Acredito que antes de falar sobre qualquer coisa do filme, seria interessante contextualizá-lo. Sendo assim, um golpe militar lança o general Augusto Pinochet em lugar de Salvador Allende, no dia 11 de setembro (data que atualmente é muito mais lembrada por uma outra tragédia) de 1973. Consta-se que existiram muitas mortes de oposicionistas no período de ditadura, trazendo muito sofrimento e angústia. Pelos anos 80, por pressão externa, principalmente dos EUA (embora eles tenham sido os principais apoiadores da campanha de Pinochet anteriormente), o Chile se vê forçado a regulamentar o governo de Pinochet, visto que um mando ditatorial nessa Nova Ordem Mundial não cairia bem para nenhum tipo de relações exteriores. Com essa abertura, muitas dissidências políticas começaram a se unir, de forma a tirar Pinochet do governo. É nessa situação em que vemos o filme, e o seguinte comentário, que terá spoilers...
Logo nos vemos com um personagem que aparenta ser bem seguro, certo do que fala, um indivíduo que parece já ter feito o mesmo discurso milhares e milhares de vezes. A seriedade no tom e nas palavras da fala de René Saavedra (Gael García Bernal) aparentam mostrar que estamos diante de uma inovação do século, enquanto na verdade estamos somente no lançamento de uma bebida (o que historicamente faz sentido, já que apoiado pelos EUA, o Chile incentivava uma política mais neoliberal, permitindo até mesmo propagandas um tanto contraditórias como a da bebida Free - liberdade, numa época ditatorial). A propaganda para a época e local eram de fato inovadoras, mas sabemos que isso é, como o próprio René diz, uma cópia, dos americanos. Aos poucos, vamos vendo a situação que assola todo o país, e mais do que isso, vemos a posição em que René vai se colocando: ele parece tentar se alienar de toda a situação, talvez por não se importar com a forma com que o governo tomará, já que sua vida se manterá a mesma (carro moderno, um dos primeiros a ter as novas tecnologias - microondas, ter uma casa bem confortável), ou mesmo por estar desacreditado do futuro, já que por já ter tido um contato com o mundo mais político, chegando ao ponto de prisão, ele acredita que toda a eleição esteja forjada. O certo é que René acaba aceitando participar da campanha do No. Por quê? Se vimos que independentemente do motivo dele, ele parece tentar se alienar da política, por que ele adentra nesta campanha? Embora tentando se alienar da política, René vive numa sociedade, e desde o ponto em que o oferecem a proposta até ele aceitar, passamos por uma série de imagens que o parecem atormentar, mesmo que minimamente. René vê sua mulher e outros manifestantes sendo fortemente reprimidos pela polícia, René sofre ameaças do chefe (mesmo que ele saiba que não será demitido, já que movimenta grande parcela das atividades, o sentimento de mostrar ao seu superior que também pode, se propugna nele), e de certa forma, René não pode negar o passado pelo qual passou. Mesmo não sendo motivos que contem fortemente para a iniciativa dele, René com certeza deve ter aceito a investida por algum destes motivos.
A partir do momento que o personagem finalmente aceita lutar pela campanha, vamos percebendo que mesmo num ambiente de alta tensão, René ainda se utiliza de seus dotes publicitários para tentar modificar o país. Quanto a escolha de René pelos oposicionistas, podemos imaginar que seja devido unicamente ao seu passado político, já que muitos logo percebem que ele não atingirá suas expectativas, desistindo da campanha. De um modo geral, analisando a própria propaganda do refrigerante, percebemos que ele não é um grande publicitário: embora o mímico seja uma de suas marcas, essa figura normalmente não é relacionada com a alegria, visto que eles normalmente mimetizam a realidade, vivem em "seu mundo"; além disso, focar mais no cantor do que as pessoas que estão apreciando o show não me parece criar uma sensação de liberdade ao público. De qualquer forma, com algumas estipulações que os partidos fazem, René consegue difundir a sua ideia de alegria e felicidade para motivar o povo a criar coragem a ter um futuro novo e diferente. Não quero discutir a eficácia das propagandas, já que historicamente sabemos que elas surtiram efeito, prefiro me ater as características retratadas no filme do personagem principal.
René, como já dito anteriormente, cria imagens de felicidade e alegria para incitar a população a se mobilizar. Sendo então o publicitário que é, percebemos que sua vida é criar simulacros da realidade para aparentar possuir certos aspectos que muitas vezes não tem. Isso de fato não é uma exceção para sua própria vida. A vida dele é quase um "American Way of Life", não? Os produtos e novidades ele tem, só falta ter a família. René pode até mesmo sentir algo por Verónica (Antonia Zegers) ou pelo seu filho, mas mesmo que tente fingir que sente, ele não parece expressar da melhor forma, o que quero dizer é que eu não gostaria de ter um pai assim, por exemplo. A vida dele é uma ilusão para os demais, para o trabalho (enquanto ele trabalha para um apoiador da campanha do Si, ele ajuda o No). O trabalho, a família representam a ele algo mais simbólico (como a publicidade é, cheia de símbolos). O exemplo que elucida melhor o sentimento dele pela família ou pela campanha é a da reunião pública do No em que a polícia começa a enfrentar algum dos integrantes, tornando-se rapidamente um pandemônio. A primeira frase que René solta é: "Porra, meu carro.". Não algo como um: "Porra, minha mulher está lá no meio" (já que ele ainda "sente" algo pela sua ex-mulher), ou "Filho, vamos sair daqui.", ou até mesmo, "Não revidem pessoas, mantenha o discurso pacífico.". Não é nada disso. Ele não liga para nada disso. A vida dele é um simulacro. Até mesmo no momento em que René aparentemente está "mais humano", que é quando ele sofre ao ver a ex-mulher com outro cara, mesmo sofrendo, ele não expressa nada a ela nem ninguém mais, e volta ao normal no dia seguinte. Nesta cena, vemos também que o trabalho dele, a campanha do No, invadiu a vida pessoal dele na figura da camisa do namorado da ex-mulher. Sendo assim, as duas coisas que deveriam ser as mais importantes em sua vida até então, estão crescendo, mas ele não está psicologicamente imerso em nenhuma das duas. E é por distanciamento que mesmo depois da derrota do ditador que René se mantém inerte ao redor da comemoração da vitória do No, que continua usando seus mesmos bordões, que prossegue vendendo da mesma forma.
Por último, mas não menos importante, alguns aspectos técnicos também ajudam a criar esse sentimento ilusório que metaforicamente envolverá toda a obra. Primeiramente, o uso da U-matic 3:4 (que dá o efeito aos pixels mais granulados e às cores mais borradas), cria esse ambiente mais antigo, até mesmo saudosista para as pessoas que viveram nessa época de júbilo, mas que também remete a publicidade, já que ela era usada com muita constância por essa profissão. A trilha sonora, composta unicamente de sons instrumentais, geralmente melancólicos, mostra esse conservadorismo (ditadura militar) ir se esvaindo. As câmeras sempre tremendo e se deslocando rapidamente e caoticamente, em que vemos as vezes personagens que estão falando não enquadrados inicialmente, levando um tempo para a câmera se movimentar ao seu foco. Todos esses cuidados criam essa sensação de um documento afetivo da época, como já dito um pouco antes, mas também, sendo artifícios da publicidade (casualidade, caseiro, dinâmica) enfatizam ainda mais esse simulacro, já que como um todo, temos um filme (simulacro 1) que conta a história de um personagem confuso (simulacro 2, como discutido acima), a partir de estéticas mais antigas (simulacro 3), que tenta a partir de telas de televisão e propagandas convencer as pessoas a acreditar nesse novo futuro (simulacro 4), retratando uma época passada (simulacro 5). Nesse momento vocês devem estar se perguntando: "Se o filme é todo um simulacro, se o personagem é também um outro simulacro, por que toda essa investida deu certo?" Porque as pessoas acreditam em ilusões. Quem nunca quis ser um astronauta, ou voar, ou procurar pela paz, ou viver feliz? Todos nós temos nossas ilusões, e gostamos de acreditar nelas, porque elas nos fazem continuar a viver, e criar novas expectativas. E é por isso que um simulacro dá certo, porque é justamente um simulacro.
Extra: algumas cenas são muito interessantes. 1) Em 1:33:53 temos a aparição de um arco-íris (símbolo do No) no meio dos embates, o que me faz pensar em duas coisas. Pensaram nisso e colocaram muito bem, ou foi simplesmente uma coincidência muito feliz. Colocar o símbolo da esperança no meio das revoltas é afirmar que embora o tempo atual (violência nunca é legal) seja difícil, tempos vindouros vão ser bem melhores. 2) Temos duas cenas que René anda de skate. Na primeira, a ditadura ainda não havia caído, então vemos um personagem andando para um ponto fixo no fundo, sem ninguém nas ruas e sem obstáculos. Logo após a comemoração da vitória do No, René anda novamente no skate, num "take" muito mais longo, repleto de pessoas, desviando de diversas coisas, com um câmera ainda mais tremida, acompanhando todo o movimento. Isso denota que as pessoas realmente foram tocadas pelas propagandas, que mesmo um simulacro (o movimento de René desviando de obstáculos representa metaforicamente essa ilusão criada para a realidade, a partir de ideias tortuosas). O semblante de René mostra que ele sabe que tudo isso foi um simulacro, por isso a expressão dele até mesmo na comemoração.
Falarei sobre o próprio Biutiful, traçando panoramas gerais com a obra de Iñárritu, então haverá spoilers (só do Biutiful)!
Para quem já viu outros filmes de Alejandro González Iñárritu, fica claro os temas com que o diretor gosta de trabalhar, tanto como a forma como ele os aborda. Um pouco diferentemente dos filmes que precederam Biutiful, este filme tem um enlace de histórias um pouco mais moderado, se concentrando em sua maior parte em Uxbal (Javier Bardem). A dinâmica de filmes como Amores Brutos (2000) e 21 Gramas (2003), em que vemos várias histórias que se cruzam num enredo maior, dando a sensação de que a vida é uma gama de relações mais complexa do que podemos imaginar, é muito mascarada nessa obra, justamente para nos impelir a sentir mais dó de toda a situação. O que nos leva a ver como Iñárritu transparece o mundo em seus filmes: o pessimismo. Desde Amores Brutos, vemos personagens frágeis, marcados por algum sofrimento passado, essa angústia de viver cada dia sem conseguir mais levar adiante; não há exceção nem às crianças, visto que elas estão imersas numa família totalmente desestruturada. Essa forma tão negativa de se ver o mundo, com o fato de ele ter crescido num país onde grande parte da cultura é influenciada por um tom altamente melodramático, acabam por criar uma obra, por vezes sensível, por outras artificial.
Nesse filme, Iñárritu tenta utilizar-se de uma dinâmica já recorrente em outras obras dele, ao contar parcelas futuras do filme, logo no início dele. A cena inicial é de uma sensibilidade imensa, já que somos colocados em 'close' com duas mãos numa cena de carinho e de falas amendoadas. A cena embora escura, tem um brilho ameno que a deixa ainda mais casual, acentuando essa sensação de aproximação. Com o decorrer do filme, vamos imaginando que esta cena retrata Uxbal conversando com Marambra (Maricel Álvarez), no entanto, pelo final do filme, somos totalmente contraditos com a figura da filha. Um detalhe importante na história do anel é outro tema recorrente na obra de Iñárritu: a continuidade das gerações. A história acerca do anel começa com o pai de Uxbal que passa para sua mulher, esta estando grávida, antes de fugir para o México. Uxbal, anos mais tarde, receberá o anel da mesma forma que sua mãe. No final derradeiro do filme, vemos que Uxbal mantém esse ciclo de continuidade. Isso é visto também nas falas de outras personagens e dele próprio ao dizerem que não querem que seus filhos tenham a mesma vida pela qual passaram (Uxbal perdeu os pais precocemente, e não quer deixar os filhos a sós no mundo como ele mesmo ficou. Ige (Diaryatou Daff) diz que o lugar de pessoas do seu "tipo" não é na Espanha, e não quer que o filho viva como o pai viveu. O filho de Lili (Lang Sofia Lin) acaba morto da mesma forma que a própria mãe). Mais uma vez, esse tema não trabalhado unicamente neste filme (em Amores Brutos o filho do irmão de Gael García Bernaz vive uma vida medíocre num lar também desestruturado. E por fim, os filhos marroquinos estão basicamente fadados a viver daquele modo que os pais viveram, e prosseguir assim ciclicamente). Essa questão determinista, de que as próximas gerações viverão conforme os antepassados viveram é outro fator que contribui para o aumento do pessimismo em suas obras.
Prosseguindo então na primeira cena, vemos todo esse clima de afago ser totalmente substituído por uma floresta coberta de neve, que costumava ser somente água salgada. Repare nessa informação: "água salgada". Uxbal desde o começo do filme infere que tem um certo temor do barulho e da própria figura do mar, não é a toa que quando chega o seu momento de morte, ele esteja num desconforto imenso, sobre o que originalmente seria o mar. Esse não é o único momento em que o mar "amedronta" nosso protagonista, para ser bem sincero, o filme inteiro dialoga com esse pavor dele, já que ao decorrer de toda a obra vemos imagens que remetem ao mar. Temos por exemplo, um adesivo de peixe na parede de seu banheiro, um aquário luminoso no quarto de seus filhos, uma parede totalmente pichada na forma de um tubarão que está prestes a engolir um barco, várias televisões mostrando baleias encalhadas, e os próprios filhos dizem que estão cansados de só comerem peixes. O filme inteiro espanta esteticamente o nosso protagonista, criando a sensação de perigo constante ao lançar imagens que remetem a esse pavor ao personagem. Outra forma de criar essa mesma sensação está presente no filtro e nas próprias cores do filme. A todo momento, vemos paredes, céus, mares, roupas e objetos pessoais na coloração azul; quando não, a própria cena tem uma iluminação pendendo para uma matiz mais azul (não é à toa que Iñárritu levou 14 meses para editar este filme). Portanto, percebemos que não é somente a angústia do personagem que nos faz sentir mal o filme todo, mas é o próprio filme que cria essa sensação, nos sufocando de imagens perigosas ao personagem. O único momento em que não vemos esse filtro azulado, ou mesmo objetos em azul é na cena em que a família parece estar melhor, tomando os sorvetes. Se formos perceber, esse é o único momento de alegria do filme todo, já que a desgraça é como se fosse a respiração de uma pessoa nesse filme.
Outro ponto importante na obra de Iñárritu é a forma como ele une camadas sociais e etnias menos favorecidas num mesmo filme (Em Babel temos os marroquinos na extrema miséria e a japonesa surda, embora eu pessoalmente ache que esse filme seja muuuuito forçado na forma como as ligações são feitas. Em 21 Gramas temos garotos de rua que são instigados a se converter ao cristianismo. E em Amores Brutos, temos um mendigo esfarrapado, além de personagens que vivem a partir da clandestinidade da briga de cachorros para sobreviver). Este filme não é uma exceção, já que vemos imigrantes chineses sendo explorados em condições desumanas, senegaleses que vivem da venda de objetos falsificados e drogas para sobreviver, além do próprio protagonista que media todas essas ligações. Além disso, eu senti algo que não havia sentido nos outros filmes: uma crítica à autoridade da polícia. A crítica é bem aparente na figura do policial corrupto, que aceita o suborno, mas ela é ainda mais forte na brutalidade com que os policiais perseguem os senegaleses, numa das tomadas mais belas de tristes do filme, e a seguir, prende os chineses. Numa época em que várias pessoas questionam o papel da polícia na sociedade, esse filme parece cair de barriga nessa crítica. No entanto, eu acho que mais do que a crítica à polícia, temos outra que é ainda mais forte, também representada na figura daquele policial corrupto: uma crítica ao sistema (Tudo bem, agora joguem as pedras em mim... eu sei que falar que há crítica ao sistema é algo já bem clichê, senão argumento de quem não tem argumento, mas aquela fala que o policial diz que ele faz isso porque de outra forma não conseguiria sobreviver me instigou bastante). Um sistema que não consegue nem dar as mínimas condições de sustento para os trabalhadores que mantém a ordem no Estado; eu acho que mostrar isso para criticar o sistema é até mais forte do que mostrar pessoas menos privilegiadas totalmente sem prognóstico de futuro.
