, temos uma veloz resolução. Buscapé decide não enviar as fotos incriminatórias da polícia tentando evitar maiores complicações. Se pararmos para pensar junto com ele, sua escolha parece ser de fato a mais inteligente: uma vez longe da favela e do tráfico (que o impediam de ascender), Buscapé quer seguir sua vida da forma como quiser, sem ter que dar satisfação a ninguém. Manter-se incógnito é a melhor escolha. Mas o mais revelador reside mais uma vez sobre a figura de Mané Galinha...
Através de um "flashback" explicativo, entendemos que o garoto que o mata é na verdade filho do homem que ele havia matado no banco. Dessa forma, se uma vez concordávamos com a frase "a exceção vira regra", temos aqui o contra-argumento prático das consequências do mundo do crime. Seja busca por controle ou por vingança, o certo é que ambos são bandidos, e o pior de tudo, o garoto que procurou vingança à morte do pai estava tão errado quanto Mané Galinha (que também procurava vingança). Sendo assim, a única conclusão que podemos ter é a de que crime propaga crime, consequentemente se estendendo através das gerações assim como o filme mostra com os garotos da Caixa Baixa.
Grease: Nos Tempos da Brilhantina
3.9 1,2K Assista AgoraTomando Sandy (Olivia Newton-John) e Danny (John Travolta) como conflito principal, Grease (1978) utiliza-se do musical e de momentos oníricos para tecer otimisticamente o romantismo juvenil, inspirando muito mais naturalidade em situações pontuais do que na obra em conjunto.
Através de um clichê narrativo (que não necessariamente é ruim), observamos como cada sexo valoriza o mundo e suas relações. Dessa forma, enquanto o lado feminino transborda meiguice e idealização, o masculino foca-se no teor sexual e carnal. No entanto, se formos analisar mais a fundo, veremos que este esteriótipos são sutilmente contraditos na figura de personagens específicas. Sendo assim, se Rizzo (Stockard Channing) nega-se a agir como uma "boa garota", "corrompendo" as demais, Danny desliza em momentos de sensibilidade às lembranças das férias passadas. Conforme prosseguimos no filme, percebemos que tais barreiras de gênero são gradativamente superadas, tendendo à confluência e à harmonia em forma de relacionamentos amorosos.
Não se preocupando em construir um desenvolvimento espetacular (no sentido de espetáculo), Grease prefere ambientar sua narrativa no crescente das amizades, atendo-se aos pequenos momentos. Por conta disto, ao mesmo tempo da hiper-cafona cena de Kenickie (Jeff Conaway) tomando uma portada na cabeça, temos a dinâmica edição da cena de "Summer Nights". Da mesma forma, contemplamos um Danny que na tentativa de praticar esportes, porta-se como se estivesse numa pista de dança, andando com um rebolado contagiante e arrumando constantemente o gel de seu cabelo. Preferindo quadros mais abertos (fazendo com que os atores brilhem mais que o jogo de câmeras - e cá entre nós, John Travolta cumpre bem o papel), Randal Kleiser raramente impõe uma linguagem fílmica, deixando com que o design de produção se prepondere nas cenas -as vezes desnecessárias- oníricas do filme.
Por vezes idealizado demais (como na deixa criada após Sandy sair do Drive-In para somente acrescentar um momento musical a mais ao filme), Grease se perde em cenas destoantes ao então bom ritmo empregado (como numa extensa cantoria a Frenchy (Didi Conn), personagem que não será desenvolvida nem antes, nem depois desta cena), conseguindo, no entanto, se redimir em valorosos momentos de euforia (cena da garagem com "Greased Lighting", ou do empolgante final de "You're The One That I Want").
Assim como os requebros de seu protagonista, Grease oscila entre seus altos e baixos momentos, deixando transparecer a fragilidade de seu ritmo e direção. No entanto, conseguindo mimetizar o espírito jovial e libertador dos anos 50, Grease causa empatia pelo frescor e naturalidade de suas personagens.
Omar
4.0 74 Assista AgoraSPOILER DETECTED!!!
Omar (2013) é um filme repleto de ótimas interpretações, situado em um panorama pungente e político de uma das regiões mais conflituosas do mundo, e com uma maravilhosa cinematografia e composição de quadro. No entanto, o filme acaba se perdendo na ambição de se manter sob viradas de narrativas (plot-twists) (in)esperadas.
Omar (Adam Bakri) é um jovem padeiro que nas horas vagas militará junto a dois amigos de infância, Tarek (Eyad Hourani) e Amjad (Samer Bisharat), em uma guerrilha palestina. Juntamente a isto, Omar aos poucos descobrirá o valor do amor, se apaixonando perdidamente pela irmã de Tarek, Nadia (Leem Lubany). Assim que o infortúnio de suas ações o levará a trabalhar para o serviço secreto israelense, Omar se verá dividido entre conseguir manter uma vida pessoal e prolífica, traindo seus amigos, ou permanecer preso, quiçá morto, mantendo a ideologia e a lealdade. Tentando postergar a decisão, Omar perceberá que cada segundo perdido, complica ainda mais sua situação.
A situação da Palestina não é novidade a ninguém, vindo de uma herança político-religiosa conflituosa, a região é atualmente controlada político e militarmente por Israel. Cada medida revolucionária é brutalmente contida gerando represálias, fazendo com que este seja um dos conflitos mais alarmantes e de difícil solução do mundo moderno. Dessa forma, é muito interessante ver como o filme tenta abordar muito mais do que o conflito político, aventurando-se em personagens que no íntimo não deixam de ser humanas. Este balanço de ideais será algo vital para que consigamos entender o dilema moral de Omar ou de Amjad (já que mesmo que ele seja o traidor, ele não tenha culpa do que fizera, estando na mesma situação que Omar).
O clima bucólico do início do filme (encontro dos três amigos em meio a risadas e contemplações é enfatizado por uma fotografia em pastel, dando uma sensação ainda mais agradável ao encontro) é paulatinamente substituído por um clima de tensão (como nas cenas de fuga, em que uma câmera mais tremida, sem que ela nos impeça de visualizar o que acontece, acompanha as personagens através das vielas e muros da cidade). Mais uma vez é importante ressaltar que essa tensão se dividirá entre a dor pessoal e a dor pública (política no grego se refere àquilo que é público), expressa nos momentos estilísticos sutis que vão desde uma câmera estática (como quando Omar contempla o inseto em sua cela) a uma trilha sonora minimalista, que prefere os momentos de silêncio como forma de acentuar a tensão (como quando Omar conversa com Tarek no restaurante antes de serem atacados, em que o silêncio exacerbado prenuncia algo de errado).
Um outro tema interessante é a influência americana sobre as personagens do filme, uma vez que Israel mantém relações estreitas com os EUA desde sua independência. Dessa forma, vemos referências que vão desde atores americanos (Marlon Brando e Brad Pitt) até a marcas famosas (Tic Tac. É possível comparar a ideia que Amjad fala sobre dar açúcar aos macacos, viciando-os e podendo controlá-los, com o Tic Tac/açúcar oferecido a todo momento pelo agente Rami (Waleed Zuaiter) a Omar - mesmo que ele nunca aceite). A partir desta ideia temos uma das cenas mais impressionantes do filme: em certo momento quando Omar conversa ao orelhão, temos o enquadramento de um outdoor com duas crianças plantando uma árvore com os dizeres "Plantando esperança" em inglês. Analisando a composição da cena, vemos que o contraponto visual é nítido: o outdoor grandioso, alegre e composto por uma cor verde forte destoa dos arredores do quadro, em que vemos casas estropiadas e cobertas de areia, denotando um ar de miséria e abandono. Por conta disto, é possível afirmar que mesmo sutilmente, o filme critica a falsa ideia de salvação imposta pelos americanos.
Em meio a tantas cenas bem construídas, uma se destaca vertiginosamente: a cena em que Omar descobre que Amjad o havia enganado com a história do bebê. Mais uma vez com o silêncio da trilha sonora, Nadia vai aos poucos explicando todo o desentendimento passado sem saber do embate entre Amjad e Omar. Conforme ela vai falando da idade dos bebês, a câmera vai gradativamente de cada um, enquanto cortes vão nos levando de um semblante ao outro. Em razão de segundos, estamos tão próximos dos rostos de cada um que sentimos a claustrofóbica tensão em que Omar se encontra.
Se Omar se resumisse a todas as qualidades que vim elencando até aqui, o filme seria perfeito. No entanto, o filme perde grande parte de seu frescor ao tentar se basear em inesperadas viradas de narrativas (plot-twists) que acabam sendo previsíveis demais (já sabia que Amjad era o traidor, já sabia que não havia bebê e já sabia que Omar mataria o Rami ao final). Quero deixar bem claro que o problema não está em desenvolver uma narrativa clichê, visto que filmes como Janela Indiscreta (1954) conseguem construir um suspense magistral até o previsível fim (a graça em Janela Indiscreta é duvidar da sanidade da personagem principal ao mesmo tempo que se desenvolve uma tensão em volta do thriller criado) O problema é que Omar utiliza-se largamente da surpresa destas viradas de narrativa como chaves para o desenrolar da narrativa. Sendo assim, uma vez que estes momentos tornam-se previsíveis, a magia da descoberta, e consequentemente do filme, acaba sendo banalizada. Estas sensações podem variar de pessoa para pessoa, mas tentarei elencar alguns elementos do filme que me levaram a prever tais fatos.
Quando Omar é intimado a levar os agentes israelenses até seus amigos, Rami afirma que o responsável pelo tiro havia sido Tarek. Blefando ou não, Rami já havia mostrado que tinha vastas informações sobre a vida de Omar. Não é muito estranho Rami ter até mesmo fotos do encontro de Omar e Nadia e não saber (ou proteger) Amjad? Algumas cenas depois, quando os três se encontram no restaurante antes do ataque israelense, antes mesmo de Amjad se retirar da mesa, ele olha diretamente para a câmera como se admitisse a culpa. Em relação ao bebê, na cena em que Omar beija Nadia, além do peso de uma sociedade que não aceita tais atitudes, vemos uma garota ingênua e encantada, levantando até mesmo os pés pela excitação da novidade. Agora compare toda esta fofura e inexperiência com a mulher que transa dias depois de transpor uma das principais barreiras de sua sociedade (o beijo). Mas a minha maior revolta se dá por parte da segunda vez que Rami libera Omar. Poucos minutos atrás, Rami quase mata Omar com toda a sua brutalidade. Mesmo traído, Rami não só não desferirá nenhuma violência contra Omar como ainda lhe dará uma segunda chance. A simples bondade de Rami não faz com que suas escolhas se preponderem sobre as escolhas do estado, o que para mim indicava que ele só havia liberado Omar tendo pleno controle sobre o que aconteceria (já que ele mandava em Amjad também). Uma vez solto pela segunda vez, Omar não só não acaba com Amjad como o protege diante da fúria de Tarek. Neste momento, Omar já havia entendido que o culpado não era Amjad (ele estava na mesma situação que ele), mas sim Rami, chamando-o para assassiná-lo. Mais uma vez reforço que nada disto seria negativo se o filme não encarasse tais descobertas como momentos excepcionais e inesperados.
Analisada em sua mensagem, Omar mostra a epopeia de um homem que podia possuir tudo, mas imerso num universo hostil de uma guerra perde toda a humanidade e relações que tinha, tornando seu conflito pessoal tão corrosivo quanto o político. Dessa forma, é monstruoso perceber como o sujeito tranquilo e esperançoso das cenas iniciais do filme, acabe se tornando uma pessoa violenta e desiludida. E é nesta construção psicológica que a força política e antibelicista vem mais forte: o indivíduo não vive se seu político (tanto quanto na luta contra Israel como no desmembrar das relações públicas mais íntimas) não se encontra em harmonia.
Divertida Mente
4.3 3,2K Assista AgoraSPOILER DETECTED!!!