Por fim, o enfoque espiritualista pode vir tanto das alucinações do câncer, pode mesmo ser algo que ele tenha capacidade, ou mesmo mais uma das formas que ele se utiliza para enganar os outros em troca de dinheiro. Uma coisa é certa, depois de toda essa análise, temos um sentimento dúbio em relação ao protagonista, pois ao mesmo tempo que ele é uma figura a se sentir pena, que se importa com a vida dos demais (comprando o aquecedor aos chineses, ou ajudando Ige depois da prisão do marido), vemos um cara que como qualquer outra pessoa, precisa sobreviver nesse mundo de adversidades, muitas vezes fazendo coisas que ele mesmo poderá se arrepender. Num plano maior, todas as pessoas no mundo de Iñárritu são miseráveis, e todas criam sentimentos dúbios ao espectador (sentimos pena de Ige, mas ao mesmo tempo ela deixa Uxbal e seus filhos para trás para retornar a seu marido e país de origem, para tentar recompor a vida). O que ele tenta retratar a nós é que mesmo que tentemos resolver todos os problemas antes de nossa morte e ser a melhor das pessoas que já pisaram no mundo, sempre cometeremos algo imoral, mesmo que sem a intenção, para manter a própria integridade ativa. E é isso que o final do filme retrata. Se Uxbal tivesse conseguido resolver tudo o que tentou até o fim da vida, a sua morte seria uma morte relaxada, uma morte calma, e ele não estaria entrando nesse "mundo dos mortos" num lugar totalmente azul, na presença do fantasma do pai dele que assolou seus pensamentos a vida inteira, sobre um local que antes era repleto de água salgada. Até aí a visão do filme seria bem pessimista, algo a se chorar e se perguntar o porquê da vida ser tão sem sentido assim, no entanto, Uxbal diz a última frase: "O que tem ali?". No mundo dos mortos há uma esperança, uma esperança que pode deixar de lado todo o passado triste, que no caso é retratado pelo quadro das árvores solitárias no filtro azul. E o mais incrível desse final é o fato de Iñárritu não mostrar o que Uxbal vê, fazendo então com que nós imaginemos o que nos espera não só no mundo dos mortos, como no nosso próprio futuro. A maioria das histórias com que Uxbal estava envolvido, acaba de uma maneira seca, muitas vezes sem resolução, o que mostra que essa conclusão que Uxbal queria dar aos seus problemas nem sempre é certo, e muito complicado. O filme pode pecar bastante nos 'takes' altamente melodramáticos, mas acontecimentos não tão espalhafatosos quanto os dos outros filmes fazem com que esse seja o filme de maior aproximação sentimental. O que sinto que faltou um pouco nesse filme, embora tenha tido toda essa complexidade visual, foi uma maior dinâmica nas relações entre as personagens que é perfeitamente bem feita em Amores Perros e 21 Gramas, mas que não tira o fato de este ser um ótimo filme.
Ver uma obra como essa é algo realmente complicado, e dependendo da profundidade que tentamos decupar o filme, temos opiniões diferentes. O que para alguns pode parecer simplista, pode maravilhar outros. O que farei a seguir, é expor algumas impressões acerca da técnica utilizada, do contexto histórico do filme, traçando panoramas com a situação que a Europa passava na época, e das figuras alegóricas que recheiam toda a narrativa. Cabe então a você decidir se essas imagens embelezam ou não acrescentam nada às suas impressões... (Detalhe: spoilers à vista! ;) ).
A primeira barreira que pode causar um certo estranhamento a nós é o fato do filme ser inteiramente P&B. De fato, juntando isso com o estilo de filmagem europeia ('takes' mais longos, câmeras com poucos movimentos e poucos cortes), o filme pode não agradar os mais influenciados pelo cinema hollywoodiano, mas assistir ao filme com esse pré-conceito, pode deixar passar grandes detalhes que só agregam valor à obra aos olhares desses cinéfilos mais despercebidos. A ausência de cores, quando bem trabalhada, pode criar uma sensação que o cinema atual não consegue reproduzir: a imaginação dos sentidos. No P&B, enfatizar que as maravilhosas amoras que o cavaleiro Antonius Block (Max von Sydow) degusta são roxas, nos faz criar uma imagem na cabeça de uma cor bem forte e vívida, que condiga com a formosura expressa nas palavras da atriz Mia (Bibi Andersson) ao descrevê-las. Da mesma forma que olhar para a expressão de alguma personagem no filme, nos faz imaginar o sentimento dela, a ausência das cores faz com que o ambiente seja entendido por nós de uma forma muito mais fundamentada, justamente por termos um trabalho a mais de imaginação. Outra função do P&B neste filme dialoga com o papel do xadrez no filme. É certo para todos que as cores do tabuleiro e das peças são justamente, o preto e o branco. Sendo assim, a utilização dos mesmos tons para o filme todo, indicam que o significado do xadrez se expande esteticamente para o resto da obra. Mas antes de explicar o papel do jogo de xadrez, vamos contextualizar um pouco as aflições e o que move Antonius por toda essa derradeira jornada.
Antonius, como vários outros nobres, acaba de combater em nome de Deus nas Cruzadas. E após várias batalhas, que o próprio escudeiro (Gunnar Björnstrand) considera, infrutíferas, eles começam a retornar à seu castelo. Até aí, uma história bem recorrente desde os primórdios (a própria Odisseia retrata o retorno de Odisseu à casa após as guerras da Ilíada). O que dá um diferencial à narrativa é a forma como cada personagem vai lidar com todos os acontecimentos recentes, e como vai levar a vida daí adiante. Com o acréscimo da figura da peste, que historicamente, não ocorre no mesmo momento que as pós-Cruzadas, mas que Bergman utiliza-se desse para enfatizar ainda mais o sofrimento daquelas pessoas. O então cavaleiro, desacreditado das conquistas da guerra, vendo que o sofrimento e a morte estão perto, começa a se questionar sobre seus grande feitos, sobre o conhecimento adquirido, e principalmente, sobre a religião e a existência de Deus. A vinda da Morte é tanto um sinal de alerta ao cavaleiro, como a de alívio, já que ele acreditava que a busca pelo conhecimento que ele ansiava poderia ser respondida pela figura poderosa da Morte. No decorrer de todo o filme, o cavaleiro busca a partir de tentativas diferentes confirmar que a pessoa em nome que ele lutou realmente existe, seja perguntando para a Morte, seja com a garota que diz ter falado com o Diabo, ou mesmo com o que ele achava ser o padre, mas que depois se mostra a própria Morte. Por sua vez, Jöns é um cara muito pragmático, que consegue reunir pessoas com uma grande facilidade e que muito diferente de seu cavaleiro, não perde tempo se questionando sobre a vida. Em algumas cenas do filme, os papeis dos dois parece se inverter, já que temos um escudeiro muito mais impositivo e bruto que o indivíduo que, na verdade, deveria mandar nele. Essa é uma crítica forte a elite sanguínea, que não lutou pelas suas comodidades e que muitas vezes se vê num papel totalmente adverso ao que realmente deveria ter. Então, enquanto de um lado temos a figura de um pensador, um indivíduo que teme não ter por que viver, e mais do que isso, não conseguir achar a resposta dessa questão, independentemente dos esforços que fizer, do outro, ficamos com um homem mais decidido, que prefere agir a ficar resignado diante de maus atos cometidos no passado. É de grande estranheza achar figuras desse tipo na época em que o filme é retratado, não? De fato, essas são duas alegorias modernas; alegorias vigentes na época em que o filme foi produzido, na época da Guerra Fria. Enquanto de um lado temos os idealistas (Antonius), do outro temos os realistas (Jöns). Assim como no filme, são os realistas que movem a sociedade, são eles quem decidem como uma unidade de poder deve ou não proceder, mas são nas eras de crise, como as Cruzadas, que os idealistas, a partir de seus questionamentos, levantam hipóteses da identidade do erro. Num mundo contemporâneo em que a bipolaridade prevalece, os estados não andam à frente, justamente por não haver um consenso entre os dois lados, o que vale da mesma forma para essas correntes. Sendo assim, a melhor personalidade que as protagonistas do filme poderiam ter, seria justamente a mistura de Antonius com Jöns. No entanto, mesmo possuindo essa balança de personalidade, ninguém conseguiria alcançar esse conhecimento que Antonius tanto procura.
Você deve estar me perguntando agora: "Você fez toda essa volta para caracterizar a melhor postura que o ser humano poderia ter, desmentiu-a e não concatenou com a ideia inicial do xadrez. O que você está querendo dizer com tudo isso?". O que eu tenho a dizer é unicamente: "Calma, tudo fará sentido.". Antonius propõe então um jogo de xadrez com a Morte, tanto para postergar narrativamente a sua morte (já que desde o encontro inicial com a Morte, ele já estaria fadado a morrer), como para tentar entender o sentido da vida, atestar a existência de algumas figuras e realizar um último ato que ateste que sua vida foi boa. Esse jogo de xadrez percorre o filme inteiro, sendo assim, percorre todo o restante da "vida" do cavaleiro. O xadrez é então a metáfora para a vida, a vida que minimamente perdida, não se cansa de lutar, visto que o importante não é a morte/conformação/rei, mas sim o processo com que ganhamos ou perdemos. Tratando-se da Morte como adversária, sabemos que o destino é a da derrota. No entanto, Antonius não percebe que ao invés de se questionar sobre o porquê de já estar morrendo e não ter conhecido tudo o que queria, o que ele deveria estar fazendo era justamente viver, assim como o seu escudeiro o faz. É claro que como já discutido anteriormente, a forma como se deve viver deve ser permeada de algumas privações, mas que o mais importante é saber aproveitar o processo, pois como o próprio filme ilustra: no fim, todos (elite, artesãos, trabalhadores, clero), até mesmo os artistas que aparentemente fugiram, mas que na verdade só não foram levados ainda, morreram. Como visto anteriormente, disse que mesmo tendo as qualidades que ambos Antonius e Jöns têm numa única pessoa, a capacidade de chegar nesse conhecimento seria intangível e se aplica perfeitamente a essa ideia de morte. O conhecimento que cada um deles quer, pode ser diferente, no entanto, não tira o fato de ambos quererem algum conhecimento. E é aí que a figura dos artistas entra. Os artistas são aparentemente a única parcela da sociedade que não se importa com a peste, com o que foi a guerra e o que ela representa (ridicularizando-a em forma de teatro); eles são a representação da ignorância. A ignorância que acalma pela única vez o cavaleiro, ao oferecer as amoras e o leite, a ignorância que consegue se levantar em tempos adversos com um simples sorriso do filho, a ignorância que por não tentar buscar esse conhecimento, sorri e vive como se nada estivesse acontecendo. O que Bergman faz aqui não é dizer que ser ignorante é o que todo ser humano deve ser, o que ele diz é que a ignorância faz com que nosso processo até o fim seja mais leve, menos angustiante, visto que os ignorantes terão o mesmo fim que os demais. Perceba que seguir isso é uma escolha, mas que não é a única forma de seguir a vida. Se todos fossem iguais desse modo, a vida seria um grande plágio. Essa diversificação de personalidades é a beleza da humanidade, e o que Bergman mostra aqui não é que a personalidade de Jöns é melhor que a de Antonius, ou que as dos artistas transcende as dos demais, mas que dependendo da escolha que cada um fizer, o processo até esta Morte (aqui podendo ser tanto maiúsculo como minúsculo, de acordo com a lógica do filme) é mais, ou menos doloroso. Ou seja, cada um deve viver a vida da melhor forma que entender.
Agora que já entendemos o raciocínio do filme, mesmo que ele não deixe uma mensagem clara como outros filmes hollywoodianos fariam (entenda, é a segunda vez que comparo com essa indústria de cinema totalmente diferente, mas não a reduzo. Há muita qualidade nesse meio, sem dúvida alguma.) podemos partir para o último tópico da discussão, o tópico que Bergman "amava": a religião. Como visto muitas vezes acima, Bergman critica várias parcelas da sociedade, mas não há uma figura que haja mais críticas como essa. Para começar, é bem claro que o monge (Anders Ek) é para onde são direcionadas o maior número de críticas. A pessoa que convenceu o cavaleiro a lutar nas Cruzadas, a figura sagrada que todos os cidadãos respeitam, transforma-se num batedor de mortos, estuprador de mulheres e a pessoa que ridiculariza o próximo. Só isso, destrói toda a figura santa e sagrada desses indivíduos, que assim como a elite sanguínea, possui privilégios, totalmente desmerecidos. Outro ponto bem incisivo é a forma como os flagelantes e os inquisidores (as pessoas que queimam a bruxa) são retratados. Esses grupos que deveriam ser só mais um ramo da Igreja, se mostram figuras quase que demoníacas, por serem tão sombrias. Além disso, Bergman retrata como o fanatismo (algo que deve ter sido influente na família dele) leva as pessoas à total intolerância; preceitos totalmente opostos aos difundidos pela Igreja. E por fim, critica os próprios fiéis, que são retratados numa sociedade de aparências e machista (as mulheres são retratadas como simples objetos, para estupro e posse), em que diferentemente do que a religião diz para seguir, fornicam, estupram e difamam. Criticando então desde o alto escalão até as bases da religião, Bergman mostra uma análise bem pessimista do que é ser religioso nesta época, e mais do que isso, a refuta.
Esta grande obra pode não te maravilhar, ou pelo contrário, pode magnificar, mas é com certeza um trabalho de grande primor e cuidado, seja aceitando a postura religiosa dele ou não, ou mesmo, acreditando na figura mística da Morte, ou considerando-a como somente a personificação da peste, que leva rápida e indiscriminavelmente.
De vez em outra, nos deparamos com filmes fora do eixo angariando premiações por todos os lados. O Silêncio dos Inocentes é um ótimo exemplo de uma obra dessas; e não é por menos, já que temos atuações mais do que memoráveis. Primeiramente, vemos uma garota indefesa, engajada e sonhadora, como a que Jodie Foster vividamente reproduz (a cena em que Clarice Starling (Jodie Foster) se encontra pela primeira vez com Jack Crawford (Scott Glenn) ilustra bem essa garota dedicada, embora inexperiente, simplesmente pela forma de agir, com passos sempre bem ritmados e perpendiculares, como se fosse um robô programado a realizar determinadas tarefas. Além disso, vemos uma garota trajada com roupas mais simples, sem serem chamativas, denotando esse caráter mais recolhido e isolado que a personagem vai desenvolvendo no decorrer de todo o filme). Para continuar, nos vemos pressionados psicologicamente por a figura imponente e segura de um homem de meia-idade, com olhos sempre fixos e passos mais regrados ainda do que os de Clarice. Todo esse porte do Dr. Hannibal Lecter (Anthony Hopkins) é ainda prosseguido de uma fala pausada e forte nas sibilantes, dominado de trejeitos bem frios e calculados. O que cria a sensação ainda mais aterradora é o trabalho de câmeras que pega o personagem sempre muito próximo em câmeras subjetivas (que seriam as câmeras que retratam o que o personagem vê em primeira pessoa), como se Hannibal fosse invadir não só a privacidade de Clarice, como a nossa própria, já que nós vemos o que ela vê, e por conseguinte, sentimos o que ela sente.
Outra das categorias bem aclamadas nesse filme foi a de roteiro, e de fato, temos aqui um roteiro ao mesmo tempo misterioso, andando a passos largos e nos fazendo descobrir a cada nova cena uma peça que no final se encaixará no grande quebra-cabeça do filme, caracterizando assim um filme típico de thriller, quanto uma história envolvente que juntamente com o trabalho de direção de fotografia e de direção (o porquê disso será explicado mais adiante), nos prendem de forma tão incisiva que não perdemos a tensão em único momento sequer, já que a cada novo momento vemos um novo acontecimento trará novas consequências e que em ciclo, nunca cessará até mesmo após o final do filme. A trama se baseia na personagem de Clarice, que inicialmente ingênua da situação como um cordeiro, acaba sendo colocada aos pés de toda um emaranhado de doentes mentais para resolver um caso que vem causando dores de cabeça ao alto escalão do FBI e à própria população. Repare que eu disse "como um cordeiro", e o filme realmente traça um panorama entre a imagem de um acontecimento passado na vida da protagonista com a de algo puro, ela mesma, sendo maculado pela sociedade distorcida. Como a própria história se desenrola, Clarice, como Hannibal muito bem pontua, acredita que resolvendo o caso de Buffalo Bill (Ted Levine) e salvando a vida de ao menos uma garota, sanará o pesadelo ocorrido na fazenda dos tios. Ao finalmente vermos Clarice alcançando seu objetivo, vemos uma garota mais relaxada e suavizada, no entanto, essa falsa ilusão que criada por ela, para ela mesma mascara o fato de que ela nunca irá conseguirá superar tal passado, pois uma vez maculada, não haverá caminho de volta. Essa ideia é realmente transposta para o contexto geral do filme e para nossas próprias vidas, já que tendo melhor noção de como as coisas funcionam no mundo, percebemos que traumas, felicidades e sonhos passados são lembranças, sendo portanto, questões atemporais que ficarão guardadas em nossas vidas, independentemente do que façamos para apagá-las; conseguimos no máximo, mascarar ou ignorá-las, como Clarice bem faz, mas nunca esquecê-las.