Desde junho de 2010, quando a Pixar lançava Toy Story 3, não tínhamos um filme tão criativo, e instigante. É claro que Valente (2012) e Universidade Monstros (2013) até conseguem dar uma revitalizada ao já prolífico mundo imaginativo da Pixar, mas será somente em 2015 com Divertida Mente que voltaremos a sentir a aventura e profundidade sentimental que rondearam o maravilhoso intervalo de 2008-2010 (Wall-E, Up - Altas Aventuras e Toy Story 3).
Contar a história evolutiva de uma criança é sempre uma tarefa muito complicada, visto que ao desenvolver uma narrativa, o autor possa se perder na nostalgia do momento. Sabendo disto, é possível constatar a força criativa de Divertida Mente, seu conceito: acompanhando a história de Riley desde o seu primeiro dia de vida, entramos a fundo em sua cabeça para observarmos todo o desenvolvimento psicológico e moral de uma forma bem gráfica e intuitiva. Por conta disto teremos Alegria, Tristeza, Medo, Raiva e Nojinho expressos em cores e características fortes (por exemplo em Nojinho usando um cachecol e com um cabelo estiloso, ou em Medo vestindo formalmente e tendo uma aparência flácida e retraída) a fim de identificarmos visualmente a preponderância de determinado sentimento em cada cena. Além disso, decorrente da lógica empregada, a Pixar acerta em cheio em evitar com que seus personagens humanos sejam caricaturais demais, transportando toda esta responsabilidade para os sentimentos (humanizados). Dessa forma, mais do que analisarmos o desenvolvimento psicológico de Riley, é interessante ver como todos os sentimentos confluam com o tempo a uma harmonia, embora um deles acabe preponderante no caráter da pessoa (como é possível observar com a Raiva no pai e a Tristeza na mãe de Riley). Por fim, é primoroso ver a diferença visual na composição dos sentimentos entre diferentes faixas etárias. Dessa forma, é possível constatar que as delineações dos sentimentos de Riley sejam mais soltas, repletas de pelos e glitter, enquanto que as dos seus pais sejam mais sóbrias e organizadas.
Mas o magnífico conceito de Divertida Mente não para na composição de suas personagens, ela permeia todo o universo do filme. Dessa forma, é lindo ver como cada base da nossa vida estrutura-se em uma ilha, imponente e frágil como o percurso da vida. O diálogo do mundo dos sonhos com os estúdios de Hollywood, o subconsciente como um labirinto dos horrores, o mundo da imaginação com abstrações e fantasias, operários que limpam lembranças velhas e mantém memórias-chiclete. Seguindo ainda a lógica visual, vemos que a professora da classe nova de Riley usa um vestido e um óculos roxo, refletindo todo o medo da garota em relação a este mundo novo. Da mesma forma, podemos ver que um dos trajes iniciais mais marcantes de Riley são justamente um composto por faixas de várias cores, assim como o broche que Bing Bong, seu amigo imaginário, leva ao peito, ambos remetendo a uma infância em que os sentimentos (diferentes cores) ainda não estavam em conflito.
Falando em Bing Bong, este personagem é o principal responsável por levar o público ao choro, visto que embora ele seja a lembrança de uma época ingênua e carinhosa, ele também personifique o processo de amadurecimento de Riley quando de seu esquecimento. Dessa forma, o excesso de nostalgia que poderia comprometer o desenvolvimento narrativo é aqui trabalhado delicada e demoradamente para que o espectador se identifique com o passado de Riley (coisa parecida com o que acontece ao final de Toy Story 3), funcionando como um agravante a toda a epopeia da personagem principal. Não é à toa então que Riley bebê-criança tenha em sua maioria sensações positivas e felizes, mas que conforme ela/sentimentos começa a conhecer o mundo à sua volta, percebe-se que uma pessoa não pode ter unicamente lembranças positivas como memórias-base. E é aqui que a Pixar magistralmente transforma sentimentos inicialmente caricaturais em características infinitamente mais complexas, afinal nenhum sentimento vem sozinho, mas sim aos conjuntos/harmonia, que é como os veremos nas personagens mais adultas.
Não quero aqui entrar em questões de crenças, mas acredito que um dos temas mais fortes, embora sutis, do filme seja a noção de destino. Se seguirmos superficialmente a ideia de que todos nós possuímos seres internos que nos controlam, esta noção parece ser bastante válida. No entanto, se formos pegar o filme por completo, veremos que existem vários momentos em que os respectivos sentimentos sentem coisas não condizentes com seu caráter (a cena mais aparente é justamente quando Alegria chora no limbo). Sendo assim, se nem os próprios sentimentos conseguem se controlar, como eles irão nos controlar? E é aqui que esta a beleza de Divertida Mente. O divertido não está na risada desenfreada, mas sim na conjugação de sentimentos que tem por última instância, nos tornar seres humanos.
Irreversível
4.0 1,8K Assista AgoraSPOILER DETECTED!!!
O que é irreversível? Os fatos passados? O tempo? Traumas? Irreversível (2002) subverte tudo isto aplicando uma narrativa de trás para frente nos apresentando as consequências antes mesmo de suas causas. Por conta disto, o desconforto é de certa forma atenuado, visto que o choque se dá pelas momento, e não pelo encadeamento deles. Será só quando tivermos informações mais aprofundadas da situação que o choque ganhará peso, se situando estrategicamente ao meio do filme com a famigerada cena de estupro. Ao mesmo tempo, presenciar a fúria de Marcus (Vincent Cassel) antes do fato em si ajuda a acentuar ainda mais o peso do estupro, visto que a animalidade presente reverbera a violência de Marcus.
Logo quando começamos o filme, o primeiro choque não virá nem do estupro/sexo, nem da violência, mas sim da estética implementada: através de uma câmera caótica por um plano-sequência vamos pouco a pouco conhecendo o ambiente e as personagens do filme. Esta escolha será racionalmente articulada não só para amplificar a sensação de desconforto e desvario, como também para mimetizar visualmente a confusão e dor mental de Marcus e Pierre (Albert Dupontel). Quando entramos no bar gay, uma trilha sonora dissonante e imutável vai nos desnorteando junto com a movimentação de câmera a cada novo cômodo quase como se verbalizasse que nós não fizéssemos parte do meio em que estamos. Por fim, a coloração preponderantemente vermelha cria um clima infernal e quente nos fazendo querer fugir de cada novo cômodo que entramos. Estes detalhes técnicos serão largamente utilizados para enfatizarem as sensações que o filme nos quer passar ao decorrer de sua duração.
Conforme vamos conhecendo os dois protagonistas masculinos mais a fundo, percebemos que eles na verdade se completam. Enquanto Marcus é o homem mais expansivo e espontâneo, Pierre é mais contido e analítico. Dessa forma, Alex (Monica Bellucci) entra nessa relação como o balanço das personalidades (não é à toa que ela já terá se relacionado com os dois em algum momento de sua vida), podendo até mesmo ter uma conversa aberta sobre sua vida sexual. E é justamente quando Alex é estuprada (quebrando o balanço) que essas duas personalidades entrarão em choque.
É também após presenciarmos o estupro que começamos a encarar mais fortemente cada movimento contra Alex como abusivo. Dessa forma, é nítida a atitude agressiva de Marcus na festa que precede a cena de estupro. Disto, é irônico perceber que tentando evitar maiores complicações com Marcus, Alex decide voltar para casa, sendo fatalmente estuprada (se destrincharmos ainda mais, a mesma lógica acontece quando Alex decide ir pela passagem subterrânea ao invés de atravessar a rua movimentada). Temos aqui uma das mensagens mais fortes do filme: a fraqueza feminina, visto que as escolhas com fins de preservar a integridade, acabam sendo violadas por figuras masculinas. Mais uma vez, temos a presença da cor vermelha como anunciadora de deslocamento, presente na placa com os dizeres "Passagem", mas principalmente na iluminação do corredor em que ocorrerá a vildade (se contrapormos o vermelho destes momentos pulsantes com as demais cenas, veremos que no resto o filtro predominante é amarelo, dando a sensação de comodidade e casualidade).
Nesta mesma cena ainda temos uma outra ideia forte do filme: a falta de compaixão dos seres humanos. Se não bastasse a prostituta que não volta com ajuda, ainda vemos um sujeito que aparece ao fundo e, percebendo o ato, evita o contato. Não estou querendo condenar a ação de ninguém, muito porque o princípio básico do homem se dá em preservar a individualidade e integridade própria. No entanto, fazendo parte ou não da natureza humana, esta característica é algo tão chocante quanto as cenas mais fortes, visto que Alex só é estuprada pois decide parar e tentar socorrer a prostituta de alguma forma. Esta sensação de impunidade é ainda maior pelo fato do estuprador sair intacto (além da lei não o punir, a vingança pessoal não foi efetivada).
O filme vai chegando ao seu fim (ou ao seu começo) e, embora as cenas pesadas diminuam em intensidade, a memória força em comparar os momentos de alegria com toda a brutalidade e violência do pós-estupro. Não é à toa que a cena final mesmo sendo feliz, o concebimento de uma nova vida (com direito à Starchild de 2001 atrás) seja tão trágica, pois nem ao menos sabemos se esta vida vingará após tal ato. Por outro lado, podemos imaginar que tudo que acontece após Alex dizer que estava sonhando seja na verdade fictício (o que faria sentido para a lógica de um sonho, já que eles são descontínuos e não-lineares assim como a estética do filme), e como se tudo que havíamos passado fosse só um mal prenúncio. Seguindo esta interpretação ou acreditando que o filme mantenha a lógica de sua estética até o fim, o certo é que a força do pessimismo estará visualmente contido na movimentação da câmera de sua fatídica cena, com seus giros remetendo ao início do filme, como se todo o filme passasse de trás para frente e tivéssemos que revisitar cada dor passada.
Irreversível é uma obra de difícil ingestão, bruto e pessimista. No entanto, ao contrário de muitos outros filmes, este pessimismo não é o ponto de vista de um autor, personagem ou sucessão de eventos, mas sim uma abominação real e mais recorrente do que parece. E indo na contramão do que o filme tenta elucidar, "O tempo NÃO destrói tudo, algumas coisas ficam até o fim da vida".
A Montanha dos Sete Abutres
4.4 246 Assista AgoraSPOILER DETECTED!!!
"- Até onde eu sei, nem existe um Leo ali dentro.
- Existe sim. Tatum assegurou-se disso."
Muito antes de O Abutre (2014), Billy Wilder já tecia suas incisivas críticas ao jornalismo sensacionalista em A Montanha dos Sete Abutres (1951). Aqui, Kirk Douglas é Chuck Tatum, um experiente embora conturbado jornalista que em uma curta sucessão de anos passara pelos mais importantes boletins diários dos Estados Unidos. Buscando se restabelecer como indivíduo de prestígio que uma vez fora, Tatum recomeçará sua carreira se instalando no pequeno jornal de Albuquerque. É interessante perceber como a lábia que futuramente trará milhares de curiosos a Escudero, já é mordaz desde o início do filme, quando ele se promove para o diretor (Porter Hall) do jornal ("Já menti muito na minha vida. Já menti para homens com cintos, e homens com suspensórios. Mas não seria tolo o bastante para mentir a um homem de cinto e suspensório"). Não é à toa que uma vez com o material em mãos, Tatum manipulará as mais diversas pessoas em favor de seus interesses.
No entanto, se de um lado vemos o seguro calculismo de suas falas, por outro, vemos o constante uso da violência para com Lorraine (Jan Sterling), que juntamente com sua faceta ambiciosa acaba criando um monstro sem amarras morais cujo único intuito reside em buscar uma boa história. Dessa forma, é assombroso perceber como Tatum se veste inicialmente com cinto e suspensório para rimar com a autoridade de seu diretor, jogando-o com triunfo ao chão quando deixa o jornal de Albuquerque ou como se aproxima "romanticamente" de Lorraine quando vê que podia "perdê-la" (veja "perder a autenticidade da história") para os demais jornalistas.
Por conta disto é muito relevante se fazer a seguinte pergunta: será que Tatum gosta de fato da profissão que exerce, ou será que ele só faz tudo que faz pelo reconhecimento? A resposta não é tão trivial quanto parece. Talvez Tatum tenha até começado como Herbie (Robert Arthur), curioso pela notícia, triunfando diante do mais banal acontecimento. No entanto, um jornalista não é motivado a continuar somente com pequenas histórias, e considerando o fato de Tatum ter participado da Segunda Guerra Mundial (visto que ele conhece a letra da música que Minosa (Richard Benedict) canta) e ter vivido em grandes metrópoles americanas, faz com que o primeiro grande acontecimento que lhe aconteça seja suficiente para ensandecê-lo a ponto de querer controlar toda a cobertura dos fatos. Portanto, respondendo a pergunta, Tatum gosta sim do que faz, mas sua experiência de vida o modelou ao ponto de reconhecimento ser um sinônimo de prazer pela profissão. O problema é que com a índole de Tatum, o resultado tende ao desastre.
A diferença é que aqui o desastre é sutil e compassado, bem como um jogo de cartas (como o título Ás Escondido) deve ser. No entanto, o título é tão genial que dele ainda decorrem mais duas acepções. A primeira vem da tradução livre do título, Campeão no Buraco. Dela podemos interpretar que tanto Minosa quanto Tatum sejam estes campeões, visto que o primeiro é o objeto/prêmio utilizado para alçar o sucesso do segundo. Por uma outra acepção, se todo o jogo parece perfeito para Tatum, será uma surpresa, uma carta na manga que alterará todo o esquema dele: o prenúncio da morte de Minosa.
No entanto, a genialidade de Billy Wilder não se contentará em desmoralizar somente a figura de Tatum; ele esquadrinhará toda uma sociedade sem escrúpulos, ou melhor, sete facetas dela, compondo assim os sete abutres que assombrarão Minosa durante os sete dias de seu resgate. Tatum e o jornalismo sensacionalista, Xerife Gus (Ray Teal) e a lei, Lorraine e o casamento por interesse (após vermos Minosa comentando sobre a beleza de Lorraine, somos cortados para ela e um caminhão com os dizeres "Os Magníficos S&M Companhia de Espetáculos", metaforicamente ilustrando o espetáculo que ela se tornou), Sam (Frank Jaquet) e o serviço público, Al Federber (Frank Cady) e os curiosos (assim como os preços para a visita vão subindo conforme a procura aumenta) e as crenças espirituais (espíritos indígenas e catolicismo. Há uma cena sutil em que após a mãe de Minosa (Frances Dominguez) ser enquadrada rezando, vemos Lorraine comendo uma maçã com um olhar malicioso, remetendo à imagem bíblica pecaminosa da fruta). Neste momento você provavelmente está contando o número de elencados e perceberá que é seis, consequentemente se perguntando quem seria o sétimo. Você! Nós como espectadores também fazemos parte do filme, nos diferenciando do que vemos por sermos a parte real dele. Dessa forma, nós também fazemos parte desta sociedade que paga por espetáculos, afinal tudo o que fora analisado se trata de cinema! Mas calma, a crítica não está em si no espetáculo, mas sim no tipo de espetáculo que procuramos. Dessa forma, devemos entender a crítica como uma forma de aviso a fim de repensarmos o que vemos.
Por fim, ciente da bomba que criara, Tatum não só se negará a tudo que construíra, como também dará todas as suas forças para salvar Minosa. Uma vez morto, Tatum tentará se redimir seguindo o lema de seu ex-diretor, "Fale a verdade". No entanto, ele se dará conta do monstro a qual se transformara, tornando-se frágil e suprimido (o que terá muito mais força se contraposto a sua caracterização inicial). Em sua fatídica cena, o abandono de Tatum será tão digno de pena como um dos últimos e mais belos enquadramentos de A Montanha dos Setes Abutres: o pai de Minosa (John Berkes) observa a gigantesca montanha que levara seu filho, rodeado pela sujeira deixada pelos curiosos. Se não bastasse ser suprimido pelo paredão de pedra à frente, ele ainda se encontra encaixotado pelos dizeres de reeleição do xerife Gus à esquerda e um cartaz acerca do revertimento dos lucros à direita. Se ainda consideramos que quem o vê é Tatum, o pai de Minosa estará fechado por todos os lados, indefeso como uma presa cercada pelos abutres.
Jurassic World: O Mundo dos Dinossauros
3.6 3,0K Assista AgoraSPOILER DETECTED!!!
Depois de quase 15 anos de espera, somos levados mais uma vez ao mundo de Jurassic Park. Diante de novas instalações e dinossauros ainda maiores, acompanhamos a funcional premissa dos demais filmes. Após um fugaz momento de maravilhamento, algo sai completamente dos planos, fazendo com que nossas personagens tenham que fugir para sobreviverem.
Logo de cara, Jurassic World (2015) resolve um problema latente dos dois últimos Jurassic Park: a falta de motivo para retornar à ilha. Se em 1993, Jurassic Park era tão surpreendente tanto para as personagens quanto para os telespectadores, em 1997 e em 2001, o retorno ao mundo dos dinossauros parecia improvável diante de tamanha destruição e perigo passados na aventura anterior. Sabendo disso, a solução foi renovar todo o elenco de personagens, para que mesmo que alguns deles possuam as mesmas ambições que as dos originais, pelo menos estejam virgens de qualquer acontecimento desastroso.
Solucionado isto, é nostálgico reentrar pelo portão principal ao som de John Williams, ou até mesmo abarcar a dimensão do parque através de um enquadramento aéreo. Dessa forma, ao mesmo tempo que vamos revendo cada um dos queridos dinossauros, vamos tendo traços da insuficiência administrativa causada pela ambição humana. Portanto, é inevitável relacionar as ações das novas com as das antigas personagens (Owen (Chris Pratt) assim como o Dr. Alan Grant (Sam Neill), se maravilha com os dinossauros, mas os respeita acima de tudo, e Claire (Bryce Dallas Howard) assim como John Hammond (Richard Attenborough) reaprende a ver os dinossauros muito mais do que meras formas de lucro), criando assim um eco interessante com o filme original.
Ainda em relação as personagens, é inquestionável ver o jogo de cintura de Chris Pratt, alternando seus momentos canastrões com outros mais sérios. Bryce Dallas Howard também faz um ótimo trabalho na figura de uma moça que vai aos poucos se deixando tomar mais pelas emoções do que pela razão (no início do filme, Claire passa pelo meio dos hologramas dos dinossauros denotando o desprezo que tem pelos animais), como visto no semblante mais trêmulo conforme o filme prossegue (além disso, há um eco visual nas roupas de Claire incrível. No início, seus trajes impecavelmente brancos destoam do clima selvagem e pungente do parque, denotando um ar de sobriedade e calculismo. Conforme Claire começa a respeitar os dinossauros, suas roupas começam a ficar sujas e rasgadas, como se a emoção estivesse tomando conta dela). Por outro lado, senti que as demais personagens fora um tanto mal desenvolvidas: enquanto Gray (Ty Simpkins) até consegue exprimir certa carisma, Zach (Nick Robinson) é um sujeito desinteressante que flerta constantemente com garotas sem nenhum vínculo aparente com a trama e feições irritadas. Da mesma forma, temos Barry (Omar Sy), Dr. Henry Wu (BD Wong), Hoskins (Vincent D'Onofrio) e Masrani (Irrfan Khan) aquém do que poderiam trazer a trama. Por conta disto, algumas das tramas envolvendo estas personagens acabam se tornando menos empolgantes que as dos dois protagonistas.
Felizmente, o filme consegue compensar seus problemas de personagem com um ritmo de filme bem dinâmico. Primeiro contemplamos a beleza do parque e dos dinossauros. A partir do momento que Indominus Rex se mostra um problema, acompanhamos a equipe de contenção, visto que matá-lo causaria extremos prejuízos. Concluído que contê-lo é impossível, a missão é tentar aniquilá-lo. Sem sucesso, a última saída é escapar da ilha. Este crescente de suspense é impressionante, pois conseguimos de fato entender quão poderoso Indominus Rex é do que se simplesmente quiséssemos fugir da ilha de primeira. É por conta disto também que o final é tão poderoso, visto que Indominus Rex/ambição humana desestabilizou tanto o sistema da ilha, que será necessária a união de forças de humanos, Velociraptors, T-Rex e Mosassauro.
Por sua vez, os dinossauros do filmes são utilizados funcionalmente, de forma a dar um espaço específico no filme para cada um deles. Destaco uma cena em que vemos um campo de brontossauros ao relento, confirmando a morte da beleza do parque diante da presença da força maior que Indominus Rex é. Além disso, temos também um emprego positivo das cenas de suspense, prezando por cortes mais fechados do olho ou do rabo, ao mesmo tempo que demora-se no som dos passos, ou no balançar das árvores antes de de fato mostrar o dinossauro. Uma cena impressionante ocorre justamente quando vemos o ataque dos Velociraptors pelos chips implantados ou pela contagem de vítimas. Por conta disto, cenas como a do salto do Mosassauro ou do confronto entre T-Rex e Indominus Rex são tão imponentes, justamente por contrapor toda a construção de suspense com cenas insanas de ação.
Mesmo que possua personagens mal desenvolvidos e, consequentemente, tramas desinteressantes, Jurassic World faz jus ao nome da franquia, e embora esteja longe do peso inovativo que o primeiro Jurassic Park trouxe, funciona como um belo thriller de divertimento. Ah, e o 3D não vale a pena.
Indiana Jones e os Caçadores da Arca Perdida
4.0 667 Assista AgoraSPOILER DETECTED!!!
Em 1981, Steven Spielberg nos concebia mais uma de suas memoráveis obras. Aqui, é possível ver todas as marcas que o fizeram o diretor de renome que hoje é. Dessa forma, temos um roteiro ágil e inteligente, personagens absurdamente cativantes e representativos, uma direção marcante e a favor da narrativa, cenas de ação antológicas, uma trilha sonora pontual (com a grande parceria de John Williams) e, acima de tudo, um ritmo de narração e suspense único que juntos compõem uma das melhores obras de aventura e ação que o cinema pôde ter: Indiana Jones e os Caçadores da Arca Perdida (1981).
Sobrevivendo como professor de história de uma grande universidade, Indiana Jones (Harrison Ford) é regido pelo sentimento de viver sobre o de simplesmente saber acerca, fazendo com que ele se meta nas mais diversas aventuras em busca de relíquias do passado, sendo justamente assim como nos somos apresentados: nos situando num ambiente selvagem, vamos vagarosamente recebendo novos fragmentos de nosso herói (o chicote, o chapéu e o vulto), ocasionalmente por cortes distantes que por si só engrandecessem e aumentam a expectativa da pessoa que estamos por encontrar. Mesmo após vermos seu semblante, a idolatração que temos por Indy continua crescendo, visto que o filme vai pincelando as técnicas de sobrevivência de um experiente explorador. A partir do momento que Indy finalmente tem a relíquia em mãos, sua caracterização passará para extremo inverso, no simples trejeito de satisfação premeditada. E se antes, contemplávamos Indy quase como um deus, ele agora passará a ser um sujeito canastrão, meso que cheio de habilidades (o que é muito ajudado pela perfeita pantomima de desespero contido de Harrison Ford). Este balanço de personalidade será a força motora da empatia que sentimos por Indy, afinal ele também é um ser humano assim como nós!