Outra questão bem presente nesse filme é a sanidade de cada indivíduo. Será que traumas em nossas vidas despertam atitudes psicopatas, como acontece com Buffalo Bill? Se fosse assim, Clarice, como qualquer um de nós, poderíamos ser muito bem psicopatas também. É aí que nos perguntamos, o que é um psicopata? Será que realmente não somos um? Um psicopata é uma denominação criada pela sociedade para categorizar indivíduos que não se adequam às leis e posturas aceitáveis. Dessa forma, psicopatas não existem fora de uma sociedade, e dependendo de cada organização, podemos ter indivíduos considerados psicopatas com tendências diferentes. Este tema é, com certeza, muito polêmico, no entanto, as formas com que podemos retratá-lo são inúmeras, e me parece que nesse filme, a principal questão acerca deste assunto não é a das origens de uma psicopatia (mesmo que Hannibal dê várias suposições de como uma possa se formar), mas sim essa mesma discutida anteriormente de um questionamento de o que e quem pode ser categorizado um doente mental. Hannibal é um bom exemplo disso: vemos uma pessoa extremamente racional, culta e persuasiva. Por que Hannibal é mais psicopata que Frederick Chilton (Anthony Heald), já que este se demonstra alguém altamente emocional, explosivo e irascível? Eu acho que esse questionamento é por si só, já bem assustador, pois tira a representação caricatural do que venha a ser um psicopata, e expanda o conceito a vários novos horizontes.
Toda essa manipulação de Clarice em vias de conseguir a ajuda necessária para a captura de Buffalo Bill esconde uma crítica muito bem arquitetada, muito por algumas cenas em específico, da sociedade machista opressora das mulheres. Clarice está praticamente envolta de um universo de homens que ora se mostram corteses, como o próprio Hannibal, e ora se mostram lascivos, como Miggs (Stuart Rudin) bem caracteriza. O filme todo vai mostrando esse ambiente opressor a partir de cenas um tanto quanto alongadas, em que temos uma sensação de angústia no ar, já que vemos homens cercando Clarice de uma forma atípica (a primeira cena em que vemos isso com clareza, é quando Clarice entra num elevador, e se vê rodeado de vários homens vestidos em vermelho - 04:10. Essa imagem de roda aparece mais tarde também na casa em que os agentes analisam o corpo já morto de uma das vítimas de Buffalo Bill, com vários policiais dentro do cômodo - 39:25. Outra cena em que vemos isso acontece antes de Clarice se encontrar com Hannibal pela primeira vez, em que uma câmera subjetiva vai mostrando o olhar tenso dela no local em que estão os seguranças do manicômio - 10:55). Outra forma de retratar esse desconforto acontece no toque das mãos, em que vemos um Hannibal acariciando a palma da mão de Clarice (1:13:35) e uma câmera fixada no cumprimentar de mãos entre Clarice e Crawford (1:51:45). E por fim, mais uma vez o trabalho de câmeras subjetivas pegando em um close muito próximo a pessoa a frente, mostra esse homem que parece tentar invadir a privacidade de Clarice a todo momento. Podemos criar uma analogia da mulher nessa sociedade machista com a mariposa em seu casulo. O casulo é um envoltório que protege esse inseto das adversidades do exterior, no entanto, estando nesse invólucro, a mariposa não tem poder sobre si mesma, não tem a liberdade, permitindo então que esse exterior possa muito bem controlá-la. A sociedade cria leis e normas que atestam uma defesa à mulher. No entanto, estando nesse "casulo", a mulher, assim como a mariposa, está mais indefesa do que protegida, retratada também nas vítimas de Buffalo Bill, que aproveitando dessa fragilidade vem a cometer seus atos sobre estas. A mulher ainda hoje é vista por muitos como alguém inferior ao homem, alguém que deve ser submissa ao controle destes, e esse filme ilustra muito bem o quanto a mulher sofre nesta sociedade atual nas mãos daqueles. Atualmente, vemos vários movimentos feministas que lutam pelo direito da mulher, pela igualdade de gêneros, e é imprescindível, que nós, homens, não só aceitemos esta luta, como ajudemos a compensar esta figura historicamente prejudicada na sociedade, a ascender e se equivaler ao papel do homem.
Acho que o fato da premiação à direção do filme já foi muito bem exemplificada, mas se por acaso, você ainda não concorde com isso, aqui vão mais algumas cenas. Logo no começo do filme, nos deparamos com a figura de uma garota correndo pela floresta. Esse desenvolvimento de uma personagem isolada e indefesa, se dá muito bem pelo contraste de um humano com a figura de uma natureza imponente que parece engolir Clarice. Além disso, nesse momento do filme, ainda não vemos as câmeras próximas que controlarão o resto do filme. Por ora, vemos uma mulher sempre longe e afastada do primeiro plano, como se ela estivesse fora do ambiente que a cerca, denotando então esse isolamento. Essa natureza que aflige Clarice, tomará conta dela de novo na conclusão do filme, já que a cor dominante na perseguição de Clarice a Buffalo é a verde, a mesma da natureza (seja na cor da tinta das paredes da casa, ou mesmo no visor de Buffalo, alcançando o ápice dessa insegurança de Clarice, ao vermos ela totalmente aterrorizada). Nessa casa, vemos papeis de parede de flores, folhas e insetos dominando o local. Toda essa atmosfera não quer mostrar que a natureza oprime Clarice, como a figura dos homens, anteriormente citados, mas que essas imagens funcionam metaforicamente para expressar os momentos em que Clarice está mais vulnerável. Um outro momento em que vemos um incrível trabalho técnico do diretor é na hora em que Clarice mostra a falsa proposta da senadora a Hannibal (52:10). Nessa cena, diferentemente das demais, vemos um Hannibal encolhido num canto escuro de sua cela. Vemos também a figura segura e altiva de Clarice ao relatar toda a proposta. Ela, estando de pé, em linguagens cinematográficas, está numa posição superior a de Hannibal, dominando portanto a situação. A partir do momento que Hannibal descobre a farsa, Clarice se senta, denotando assim um pé de igualdade que momentos depois será controlada mais uma vez por Hannibal. E se você ainda não está convencido, analisarei a cena mais impressionante do filme todo, tanto em aspectos técnicos quanto semânticos.
A cena começa com Clarice descendo as escadas do manicômio com Chilton em direção a cela de Hannibal. A cena em que ele mostra o estrago causado por este na enfermeira ao queixar-se das dores é dominada por uma luz vermelha sobre suas cabeças, além de uma trilha sonora mortificada, que se assemelha aos dos corredores da nave de Alien, o Oitavo Passageiro (1979). Todos esses efeitos ajudam a criar a tensão na cena, nos fazendo criar uma imagem horrível do que tenha acontecido à enfermeira, e mais ainda, imaginar Hannibal como uma figura quase satânica. Logo após isso, adentramos o local dos seguranças já supracitado, e vamos juntos com Clarice caminhar pelo corredor que leva até a cela de Hannibal. Toda a cena foi feita para criar uma tensão enorme, ao juntarmos os efeitos contidos nela, com toda a informação já dada anteriormente sobre o doente mental que iremos encontrar: o primeiro efeito que já citei aqui milhares de vezes, que logo salta aos olhos, é o da câmera subjetiva. Vemos que toda a tensão de Clarice é expressa no tremer das câmeras que observa cada novo louco com um olhar aterrador. A cadeira no final do corredor funciona como o lugar onde Clarice tem que chegar, mas que ao mesmo tempo precisa evitar. Olhar para a cadeira a cada novo 'take', é por si só angustiante tanto para ela quanto para nós. O último efeito que conseguimos perceber é algo chamado "Efeito Kuleshov" (imagine um rosto sem emoções na tela. De repente vemos uma câmera subjetiva de um bebê brincando com seus brinquedos. Voltamos para o rosto sem mudanças de expressões. Logo após isso, a câmera subjetiva agora foca numa criança estirada morta no chão, o que é seguido de novamente um foco no rosto mais uma vez sem expressões alguma. A ideia desse efeito é criar a sensação do que o indivíduo sem expressões sentiria ao ver tais imagens. Sendo assim, no primeiro caso, a pessoa sente uma sensação boa ao ver a criança brincando, o que não acontece no segundo caso. Nele, o que aconteceria se assemelharia mais a um sentimento de desgosto e pena. Esse efeito é muito bom, pois ele nos faz imaginar o que a personagem sente, fazendo assim com que nós sintamos a sensação também. Existem uns exemplos desse efeito no YouTube ou no Google para quem se interessar. Vou deixar um link no final do comentário com um deles). Pois bem, o efeito Kuleshov é bem presente nesta cena, fazendo com que criemos toda uma imagem aterradora de Hannibal, já que a cada novo louco, temos uma sensação pior ainda. Toda esta cena que acabei de descrever faz com que imaginemos a figura do diabo em pessoa em Hannibal. A expectativa é alta. Mas o que vemos é um senhor com uma ótima postura, num quarto bem iluminado, contrastando com toda a ideia que vínhamos criando dele até então no filme.
O Oscar comete várias injustiças no decorrer dos anos, mas em 1991 ele foi perfeito, premiando com as 5 principais categorias esse filme senão maravilhoso, angustiante.
Embora o filme tenha tido muitas críticas, a ideia que o filme consegue criar, mesmo preponderando-se de ação é muito interessante. Criar um mundo onde um indivíduo consiga acessar qualquer informação existente é, sem dúvida, de extrema complexidade para um humano qualquer, senão angustiante, já que saber de tudo, e não ter ninguém com quem discutir ou capaz de entender, é algo realmente decepcionante. Uma pergunta muito pertinente a se fazer não é o que Lucy (Scarlet Johansson) poderia fazer tendo conhecimento de tudo que agora sabia, mas sim o que a humanidade faria ao receber ele. Criaria mais armas, formas de energia, água, o que poderia gerar mais guerras em busca do pleno poder? A humanidade finalmente agiria em conjunto para o futuro de todos os indivíduos? Nessa sociedade será que conseguiríamos por em prática ideias utópicas como o comunismo e a paz? Todas elas são respostas além de nossa capacidade imaginativa, mas de fato é algo interessante a se questionar.
Outra partícula legal nesse filme são as imagens expressas nele que, ora substituem o contexto que antes se passava. De fato, elas são bem importantes para o andamento do filme, já que elas serão as responsáveis por despertar todo esse conhecimento em Lucy, e por conseguinte, tanto despertar um maior interesse em nós, como para explicar todo o processo pelo qual Lucy. Embora muitas delas sejam bem clichês, como a do guepardo correndo atrás da gazela (cena que podemos ver em filmes como Assassinos por Natureza (1994)) ou a da "Criação de Adão", de Michelangelo que mais tarde será parafraseada no próprio filme (esta cena então, vemos em milhares de filmes, até chega a cansar, E.T. - O Extraterrestre (1982), Tenacious D - Uma Dupla Infernal (2006), e até mesmo em Laranja Mecânica (1971)). Essas cenas, que muito se assemelham a clipes de músicas pop atuais, embora as vezes típicas servem para dar toda uma dinâmica a esse filme, que dialoga com as cenas rápidas de ação pela qual a personagem passa.
Lucy é a prova de que um filme altamente comercial pode também trazer questionamentos muito válidos para a nossa vida. E mesmo que ele não desenvolva de uma forma detalhada as personagens, como a figura de um Morgan Freeman totalmente submisso e sem qualquer humanidade e ação nenhuma, diante de uma figura tão impressionante como a de Lucy. E mais do que nos perguntar como obtemos tal conhecimento, é nos questionar como o utilizaríamos, como o professor Norman (Morgan Freeman) pontua muito bem: "We humans are more concerned with having than with being.". A resposta de como deveríamos proceder é simples: "I am everywhere", nas relações interpessoais, na natureza, na ciência, nas crenças, ou seja, em tudo.
Diferentemente do filme Os Estagiários (2013), em que víamos uma propaganda mais do que descarada da Google, Uma Aventura Lego consegue expor todo um enredo bem dinâmico, sem de maneira alguma, aparentar ser algo expositório (curiosidade: em nenhum momento do filme, a palavra "Lego" é dita). Só isso já mostra todo um trabalho de colocar o nome da obra à frente do nome da empresa.
As referências são inúmeras (DC, Senhor dos Anéis, figuras históricas), mas o mais divertido, é o filme ir adentrando em cada novo mundo sem se enrolar, nem sendo simplista (coisa que por exemplo em Detona Ralph (2012), o filme se extende muito no mundo das guloseimas, deixando de lado uma enorme gama de gêneros de jogos que podiam ser explorados).
O filme permeia todo um mundo satírico (criticando a robotização dos indivíduos, em que toda ideia original é brutalmente reprimida). Vemos também um mundo obtuso, encarado de forma natural, como visto no preço exorbitante dos cafés, mas que não causam nenhuma sensação indignada nos habitantes, seja pelo sistema de governo, ou pela naturalidade das coisas. Todo esse mundo mágico, de construtores, tenta quebrar com essa pacatez e linearidade de um comandante ditatorial. Conforme vamos andando no filme, percebemos a mente criadora de todas esses enlaces, e a metalinguagem transcrita ao mundo Lego. Ver toda essa caoticidade é de total sentido para a mente de uma criança que se vê sem a presença de um pai por perto. E mais do que isso, o final pontual (para o mundo do Lego) faz bastante sentido, já que as transformações neste mundo provém da cabeça dessas pessoas que estão brincando no mundo real. Toda essa metalinguagem funciona de uma forma cativante e engraçada (já que o Presidente Business é nada mais, nada menos que Will Ferrell, famoso por satirizar profissões que demandam uma maior formalidade e cuidado).
Achar o filme engraçado ou empolgante vai depender do quão familiarizado a pessoa está com as personagens que aparecem no decorrer do filme e com o próprio mundo de Lego, no entanto, é certo afirmar que a construção do filme funciona muito bem, seja pela origem dos acontecimentos (a cabeça da criança), ou pela própria criação de um sentimento de desprendimento de uma sociedade totalitária, mesmo que contendo um cunho mais imaginário e fantasioso.
Criar um filme de comédia que não te faz rir, com uma narrativa mais água com açúcar possível, num desenvolvimento de personagens mais fracos ainda, e tentando por fim laçar todas essas histórias parece longe de algo feito por um cara como Almodóvar. É certo que vemos nesse filme, temas recorrentes em sua filmografia, como o trato com a sexualidade e sua descoberta. No entanto, ao mesmo tempo que vemos ideias tão belas quanto essas, vemos outras cenas que retratam o estupro como algo normal (e não só uma vez... drogando a garota, ou com o cara dormindo. Estar satisfeito posteriormente não tira o fato do que precedeu). Atos como esse, embora retratados num contexto de forte crítica social soam como um regresso a um diretor tão militante de causas tão incríveis como a da igualdade sexual (já que criar um besteirol com temática homossexual no meio de tantos outros heterossexuais é realmente um avanço incrível). O trabalho artístico inicia-se de uma forma promissora, mas com o tempo vai se mostrando algo totalmente sem nexo(as cores, tão fortes na filmografia desse diretor, nesse filme não significam nada a não ser o de impressionar com a incisão delas; em suma, vemos então as cores, como o vermelho e o azul, como meros artifícios de impacto). Em geral, é uma obra que além de não divertir, ainda causa certo desgosto como nas cenas supracitadas, sendo recheada de clichês e estruturas narrativas fracas demais para qualquer diretor mediano, e olha que por aqui, estamos falando de um Almodóvar.
O eco sonoro que o título do filme nos traz é um dos melhores que já vi até o momento. "Volver", como vulgo voltar, significa muito mais do que voltar a um ambiente físico para pegar algo que esqueceu. Voltar aqui significa, reviver o passado em busca de respostas mal-acabadas. Remete a um voltar a vida para terminar uma pendência não resolvida (assim como vemos na crendice local). Significa voltar a encarar de frente algo que assombrou a sua vida inteira, e que jamais imaginava que voltaria do modo que retorna bem em nossas caras. Almodóvar se baseia num contexto regionalista para mostrar que embora o movimento, a velocidade permeiem a vida na cidade, é no interior que crendices se misturam a casos para criar um universo muito obscuro. Nessa obra, a cidade serve só mais como um apoio às histórias presentes nesse outro espaço, vendo situações passadas nesse lugar mais movimentado de uma forma bem rápida e desprezível (como a cena que nos situamos ao trabalho de Raimunda - tudo passa num lampejo, as turbinas dos aviões só servem de eco aos moinhos do campo). A forte presença e destreza das personagens femininas, todas rondeadas de um passado duro, criam um forte vínculo, para que juntas, todas se afirmem como indivíduas numa sociedade ainda mais patriarcal que a vivida nas cidades. Embora a figura do homem apareça muitas vezes como a de um palhaço, um idiota, no filme essa imagem serve como uma grande crítica a postura vista por essa sociedade historicamente machista, mais uma vez, o volver. Mas será que em todos os casos, o voltar é a melhor coisa? Ou será que as vezes precisamos voltar atrás para deixar esse mesmo passado que buscamos? O certo é que a luta de um indivíduo não precisa ser cheia de explosões e tiroteios como vemos em vários filmes atualmente, mas sim o simples fato de encarar a realidade, é sim algo muitas vezes pior e mais assustador que a dessas outras histórias.
Viver a vida toda seguindo certos preceitos, e de repente se ver num mundo totalmente diferente é um choque para qualquer um. Essa ideia pode se expandir para qualquer coisa, seja ao achar algo anteriormente e alguém vir e mostrar que o contrário não está necessariamente errado, seja na mudança de um mundo religioso para um mundo científico, ou mesmo com jovens trazendo novos pensamentos aos mais velhos. Mudanças são sempre drásticas para o indivíduo que está realmente mudando, e esse processo, dependendo de quão arraigado ao veredicto antigo, pode ser bem complicado. Esse manuseio com o personagem de Stanley, embora caricatural, retrata bem esse panorama e o faz de uma forma bem natural, o que faz nos questionarmos ou comemorarmos de acordo com quão céticos formos em relação a tais assuntos místicos, e provocar o que achamos sobre tais assuntos é o que o filme melhor faz. Assim como em Blue Jasmine (2013), temos um personagem mais frio, calculista e sarcástico, se achando muito superior a todos ao seu redor, mas diferentemente deste, o final de Magia ao Luar pode até deixar alguns um tanto inconformados, mas o filme sem dúvida mostra que a tolerância e o amor são muitas vezes mais fortes que as crendices e achismos.
Muito se foi criticado sobre este filme na época de seu lançamento: como faltava um enredo ou como o desenrolar era cansativo, mas essa é uma daquelas obras que guardam vários significados por trás dela.
Primeiramente, a lógica do filme é toda baseada em problemas, tentativas de resoluções que levam a novos problemas. A escolha dessa abordagem foi a melhor feita para um filme que tenta recriar o espaço de uma forma mais verossímil, pois ao mesmo tempo que nos deparamos com imagens de tirar o fôlego de tão bonitas, vemos situações de puro desespero, que são só mais enfatizadas com os takes longos, câmeras subjetivas (principalmente na cabeça de Ryan) e no aumentar e abaixar da trilha sonora.
Todo o contexto que desencadeia todos esses problemas parece algo inimaginável, mas como a própria Ryan diz, se referindo a morte da filha, que podemos morrer por qualquer estupidez, seja ela numa pedra, brincando, ou no espaço, sem oxigênio e sem para onde fugir. A vida é efêmera, e pode ser tirada de formas impensáveis com o piscar dos olhos. Estamos tão bitolados com a vida, tão preocupados com as perdas e os nossos problemas que nos esquecemos de vivê-la, e é esse o papel de Kowalski; o cara que mesmo morrendo consegue parar e se encantar com os pequenos momentos e nuances (ele me lembrou bastante o Tallahassee, do Zumbilândia (2009)). Essa catarse de Ryan, que precisa sair da Terra para perceber que o que mais quer e voltar para ela, inicialmente até lembra muitas cenas de 2001 - Uma Odisseia no Espaço (1968), na busca por uma resposta, no renascimento do ser (Starchild), só que diferentemente desse filme, o conhecimento desenvolvido não é intelectual, mas sim psicológico. E mesmo tendo Kowalski como instrutor, o maior professor dela não foi ele, mas sim a experiência de estar no espaço, diante de todas essas adversidades. O que temos então não é somente uma luta pela sobrevivência, nem até onde um ser humano consegue resistir a todas essas pressões, mas também uma busca por um reconhecimento, por uma personalidade.
Para ela conseguir entender o que quer, ela precisa passar por quase que um renascimento. No entanto, diferentemente do normal, esse renascimento é reverso, pois o que a protagonista precisa, é voltar a viver a vida antes da morte de sua filha, voltando assim para o passado de uma forma renovada, e para isso, algumas imagens do filme nos ajudam a entender melhor essa troca de ordem: a vida na Terra de Ryan foi, resumidamente, nascer, receber a notícia da morte da filha e depois ficar vagando perdida pelo mundo, então se a ideia é ser uma mudança reversa, a primeira coisa que deveria acontecer seria Ryan estar a esmo pelo espaço, perdida, o que realmente acontece. Vemos isso numa cena logo após o primeiro impacto, com ela girando e girando sozinha por uma grande vastidão. Quando finalmente ela se encontra, os astronautas vão ver a situação dos companheiros, achando-os todos mortos (detalhe que Shariff morre por um detrito, ou uma rocha, na cabeça, remetendo a própria morte da filha). A partir daí, as imagens do filme vão sempre esconder algo relacionado com a vida e a criação dela, mas sempre seguindo essa ordem inversa. A primeira cena que logo salta aos olhos em relação a isso é o desprendimento/corte que Kowalski faz para salvar Ryan(remetendo ao corte do cordão umbilical que cria uma nova vida). Ryan então consegue se salvar e quando entra na cápsula quase sem oxigênio e começa a tirar o traje, vemos uma das cenas mais belas e representativas dessa ideia: a cena pára por vários instantes em um enquadramento em que vemos Ryan em posição fetal com tubos da nave parecendo se acoplar na barriga dela, como se fosse um cordão umbilical. E para finalizar, o encontro dos espermatozoides com o óvulo é esquematizado com o choque dos meteoros na Terra, numa cena angustiante que leva Ryan finalmente ao planeta. Foi somente depois de passar por todo esse processo de revitalização e ressurgimento que Ryan estará finalmente pronta para viver a vida na Terra novamente. Nesse final ainda temos uma metáfora do surgimento da vida na Terra, que veio do espaço, tomou os mares, conquistou a Terra e ficou sobre dois pés, numa tomada mais uma vez linda e angustiante.
O filme todo é cheio de surpresas e emoções, e mesmo que em algumas partes se mostre algo delongado e cansativo, é sem dúvida alguma, um filme espetacular, seja ele por essas imagens metafóricas ou somente pelos efeitos especiais.
A primeira cena desse filme tenta criticar a postura social em que todos nós, humanos, ao vermos a vida de um jeito pessimista, procura como última solução, o suicídio. Essa crítica é retratada de uma forma bem irônica... no entanto, é fazendo desse modo que o roteirista ao invés de ressaltar a dor com que essas pessoas vivem, ele a ridiculariza.
Nessas últimas semanas, após a morte de um dos grandes comediantes de Hollywood: Robin Williams, começou-se a discutir muito sobre a depressão. Vimos que embora diagnosticada como uma doença, muitas pessoas continuam a tomá-la como motivo de chacota: "Ah, veja se anima", "Vai passar", "Para de fazer cu doce". Esse sentimento de que uma hora tudo se resolverá, de ser uma fase passageira, pode se revelar uma eternidade para os indivíduos que realmente passam por tal infortúnio, e é dessa forma que A Pequena Loja de Suicídios dialoga com os espectadores.
A figura de Alan como um Messias para os "mimimis" desses indivíduos se eleva ao tom de ofensa, já que vemos um garoto desinteressado, querendo mudar a realidade de todos ao seu redor, sendo no entanto uma pessoa altamente influenciável (o que faria sentido se o filme só o tratasse como um indivíduo a conhecer as dores do mundo, sem um caráter interventivo). Além disso, temos a imagem de um psicólogo que está mais interessado no dinheiro do paciente do que a sua cura, temos alterações de temperamento imensamente vãs (como a da irmã que é "tocada" pela felicidade de um CD), e se não bastasse, toda uma cantoria que contrasta com a realidade dura, que nem esteticamente funciona, irritando mais ainda o telespectador. Se todo esse filme fosse na verdade uma crítica a essas pessoas que não compreendem a profundidade da depressão e de que como ela pode estar no vizinho ao seu lado (na representação de que todos os cidadãos estão "tristes"), o filme não acabaria numa grande festa, onde até mesmo os mortos são "curados" e entendem quão bobos eram! A depressão não é algo a se esperar passar, é algo que demanda orientação médica e cuidado a todo momento, e a forma como esse filme o alegoriza é de se matar de vazio.
Muitos dos filmes de terror são criados para nos assustar no momento, para nos causar certo desconforto e nervos em determinadas circunstâncias, mas o que O Bebê de Rosemary faz é muito mais do que simplesmente aterrorizar, ele cria um drama psicológico em que o medonho não está na tela, mas o que concluímos dela (no caso, acreditar se o sobrenatural existe ou não, e até mais do que isso, ver que essa disputa pode aparecer em situações de extremas tensões em nossas próprias vidas). No filme inteiro nos perguntamos se Rosemary está realmente delirando ou não acerca da seita satânica que a ronda, já que toda a narrativa embora beire muitas vezes o surreal (como nas cenas oníricas), cabe muito bem na própria lógica da protagonista. Esse questionamento nos faz entender que o bebê (muito porque não conseguimos ver a criança), na verdade, serve como metáfora a essa ideia demoníaca, ou em escalas maiores, a racionalidade X sobrenatural na vida dentro de cada um de nós, que a qualquer momento pode florescer e tomar conta de nossas ações, sendo efetivada quando o "bebê" finalmente nasce. Se Rosemary (remetendo a virgem Maria, fora todas as outras imagens bíblicas que aparecem - teto da Capela Sistina, o seminário em que Rosemary passou), a imagem de santa na Terra (com seus traços ingênuos e angelicais), pode conceber um monstro como esse a nós, porque nós mesmos não poderíamos nos submeter a tais forças (não só no sentido satânico, mas também no moral)? E é isso que nos assusta muito mais que um terror em que sabemos ser cabível somente ao mundo fictício da tela, porque neste filme vemos que todos nós somos mais Rosemary que jamais imaginamos.
A partir do momento em que vemos a cena de Ferris Bueller, de Curtindo a Vida Adoidado (John Hughes, 1986) logo no começo do filme (o cabelo moicano de xampu sob o chuveiro), já sabemos que o personagem em questão quer se afastar de sua realidade, e mais do que simplesmente viver, ele quer reinar (como o próprio pôster insinua). Todo esse processo nos remete a um outro filme em que os protagonistas também se veem em fuga de seus mundinhos: Moonrise Kingdom (Wes Anderson, 2012), só que diferentemente deste, Os Reis de Verão tenta retratar esse amadurecimento de uma forma mais realista e dura (Moonrise Kingdom é por si só um conto infantil, e nada mais justo que o filme trazer essa estética mais ilusória que metaforicamente enriquece mais ainda o filme). É claro que Os Reis de Verão não possui o mesmo trabalho artístico dessa obra de Wes Anderson, mas suas fotografias, sons e efeitos de luz e sombra estão longe de passarem despercebidas (o campado em que a garota dos sonhos de Joe aparece, a câmera lenta na construção da casinha de pássaro com um feixe de luz incindindo bem no braço do garoto, os ecos sonoros das batidas nos canos com os movimentos dos garotos no decorrer do filme). Tornar-se adulto não é uma tarefa fácil, e mesmo que discordemos muito de nossos pais, sempre trazemos algo deles para a nossa própria personalidade. E mais do que ser independente, o mais importante é saber como se levantar caso tudo dê errado.
Em primeira vista, o filme parece um emaranhado de insetos, corpos, gritos guturais e gore, tudo numa mistura bem trash, mas que não deixa de ser contagiante. Além disso, por trás de todo esse banho de sangue, vemos uma sátira enorme a um governo totalitário, controlador de mídia e defensor de superioridades (em que tudo que não for humano, deve ser aniquilado). Ao decorrer do filme, vemos propagandas de guerra muitas vezes bizarras (como a cena mais engraçada do filme, em que crianças em círculo esmagam algumas baratas, mostrando que todos estão combatendo em pró da Terra), a repreensão de qualquer questionamento que vá contra as ideias expansivas (como a cena em que os soldados se questionam se não foi a invasão humana em territórios de insetos que iniciou toda guerra, o que é seguido de um sermão vindo do tenente) e a desumanização de cada indivíduo posto em combate (como a de Carl - Neil Patrick Harris -, um dos primeiros amigos de Rico - Casper van Dien - que inicialmente se mostrava uma pessoa carismática e engraçada, mas que ao fim do filme transforma-se num indivíduo frio e calculista). Juntando-se todos esses pontos, vemos nada mais, nada menos que uma sociedade fascista que tem por objetivo dizimar qualquer forma orgânica que "ameaçasse" os humanos (em aspas pois muitas vezes quem inicia as investidas são os próprios fascistas), e é isso o que incorpora toda a ideia do filme. Você quer ser um cidadão?
Mais que um enlace de personagens e desfechos inusitados, Woody Allen mostra como as relações na vida as vezes podem ser vãs, ou pelo contrário, versáteis, e que em muitas vezes o melhor é se viver de uma eterna ilusão.
São filmes como esse que te fazem filosofar sobre a vida e o que buscamos nela. Será que foi preciso a transformação/comparação de uma boneca inflável (no estilo Pinocchio) para mostrar a podridão e efemeridade de toda humanidade? Será que o problema de cada indivíduo seja a sociedade em que estamos, onde toda nova geração semeia os problemas dos antecessores? Será que a vida é tão inútil para se desmiolar em desilusões antigas? Essas são somente algumas das indagações que o filme nos traz, mas o certo é que o sentimento de tristeza que permeia cada personagem na história, embora diferente, acaba sendo "sanado", ou melhor cultivado, de maneiras semelhantes. Então o que vale em nossa vida?
Obs.: eu achei que o filme Her (Spike Jonze, 2013) se baseia em várias fotografias do Air Doll, seja nos primeiros takes do filme com o reflexo do "marido" da boneca, seja com a água do chuveiro que encharca a cabeça da boneca ou mesmo nos enquadramentos gigantes dos prédios ao fundo que contracenam com a insignificância dos bancos em que os personagens ficam sentados na cena. E eu não acho que tudo isso seja coincidência, mas sim que Jonze realmente tenha visto e amado esse filme, para tratar de um assunto tão conflituoso na vida de todos de um jeito tão adverso.
Antes de qualquer coisa, o comentário terá vários spoilers, então nem me darei ao trabalho de ficar marcando tudo :P
Embora a confusão do papel de cada personagem vá se esclarecendo com o decorrer do filme, muito pelo fato de Espósito se identificar tanto com o caso à sua frente, a ideia maior do filme é justamente essa intersecção de pensamentos e ações entre os principais personagens que acabam por formar uma das melhores obras memorialistas da história do cinema. Antes de continuar a análise, nada mais justo que citarmos um dos livros mais influentes da cultura brasileira: Memórias Póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis. Nesse livro, temos um autor-personagem que discorre sobre sua vida, utilizando de sua audácia narrativa e descritiva, a fim de mostrar sua benevolência a todos. Saber então quando identificar a postura que o autor quer transparecer e a sua real índole é a tarefa mais justa e complexa de ambas as obras, já que isso também ocorre em O Segredo dos seus Olhos.