Teremos também uma protagonista feminina (Karen Allen) que agirá exatamente como Indy, tendo seus lapsos de grandiosidade, expostos em sua força de ação e sensualidade, e de canastrice (tendo sua expressão máxima na cena em que ela embriaga Belloq (Paul Freeman) e tenta sem êxito fugir, correndo rapidamente para Belloq), criando entre os dois uma relação instável, embora ardente. Daqui decorre uma ideia que ajudará ainda mais à empatia que teremos pelo casal: a paixão. Nós gostamos deles, pois vemos a paixão de suas ações; coisa que não acontece com os vilões, sendo movidos por interesses gananciosos e indigestos (pegue por exemplo o papel da arqueologia na vida de Indy e de Belloq. Enquanto no primeiro vemos o prazer pela surpresa de cada nova relíquia, no segundo vemos a busca de dinheiro e influência). No caso do Major Arnold Toht (Ronald Lacey) sua caracterização física ainda ajuda para criarmos desafeição, visto que ele sempre se porta em roupas escuras e largas, atrás de um óculos inquisidor e um andar cambaleante. No entanto, existe um fator ainda maior de desgosto para com nossos vilões: o nazismo.
Como judeu, Spielberg nos concebeu uma das obras mais sensíveis sobre o tema com A Lista de Schindler (1993), e mesmo que com 1941 (1979) ele já escancarasse certo desgosto, seria somente 3 anos depois que o diretor ganharia notoriedade pelo tema. O descompromisso de Indiana Jones e os Caçadores da Arca Perdida faz a ideia parecer ainda mais forte, já que se num filme comercial os nazistas já conseguiam ser abomináveis, quem dirá na vida real?
Interessante também é observar como o filme pontua indícios do declínio da arqueologia, seja pela ambição corrosiva dos profissionais da área (em certo momento Belloq diz "It's worthless - ten dollars from a vendor in the street. But I take it, I bury it in the sand for a thousand years, it becomes priceless. Like the Ark"), seja pela ascensão da tecnologia, ou seja pelo contraponto visual dos ambientes amarelados e rústicos dos campos de exploração e da universidade de Indy com os recortes escuros e frios dos postos nazistas.
Mesmo que existam cenas bem computadorizadas, como a da escavação da arca ou o ritual final, o filme consegue desenvolver seus aspectos técnicos de uma forma bem contundente, denotado na embalante trilha sonora ou nos momentos em que as sombras das personagens refletem o suspense da cena. No entanto, são as incontáveis cenas de ação que dão uma dose extra de vida à obra. Prezando sempre por enquadramentos mais abertos e cortes mais seletivos, Spielberg cria um ritmo de filme que juntamente com a alternância entre a cafonice e o heroísmo de Indy, não se preocupa em se alongar para acentuar o suspense e excitação do momento. Dessa forma, Spielberg demora-se em Indy entortando o símbolo da Mercedes, antes de quase ser esmagado pelos carros, ou desenvolver toda uma impagável luta entre Indy e um brucutu alemão antes deste ser destroçado pelas hélices do avião. Em termos gerais, são tantas as cenas memoráveis (saco de areia pela relíquia, bola gigante, Marion sendo levada nos cestos, tiroteio no bar, entre outras) que tentarei resumir tudo o que eu dosse em uma única: após aparecer um manipulador de espadas realizando os movimentos mais complexos imagináveis, Indy saca uma arma e o mata. Nesta curta cena temos mais uma vez o contraponto da seriedade e da cafonice, junta com a construção de suspense, rapidamente quebrada pelo heroísmo hilário de Indy.
Sabemos que Indy sairá vivo, sabemos que tudo ocorrerá bem, no entanto, o processo para que isso se torne-se verdade é tão magnetizante que paramos de anteceder o que acontecerá, e começamos a seguir os movimentos de Indy como se fôssemos mais um coadjuvante. Criando uma narrativa fluida e cativante, Spielberg não só mostra seu dom de encantar públicos, como também consolida Indiana Jones como um dos heróis do cinema sem precedentes (e procedentes).
A Onda
4.2 1,9KSPOILER DETECTED!!!
"E se este filme fosse como Sociedade dos Poetas Mortos (1989)?"
Esta foi definitivamente a pergunta que mais me fiz durante A Onda (2008). Após se ver sem poder ministrar a aula sobre anarquia, Rainer Wenger (Jürgen Vogel) acaba tendo que preparar o material para autocracia. Vendo que seus alunos já não aguentam mais aprender o conteúdo ano após ano, Rainer tentará muito mais do que ensinar, fazê-los vivenciar como um governo autocrático funciona. Através de detalhes posturais e gestuais, Rainer transformará a sala de aula em algo muito parecido com o teatro do colégio (figurino é uma roupa branca, a modulação e a rapidez do falar se assemelham ao roteiro teatral que antes de tudo deve ser entendível, e até mesmo, a posição de Rainer como o diretor da trupe). De fato, esta será a forma inicial com que o movimento surgirá, fazendo com que o grande mote do filme seja justamente perceber quando a brincadeira passara do ponto.
Uma vez descoberto, mais interessante do que ver a conclusão do episódio, será acompanhar o processo e sedução pelas quais cada um dos estudantes passará (que é o que dará mais força ao desfecho). Dessa forma, é impressionante perceber como o sentimento de união cresce nas coisas mais pequenas. O que inicialmente é fraterno, com o tempo passa a ser segregacionista. A genialidade do filme é então fazer com que nós estejamos tão imersos na ideia de grupo que tentamos achar desculpas para cada ação dúbia que os integrantes façam. Por conta disto, achamos as duas garotas, que são na verdade as mais direitas, as mais insuportáveis. Não é à toa que não só achamos infantil o fato de Karo (Jennifer Ulrich) não querer se vestir como os demais por vaidade, como também torcemos para que Marco (Max Riemelt) a traia (interessante é ver que assim que Karo se declara contra as ideias de A Onda/Rainer, o filme os separa também visualmente, visto que vemos Karo e o reflexo de Rainer conversando). Da mesma forma, é marcante ver como o ódio contra os anarquistas cresce na medida que o coletivo se prepondera sobre o indivíduo. Se voltarmos ao início do filme e pegarmos os a caracterização de Rainer (dirigindo um carro ao som (Rock'n'Roll High School) e vestido com uma camisa dos Ramones) o choque vem ainda mais forte.
Falando em anarquismo, este talvez seja um dos motivadores de Rainer a burlar o sistema de ensino e iniciar a experiência. O mais irônico é justamente ver como o anarquismo funciona aqui em prol do fascismo (mesmo que Rainer tenha tido a melhor das intenções inicialmente), o que nos leva a pergunta: quão diferente é um do outro? Não quero tentar responder isso baseado em ideologias políticas, peguemos então os elementos do filme: o que vemos são grupos anarquistas bem caricaturais que agem tão brutalmente quanto A Onda (pichação, violência, grupo como força ao indivíduo - como na cena em que os dois grupos começam a se esmurrar - e repulsa ao Estado). Por outro lado, vemos que os jovens de A Onda se relacionam e ouvem músicas tão porra-loucas como os anarquistas (lembre-se que no Fascismo a música oficial era clássica/erudita). Mais do que isso, vemos diversos nichos sociais (punks, nerds, esportistas) formando a composição do movimento (mais uma vez, lembre-se que uma das principais premissas do Fascismo era a seleção dos mais aptos, o que consequentemente eliminaria vários dos indivíduos da classe). Portanto, mesmo que não tenhamos uma caracterização mais complexa do que seja o anarquismo para o filme, podemos dizer que há uma confusão de ideias que os torna bem semelhantes.
Quando percebe que tudo o que criou está fora de controle, Rainer tentará ir até o fim para mostrar o quão uniformizados cada um deles se tornara (quando Rainer ultrapassa a cortina e vemos a frieza de cada jovem enfileirado como se fosse só mais um é definitivamente o momento mais aterrador do filme). Enquanto a maioria capta bem a mensagem será justamente o garoto transtornado (Frederick Lau) que verá toda a sua ilusão ruir, reagindo da pior maneira possível e levando Rainer à prisão (remetendo ao diálogo de Karo e Rainer, a mulher deste último o vê pela última vez pelo do vidro do carro, num enquadramento que pega Rainer de dentro do automóvel e o reflexo de sua mulher). Cabe aqui uma pequena análise para o causador da morte deste garoto: quem o matou? Ele mesmo? Não. Os pais que não ligam para seus problemas mentais? Não. Os amigos que tiraram de sua cara a vida inteira? Não. O professor que implementou esta nova abordagem de aula? Não. Quem o matou foi uma ideia. Juntando à psicopatia que ele já possuía, uma ideia o motivou a seguir os preceitos de A Onda religiosamente, uma ideia o fez sentir fazer parte de um grupo. Uma ideia.
Não veremos os resultados do experimento, mas o certo é que dentro daquele auditório poderia muito bem haver outros indivíduos que assim como Tim fossem motivados por uma ideia. É por conta disto que a frase em que Rainer diz que A Onda morreu no momento em que seu líder o abandona é levianamente enganosa. A ideia vive, não é à toa que ainda hoje vemos animais como os neo-nazistas andando pela rua. O mais triste é que não somos só nós que percebemos que seu discurso está errado, Rainer também percebe, o que o faz olhar desesperado para NÓS. Nós também passamos por todo o processo, vendo a ideia crescer e depois definhar. O olhar final diretamente para o telespectador confirma o seu maior receio: se ele, que amava pensamentos anarquistas, que respirava ideias liberais criou isto, e se isso acontece conosco também? Será que a ascensão de uma nova ditadura é realmente impossível? O final do filme abre a janela do fictício para o real, e nós ficamos com a janela da alma de Rainer.
O Professor Aloprado
3.6 126SPOILER DETECTED!!!
Talvez no filme mais famoso de sua carreira, Jerry Lewis mostra porque é um grande comediante, recorrendo a trejeitos que vão desde o trêmulo andar ao encolhimento dos ombros enquanto cientista, e o olhar empinado e a classe do balançar do cigarro enquanto conquistador. Jerry Lewis ainda aumenta o brilho de sua atuação por empregar uma direção que preza pelo momento das personagens, ao mesmo tempo que pontua detalhes sutis que enriquecem a experiência da cena. Se parássemos por aqui o filme seria a melhor forma de entretenimento que Lewis poderia nos conceber. O problema é que tanto personagens caricatos quanto uma narrativa incoerente e desleixada afundam toda a maestria do vigor de sua atuação.
Embora apronte as maiores confusões imagináveis num laboratório, o professor Julius Kelp (Jerry Lewis) continua ministrando as suas aulas de química para os mais diversos alunos. Sendo totalmente desrespeitado pelos mesmos, Kelp se vê de um lado ajudado por uma de suas estudantes (Stella Stevens), e de outro, disposto a mudar por contar própria tudo o que sofre, criando assim, uma fórmula que o deixa mais confiante (arrogante). Se de um lado temos o ser mais indefeso (como podemos ver na cena em que Kelp basicamente afunda no estofado do sofá, tornando-se ainda menor que a gigantesca mesa do diretor (Del Moore)), embora explosivo, de outro temos um ser narcisista (quando retornamos a mesma sala, Buddy Love está sobre a mesa do diretor, pondo-se maior tanto imagética quanto psicologicamente) e prepotente com um poder de sedução questionável.
Questionável porque a todo momento eu me punha no lugar das personagens, e tentava entender o porquê de sua sedução. E não só não encontrava a justificativa, como também desgostava cada momento que o via na tela. Ao mesmo tempo, quando voltávamos ao professor Kelp, não aguentava a sua chatice. Ao meu ver, Lewis foi tão primoroso na composição de suas personagens que não consegui sentir empatia por nenhum dos dois. Por fim, ainda tínhamos um diretor e uma garota tão submissos que chegavam momentos em que suas escolhas não faziam mais sentido (o histórico de Kelp é desastroso, mas porque raios o diretor da universidade ainda o mantinha no corpo docente. Da mesma forma, tínhamos uma garota que reclamava da intromissão e agressividade de Buddy Love, e mesmo assim, mantinha-se ao seu lado). Entendo que a ideia tenha sido criar uma persona inversa de Kelp tão irritante quanto ele. O problema é que esta irritação nos afasta da graça do filme a ponto de eu ter no máximo, abrido um sorrisinho tímido em algumas cenas pontuais.