Dito isso, a análise de cada personagem terá de ser feita com muito mais cuidado do que inicialmente faríamos. Em todo o filme, vemos abordagens melodramáticas: seja na partida do trem, no amor incondicional de Morales, ou mesmo no papel da paixão, cenas que à primeiros olhos se assemelham a algo ultrarromântico demais, que no entanto são sempre seguidas de outras que acabam por quebrar essa contemplação, nos levando a ideias mais realistas (a partida do trem é seguida de uma morte bruta de Liliana, o amor incondicional de Morales acaba se tornando uma vingança irascível e banal, e a paixão leva à morte de Sandoval e à captura de Gómez), mas perceba que toda essa desconstrução romântica feita no romance de Espósito é feita a todos os personagens, com exceção dele próprio, o que denota essa incompatibilidade de personalidade. Em outras palavras, todos as personagens do seu livro são de alguma forma destronadas pela paixão que as movia, mas ele mesmo, consegue cultivar a sua paixão por Irene e levá-la adiante a ponto de alcançar seu objetivo no final. E o pior disso tudo, a forma como Espósito manipula todas as personagens a seu favor a fim de martirizar (romantizar) ou impor uma causa de morte maior (como a suposição de que Sandoval morreu por ele, ou que o amor incondicional de Morales intensificou o seu próprio amor) mostra essa insegurança que ele tem quanto a seus próprios sentimentos, querendo mostrar uma imagem, uma complacência que ele mesmo não partilha. Não parece meio injusto? Sim, mas lembremos mais uma vez de que a obra fora escrita pelo próprio Espósito, então ele nos mostrará o que ele quer que vejamos. No entanto, olhos mais atentos percebem esses defeitos na retórica dele.
Pensando agora fora do universo do filme, algumas imagens bem fortes nos levam a nos questionar: será que vale a pena ir tão longe, tão fanático a uma paixão, que como o próprio Sandoval verbaliza, não muda? Será que passado algum tempo, essa paixão presa a nós terá ainda o mesmo significado, ou será que nem ao menos conseguiremos nos lembrar da força motriz que nos levava a cometer tais atos (como o próprio Morales diz ao não se lembrar se a colher era de mel ou de limão)? Essas paixões que começam a ser racionalizadas, podem se tornar sagradas, assim como uma religião, não aceitando então questionamentos. Por isso eu pergunto mais uma vez: será que vale a pena levar o rancor a tal ponto? O filme tenta elucidar que não, como na cena do cativeiro de Gómez, quando ele nos mostra o monstro que Morales se torna ao guardar essa "paixão", e o olhar penitente e resignado de Gómez. São imagens duras, mas bem eficazes.
Todo o cuidado que o filme tem para transparecer o sentimento que temos em determinada cena é transposta para os elementos estéticos presentes: seja em uma das melhores cenas de câmera em movimento que já vi no cinema (a cena do estádio de futebol), dando essa sensação de tensão e maior vividez (a câmera treme para transparecer enaltecer a emoção da cena), seja nos sons diegéticos (o que seria os sons de fundo) na cena em que Gómez mostra o pênis, ou até mesmo nos movimentos das câmeras (subjetivas - a câmera mostra o que a personagem vê a partir de seus próprios olhos - ou não), criando toda uma imersão maior ao mundo do filme. Outra coisa que é bem importante no decorrer do filme, é o trabalho de duas cores: vermelho e verde, em que no primeiro temos o papel da paixão (o vestido, as cortinas e movéis, vermelhos, que Espósito se depara na primeira vez que vê Irene, a cortina vermelha que Morales fecha em sua casa do final do filme, nos fazendo desconfiar que diferentemente do que ele fala, a sua paixão ainda está guardada com ele, desencadeando a série de cenas seguintes), e no segundo podendo significar em certas cenas a solidão (o abajur próximo a Espósito, quando ele começa a escrever o romance, triste de não estar com Irene, o sofá em que Sandoval está sentado momentos antes de sua morte, denotando sua desolação em seus momentos fatídicos, nas portas da casa afastada de Morales, mostrando o seu afastamento social após da tragédia), e em outras, o poder - ou o que deveria estar exercendo ele (a cena da prisão dos dois operários, em que uma luz verde bate na figura de um policial, no campo de futebol sob o corpo de Gómez, quando esse é pego pelos policiais). Mesmo que exista todo esse trabalho estético, fiquei um tanto incomodado com o fato do filme ter uma certa insegurança na certeza da passagem de ideias ao telespectador, por conta de uma repetição constante dos fatos ocorridos (parece que o filme nos acha ingênuos demais para ter que ficar nos dando diversas chances de entender um acontecimento que já passou ao repetir as mesmas cenas), tendo seu ápice na cena de flashbacks no final do filme; talvez eu possa estar sendo um pouco ignorante, já que essa repetição pode ser um eco dos pensamentos que assolam o narrador em linguagem cinematográfica, mas admito que isso me irritou um pouco, mas nada que tire a genialidade da obra. E essa genialidade, que mesmo nem sempre muito aparente, nos faz gostar mais ainda do filme.
Admito que esse é um daqueles filmes que me vem instigando a muito tempo simplesmente por um detalhe de marketing: o poster. Essa composição de mulheres em formato de caveira é de longe um dos melhores e mais horripilantes posters que eu já vi na minha vida. E muito por conta disso, confesso que imaginava o filme numa pegada mais satânica, de rituais e de demônios; até certo ponto (aquela cena do corredor do hospital, com uma ótima composição de Dolly Zoom - aquela em que o fundo vem se aproximando em zoom, enquanto o primeiro plano, que no caso era a garota, parece que mantém-se do mesmo tamanho, algo que fizeram em filmes como Tubarão e Poltergeist) imaginei que seguiria por esse ramo mesmo. O filme, repleto de cenas em ambientes fechados, passa uma noção bem claustrofóbica que vai nos perseguindo até o final. Mas em contrapartida, no quesito medo, o fato deles mostrarem as criaturas logo no começo, pelo menos a mim, não causaram tanto pavor. Além disso, situações bem absurdas, mesmo para lógica do filme, me fizeram rir ao invés de temer as cenas.
No entanto, ponto para o trabalho estético, pela utilização de ângulos tortuosos que intensificam ainda mais a sensação de impotência, pelos giros lentos de câmera que só aumentam a tensão da cena, por uma das melhores aplicações da técnica de footage (na qual as personagens filmam a cena que nós, os telespectadores, vemos; assim como em A Bruxa de Blair). E por principalmente um cuidado com a escolha das cores, dando significados para os seguintes movimentos das personagens (como a cor verde que identifica o perigo no ar, seja nas cenas iniciais, em que a vegetação indica que algo ruim paira, seja na cena do corredor do hospital, ou mesmo, em momentos tensos de luta com as criaturas da caverna, ou a cor vermelha: que nesse caso, indica a coragem/bravura/força dos indivíduos. Vemos essa cor nas camisetas de Holly e Juno - que inicialmente são as mais aventureiras, nos flares que tomam conta dos locais, ou mesmo nas cordas que são usadas para a exploração das áreas. No entanto, é principalmente na transformação de Sarah, que esse recurso é mais bem utilizado: no começo do filme, vemos uma mulher insegura, traumatizada trajando vestimentas verdes, que dão a terminar numa mulher raivosa, vingativa coberta de sangue, portanto, vermelho).
Outro ponto bem interessante no filme, é quantidade de referências que avistamos: começando pela Tomb Raider (que é até realmente citada no filme). Juno está com os mesmos trajes que Tomb Raider estaria, e é ela a garota mais exploradora, experiente e planejadora, assim como a personagem dos jogos de ação é. Juno ainda faz referência ao filme Silêncio dos Inocentes, na cena em que ela vem correndo pela floresta da mesma forma que Clarice viria, e que mais uma vez, apresenta as características da personagem (portar-se como conhecida da situação, mas na verdade ser bem inexperiente e desprecavida). No entanto, é a cena final de Sarah que mais chama atenção: quem não reparou uma semelhança com Carrie, de Brian de Palma? Assim como Carrie, Sarah se emputece com as descobertas e se vinga de uma forma sanguinolenta de sua "amiga".
O recurso do delírio que é muito bem utilizado nas cenas iniciais do filme: no corredor do hospital (é a terceira vez que falo dessa cena; mas cara ela é muito foda!) ou no espelho da cabana, perde todo seu vigor no desfecho. Como já disse, o fato da aparição da forma das criaturas logo no começo do filme, satura a repetição de cenas com elas, chegando a ser cansativo (já que você sabe que elas não têm como ganhar, porque os bichos são infinitos), e que juntamente com aquela queda na qualidade do uso do delírio acabam por comprometer todo a obra. Sim, o filme é uma formosura em sua forma, mas o conteúdo em si é bem fraco.
Eu queria compartilhar uma análise mais estética do filme, então aviso desde já que o comentário estará repleto de spoilers, já que citarei diversas cenas do filme:
Logo no início do filme quando estamos nos adequando com a situação pela qual Robert está passando, temos uma série de cenas em que o enquadramento está ora em ângulos tortuosos, ora focando objetos em planos diferentes das do personagem (a chegada do carro sido vista de um buraco da passarela, ou Robert junto ao padre em segundo plano, enquanto que em primeiro, vemos um corredor de madeira). Dessa forma, o filme nos diz que embora tudo pareça normal, algo por traz de todo o contexto está errada, algo poderoso, misterioso e secreto: o Diabo. Esses enquadramentos irregulares vão até uma cena que considero a mais importante de todo filme, já que por si só, resume completamente o filme: a primeira vez que Robert conhece a criança que substituíra seu filho; explicarei a sua importância mais para frente.
Damien vai crescendo... temos a festa de aniversário dele, vemos a figura de um cachorro preto (que assim como em Harry Potter e o Prisioneiro de Azkaban, significa um mau agouro, um mau presságio que vai assombrar Robert ao decorrer de todo o filme), até que por fim chegamos à cena em que a nova governanta vê pela primeira vez o Damien. A esta altura, ainda não sabemos que o garoto é na verdade o Anticristo, mas uma dica de sua real identidade está logo atrás: o fogo que circunda a cabeça dele. Esse fogo, que remete ao inferno, ao pecado, e portanto ao próprio Diabo quebra toda a figura angelical que vemos estampada na face do garoto.
Com o tempo, outra estética começa a dar dicas do desenrolar das personagens e da própria história: as cores. A primeira cor que mais chama a atenção no decorrer de todo o filme é o verde (vai dizer que aqueles campados gigantes não chegam até a irritar? :P ). Mais para o meio do filme, essa cor começa a aparecer somente em momentos chaves, mas sempre dando as caras quando algum personagem corre perigo (isso mesmo, perigo!). Antes do ataque de babuínos vemos um ambiente repleto de grama e circundado por cercas da cor verde. Antes do empalamento do padre, ele percorre campos cheios de árvores e folhas da cor verde. Antes da morte do fotógrafo pelo vidro da carreta, vemos dois cestos enormes de bananas maduras, portanto verdes. Antes de Damien se aproximar completamente da igreja, vemos ao lado um campo gigantesco verde (repare que nesse momento, quem está em perigo é justamente, Damien). Os cenários estão sempre repletos de verde, pois todos as personagens estão em constante perigo com a entidade maligna ao redor; e é por isso que vemos verde nas portas e janelas do sobrado, verde nos campos enormes, verdes até em bananas! Vemos também o verde (prometo que é a última vez que falo disso, mas é para você ter uma ideia de como essa cor aparece no filme) na cena do acidente de Kathy, que tentava arrumar o vaso de plantas (que é daquela cor que eu não posso mais falar). O interessante nessa cena é que vemos também as outras duas cores que também tem um significado próprio: o amarelo e o vermelho. Um pouco antes dessa cena, vemos Kathy desesperada, trajando um pijama amarelo dizendo ao marido que precisa de um psiquiatra, pois acha que o filho está demonizado. O amarelo no filme, embora seja menos explorado, significa esse desespero de Kathy (eu não consegui identificar em outras personagens) em relação aos últimos acontecimentos. Depois da visita ao psiquiatra, Robert adentra num quarto que de tão amarelo, parece que até foi colocado um filtro enquanto filmavam a cena; é esse desespero tomando conta de todo o ambiente ao seu redor. O desespero se vê em intensidade máxima justamente na cena do acidente com a motoca: o quarto novamente está imerso em amarelo, e ela trajando um suéter amarelo prenuncia o medo que virá a seguir. E por fim, o vermelho. A primeira vez em que o vermelho aparece alarmantemente é na cena em que o fotógrafo está revelando as recém-tiradas fotos em seu laboratório. Em todo o filme, essa cor tem um significado de presságio/profecia, seja ele sendo previsto, ou consumado. E mais uma vez nessa cena do acidente, a motoca de Damien (vermelha) vem selar o presságio que viremos a saber momentos depois da perda do bebê. E é finalmente com essa cor que sabemos que o mal vencerá bem antes da morte de Robert: quando esse começa a entrar no quarto de Damien para cortar seu cabelo, logo vemos que o pijama do garoto é totalmente vermelho. Sendo assim, logo concluímos que toda a previsão descrita no filme do Apocalipse será então finalizada.
Você que conseguiu chegar até aqui deve estar se perguntando: por que raios é interessante ficar reparando em todo esse lance de cores? Eu te entendo muito bem, eu mesmo já me perguntei isso. A resposta é que você consegue prever cenas e acontecimentos, entender o sentimento de alguma personagem e criar suposições a partir de certa ação a partir de simplesmente uma lógica que você criou a partir de tal cor. E isso é incrível, pois o que eu concluí nisso tudo pode ser totalmente o contrário do que outro alguém supôs, e as duas podem fazer sentido. Enfim, sem mais delongas, direi porque acho aquela cena logo no começo, a mais importante de todo o filme.
Essa cena acontece por volta dos 3:27 do filme e nela vemos um enquadramento de uma freira segurando em seu colo um bebê. Segundos depois, Robert entra no quadro e se instala no meio dos dois. Qual é a função de Robert depois dele finalmente se dar conta da real identidade de Damien? Tentar impedir que os planos do Diabo se concretizem; ele é então a pessoa que selará o destino da humanidade, ele é o mediador entre o satânico, o anticristo, e a pureza, a salvação (na lógica do filme). E é por isso que eu acho que esse é o enquadramento mais importante do filme, pois ele justamente resume toda a luta do filme: quem Robert deixará por fim prevalecer?
Guardiões da Galáxia tem tudo que um bom filme de herois precisa ter: muita ação e aventura, humor, explosões e efeitos especiais, personagens fortes e carismáticos, e mais do que tudo, uma história envolvente. O novo título da Marvel tem tudo para ser um dos melhores do gênero, trazendo um enredo que balanceia todos os personagens de uma forma dinâmica e comovente (coisa que Os Vingadores não haviam feito muito bem) e uma inovação muito legal na forma de contar a história que me lembrou muito a de filmes como Pulp Fiction: a imprevisibilidade; em que vemos sequências totalmente inusitadas para a forma como a cena se desenvolvia até então, que além de aumentarem o tom de humor, dão uma dinâmica totalmente diferente das dos filmes anteriores da Marvel.
Sabe um filme que você decide ver pensando numa coisa, e com o tempo você vai assimilando que aquilo que você vê é algo totalmente inesperado, e que você vai até o final do filme assim, é bem esse filme.
Psicopata americano: esse ótimo título não traduz simplesmente a dualidade da sanidade do personagem de Bateman, como transpõe para toda a sociedade (americana ou qualquer outra), essas características que tanto o meio como o sistema econômico produz em nós: competitividade, narcisismo e cobiça. Um filme que aparentemente se assemelharia a qualquer slasher da década de 80, se mostra algo muito mais profundo por mostrar que existe em cada um de nós, um Patrick Bateman. No mundo em que vivemos, todos queremos nos dar bem na vida (isso é algo inquestionável), e que para isso, todas as formas tangíveis são testadas para "se dar melhor que o outro". O mais importante nesse "todas as formas tangíveis" é que estamos tão absortos em nossos objetivos que não percebemos o quão estúpidos estamos sendo. Será que lutar por um terno ou um cartão melhor nos faz alguém superior que o outro? Essa visão niilista da sociedade é justamente o foco desse filme. Todas as pessoas são exatamente iguais, todas querem se destacar, mas acabam caindo na sombra do outro, todos querem serem melhores. Tome como exemplo a cena do cartão: cada modelo de cartão é nada mais nada menos que a mesma coisa, com fontes e texturas diferentes, mas é de se notar que o cartão é o mesmo, mais importante que isso é o fato de todos terem o mesmo cargo: vice-presidente. Todos! Um cargo que teoricamente tem grande influência e importância é banalizado pelo design do cartão. Ninguém quer exercer a sua função, mas sim parecerem que a exercem, e é esse mundo de aparências que permeia toda essa realidade. Outro fato de que todos os indivíduos do filme não passem de meros caricatos são as visões de mundo de cada um, algo que para um integrante de uma "seleta" Wall Street deva ser como uma voz divina, mas vocês não tem a expressão de que os discursos de cada um deles não passe de algo que uma Miss Universo proporia, só faltou falar da paz mundial para ficar mais claro. Mais uma vez, o filme mostra a direção do pensamento desses, mais uma vez, "seletos" indivíduos. Algo que até reforça essa ideia, é a falta de identidade das pessoas, em que as pessoas não sabem os nomes verdadeiros de ninguém, seja das prostitutas ou a do próprio Bateman.
Puxando agora para o lado da sanidade, queria falar algo antes em relação ao consumismo: como o próprio Tyler Durden diria: "Advertising has us chasing cars and clothes, working jobs we hate so we can buy shit we don't need". Essa busca pelo melhor corpo, pelo melhor terno, pelo melhor emprego nos guia desenfreadamente para uma direção em que não sabemos mais o que queremos. As personagens desse filme são exatamente assim, eles podem tanto, mas tanto, que não sabem o que querem; não fazem a mínima ideia do que querem, que o "querem" é assasinar, porque precisam, caso contrário, você se sentirá um merda. E reparem nas aspas em "querem"; querer não é o mesmo que realizar, e é por isso que ficamos sempre loucos pelo melhor, e esquecemos o trabalho que tivemos para conseguir o outro, é então essa loucura desmedida, que é o que vai se desenvolvendo ao decorrer do filme.
Eu acredito que existam boas almas em lugares como esse, mas a grande sacada do filme é criar personagens tão, mas tão irreais, frios, tontos, como algo bem pastelão para mostrar justamente como a sociedade como um todo está cega quanto aos seus desejos; corrijo, suas necessidades. E uma coisa é certa, quando se entra nesse jogo: "This is not an exit", como a plaquinha no final do filme diz.
Acho que o grande lance do filme é primeiramente a luta eterna (cíclica) de James em conseguir escapar de sua realidade, viver no seu "presente", já que todos os flashs remetem a esse ponto da sua vida, sendo o ponto mais crítico entre o embate do tempo presente e futuro dele. Ele não quer viver no tempo que vive, e toda a jornada dele vai fazendo-o acreditar que a época por que ele luta não é a época que ele quer viver. E juntamente com a segunda reflexão do filme, que é a sanidade do personagem, vai criando a impressão que ele precisa ferozmente lutar para sair da sua realidade anterior em busca do que quer, que é o passado. Confuso e anacrônico, não? (Foi até difícil escrever a passagem anterior) Essa sanidade que parece ser um movimento de massas tem seu ápice com a explicação de Jeffrey sobre os germes, e a manipulação de pensamento em contrapartida à loucura, na qual ele afirma que algo que hoje é considerado extravagante, louco pode muitos anos depois ser confirmado (como muitas teorias científicas; pegue o heliocentrismo como exemplo), mas que também podem ser desmistificadas da mesma forma posteriormente. E é isso mesmo o que vai acontecendo no decorrer do filme, os papeis dos "loucos" e o questionamento deles sendo alterados o tempo todo (
no começo do filme, James não se acha louco, mas a psiquiatra o acha, com o passar do filme, as coisas tornam-se exatamente o contrário
). Todos os veredictos a partir dessa inversão de fatos começam a ser questionados (seja o fato da pessoa do sonho, da corporação/indivíduo a ter criado o mal); esse meio-tempo do filme é bem complexo, pois as coisas começam a sair do racional, você não sabe quem fez o que, quem acredita em que. Mas uma coisa é certa, James quer viver em outro tempo (a máquina do tempo é uma metáfora a isso, se ela não existir, e James for somente louco, ou estiver sonhando todos os eventos), e nós sabemos que ele quer viver no passado não somente pela passagem dos fatos, mas por elementos expositórios clássicos, como quadros, esculturas e músicas que mostram o prazer pelo que passou na linha temporal do filme. Uma última coisa que queria dizer é o jeito como Terry Gilliam dispõe os enquadramentos das cenas, em que não somente vemos quadros cinematográficos usuais, como também, quadros em disposições difusas e tortuosas dando uma sensação de não-identificação com a situação/época (outra metáfora) e outros quadros que parecem uma cena de teatro, pegando grandes áreas, capturando quase todos os indivíduos na cena (metáfora a artificialidade --> sonho dos fatos).
Não vi o filme norueguês em que este filme é baseado, por isso não sei se há somente uma estratégia de marketing em trazer uma ideia boa para o mundo comercial ou não; acredito eu que remakes, como o próprio nome sugere, uma inovação em algum aspecto, seja narrativa, estética, qualquer, mas que haja alguma mudança não necessariamente melhor. Vendo o filme esquecendo-se disso, vejo uma espécie de aprimoramento da técnica narrativa de Nolan. Sei que não foi ele o responsável pela escrita do roteiro, mas acredito eu que ele tenha tido certa influência na decisão do desenvolvimento dos fatos. Primeiramente, a técnica de flash repentinos na câmera condiz bastante com a situação passada por Dormer, e que embora não seja um Fincher ou um Lynch funciona bem. As atuações são bem estáveis e destaco a de Robin Williams (é bem legal ver que o cara não faz só papeis de bonzinho, e um papel convincente). Mas eu acho que a coisa mais legal no filme, é em si, o enredo e as reflexões por trás dele que estão repletas nos filmes do Nolan. Para começar, digo que não gostei muito do final do filme, esperava algo relacionando a moral/ética com a própria insônia, coisa que não vejo muito; a insônia tem um papel um pouco maior que só o que o filme mostra, mas vamos com calma. A forma como os filmes do Nolan se direcionam, com um grande número de informações no começo do filme que aos poucos são mastigadas para um clímax em que não só o enredo, mas essa reflexão por trás se tornem algo grandioso é algo que desde esse filme é bem forte, mas como disse, não é bem refinada pelo final, e digo o porquê: a insônia no filme, além de agravante da culpa em Dormer serve como um delírio que coloca toda a veracidade dos fatos acontecidos no filme em jogo (
é a partir do decorrer do filme que começamos a nos perguntar se o assassinato do companheiro de investigação foi realmente um acidente, a partir de uma série de flashs
). E é esse delírio que juntamente com a moral nos atos das pessoas move o filme e as posteriores reflexões. Será que as coisas que consideramos certas, são realmente certas se analisadas mais detalhadamente, e o contrário também? E como lidamos com nossas escolhas depois? ("I guess it's about what you thought was right at the time. Then, what you're willing to live with.") Será que criamos ilusões (insônia) para nós mesmos do que fazemos ou vivemos?
Criar um final em que os personagens principais morrem, e a lição mais importante dada é a de manter-se na moral é meio que quebrar toda a linha de raciocínio criada no decorrer do filme; primeiro, porque acabar com o personagem que traz essa "insônia" é como dizer: o problema não é a dúvida, que por um acaso vinhamos trabalhando o filme inteiro, o problema são os casos de polícia, e segundo, porque independente do que fizermos na vida, nunca seguiremos a "moral" perfeitamente, então esse seria um final com um significado totalmente diferente do desenvolvido ao decorrer do filme, com uma significado forte, por ser utópica.
De todo, as indagações ainda ficam no ar mesmo com essas falhas, e o mais importante é ver que nem sempre temos a escolha de fazer da forma como queremos o "certo"; e repare nas aspas.
Embora o filme tenha uma mensagem muito boa, acredito que a artificialidade de alguns elementos acabem tornando o filme também um pouco artificial. Por começar pela forma que a transformação de Derek acontece; o ambiente penitenciário é extremamente maniqueísta na visão do protagonista (
em nenhum momento do filme, as chamadas "minorias" intimidam a ele.
A forma como ele é tratado é até questionada por ele. Alguns especialistas, dizem que por exemplo, a "recepção" de brancos por negros é muitas vezes seguidas de estupros, em que os seguranças tem que até que escoltar o indivíduo por sua própria integridade), e essa visão reveladora que Hollywood adora dar a seus personagens é demasiadamente surreal, e na lógica do sistema, maniqueísta. Talvez, se o filme desse mais momentos com o sistema penal, a mudança do personagem faria mais sentido, pois diferentemente da mudança pelo radicalismo provindo do pai no início do filme, aqui não é algo subentendido, e simplesmente fácil. Continuando, a forma como os skinheads lidam com a notícia da mudança psicológica de Derek ao decorrer do filme é no mínimo risível. Um cara não pode simplesmente sair desse meio sem consequências, como o próprio Cameron diz, sendo assim, eu esperava que houvesse alguma retaliação por parte deles, e que a cena final por exemplo, fosse o assassinato de Danny por um próprio skinhead (algo que mostraria com mais impacto a falta de sentido em fanatismo), ao invés de um negro (que ao seu meio também mostra essa mensagem de uma forma mais superficial). As atuações do filme são de certo impecáveis, isso não tem como se questionar, mas a forma como os indivíduos são desenvolvidos pelo enredo são não de todo ruim, mas não críveis. Uma coisa no entanto boa, é tanto a brutalidade e as frases fortes sem sentido dos fanáticos que nos fazem odiar cada integrante dessa ideologia de uma maneira maestral. (
Exemplos como a cena da mesa de jantar com o professor judeu e a do assassinato no asfalto
). O filme de todo não é ruim, como já disse. O problema não está no desenvolvimento em geral, mas na forma como ele é criado. Por fim, gostaria de dizer que as cenas de flashback em P&B são geniais, que não somente servem para estabelecimento temporal, mas metaforicamente que como não vemos as cores, não a diversidade visual, transpondo para a ideia do filme, o preconceito quanto a multidiversidade, sendo assim, todas as cenas radicalizadas são em momentos P&B, demonstrando a não-aceitação pelo novo/diferente.
Não
4.2 472 Assista AgoraAcredito que antes de falar sobre qualquer coisa do filme, seria interessante contextualizá-lo. Sendo assim, um golpe militar lança o general Augusto Pinochet em lugar de Salvador Allende, no dia 11 de setembro (data que atualmente é muito mais lembrada por uma outra tragédia) de 1973. Consta-se que existiram muitas mortes de oposicionistas no período de ditadura, trazendo muito sofrimento e angústia. Pelos anos 80, por pressão externa, principalmente dos EUA (embora eles tenham sido os principais apoiadores da campanha de Pinochet anteriormente), o Chile se vê forçado a regulamentar o governo de Pinochet, visto que um mando ditatorial nessa Nova Ordem Mundial não cairia bem para nenhum tipo de relações exteriores. Com essa abertura, muitas dissidências políticas começaram a se unir, de forma a tirar Pinochet do governo. É nessa situação em que vemos o filme, e o seguinte comentário, que terá spoilers...
Logo nos vemos com um personagem que aparenta ser bem seguro, certo do que fala, um indivíduo que parece já ter feito o mesmo discurso milhares e milhares de vezes. A seriedade no tom e nas palavras da fala de René Saavedra (Gael García Bernal) aparentam mostrar que estamos diante de uma inovação do século, enquanto na verdade estamos somente no lançamento de uma bebida (o que historicamente faz sentido, já que apoiado pelos EUA, o Chile incentivava uma política mais neoliberal, permitindo até mesmo propagandas um tanto contraditórias como a da bebida Free - liberdade, numa época ditatorial). A propaganda para a época e local eram de fato inovadoras, mas sabemos que isso é, como o próprio René diz, uma cópia, dos americanos. Aos poucos, vamos vendo a situação que assola todo o país, e mais do que isso, vemos a posição em que René vai se colocando: ele parece tentar se alienar de toda a situação, talvez por não se importar com a forma com que o governo tomará, já que sua vida se manterá a mesma (carro moderno, um dos primeiros a ter as novas tecnologias - microondas, ter uma casa bem confortável), ou mesmo por estar desacreditado do futuro, já que por já ter tido um contato com o mundo mais político, chegando ao ponto de prisão, ele acredita que toda a eleição esteja forjada. O certo é que René acaba aceitando participar da campanha do No. Por quê? Se vimos que independentemente do motivo dele, ele parece tentar se alienar da política, por que ele adentra nesta campanha? Embora tentando se alienar da política, René vive numa sociedade, e desde o ponto em que o oferecem a proposta até ele aceitar, passamos por uma série de imagens que o parecem atormentar, mesmo que minimamente. René vê sua mulher e outros manifestantes sendo fortemente reprimidos pela polícia, René sofre ameaças do chefe (mesmo que ele saiba que não será demitido, já que movimenta grande parcela das atividades, o sentimento de mostrar ao seu superior que também pode, se propugna nele), e de certa forma, René não pode negar o passado pelo qual passou. Mesmo não sendo motivos que contem fortemente para a iniciativa dele, René com certeza deve ter aceito a investida por algum destes motivos.
A partir do momento que o personagem finalmente aceita lutar pela campanha, vamos percebendo que mesmo num ambiente de alta tensão, René ainda se utiliza de seus dotes publicitários para tentar modificar o país. Quanto a escolha de René pelos oposicionistas, podemos imaginar que seja devido unicamente ao seu passado político, já que muitos logo percebem que ele não atingirá suas expectativas, desistindo da campanha. De um modo geral, analisando a própria propaganda do refrigerante, percebemos que ele não é um grande publicitário: embora o mímico seja uma de suas marcas, essa figura normalmente não é relacionada com a alegria, visto que eles normalmente mimetizam a realidade, vivem em "seu mundo"; além disso, focar mais no cantor do que as pessoas que estão apreciando o show não me parece criar uma sensação de liberdade ao público. De qualquer forma, com algumas estipulações que os partidos fazem, René consegue difundir a sua ideia de alegria e felicidade para motivar o povo a criar coragem a ter um futuro novo e diferente. Não quero discutir a eficácia das propagandas, já que historicamente sabemos que elas surtiram efeito, prefiro me ater as características retratadas no filme do personagem principal.
René, como já dito anteriormente, cria imagens de felicidade e alegria para incitar a população a se mobilizar. Sendo então o publicitário que é, percebemos que sua vida é criar simulacros da realidade para aparentar possuir certos aspectos que muitas vezes não tem. Isso de fato não é uma exceção para sua própria vida. A vida dele é quase um "American Way of Life", não? Os produtos e novidades ele tem, só falta ter a família. René pode até mesmo sentir algo por Verónica (Antonia Zegers) ou pelo seu filho, mas mesmo que tente fingir que sente, ele não parece expressar da melhor forma, o que quero dizer é que eu não gostaria de ter um pai assim, por exemplo. A vida dele é uma ilusão para os demais, para o trabalho (enquanto ele trabalha para um apoiador da campanha do Si, ele ajuda o No). O trabalho, a família representam a ele algo mais simbólico (como a publicidade é, cheia de símbolos). O exemplo que elucida melhor o sentimento dele pela família ou pela campanha é a da reunião pública do No em que a polícia começa a enfrentar algum dos integrantes, tornando-se rapidamente um pandemônio. A primeira frase que René solta é: "Porra, meu carro.". Não algo como um: "Porra, minha mulher está lá no meio" (já que ele ainda "sente" algo pela sua ex-mulher), ou "Filho, vamos sair daqui.", ou até mesmo, "Não revidem pessoas, mantenha o discurso pacífico.". Não é nada disso. Ele não liga para nada disso. A vida dele é um simulacro. Até mesmo no momento em que René aparentemente está "mais humano", que é quando ele sofre ao ver a ex-mulher com outro cara, mesmo sofrendo, ele não expressa nada a ela nem ninguém mais, e volta ao normal no dia seguinte. Nesta cena, vemos também que o trabalho dele, a campanha do No, invadiu a vida pessoal dele na figura da camisa do namorado da ex-mulher. Sendo assim, as duas coisas que deveriam ser as mais importantes em sua vida até então, estão crescendo, mas ele não está psicologicamente imerso em nenhuma das duas. E é por distanciamento que mesmo depois da derrota do ditador que René se mantém inerte ao redor da comemoração da vitória do No, que continua usando seus mesmos bordões, que prossegue vendendo da mesma forma.