Por outro lado, o filme possui uma construção visual interessante (como as já citadas acima), especificamente na utilização simbólica de duas cores , refletindo as duas personas de Kelp: enquanto o verde aparece dominante em cenas que o professor Kelp prepondera (sua sala está repleta de lousas e estantes verdes, e até mesmo seu carro ou o gramado da universidade completam essa composição), o azul aparece em Buddy Love ou na tentação de transformar-se nele (o primeiro momento que a cor aparece com força é justamente no vestido de Stella. Da mesma forma, a primeira vez que ele se transformará em Buddy Love, ele aparecerá num paletó azul e irá para um lugar afastado com Stella no carro azul dela). No entanto, o momento mais impressionante do uso do azul ocorre justamente após sua revelação frente a toda escola: desiludido com as escolhas que tomou, Kelp fica sentado, enquanto que ao lado vemos uma espécie de tapume que o separa de uma caixa da cor azul. Este sutil corte reverbera todo o discurso que Kelp acabara de fazer (aceitar ser a pessoa que é, e não viver de ilusões (caixa azul/Buddy Love)).
Chegado a este ponto, vemos Stella finalmente se decidindo por algo e revelando o seu amor por Kelp e desgosto por Buddy Love. Mesmo ao decorrer de uma processo doloroso, O Professor Aloprado (1963) ainda consegue trazer uma conclusão significante até que Lewis decide lançar uma graça final. Reconfortando Kelp pela forma como os pais se utilizaram de sua fórmula, Stella vai em direção à porta ao que podemos ver duas garrafas do produto dos pais de Lewis presos à calça dela. Pausa. Há alguns minutos atrás, Stella fazia um discurso amoroso em que mais do que o que via por fora, o mais importante é o que havia por dentro. E não só, ao final do filme, Stella enfim declara todo o nojo que tem por Buddy Love, e aí simplesmente pega as garrafas, não só desmerecendo a confiança que Kelp havia posto nela, como também querendo retomar a relação que teria com Buddy Love. Bem, se isso não for incoerente com o desenvolvimento da garota, é no mínimo, repugnante, assim como a comédia do filme.
Jurassic Park III
3.1 488 Assista AgoraSPOILER DETECTED!!!
Mesmo diante de um sucesso estrondoso de bilheteria, O Mundo Perdido: Jurassic Park (1997) não recebeu as mesmas críticas positivas que seu predecessor. Além disso, o grande esforço direcionado à criação de A.I. Inteligência Artificial (2001), talvez expliquem o porquê de Spielberg ter deixado a saga. Coube então a Joe Johston, diretor de clássicos para a família como Querida, Encolhi as Crianças (1989) e Jumanji (1995), nos levar mais uma vez ao mundo dos dinossauros; felizmente, o filme cumpre seu papel.
Convencido de que nunca mais voltaria a ver dinossauros, Dr. Alan Grant (Sam Neill) é mais uma vez comprado pela possibilidade de continuar suas escavações (por conta disto, ele perceberá mais tarde quão hipócrita seu sermão para com Billy (Alessandro Nivola) fora) por um casal de charlatões que, na verdade, buscam seu filho. Através de um roteiro muito mais simples que o do segundo filme, Jurassic Park III (2001) consegue estabelecer algo que o primeiro filme havia feito com muita maestria, desenvolver suas personagens de uma forma fluida e interessante.
Dessa forma, é deslumbrante perceber, por exemplo, como Amanda (Téa Leoni) transformando-se de uma mulher histérica (gritando a cada novo dinossauro), a uma mais controlada e ciente do ambiente em que se encontra, ou como tanto Paul (William H. Macy) quanto Billy tentam se redimir heroicamente de ações anteriores (Paul enganando os paleontólogos e Billy roubando os ovos). No entanto, o desenvolvimento mais interessante se dá justamente por parte de nosso protagonista. Logo no início do filme temos um choque ao perceber que a criança com que ele brinca não é seu filho, e mais do que isso, que ele se separara de Ellie (Laura Dern). Mesmo aparentando tranquilo com a nova relação de sua parceira, Alan não confia nela (como é expresso tanto quando Ellie fala que ele guarda os problemas para si mesmo, como quando o próprio Alan fala que nunca verbalizou o quanto ela representava a ele). Além disso, é notável sua repulsa ao que foi o parque dos dinossauros, ou mesmo aos próprios dinossauros (como Erik (Traver Morgan) mesmo diz). Por conta disto, é incrível não só ver a revalorização de suas amizades, como também a de uma revitalização de seu carinho pelo mundo que estuda (expressa em cenas agradáveis e imponentes, mostrando a beleza dos dinossauros). Talvez a maior expressão deste sentimento esteja no monólogo do astrônomo e do astronauta, uma vez que ele é ao mesmo tempo respeitoso e temerário com estes seres.
Além disso, é aliviante perceber como Alan não prevê todos os ataques dos dinossauros (como o protagonista do segundo filme faz), quebrando grande parte do suspense. Muito pelo contrário, sabendo utilizar dessa artimanha em momentos pontuais, a força do suspense vem muito mais forte, como no momento em que ele se depara com ovos de Velociraptors. Um outro agravante decorre do fato dos dinossauros não servirem como meros coadjuvantes (como mais uma vez, ocorre no segundo filme), aparecendo e desaparecendo à medida que lhes convém. Pelo contrário, temos um processo gradativo, em que se explora um dinossauro ao máximo até passarmos para o seguinte. Juntamente com isto, há um trabalho muito bom de composição da personalidade dos dinossauros, uma vez que Alan pontua trejeitos que não precisarão ser repetidos para o entendimento da cena (quando um T-Rex vai embora ao surpreender as personagens imóveis sobre os montes de bosta, já sabemos que os T-Rex não percebem indivíduos parados). Por conta disto, cenas como as do Velociraptor atrás do tubo com líquido verde vem com muito mais força, visto que o inesperado funciona tão bem com todo o desenvolvimento de suspense criado até o momento.
Os efeitos especiais também são melhores que (adivinhe!) o segundo filme, embora o primeiro ainda contenha os melhores detalhes, trazendo novas espécimes como o pterodátilo tão imponentes como os T-Rex ou os Velociraptors. Mas mais do que os efeitos especiais, a minha maior crítica recai justamente a algumas cenas de ação do filme. Prezando por quadros mais fechados, muitas vezes não temos a dimensão dos dinossauros e da ação que acontece (como na cena em que as personagens fogem dos Velociraptors, correndo junto a outros dinossauros (cabe aqui uma cena que é melhor feita no segundo filme)). No entanto, são as cenas tremidas, principalmente no início do filme, que parecem acompanhar os grunhidos dos dinossauros que mais incomodam, uma vez que não conseguimos entender para onde as personagens estão correndo.
Embora não possua a mesma potência que o primeiro filme, Jurassic Park III faz jus à franquia, trazendo uma composição e desenvolvimento de personagens sólida, dinossauros com papeis mais incisivos e uma criação de suspense eficaz. Mas mais do que isso, o importante é que Jurassic Park III nos faz lembrar tanto do êxtase ao nos depararmos com os primeiros dinossauros da ilha, quanto do temor ao vermos o poder destrutivo dos mesmos, nos fazendo assim como Alan, respeitar este gigantesco mundo.
O Mundo Perdido: Jurassic Park
3.5 612 Assista AgoraSPOILER DETECTED!!!
Diante do estrondoso sucesso de Jurassic Park - O Parque dos Dinossauros (1993), estava mais do que claro que uma sequência estava por vir. Em pouco mais de 6 anos, Steven Spielberg nos trazia então, O Mundo Perdido: Jurassic Park (1997). Diferindo em pequenos detalhes da lógica de seu predecessor, cientistas serão enviados para dessa vez preservar, ao invés de explorar. A diferença é que após suas falidas tentativas do passado, John Hammond (Richard Attenborough) terá perdido não só seu prestígio, como também seu cargo administrativo na InGen. Dessa forma, todo o conflito nascerá da postura de Peter Ludlow (Arliss Howard), que assim como Hammond, verá a inovação com uma forma fácil de lucrar. Diante da ganância humana, a natureza retrucará com o descontrole típico dos dinossauros. Dito isto, é pungente dizer que o filme retomaria os (incontáveis) acertos de seu predecessor, melhorando-os. A "leve" diferença é que O Mundo Perdido: Jurassic Park fará exatamente o contrário.
Logo após uma cena inicial de suspense (que em níveis comparativos com o primeiro filme, é ridícula), nos inteiramos de quem será o protagonista dessa sequência: Dr. Ian Malcolm (Jeff Goldblum). Tendo tido momentos heroicos e sendo o principal alívio cômico do primeiro filme, a escolha parecia a mais promissora, se sua participação não fosse tão desinteressante. O problema não está no seu ceticismo ou seu sarcasmo (elas são tão eficientes quanto o presente no primeiro filme), mas sim no desenvolvimento por que passa: das poucas vezes que Ian esteve em cena (visto que o filme abrange o desenvolvimento mais profundo de diversos coadjuvantes), a grande parte delas o apresenta como um profetizador dos ataques que ocorrerão (e é claro, ele sempre estará certo). A verbalização em si não é algo ruim, já que isso pode denotar o terror da personagem, o problema é quando essa artimanha é usada a todo momento, quebrando todo o suspense visual da cena (veja por exemplo o primeiro ataque do T-Rex no primeiro filme: o suspense não vem da fala de alguém dizendo "Olha o T-Rex!", mas sim dos elementos fílmicos que o cerceiam, como a ausência da cabra, o grunhido ou os passos do dinossauro).
Um outro erro estrondoso do filme está em seus efeitos visuais, visto que em diversos momentos, é claro perceber que os dinossauros não são computadorizados. Talvez este fosse o ápice da tecnologia na época, mas se compararmos mais uma vez com o filme anterior, parece que o O Parque dos Dinossauros é mais recente que O Mundo Perdido. Não vou negar que o primeiro filme também não tenha momentos mais irreais (principalmente as cenas com os brontossauros), mas neste segundo filme, temos também o mesmo problema com os dinossauros de maior porte, mas ao mesmo tempo, temos uma cena horrível (em seus aspectos técnicos, pois a edição é bem eficaz) de precipício e explosão, e pior, um fundo na High Hide totalmente falso. Erros como estes podem até serem perdoados em filmes de menor orçamento, mas num filme do calão de Spielberg não. Referindo-se ainda aos dinossauros, fiquei tremendamente desapontado em ver o uso aleatório dos T-Rex, que apareciam para dar tensão, sumindo da mesma forma (na cena do precipício, os T-Rex vem buscar o filhote, e vão embora (diferentemente do primeiro filme, em que desde o princípio fica claro que os Velociraptors são inteligentes e sabem se adaptar, abrindo portas, por exemplo, em nenhum momento é dito o porquê desta atitude -> um T-Rex não age através de seu instinto?), depois retornam para empurrar a estrutura, sumindo de novo, aparecendo mais uma vez no final para atrapalhar o trabalho de Eddie (Richard Schiff), matando-o e sumindo agora de vez).
Tudo isto nos leva ao principal problema de O Mundo Perdido: Jurassic Park: seu ritmo. Numa das cenas mais belas do filme, acompanhamos num quadro aberto e distante, a movimentação de Velociraptors pelo mato alto, cercando os combatentes. Nesses breves momentos, podemos de fato identificar alguns traços de genialidade de Spielberg. O problema é que o suspense criado até então (reitero uma última vez, perfeita no primeiro filme), não está em seu ápice, sem contar que esse breve enquadramento ocorre em questão de segundos, não aproveitando a completude da composição. O ritmo é também prejudicado pela ausência do tema que aparecerá magistral ao final do filme, fazendo com que o inicial maravilhamento dos cientistas seja não só defasado pelos comentários céticos de Ian, como pela falta de vigor de uma trilha sonora embalante. E por fim, num total desleixo, somos jogados de um final de um filme para o início de outro, numa falha tentativa de reprodução de Godzilla ou King Kong. Tudo isto acaba por ser desnecessário e apressado, tendo como única explicação, o desejo de Spielberg em terminar o ciclo de forma feliz.