Por último, mas não menos importante, alguns aspectos técnicos também ajudam a criar esse sentimento ilusório que metaforicamente envolverá toda a obra. Primeiramente, o uso da U-matic 3:4 (que dá o efeito aos pixels mais granulados e às cores mais borradas), cria esse ambiente mais antigo, até mesmo saudosista para as pessoas que viveram nessa época de júbilo, mas que também remete a publicidade, já que ela era usada com muita constância por essa profissão. A trilha sonora, composta unicamente de sons instrumentais, geralmente melancólicos, mostra esse conservadorismo (ditadura militar) ir se esvaindo. As câmeras sempre tremendo e se deslocando rapidamente e caoticamente, em que vemos as vezes personagens que estão falando não enquadrados inicialmente, levando um tempo para a câmera se movimentar ao seu foco. Todos esses cuidados criam essa sensação de um documento afetivo da época, como já dito um pouco antes, mas também, sendo artifícios da publicidade (casualidade, caseiro, dinâmica) enfatizam ainda mais esse simulacro, já que como um todo, temos um filme (simulacro 1) que conta a história de um personagem confuso (simulacro 2, como discutido acima), a partir de estéticas mais antigas (simulacro 3), que tenta a partir de telas de televisão e propagandas convencer as pessoas a acreditar nesse novo futuro (simulacro 4), retratando uma época passada (simulacro 5). Nesse momento vocês devem estar se perguntando: "Se o filme é todo um simulacro, se o personagem é também um outro simulacro, por que toda essa investida deu certo?" Porque as pessoas acreditam em ilusões. Quem nunca quis ser um astronauta, ou voar, ou procurar pela paz, ou viver feliz? Todos nós temos nossas ilusões, e gostamos de acreditar nelas, porque elas nos fazem continuar a viver, e criar novas expectativas. E é por isso que um simulacro dá certo, porque é justamente um simulacro.
Extra: algumas cenas são muito interessantes.
1) Em 1:33:53 temos a aparição de um arco-íris (símbolo do No) no meio dos embates, o que me faz pensar em duas coisas. Pensaram nisso e colocaram muito bem, ou foi simplesmente uma coincidência muito feliz. Colocar o símbolo da esperança no meio das revoltas é afirmar que embora o tempo atual (violência nunca é legal) seja difícil, tempos vindouros vão ser bem melhores.
2) Temos duas cenas que René anda de skate. Na primeira, a ditadura ainda não havia caído, então vemos um personagem andando para um ponto fixo no fundo, sem ninguém nas ruas e sem obstáculos. Logo após a comemoração da vitória do No, René anda novamente no skate, num "take" muito mais longo, repleto de pessoas, desviando de diversas coisas, com um câmera ainda mais tremida, acompanhando todo o movimento. Isso denota que as pessoas realmente foram tocadas pelas propagandas, que mesmo um simulacro (o movimento de René desviando de obstáculos representa metaforicamente essa ilusão criada para a realidade, a partir de ideias tortuosas). O semblante de René mostra que ele sabe que tudo isso foi um simulacro, por isso a expressão dele até mesmo na comemoração.
Biutiful
4.0 1,1KFalarei sobre o próprio Biutiful, traçando panoramas gerais com a obra de Iñárritu, então haverá spoilers (só do Biutiful)!
Para quem já viu outros filmes de Alejandro González Iñárritu, fica claro os temas com que o diretor gosta de trabalhar, tanto como a forma como ele os aborda. Um pouco diferentemente dos filmes que precederam Biutiful, este filme tem um enlace de histórias um pouco mais moderado, se concentrando em sua maior parte em Uxbal (Javier Bardem). A dinâmica de filmes como Amores Brutos (2000) e 21 Gramas (2003), em que vemos várias histórias que se cruzam num enredo maior, dando a sensação de que a vida é uma gama de relações mais complexa do que podemos imaginar, é muito mascarada nessa obra, justamente para nos impelir a sentir mais dó de toda a situação. O que nos leva a ver como Iñárritu transparece o mundo em seus filmes: o pessimismo. Desde Amores Brutos, vemos personagens frágeis, marcados por algum sofrimento passado, essa angústia de viver cada dia sem conseguir mais levar adiante; não há exceção nem às crianças, visto que elas estão imersas numa família totalmente desestruturada. Essa forma tão negativa de se ver o mundo, com o fato de ele ter crescido num país onde grande parte da cultura é influenciada por um tom altamente melodramático, acabam por criar uma obra, por vezes sensível, por outras artificial.
Nesse filme, Iñárritu tenta utilizar-se de uma dinâmica já recorrente em outras obras dele, ao contar parcelas futuras do filme, logo no início dele. A cena inicial é de uma sensibilidade imensa, já que somos colocados em 'close' com duas mãos numa cena de carinho e de falas amendoadas. A cena embora escura, tem um brilho ameno que a deixa ainda mais casual, acentuando essa sensação de aproximação. Com o decorrer do filme, vamos imaginando que esta cena retrata Uxbal conversando com Marambra (Maricel Álvarez), no entanto, pelo final do filme, somos totalmente contraditos com a figura da filha. Um detalhe importante na história do anel é outro tema recorrente na obra de Iñárritu: a continuidade das gerações. A história acerca do anel começa com o pai de Uxbal que passa para sua mulher, esta estando grávida, antes de fugir para o México. Uxbal, anos mais tarde, receberá o anel da mesma forma que sua mãe. No final derradeiro do filme, vemos que Uxbal mantém esse ciclo de continuidade. Isso é visto também nas falas de outras personagens e dele próprio ao dizerem que não querem que seus filhos tenham a mesma vida pela qual passaram (Uxbal perdeu os pais precocemente, e não quer deixar os filhos a sós no mundo como ele mesmo ficou. Ige (Diaryatou Daff) diz que o lugar de pessoas do seu "tipo" não é na Espanha, e não quer que o filho viva como o pai viveu. O filho de Lili (Lang Sofia Lin) acaba morto da mesma forma que a própria mãe). Mais uma vez, esse tema não trabalhado unicamente neste filme (em Amores Brutos o filho do irmão de Gael García Bernaz vive uma vida medíocre num lar também desestruturado. E por fim, os filhos marroquinos estão basicamente fadados a viver daquele modo que os pais viveram, e prosseguir assim ciclicamente). Essa questão determinista, de que as próximas gerações viverão conforme os antepassados viveram é outro fator que contribui para o aumento do pessimismo em suas obras.
Prosseguindo então na primeira cena, vemos todo esse clima de afago ser totalmente substituído por uma floresta coberta de neve, que costumava ser somente água salgada. Repare nessa informação: "água salgada". Uxbal desde o começo do filme infere que tem um certo temor do barulho e da própria figura do mar, não é a toa que quando chega o seu momento de morte, ele esteja num desconforto imenso, sobre o que originalmente seria o mar. Esse não é o único momento em que o mar "amedronta" nosso protagonista, para ser bem sincero, o filme inteiro dialoga com esse pavor dele, já que ao decorrer de toda a obra vemos imagens que remetem ao mar. Temos por exemplo, um adesivo de peixe na parede de seu banheiro, um aquário luminoso no quarto de seus filhos, uma parede totalmente pichada na forma de um tubarão que está prestes a engolir um barco, várias televisões mostrando baleias encalhadas, e os próprios filhos dizem que estão cansados de só comerem peixes. O filme inteiro espanta esteticamente o nosso protagonista, criando a sensação de perigo constante ao lançar imagens que remetem a esse pavor ao personagem. Outra forma de criar essa mesma sensação está presente no filtro e nas próprias cores do filme. A todo momento, vemos paredes, céus, mares, roupas e objetos pessoais na coloração azul; quando não, a própria cena tem uma iluminação pendendo para uma matiz mais azul (não é à toa que Iñárritu levou 14 meses para editar este filme). Portanto, percebemos que não é somente a angústia do personagem que nos faz sentir mal o filme todo, mas é o próprio filme que cria essa sensação, nos sufocando de imagens perigosas ao personagem. O único momento em que não vemos esse filtro azulado, ou mesmo objetos em azul é na cena em que a família parece estar melhor, tomando os sorvetes. Se formos perceber, esse é o único momento de alegria do filme todo, já que a desgraça é como se fosse a respiração de uma pessoa nesse filme.
Outro ponto importante na obra de Iñárritu é a forma como ele une camadas sociais e etnias menos favorecidas num mesmo filme (Em Babel temos os marroquinos na extrema miséria e a japonesa surda, embora eu pessoalmente ache que esse filme seja muuuuito forçado na forma como as ligações são feitas. Em 21 Gramas temos garotos de rua que são instigados a se converter ao cristianismo. E em Amores Brutos, temos um mendigo esfarrapado, além de personagens que vivem a partir da clandestinidade da briga de cachorros para sobreviver). Este filme não é uma exceção, já que vemos imigrantes chineses sendo explorados em condições desumanas, senegaleses que vivem da venda de objetos falsificados e drogas para sobreviver, além do próprio protagonista que media todas essas ligações. Além disso, eu senti algo que não havia sentido nos outros filmes: uma crítica à autoridade da polícia. A crítica é bem aparente na figura do policial corrupto, que aceita o suborno, mas ela é ainda mais forte na brutalidade com que os policiais perseguem os senegaleses, numa das tomadas mais belas de tristes do filme, e a seguir, prende os chineses. Numa época em que várias pessoas questionam o papel da polícia na sociedade, esse filme parece cair de barriga nessa crítica. No entanto, eu acho que mais do que a crítica à polícia, temos outra que é ainda mais forte, também representada na figura daquele policial corrupto: uma crítica ao sistema (Tudo bem, agora joguem as pedras em mim... eu sei que falar que há crítica ao sistema é algo já bem clichê, senão argumento de quem não tem argumento, mas aquela fala que o policial diz que ele faz isso porque de outra forma não conseguiria sobreviver me instigou bastante). Um sistema que não consegue nem dar as mínimas condições de sustento para os trabalhadores que mantém a ordem no Estado; eu acho que mostrar isso para criticar o sistema é até mais forte do que mostrar pessoas menos privilegiadas totalmente sem prognóstico de futuro.
Por fim, o enfoque espiritualista pode vir tanto das alucinações do câncer, pode mesmo ser algo que ele tenha capacidade, ou mesmo mais uma das formas que ele se utiliza para enganar os outros em troca de dinheiro. Uma coisa é certa, depois de toda essa análise, temos um sentimento dúbio em relação ao protagonista, pois ao mesmo tempo que ele é uma figura a se sentir pena, que se importa com a vida dos demais (comprando o aquecedor aos chineses, ou ajudando Ige depois da prisão do marido), vemos um cara que como qualquer outra pessoa, precisa sobreviver nesse mundo de adversidades, muitas vezes fazendo coisas que ele mesmo poderá se arrepender. Num plano maior, todas as pessoas no mundo de Iñárritu são miseráveis, e todas criam sentimentos dúbios ao espectador (sentimos pena de Ige, mas ao mesmo tempo ela deixa Uxbal e seus filhos para trás para retornar a seu marido e país de origem, para tentar recompor a vida). O que ele tenta retratar a nós é que mesmo que tentemos resolver todos os problemas antes de nossa morte e ser a melhor das pessoas que já pisaram no mundo, sempre cometeremos algo imoral, mesmo que sem a intenção, para manter a própria integridade ativa. E é isso que o final do filme retrata. Se Uxbal tivesse conseguido resolver tudo o que tentou até o fim da vida, a sua morte seria uma morte relaxada, uma morte calma, e ele não estaria entrando nesse "mundo dos mortos" num lugar totalmente azul, na presença do fantasma do pai dele que assolou seus pensamentos a vida inteira, sobre um local que antes era repleto de água salgada. Até aí a visão do filme seria bem pessimista, algo a se chorar e se perguntar o porquê da vida ser tão sem sentido assim, no entanto, Uxbal diz a última frase: "O que tem ali?". No mundo dos mortos há uma esperança, uma esperança que pode deixar de lado todo o passado triste, que no caso é retratado pelo quadro das árvores solitárias no filtro azul. E o mais incrível desse final é o fato de Iñárritu não mostrar o que Uxbal vê, fazendo então com que nós imaginemos o que nos espera não só no mundo dos mortos, como no nosso próprio futuro. A maioria das histórias com que Uxbal estava envolvido, acaba de uma maneira seca, muitas vezes sem resolução, o que mostra que essa conclusão que Uxbal queria dar aos seus problemas nem sempre é certo, e muito complicado. O filme pode pecar bastante nos 'takes' altamente melodramáticos, mas acontecimentos não tão espalhafatosos quanto os dos outros filmes fazem com que esse seja o filme de maior aproximação sentimental. O que sinto que faltou um pouco nesse filme, embora tenha tido toda essa complexidade visual, foi uma maior dinâmica nas relações entre as personagens que é perfeitamente bem feita em Amores Perros e 21 Gramas, mas que não tira o fato de este ser um ótimo filme.
O Sétimo Selo
4.4 1,0KVer uma obra como essa é algo realmente complicado, e dependendo da profundidade que tentamos decupar o filme, temos opiniões diferentes. O que para alguns pode parecer simplista, pode maravilhar outros. O que farei a seguir, é expor algumas impressões acerca da técnica utilizada, do contexto histórico do filme, traçando panoramas com a situação que a Europa passava na época, e das figuras alegóricas que recheiam toda a narrativa. Cabe então a você decidir se essas imagens embelezam ou não acrescentam nada às suas impressões... (Detalhe: spoilers à vista! ;) ).
A primeira barreira que pode causar um certo estranhamento a nós é o fato do filme ser inteiramente P&B. De fato, juntando isso com o estilo de filmagem europeia ('takes' mais longos, câmeras com poucos movimentos e poucos cortes), o filme pode não agradar os mais influenciados pelo cinema hollywoodiano, mas assistir ao filme com esse pré-conceito, pode deixar passar grandes detalhes que só agregam valor à obra aos olhares desses cinéfilos mais despercebidos. A ausência de cores, quando bem trabalhada, pode criar uma sensação que o cinema atual não consegue reproduzir: a imaginação dos sentidos. No P&B, enfatizar que as maravilhosas amoras que o cavaleiro Antonius Block (Max von Sydow) degusta são roxas, nos faz criar uma imagem na cabeça de uma cor bem forte e vívida, que condiga com a formosura expressa nas palavras da atriz Mia (Bibi Andersson) ao descrevê-las. Da mesma forma que olhar para a expressão de alguma personagem no filme, nos faz imaginar o sentimento dela, a ausência das cores faz com que o ambiente seja entendido por nós de uma forma muito mais fundamentada, justamente por termos um trabalho a mais de imaginação. Outra função do P&B neste filme dialoga com o papel do xadrez no filme. É certo para todos que as cores do tabuleiro e das peças são justamente, o preto e o branco. Sendo assim, a utilização dos mesmos tons para o filme todo, indicam que o significado do xadrez se expande esteticamente para o resto da obra. Mas antes de explicar o papel do jogo de xadrez, vamos contextualizar um pouco as aflições e o que move Antonius por toda essa derradeira jornada.