O Mundo Perdido: Jurassic Park é um projeto que tinha recursos e ideias para dar certo, mas que é sucumbido ao brilho do primeiro filme por empregar personagens fracos, juntamente com uma falta de carisma, efeitos e, principalmente, ritmo, comprometendo assim, o produto final como um todo.
Jurassic Park: O Parque dos Dinossauros
3.9 1,7K Assista AgoraSPOILER DETECTED!!!
Temos aqui uma premissa simples: após desenvolver a tecnologia necessária para ressurgir com os dinossauros, um velho empreendedor tentará implementar um inovador "dinológico". A única barreira que separa o sonho da realidade vem da aprovação de um grupo de cientistas. Seja por conta da natureza dos dinossauros, ou seja pela ambição humana, o parque acabará dando errado, tornando a empreitada dos cientistas, uma grande luta por sobrevivência. Embora suplantado num clima familiar (momentos de grandes descobertas são alternados por debates em relação a crianças e unidade familiar, além de uma trilha sonora que ocasionalmente enfatiza a tranquilidade), Jurassic Park - O Parque dos Dinossauros (1993) dá sinais de alerta desde seus primeiros minutos (quando vemos a dificuldade de fazer um Velociraptor entrar em sua jaula, pontuado muito bem pelo clima de tensão decorrente dos cortes rápidos e planos fechados que prezam recortes do dinossauro, dando um tom ainda mais pitoresco à criatura).
Acompanhando a sucinta narrativa, teremos personagens bem caricatos de modo a seu desenvolvimento psicológico fique bem demarcado conforme prosseguimos no filme. Dessa forma, teremos o velhinho visionário que prefere o sucesso à família (John Hammond (Richard Attenborough)), o advogado mercenário que vê a vida em notas monetárias (Gennaro (Martin Ferrero)), o programador gordinho desamparado com a vida que leva (Nedry (Wayne Knight)), o neo-cientista, tanto em suas ideias quanto em seu modo galante de ser, mas que também vê a vida em teorias (Dr. Ian Malcolm (Jeff Goldblum)), o paleontólogo que tenta provar a importância de seus estudos, ao mesmo tempo que reprova qualquer investida de sua mulher em ter filhos (Dr. Alan Grant (Sam Neill)), e por fim, a sorridente e forte paleobotânica que já traz alguns traços feministas (Dr. Ellie Sattler (Laura Dern)). É claro que as repetições de frases como as de Hammomnd ("Não poupamos despesas"), ou de Nedry ("Isso é a Teoria do Caos") demarcam ainda mais o processo de desenvolvimento sofrido por tais personagens, uma vez que elas desaparecerão quando seus donos estiverem mudados ("Pegar um jipe e buscar meus netos", Hammond). Diante disto, Jurassic Park é um ótimo exemplo de um exercício de clichês, visto que o importante não é o que cada personagem se tornará, mas como ele chegará até lá (em filmes ruins, o foco é justamente na relação inversa, tornando a obra apressada e sensabor). Por conta disto, é impressionante como o cansaço de Alan e das crianças possa ser transposto visualmente para o acúmulo gradativo de sujeira em suas roupas, ou como o nervosismo de Hammond seja figurado no desarrumado de seus cabelos.
Por outro lado, é magnetizante perceber como tanto a tecnologia empregada na composição dos dinossauros, quanto a vigorosa trilha sonora (a primeira vez que ouvimos o tema, o filme mostra as encostas e vegetações da ilha, e mesmo assim é de tirar o fôlego. Em outro momento, a trilha acompanhará o demorado abrir dos portões de Jurassic Park, criando uma crescente ansiedade por vermos a gigantesca porta totalmente aberta e, consequentemente, o que há dentro) ajudam a dar vivacidade ao filme. Talvez com exceção dos brontossauros, todos os demais dinossauros parecem tão reais quanto animais comuns vistos em um zoológico. É lindo ver o trabalho de textura das couraças dos dinossauros, ao mesmo tempo que trememos ao leve grunhido de um T-Rex. No entanto, mais importante que isto é ver a perfeita criação do suspense em cenas que alongam-se antes de mostrar de fato o bicho, como o momento do ataque na cerca do T-Rex (ouvimos os passos, o balançar da água no copo, os fios elétricos estourando, restos da cabra, o grunhido e detalhes do corpo para então nos depararmos com a gigantesca espécime sobre o carro), ou do ataque na cozinha dos Velociraptors (com câmeras que pegam grandes distâncias, ao mesmo tempo em que as crianças aterrorizadas são enquadradas, vemos os dinossauros ao fundo, dando noção da proximidade do perigo).
Por muito mais que contar, mas sim nos fazer imergir no ambiente da história, Jurassic Park é um exemplo de como é possível juntar uma grande ideia a uma simples história através de uma montagem e ritmo de filme impressionantes, estabelecendo-o dentro dos melhores blockbusters já feito.
Casablanca
4.3 1,0K Assista AgoraSPOILER DETECTED!!!!
"Of all the gin joints, in all the towns, in all the world, she walks into mine." Talvez uma das tarefas mais difíceis de Casablanca (1942), seja escolher uma frase marcante, já que todas elas são! A beleza do roteiro de Casablanca está justamente na alternância de frases memoráveis e sutis, tendo como possível explicação, a época em que filme fora concebido.
Diante do contexto calamitoso da Segunda Guerra Mundial, muitos dos produtores judeus de Hollywood, veem a indústria cinematográfica como não só forma de entretenimento, mas difusora de ideologias (quando não propaganda de guerra). Ao mesmo tempo, órgãos censores buscavam preservar a moral americana numa sociedade cada vez mais corrompida. Dessa união, temos um filme anti-nazista, ambientado em uma cidade repleta de meliantes que para se manter dentro dos moldes impostos, utiliza-se de diálogos sutis tão bem escritos que o transformam num perpétuo clássico.
O filme começa então se situando na cidade de Casablanca, último refúgio de europeus que buscam fugir para a América. Nada mais justo que o ponto de encontro/seguro de todos esses indivíduos seja no Rick's Cafe Americain (primeiro passo antes da América propriamente dita). Antes mesmo de conhecermos Rick (Humphrey Bogart), o filme nos apresenta a tensão de Casablanca, alternada da pompa da comitiva do Major Strasser (Conrad Veidt). O interessante é que nesses breves minutos, temos duas cenas que já mostram para o que o filme veio: logo quando Strasser sai do avião, a primeira frase do Capitão Renault (Claude Rains, personagem que dividirá com Rick, as conversas mais ácidas do filme) é "Bem vindo à França NÃO ocupada", pregando uma afronta que nenhum dos oficiais alemão percebe. Alguns minutos antes, temos a cena em que a força policial francesa mata um sujeito à frente de uma placa com os dizeres "Je tiens mes promesses, meme celles des autres. Phillippe Petain, Marechal de France" (Eu mantenho as minhas promessas, assim como mantenho as dos outros). É irônico que as promessas propostas na Revolução Francesa (Liberdade, Igualdade e Fraternidade a todos os indivíduos) sejam quebradas com a morte de um cidadão justamente à frente desta placa. E se não bastasse, a cena logo a seguir trará ós mesmos dizeres da Revolução Francesa, ao som de uma fúnebre Marselhesa, em contrapartida com a imponente do início do filme.
Após termos a composição da caótica cidade de Casablanca, nada mais justo imaginarmos um Rick preocupado e ansioso com toda a situação que o rodeia. No entanto, o que vemos é uma pessoa sóbria, calculista e totalmente à parte das tensões dos clientes. A frieza de Rick chega a assustar, quando o vemos falar sobre a venda de humanos com a maior cautela, ou acompanhamos sua sombra pegando dinheiro do cofre, ou mais ainda, tratar com desdém o clamor de ajuda de Ugarte (Peter Lorre). Dito isto, é interessante perceber como o filme desvencilhará pouco a pouco a imagem racional de Rick, a ponto de torná-lo ainda mais misterioso e complexo.
Nesse meio tempo, Rick se reencontrará com o maior amor de sua vida ao som de "As Time Goes By", numa das cenas mais belas e, ao mesmo tempo, tristes do filme. Juntamente com Victor Laszlo (Paul Henreid), Ilsa (Ingrid Bergman) fará com que Rick repense em todos os princípios, deixando-o não somente transtornado como também dúbio em suas ações. Rick será então expressão máxima de um dos temas mais importantes do filme: a dualidade do ser humano em períodos de crise (seja emocional ou de guerra).
Embora Casablanca ainda não faça parte dos domínios nazistas, a tensão do lugar obriga todos os indivíduos a se portarem dentro de uma sociedade de aparências, caso queiram sobreviver. Dessa forma, um dos maiores conflitos será justamente a dualidade do sentimental contra o dinheiro/pragmatismo ("Eu te amo, mas ele é quem me paga.", quando Sascha (Leonid Kinskey) nega a Yvonne (Madeleine Lebeau) uma nova dose). Mas o conflito mais recorrente do filme se dá na dualidade do amor e da guerra:
- "The Germans wore gray, you wore blue." - Rick;
- "Was that cannon fire, or is it my heart pounding?" - Ilsa;
- "I love you so much. And I hate this war so much." - Ilsa;
- "If we leave it that way, maybe we will remember those days, and not Casablanca" - Rick;
- "Apparently you think of me only as the leader of a cause. Well, I'm also a human being." - Laszlo;
- "You was alone?
I was." - conversa de Laszlo e Ilsa (pode ser tanto que Ilsa estava sozinha sentimentalmente com a "morte" de Laszlo ou que ela estava sozinha diante dos avanços nazistas);
- Num dos momentos mais sutis do filme, uma garota pergunta a Rick se Renault de fato aprovaria salvos-conduto caso ela transasse com ele. Temos aqui um dos momentos mais visíveis da antiga bondade de Rick, quando ele ajuda o marido desta mulher no pôquer para que ela não precise se submeter a este rebaixamento;
Temos ainda um outro conflito de dualidade entre a luta pelo nacionalismo e a inércia pela sobrevivência:
- Rick lutou num passado na Etiópia e contra fascistas na Espanha, mas mais tarde quer se ver longe de qualquer conflito político. Isso pode ser explicado tanto por querer sobreviver, como também por estar desiludido com o fim que teve com Ilsa;
- Yvonne fica com um oficial alemão para sobreviver, mas chora cantando a Marselhesa;
Esquadrinhado todos estes conflitos de dualidade, podemos enfim chegar ao fim do filme: numa série de viradas de roteiro (verbalizando o conflito que Rick passava dentro da si), Rick decide ajudar Laszlo a fugir com sua amada. E aqui cabe a pergunta: por que Rick não foge com Ilsa, se ela era o amor de sua vida? Uma possível interpretação é a de que Rick percebe que tudo que ele viveu com Ilsa tenha sido um momento em que ambos estavam carentes, decorrente de perdas inestimáveis (não sabemos por exemplo o porquê de Rick não poder retornar à América), apoiando-se um no outro, numa fuga romântica de todos os problemas do mundo. No entanto, não acredito tanto nesta interpretação porque o filme detalha-se em mostrar todo o sofrimento e rancor que Rick tem com Ilsa e com as pessoas ao seu redor ao ser deixado do jeito que foi. A minha outra interpretação cai então justamente na ideia da dualidade entre o amor e a guerra. Sabemos que Rick tem um passado militante. Em algum momento de sua vida, ele talvez estivesse desiludido com o fato de fazer o bem ao mundo, mas não conseguir fazer o bem a si mesmo. Talvez ele tenha se dado conta de que não é justo impedir o sucesso do mundo por assuntos pessoais. Assim como Renault, Rick com certeza possui alguma centelha política. O problema talvez seja que eles não queiram admitir, seja para se manterem vivos na conjuntura em que estão, ou simplesmente pelo orgulho de não se mostrarem fracos às desilusões passadas. O final de Casablanca é um final patriota, mas mais do que isso, ele mostra um desenvolvimento de personagem impressionante, já que mantém nosso protagonista tão misterioso quanto era no início. Tanto a amizade de Rick e Renault, quanto o amor que Rick cultiva por Ilsa são conturbados, sendo pincelados de vários momentos de fraquejo, sarcasmo e felicidade, mas mais do que isso, essas relações são reais, já que os momentos da vida não são planos e simples.
Para finalizar, gostaria de pontuar o maravilhoso trabalho técnico do filme, que não serve somente como um coadjuvante ao brilhantismo do roteiro, mas como um protagonista atuante a todo o universo criado. Se desde o começo do filme, os detalhes visuais e sonoros serviam como pontadas à administração dos países retratados, ela terá também um papel primordial no ritmo do filme, visto que a maior parte dele se trata de diálogos. Dessa forma, conjuntamente com a ótima composição de movimentos das personagens (em que uma angulação ou movimentação dos olhos situam a personagem em foco, como também a sua posição no salão), a edição do filme dá a vida aos trejeitos de cada personagem, preferindo cortes mais fechados do salão (a única cena forte que me vem a cabeça do salão como um todo é aquela em que Rick dirige-se à porta para receber Renault antes da chegada de Laszlo, ressaltando o vazio do salão interditado), como se dialogasse com a situação claustrofóbica/perigo de cada pessoa de Casablanca. E se não bastasse, recorrendo constantemente a linguagem visual do noir (sombras nos rostos e quadros da face que desfocam os arredores), temos a frequente sensação de que o perigo está mais próximo do que parece. Os detalhes são tão minuciosos que as duas cenas em que Rick se vê sem sua Ilsa entram em consonância: no primeiro momento, Rick entra no trem sendo engolido pela neblina, e ao final do filme, Rick e Renault andam dentro da neblina após o alçar do voo do avião. A genialidade já seria suficiente se parássemos por aqui, mas mais uma vez temos a sutileza do roteiro. Tanto ao fim da carta, quanto na última frase de Ilsa, temos mais uma vez um eco: "God Bless You". E sim, graças a Deus, Ilsa entrou no bar certo!
Mad Max 3: Além da Cúpula do Trovão
3.4 485 Assista AgoraSPOILER DETECTED!!!
Em menos de uma década, George Miller foi construindo uma saga tão majestosa e diferente, reunindo o melhor do faroeste e da ação na história de um justiceiro que ao perder tudo, decide se vingar e se isolar da sociedade. A evolução da insanidade e do ritmo de filme é crescente e de tirar o fôlego, sendo calcado por uma narrativa brutal em que as personagens tem como último recurso a fala (compare a quantidade de falas de Max neste e nos demais filmes - até mesmo no primeiro filme, quando tudo ocorre bem, Max fala menos do que aqui). Tendo visto Mad Max: Estrada da Fúria (2015), nada mais justo em imaginar este terceiro filme como o ponto máximo em que Miller poderia ter chegado na década de 80. No entanto, o que temos é um simples e desinteressante Mad Max: Além da Cúpula do Trovão (1985).
Começando pela narrativa, este é sem dúvida nenhuma, o mais ambicioso dos filmes da primeira trilogia, visto que há uma articulação mais multifacetada de duas sociedades totalmente diferentes entre si no seu modo de organização. O mais engraçado é que a composição destas sociedades é muito bem feita (desta vez quem desestabiliza a ordem é justamente Max (Mel Gibson), denotando o caráter totalmente anárquico em que nosso protagonista se encontra. E particularmente na comunidade tribal, é interessante perceber como um culto religioso/concepção messiânica pode ser desenvolvida quando não há mais nada em se acreditar), o problema é que elas não funcionam juntas.
Algo feito com muito sucesso nos dois primeiros filmes foi criar uma edição dinâmica que nos situava tanto no que Max quanto no que os vilões faziam. Neste terceiro filme, o vácuo de aparição das personagens de Bartertown na segunda parte do filme cria um desinteresse quando de fato haver o reencontro. Não bastando, a saída que o roteiro encontra para unir as duas partes é severamente desleixada: Max acredita que a única saída é dirigir-se a Bartertown e resgatar The Master (Angelo Rossitto). Pausa. Em nenhum momento do filme, ficamos sabendo do porquê The Master os salvaria. O que nos leva a um outro gigantesco problema do filme: a falta de coerência e necessidade de algumas personagens.
Qual é a necessidade de um líder tribal que só reverbera as ideias de Max, e mais do que isso, não possui nenhuma tomada de decisão ou de importância para o desenrolar do filme e, simplesmente não só não ajuda Max a resgatar seus colegas, como também some do filme? Por que raios Jedediah (Bruce Spence) decide cooperar na fuga, se ele nem é ameaçado por Max, como também não possui nenhuma rixa com os habitantes de Barbertown? No entanto, a maior falha de roteiro é com certeza a decisão de Aunty Entity (Tina Turner) em deixar Max vivo. Há um minuto atrás ela não queria todos os fugitivos mortos? Essa inconsistência nas ações torna as personagens e os conflitos totalmente desinteressantes.
Em relação a aspectos mais técnicos, Miller prefere tomadas mais longas que prezam por uma maior dimensionalidade dos ambientes, transpondo toda sua estética para as cenas de ação muito bem coordenadas. Sendo assim, o problema não está na composição, mas sim na falta de cenas de ação (temos a cena do Thunderdome e a perseguição de carros ao final do filme), desapontando a marca dos outros filmes, em que a construção frenética substituía a sobriedade das falas. Para piorar ainda mais, temos uma péssima trilha sonora, e nem falo da total incongruência de implantar um estilo pop a um mundo pós-apocalíptico. O maior problema é que mesmo em cenas de ação, existem momentos seguidos de uma trilha mais solta e leve que quebra toda a tensão visual.
Mad Max: Além da Cúpula do Trovão junta a ideia de roteiro de dois filmes em um, criando personagens confusas e desinteressantes. O mais hilário disso tudo é que tentando dar um tom de sobriedade e rigidez a todo o espetáculo de horrores antes visto, temos um final duro e sério (mesmo que esperançoso) que faz tudo ficar pior ainda.
Mad Max
3.6 723 Assista AgoraSPOILER DETECTED!!!
A cena inicial de Mad Max (1979) resume o ritmo crescente, insano e misterioso que permeará toda a saga: ao mesmo tempo que acompanhamos a fuga de dois maníacos numa empolgante perseguição de carros, conhecemos através de enquadramentos bem fechados (a mão no volante, os óculos, as botas) o nosso protagonista. Esta cena é genial pois consegue balancear a histeria frenética dos meliantes e a sobriedade inquisidora de Max (Mel Gibson) perfeitamente, fazendo nos aproximar automaticamente do último. Acabada a cena, não só temos certeza de que Max é o nosso herói (uma ideia que será constantemente questionada pelo próprio personagem), como também o consideramos a força legisladora suprema. O interessante é que nos minutos seguintes, George Miller desconstruirá toda a imagem truculenta que tínhamos dele, mostrando um lado mais emocional perto da mulher e do filho. Independentemente da forma em que ele é apresentado, uma coisa é certa: Max é o personagem mais humano do filme, e essa caracterização é importante para acentuar o destino final dele.
Dentre os filmes da primeira saga (ainda não vi o terceiro), este é o meu preferido pois apresenta não só um modo anárquico de se conduzir as cenas de ação (tendência que será acentuada a cada novo filme), como também um desenvolvimento de personagem primoroso. É certo que o segundo filme possua cenas de ação superiores, mas sinto que a brutalidade psicológica de Max é muito mais imponente neste primeiro filme, decorrente de tudo que lhe acontece.
Tentando agir pelo bem da sociedade como um típico herói, Max verá sua vida desmoronar aos poucos (perde o amigo, a mulher e o filho). É certo que antes mesmo destas perdas, Max denotará sinais de receio e medo em continuar. Talvez todos estes problemas provém justamente do fato de ele ser o menos insano dos indivíduos de seu meio. A ideia aqui é que não adianta legislar só com compaixão e pela sensação de dever cumprido; o sujeito tem que ter o mínimo de malícia para prever possíveis desastres e, por conseguinte, resolvê-los, antes que estourem. O triste é também perceber como não há justiça mesmo em conflitos que envolvam os próprios indivíduos que a regem. Se a justiça não consegue resolver os problemas dos próprios justiceiros, nada mais justo que os próprios justiceiros se desiludam com seu papel. Onde não há justiça, não há heróis e vilões, mas sim um jogo alternante entre quem terá o papel de gato e de rato. Num mundo anárquico como este, Max não conseguirá nem suprir as necessidades das leis, nem contestá-las. Dessa forma, Max negará tudo e todos e viverá a sua sobrevivência.
Um detalhe de composição muito interessante, é perceber como as roupas, o semblante e a quantidade de falas de Max se transformará com o tempo. Antes das diversas mortes, Max vestirá até mesmo uma roupa social, parecendo um pai de família. Seu semblante perante a família é sempre alegre e cativante, mesmo diante de alguma adversidade, comunicando-se tanto com seu chefe ou com sua mulher. Conforme perde seus familiares, numa cena em que nem os vemos uma bolinha e um sapato jogados ao relento, como se exprimisse que dali em diante toda a delicadeza tenha sido deixada em troca da estrada, Max não só se manterá permanentemente com sua roupa preta de trabalho, como seu rosto ficará cada vez mais sujo de poeira e sangue, sem que ele se importe em limpar e suas falas tornarão cada vez mais monossilábicas. A fotografia com tons de marrom sempre muito chapados, darão um tom desregrado e abandonado não só para os ambientes do filme, como também para o progressivo isolamento de Max.
O ápice de sua loucura/insanidade, quando Max se tornará de fato Mad Max é justamente em seu reencontro com Johnny the Boy (Tim Burns). Pior do que simplesmente matá-lo, é deixá-lo definir seu destino. Se destrincharmos a cena um pouco mais, é sutil perceber que o destino de Johnny the Boy estará também regrado à combustão da gasolina/petróleo. Se formos comparar com o início do filme, em que temos o petróleo como um dos bens mais valiosos para a perpetuação da existência, é irônico ver que o mesmo petróleo definirá se Johnny the Boy morrerá ou não. Em outras palavras, o petróleo tanto gera quanto tira a vida. Voltando ao fim de Max, cabe a pergunta: será que Max não se tornou tão ruim quanto todos os sujeitos que ele antes perseguia? Se a resposta for sim, o mundo está perdido, pois até mesmo os bons se desvirtuam. Por outro lado, se a resposta for não, temos que considerar que não existe o bom ou o ruim num estado anárquico; existe o instinto, a sobrevivência. E neste caso, retomo a ideia que elenquei logo no começo do comentário: se todos tiverem a malícia necessária para se perpetuarem, como será nosso mundo?
Mad Max: Estrada da Fúria
4.2 4,7K Assista AgoraA cada novo filme da saga Mad Max, George Miller consegue trazer uma faceta diferente e mais insana deste mundo apocalíptico (falo isso sem ter visto o Mad Max: Além da Cúpula do Trovão (1985)) que não só empolga, como também perpetua o inédito a cada nova aventura. Dessa forma, juntamente com Kingsman: Serviço Secreto (2015), Mad Max: Estrada da Fúria (2015) renova mais do que simplesmente o universo fictício em que se encontram, renovam os filmes de ação num dos melhores anos que o gênero já pôde ter.
Seguindo a premissa básica de um mundo pós-apocalíptico em carência d'água e gasolina, os seres humanos remanescentes precisarão se unir ou subjugar às facções para que consigam sobreviver. Diante de toda esta discussão, temos um "protagonista", Max (Tom Hardy), que prefere viver isoladamente devido a motivos obscuros do passado (o interessante aqui é que tanto saber quanto não saber tal motivo trazem perspectivas sombrias. No primeiro caso, seu passado horroroso explica seu anarquismo, e no segundo, a ausência de explicação cria uma personagem perturbada com lapsos de loucura - ou seria sanidade, já que o filme é de loucos - que dão ainda mais profundidade à índole de Max). Desde já, o filme acerta em compor uma narrativa em que embora tenhamos um lado por qual torcer, não possua personagens que podemos classificar como boas. Remetendo aos velhos faroestes, Mad Max é tão mal quanto seus antagonistas (uma ideia muito poderosa em Meu Ódio Será sua Herança (1969)), dando-se ao prazer de matar personagens importantes pelo bem de uma conclusão mais verossímil.
Mesmo não tendo uma profundidade de tema tão grande quanto a do primeiro Mad Max (1979), este quarto filme insere ideias capitalistas e imperialistas (sendo bem forte no epílogo de explicação do mundo, como nas sutis referências a grandes empresas - McBanquete ou Aqua Cola) no universo mais anarquista imaginável, elucidando a característica inerente dos seres humanos de posse (presente também na divisão em classes sociais da Citadela). No entanto, o tom feminista é talvez a mensagem mais presente da obra, ganhando muita força na delicada mescla de cenas de emponderamento da mulher (como a das paredes pichadas à leite ou das de ação, comandadas por Furiosa (Charlize Theron)) com outras de extrema sensibilidade de Furiosa (embora a mais ruidosa, a mais tocante também, sendo assim, a personagem/protagonista mais humana do filme).
Se num filme de ação desenfreada de mais de duas horas não tivéssemos um cuidado de ritmo e composição de cena, teríamos nada mais, nada menos que um filme à la Michael Bay, nos cansando rapidamente. Felizmente temos George Miller. Utilizando-se de conflitos cada vez mais impetuosos e viscerais, Miller emprega desde câmeras aceleradas que só intensificam a sensação de loucura, como de planos abertos que dão maior plenitude da geografia e posicionamento das personagens, essenciais para o sequenciamento da ação. É maravilhoso ver também que Miller prefere tomadas mais longas aos incessantes - e horríveis - cortes, nos proporcionando não só menos dor de cabeça (principalmente em 3D, embora aqui a tecnologia valha muito a pena ao vermos diversas sequências em que a profundidade em três dimensões enaltece ainda mais a distância dos carros, lanças e bombas), como também mais emoção com a capotagem e explosão dos carros, simplesmente por termos acompanhado toda a investida deles contra nossos heróis. Um outro ponto fortíssimo aparece no design de produção (tive a sensação de artificialidade uma única vez ao final do filme), com carros diversos (e graças a Deus, carros com proteção nos pneus) e filtros laranjas (diurnos) e azuis (noturnos) que intensificam tanto a aridez quanto a desolação dos locais.
Mad Max: Estrada da Fúria é a prova de que filmes podem funcionar maravilhosamente bem através de sua linguagem visual (o que Gravidade (2013) fez há pouco tempo atrás), desde que bem conduzidos. Citando um colega de cinema, "se há uma palavra que resuma o filme, ela seria "poucas"". E que bem esse tom sintético faz ao filme!
O Demônio das Onze Horas
4.2 430 Assista AgoraSPOILER DETECTED!!!
Pierrot le Fou (1965) ou O Demônio das Onze Horas (por quê?) segue a onda (New Wave Francesa) de uma nova forma de sensação cinematográfica provinda da França: a Nouvelle Vague. Através de temas casuais do cinema, diretores como Godard, Truffaut ou Chabrol tentam articular narrativas com um baixo orçamento, repletas de experimentações técnicas (muitas vezes quebrando paradigmas do fazer cinema clássico), nos proporcionando uma obra final praticamente cubista; é claro que o filme possui uma história (Marianne (Anna Karina) é perseguida por traficantes de armas da Argélia, reencontrando Ferdinand(Jean-Paul Belmondo), seu antigo caso amoroso, que cansado da vida burguesa pacata e sensabor decide acompanhá-la na expectativa de uma vida de aventuras), mas o interessante nele decorre justamente de seus momentos (como no Cubismo, deve-se analisar pedaços separadamente).
Todo o segmento anterior à fuga de Ferdinand expressa a artificialidade de uma vida burguesa em meados da década de 60. Ferdinand está totalmente à parte de sua família, lendo com olhos de criança algo que é totalmente desinteressante a sua mulher. Esse deslocamento de Ferdinand e sua filha é representado quando a mulher não aparece enquadrada junto a eles, sendo substituída pela sua bunda (o que mais tarde será criticado na reflexão da revista). Saindo do banheiro, Ferdinand com sua explosão de cores parece desarmonizar com a ordem estética monocromática do quarto e da mulher. O interessante é que essa monocromia aparecerá na gravata de Ferdinand na primeira vez em que ele se encontra com Marianne, simbolizando a amarra que ele possui para com o casamento. Até aqui temos um retrato estético bem organizado, não fugindo muito de um cinema-padrão. No entanto, conforme Ferdinand vai se conformando com o fato de não estar satisfeito com sua vida (tendo seu ápice quando o diretor de cinema fala que sua arte é algo tão forte como o amor), o filme começa literalmente a despirocar. As cores monocromáticas que representavam uma ordem, agora ecoam em cada novo quadro como se estivessem ridicularizando a esta ordem que tanto prezam. Em uma outra interpretação, podemos afirmar que as personagens vistas sob as luzes são planas e desinteressantes para Ferdinand, explicando o fato dele estar sempre querendo fugir de cada novo quadro, visto que ele é um personagem bem mais complexo e esférico. Estando finalmente a sós com Marianne, Ferdinand estará suficientemente certo de que não há nada a perder caso suma numa fuga romântica.
A partir daqui, a ideia de momentos deve ser analisada mais do que tudo. Primeiramente, temos diversas situações em que Godard cita um ou outro artista (Velázquez, Magritte, Shakespeare, Rimbaud – este último é interessante pois depois de brigar com seu mentor, ele decide ir vender armas na África, dialogando com o plano de fundo do filme). Há também várias ideias políticas, desde a sátira ao humor raso dos americanos (“Oh yeah! Hollywood!”), passando por uma afirmação nacionalista (vemos as cores - quando não a bandeira – francesas juntas, por exemplo, nos letreiros em néon) e à crescente difusão da cultura americana (com a Coca-Cola, Hollywood ou a Esso – o foco no SS e o tigre lunático podem remeter à força cultural que a Alemanha possuía antes dos EUA) até a uma encenação da Guerra do Vietnã (talvez esta cenas não sejam tão politizadas, essa em específico, pois vale ressaltar que antes do conflito americano no Vietnã, quem colonizava a região era a própria França). E é claro que temos também referências cinematográficas (a mais marcante se dá na luta entre Marianne e o anão, em que a primeira lembra a cena do corte do olho de O Cão Andaluz (1929), e o segundo aponta a arma como ocorre na cena mais famosa de O Grande Roubo do Trem (1903)).
Talvez as cenas mais interessantes ocorram justamente quando Godard brinca com os aspectos técnicos do cinema. Em certo momento quando Ferdinand liga o rádio e automaticamente se sente num ambiente totalmente diferente do que eles se encontravam, passamos de um enquadramento dos rostos deles para a nuca deles e o que eles veem. Nesse mesmo momento, a música recomeça, como se iniciasse uma nova visão de mundo, e troca-se o paletó de Ferdinand por uma roupa praieira listrada. A cena em que roubam um carro do posto também é impressionante, já que vemos uma trilha sonora que contrasta o suspense do furto com a banalidade da ação na alternância de sua presença ou não (é nesta simples cena em que vemos a importância da trilha sonora para a composição de emoção num filme, como o diretor da festa macabra já havia falado no início do filme). É notável então que a lógica não linear é destrinchada ao máximo (quando o casal decide abandonar e queimar o carro, vemos uma ponte no meio do nada, e um carro estropiado num poste. Se lembrarmos alguns momentos atrás, havia uma cena romântica em que os dois combinavam o suicídio, pulando da ponte, mesmo que o carro neste momento fosse vermelho. Andando para o fim do filme, veremos que o carro azul estropiado no poste é na verdade o carro que está dentro da lanchonete em que o sujeito que foi traído conversa gentilmente com Ferdinand).
Mesmo com toda essa disparidade de sensações e temas, se formos analisar mais a fundo, conseguiremos perceber a evolução de nossas protagonistas. A pergunta mais básica, e no caso deste filme, muito complicada de ser respondida é: quem são eles? Pelo que vimos, Ferdinand faz parte da alta sociedade, conhecedor assíduo da literatura e da arte, e embora seja cético o suficiente para não achar graça nas regalias da burguesia, foge em busca de uma vida bucólica e isolada. Marianne é uma jovem ingênua e romântica que busca uma aventura e um par perfeito. No entanto, se de um lado vemos tais características bem demarcadas, vemos o total oposto em outro determinado momento: Ferdinand entra no musical de Marianne, e por mais que fuja da sociedade, acaba esporadicamente voltando à ela. Por sua vez, Marianne mostra-se uma mulher muito mais complexa ao final do filme, não só traindo, como tendo com sucesso finalizado seu plano sobre Ferdinand. Mas aí vem as perguntas: será que Ferdinand só não faz isso decorrente do amor que sente por Marianne? Mas se fosse assim, teríamos mais cenas amorosas entre os dois, pois são poucas as vezes que os vemos de fato se beijando. Mais do que isso, será que no final Ferdinand não está na verdade delirando, tentando achar uma explicação pelo fato de ter sido abandonado novamente por Marianne (visto que ela demonstrava impaciência conforme o filme andava)? Ferdinand se dirigia a Marianne no começo do filme como sobrinha de Frank, e por outro lado, Marianne repetidas vezes o chama de Pierrot. Será que eles de fato se conhecem tão bem assim, ou será que esse é aquele linguajar entre amantes? Não podemos responder nenhuma dessas coisas, pois quanto mais prosseguimos, menos conhecemos de cada uma das protagonistas.
Se pegarmos um elemento vital para o filme, as cores, talvez poderemos adentrar um pouco mais na atmosfera da obra. Se no começo, tínhamos a cor monocromática da gravata e dos ambientes como sinal de amarra social, conforme prosseguimos percebemos que as cores começam a tomar características particulares. O verde, por exemplo, aparece quando Ferdinand foge da sociedade, indo para a natureza, denotando uma sensação de liberdade. Por outro lado, Marianne, sente-se cada vez mais angustiada em estar nesse meio, fugindo para a sociedade com um vermelho cada vez mais forte. Ao final do filme, quando Ferdinand percebe que perdeu Marianne mais uma vez, usará as cores dela debaixo do paletó, como se ilustrasse o desejo que tem por ela. Quando a mata, o sangue sentencia essa paixão agora inalcançável, se enrolando mais externamente com uma dinamite vermelha, como se quisesse ir de encontro a ela. No entanto, a cor mais interessante será aquela que fará parte tanto de Ferdinand quanto de Marianne: o azul. A ideia contida nela é a de uma esperança inalcançável por algo maior, um escapismo nunca concluído; esta cor estará transparecida diversas vezes no céu e no mar como forma de diminuir nossas protagonistas, devido a sua amplitude e imensidão. Não é a toa que Ferdinand escreverá numa página azul a palavra “morte”, prenunciando a tentativa máxima de escapismo. Após seu suicídio a pergunta que fica é a seguinte: será que eles conseguiram de fato alcançar o que queriam, afinal a imagem final é a do céu com as vozes dos dois ao fundo? A resposta é mais uma vez incerta. Mas a vida é assim, não? Se tudo fosse explicadinho, qual seria a graça de viver?