Antonius, como vários outros nobres, acaba de combater em nome de Deus nas Cruzadas. E após várias batalhas, que o próprio escudeiro (Gunnar Björnstrand) considera, infrutíferas, eles começam a retornar à seu castelo. Até aí, uma história bem recorrente desde os primórdios (a própria Odisseia retrata o retorno de Odisseu à casa após as guerras da Ilíada). O que dá um diferencial à narrativa é a forma como cada personagem vai lidar com todos os acontecimentos recentes, e como vai levar a vida daí adiante. Com o acréscimo da figura da peste, que historicamente, não ocorre no mesmo momento que as pós-Cruzadas, mas que Bergman utiliza-se desse para enfatizar ainda mais o sofrimento daquelas pessoas. O então cavaleiro, desacreditado das conquistas da guerra, vendo que o sofrimento e a morte estão perto, começa a se questionar sobre seus grande feitos, sobre o conhecimento adquirido, e principalmente, sobre a religião e a existência de Deus. A vinda da Morte é tanto um sinal de alerta ao cavaleiro, como a de alívio, já que ele acreditava que a busca pelo conhecimento que ele ansiava poderia ser respondida pela figura poderosa da Morte. No decorrer de todo o filme, o cavaleiro busca a partir de tentativas diferentes confirmar que a pessoa em nome que ele lutou realmente existe, seja perguntando para a Morte, seja com a garota que diz ter falado com o Diabo, ou mesmo com o que ele achava ser o padre, mas que depois se mostra a própria Morte. Por sua vez, Jöns é um cara muito pragmático, que consegue reunir pessoas com uma grande facilidade e que muito diferente de seu cavaleiro, não perde tempo se questionando sobre a vida. Em algumas cenas do filme, os papeis dos dois parece se inverter, já que temos um escudeiro muito mais impositivo e bruto que o indivíduo que, na verdade, deveria mandar nele. Essa é uma crítica forte a elite sanguínea, que não lutou pelas suas comodidades e que muitas vezes se vê num papel totalmente adverso ao que realmente deveria ter. Então, enquanto de um lado temos a figura de um pensador, um indivíduo que teme não ter por que viver, e mais do que isso, não conseguir achar a resposta dessa questão, independentemente dos esforços que fizer, do outro, ficamos com um homem mais decidido, que prefere agir a ficar resignado diante de maus atos cometidos no passado. É de grande estranheza achar figuras desse tipo na época em que o filme é retratado, não? De fato, essas são duas alegorias modernas; alegorias vigentes na época em que o filme foi produzido, na época da Guerra Fria. Enquanto de um lado temos os idealistas (Antonius), do outro temos os realistas (Jöns). Assim como no filme, são os realistas que movem a sociedade, são eles quem decidem como uma unidade de poder deve ou não proceder, mas são nas eras de crise, como as Cruzadas, que os idealistas, a partir de seus questionamentos, levantam hipóteses da identidade do erro. Num mundo contemporâneo em que a bipolaridade prevalece, os estados não andam à frente, justamente por não haver um consenso entre os dois lados, o que vale da mesma forma para essas correntes. Sendo assim, a melhor personalidade que as protagonistas do filme poderiam ter, seria justamente a mistura de Antonius com Jöns. No entanto, mesmo possuindo essa balança de personalidade, ninguém conseguiria alcançar esse conhecimento que Antonius tanto procura.
Você deve estar me perguntando agora: "Você fez toda essa volta para caracterizar a melhor postura que o ser humano poderia ter, desmentiu-a e não concatenou com a ideia inicial do xadrez. O que você está querendo dizer com tudo isso?". O que eu tenho a dizer é unicamente: "Calma, tudo fará sentido.". Antonius propõe então um jogo de xadrez com a Morte, tanto para postergar narrativamente a sua morte (já que desde o encontro inicial com a Morte, ele já estaria fadado a morrer), como para tentar entender o sentido da vida, atestar a existência de algumas figuras e realizar um último ato que ateste que sua vida foi boa. Esse jogo de xadrez percorre o filme inteiro, sendo assim, percorre todo o restante da "vida" do cavaleiro. O xadrez é então a metáfora para a vida, a vida que minimamente perdida, não se cansa de lutar, visto que o importante não é a morte/conformação/rei, mas sim o processo com que ganhamos ou perdemos. Tratando-se da Morte como adversária, sabemos que o destino é a da derrota. No entanto, Antonius não percebe que ao invés de se questionar sobre o porquê de já estar morrendo e não ter conhecido tudo o que queria, o que ele deveria estar fazendo era justamente viver, assim como o seu escudeiro o faz. É claro que como já discutido anteriormente, a forma como se deve viver deve ser permeada de algumas privações, mas que o mais importante é saber aproveitar o processo, pois como o próprio filme ilustra: no fim, todos (elite, artesãos, trabalhadores, clero), até mesmo os artistas que aparentemente fugiram, mas que na verdade só não foram levados ainda, morreram. Como visto anteriormente, disse que mesmo tendo as qualidades que ambos Antonius e Jöns têm numa única pessoa, a capacidade de chegar nesse conhecimento seria intangível e se aplica perfeitamente a essa ideia de morte. O conhecimento que cada um deles quer, pode ser diferente, no entanto, não tira o fato de ambos quererem algum conhecimento. E é aí que a figura dos artistas entra. Os artistas são aparentemente a única parcela da sociedade que não se importa com a peste, com o que foi a guerra e o que ela representa (ridicularizando-a em forma de teatro); eles são a representação da ignorância. A ignorância que acalma pela única vez o cavaleiro, ao oferecer as amoras e o leite, a ignorância que consegue se levantar em tempos adversos com um simples sorriso do filho, a ignorância que por não tentar buscar esse conhecimento, sorri e vive como se nada estivesse acontecendo. O que Bergman faz aqui não é dizer que ser ignorante é o que todo ser humano deve ser, o que ele diz é que a ignorância faz com que nosso processo até o fim seja mais leve, menos angustiante, visto que os ignorantes terão o mesmo fim que os demais. Perceba que seguir isso é uma escolha, mas que não é a única forma de seguir a vida. Se todos fossem iguais desse modo, a vida seria um grande plágio. Essa diversificação de personalidades é a beleza da humanidade, e o que Bergman mostra aqui não é que a personalidade de Jöns é melhor que a de Antonius, ou que as dos artistas transcende as dos demais, mas que dependendo da escolha que cada um fizer, o processo até esta Morte (aqui podendo ser tanto maiúsculo como minúsculo, de acordo com a lógica do filme) é mais, ou menos doloroso. Ou seja, cada um deve viver a vida da melhor forma que entender.
Agora que já entendemos o raciocínio do filme, mesmo que ele não deixe uma mensagem clara como outros filmes hollywoodianos fariam (entenda, é a segunda vez que comparo com essa indústria de cinema totalmente diferente, mas não a reduzo. Há muita qualidade nesse meio, sem dúvida alguma.) podemos partir para o último tópico da discussão, o tópico que Bergman "amava": a religião. Como visto muitas vezes acima, Bergman critica várias parcelas da sociedade, mas não há uma figura que haja mais críticas como essa. Para começar, é bem claro que o monge (Anders Ek) é para onde são direcionadas o maior número de críticas. A pessoa que convenceu o cavaleiro a lutar nas Cruzadas, a figura sagrada que todos os cidadãos respeitam, transforma-se num batedor de mortos, estuprador de mulheres e a pessoa que ridiculariza o próximo. Só isso, destrói toda a figura santa e sagrada desses indivíduos, que assim como a elite sanguínea, possui privilégios, totalmente desmerecidos. Outro ponto bem incisivo é a forma como os flagelantes e os inquisidores (as pessoas que queimam a bruxa) são retratados. Esses grupos que deveriam ser só mais um ramo da Igreja, se mostram figuras quase que demoníacas, por serem tão sombrias. Além disso, Bergman retrata como o fanatismo (algo que deve ter sido influente na família dele) leva as pessoas à total intolerância; preceitos totalmente opostos aos difundidos pela Igreja. E por fim, critica os próprios fiéis, que são retratados numa sociedade de aparências e machista (as mulheres são retratadas como simples objetos, para estupro e posse), em que diferentemente do que a religião diz para seguir, fornicam, estupram e difamam. Criticando então desde o alto escalão até as bases da religião, Bergman mostra uma análise bem pessimista do que é ser religioso nesta época, e mais do que isso, a refuta.
Esta grande obra pode não te maravilhar, ou pelo contrário, pode magnificar, mas é com certeza um trabalho de grande primor e cuidado, seja aceitando a postura religiosa dele ou não, ou mesmo, acreditando na figura mística da Morte, ou considerando-a como somente a personificação da peste, que leva rápida e indiscriminavelmente.
O Silêncio dos Inocentes
4.4 2,8K Assista AgoraEsse comentário terá muitos spoilers...
De vez em outra, nos deparamos com filmes fora do eixo angariando premiações por todos os lados. O Silêncio dos Inocentes é um ótimo exemplo de uma obra dessas; e não é por menos, já que temos atuações mais do que memoráveis. Primeiramente, vemos uma garota indefesa, engajada e sonhadora, como a que Jodie Foster vividamente reproduz (a cena em que Clarice Starling (Jodie Foster) se encontra pela primeira vez com Jack Crawford (Scott Glenn) ilustra bem essa garota dedicada, embora inexperiente, simplesmente pela forma de agir, com passos sempre bem ritmados e perpendiculares, como se fosse um robô programado a realizar determinadas tarefas. Além disso, vemos uma garota trajada com roupas mais simples, sem serem chamativas, denotando esse caráter mais recolhido e isolado que a personagem vai desenvolvendo no decorrer de todo o filme). Para continuar, nos vemos pressionados psicologicamente por a figura imponente e segura de um homem de meia-idade, com olhos sempre fixos e passos mais regrados ainda do que os de Clarice. Todo esse porte do Dr. Hannibal Lecter (Anthony Hopkins) é ainda prosseguido de uma fala pausada e forte nas sibilantes, dominado de trejeitos bem frios e calculados. O que cria a sensação ainda mais aterradora é o trabalho de câmeras que pega o personagem sempre muito próximo em câmeras subjetivas (que seriam as câmeras que retratam o que o personagem vê em primeira pessoa), como se Hannibal fosse invadir não só a privacidade de Clarice, como a nossa própria, já que nós vemos o que ela vê, e por conseguinte, sentimos o que ela sente.
Outra das categorias bem aclamadas nesse filme foi a de roteiro, e de fato, temos aqui um roteiro ao mesmo tempo misterioso, andando a passos largos e nos fazendo descobrir a cada nova cena uma peça que no final se encaixará no grande quebra-cabeça do filme, caracterizando assim um filme típico de thriller, quanto uma história envolvente que juntamente com o trabalho de direção de fotografia e de direção (o porquê disso será explicado mais adiante), nos prendem de forma tão incisiva que não perdemos a tensão em único momento sequer, já que a cada novo momento vemos um novo acontecimento trará novas consequências e que em ciclo, nunca cessará até mesmo após o final do filme. A trama se baseia na personagem de Clarice, que inicialmente ingênua da situação como um cordeiro, acaba sendo colocada aos pés de toda um emaranhado de doentes mentais para resolver um caso que vem causando dores de cabeça ao alto escalão do FBI e à própria população. Repare que eu disse "como um cordeiro", e o filme realmente traça um panorama entre a imagem de um acontecimento passado na vida da protagonista com a de algo puro, ela mesma, sendo maculado pela sociedade distorcida. Como a própria história se desenrola, Clarice, como Hannibal muito bem pontua, acredita que resolvendo o caso de Buffalo Bill (Ted Levine) e salvando a vida de ao menos uma garota, sanará o pesadelo ocorrido na fazenda dos tios. Ao finalmente vermos Clarice alcançando seu objetivo, vemos uma garota mais relaxada e suavizada, no entanto, essa falsa ilusão que criada por ela, para ela mesma mascara o fato de que ela nunca irá conseguirá superar tal passado, pois uma vez maculada, não haverá caminho de volta. Essa ideia é realmente transposta para o contexto geral do filme e para nossas próprias vidas, já que tendo melhor noção de como as coisas funcionam no mundo, percebemos que traumas, felicidades e sonhos passados são lembranças, sendo portanto, questões atemporais que ficarão guardadas em nossas vidas, independentemente do que façamos para apagá-las; conseguimos no máximo, mascarar ou ignorá-las, como Clarice bem faz, mas nunca esquecê-las.
Outra questão bem presente nesse filme é a sanidade de cada indivíduo. Será que traumas em nossas vidas despertam atitudes psicopatas, como acontece com Buffalo Bill? Se fosse assim, Clarice, como qualquer um de nós, poderíamos ser muito bem psicopatas também. É aí que nos perguntamos, o que é um psicopata? Será que realmente não somos um? Um psicopata é uma denominação criada pela sociedade para categorizar indivíduos que não se adequam às leis e posturas aceitáveis. Dessa forma, psicopatas não existem fora de uma sociedade, e dependendo de cada organização, podemos ter indivíduos considerados psicopatas com tendências diferentes. Este tema é, com certeza, muito polêmico, no entanto, as formas com que podemos retratá-lo são inúmeras, e me parece que nesse filme, a principal questão acerca deste assunto não é a das origens de uma psicopatia (mesmo que Hannibal dê várias suposições de como uma possa se formar), mas sim essa mesma discutida anteriormente de um questionamento de o que e quem pode ser categorizado um doente mental. Hannibal é um bom exemplo disso: vemos uma pessoa extremamente racional, culta e persuasiva. Por que Hannibal é mais psicopata que Frederick Chilton (Anthony Heald), já que este se demonstra alguém altamente emocional, explosivo e irascível? Eu acho que esse questionamento é por si só, já bem assustador, pois tira a representação caricatural do que venha a ser um psicopata, e expanda o conceito a vários novos horizontes.
Toda essa manipulação de Clarice em vias de conseguir a ajuda necessária para a captura de Buffalo Bill esconde uma crítica muito bem arquitetada, muito por algumas cenas em específico, da sociedade machista opressora das mulheres. Clarice está praticamente envolta de um universo de homens que ora se mostram corteses, como o próprio Hannibal, e ora se mostram lascivos, como Miggs (Stuart Rudin) bem caracteriza. O filme todo vai mostrando esse ambiente opressor a partir de cenas um tanto quanto alongadas, em que temos uma sensação de angústia no ar, já que vemos homens cercando Clarice de uma forma atípica (a primeira cena em que vemos isso com clareza, é quando Clarice entra num elevador, e se vê rodeado de vários homens vestidos em vermelho - 04:10. Essa imagem de roda aparece mais tarde também na casa em que os agentes analisam o corpo já morto de uma das vítimas de Buffalo Bill, com vários policiais dentro do cômodo - 39:25. Outra cena em que vemos isso acontece antes de Clarice se encontrar com Hannibal pela primeira vez, em que uma câmera subjetiva vai mostrando o olhar tenso dela no local em que estão os seguranças do manicômio - 10:55). Outra forma de retratar esse desconforto acontece no toque das mãos, em que vemos um Hannibal acariciando a palma da mão de Clarice (1:13:35) e uma câmera fixada no cumprimentar de mãos entre Clarice e Crawford (1:51:45). E por fim, mais uma vez o trabalho de câmeras subjetivas pegando em um close muito próximo a pessoa a frente, mostra esse homem que parece tentar invadir a privacidade de Clarice a todo momento. Podemos criar uma analogia da mulher nessa sociedade machista com a mariposa em seu casulo. O casulo é um envoltório que protege esse inseto das adversidades do exterior, no entanto, estando nesse invólucro, a mariposa não tem poder sobre si mesma, não tem a liberdade, permitindo então que esse exterior possa muito bem controlá-la. A sociedade cria leis e normas que atestam uma defesa à mulher. No entanto, estando nesse "casulo", a mulher, assim como a mariposa, está mais indefesa do que protegida, retratada também nas vítimas de Buffalo Bill, que aproveitando dessa fragilidade vem a cometer seus atos sobre estas. A mulher ainda hoje é vista por muitos como alguém inferior ao homem, alguém que deve ser submissa ao controle destes, e esse filme ilustra muito bem o quanto a mulher sofre nesta sociedade atual nas mãos daqueles. Atualmente, vemos vários movimentos feministas que lutam pelo direito da mulher, pela igualdade de gêneros, e é imprescindível, que nós, homens, não só aceitemos esta luta, como ajudemos a compensar esta figura historicamente prejudicada na sociedade, a ascender e se equivaler ao papel do homem.
Acho que o fato da premiação à direção do filme já foi muito bem exemplificada, mas se por acaso, você ainda não concorde com isso, aqui vão mais algumas cenas. Logo no começo do filme, nos deparamos com a figura de uma garota correndo pela floresta. Esse desenvolvimento de uma personagem isolada e indefesa, se dá muito bem pelo contraste de um humano com a figura de uma natureza imponente que parece engolir Clarice. Além disso, nesse momento do filme, ainda não vemos as câmeras próximas que controlarão o resto do filme. Por ora, vemos uma mulher sempre longe e afastada do primeiro plano, como se ela estivesse fora do ambiente que a cerca, denotando então esse isolamento. Essa natureza que aflige Clarice, tomará conta dela de novo na conclusão do filme, já que a cor dominante na perseguição de Clarice a Buffalo é a verde, a mesma da natureza (seja na cor da tinta das paredes da casa, ou mesmo no visor de Buffalo, alcançando o ápice dessa insegurança de Clarice, ao vermos ela totalmente aterrorizada). Nessa casa, vemos papeis de parede de flores, folhas e insetos dominando o local. Toda essa atmosfera não quer mostrar que a natureza oprime Clarice, como a figura dos homens, anteriormente citados, mas que essas imagens funcionam metaforicamente para expressar os momentos em que Clarice está mais vulnerável. Um outro momento em que vemos um incrível trabalho técnico do diretor é na hora em que Clarice mostra a falsa proposta da senadora a Hannibal (52:10). Nessa cena, diferentemente das demais, vemos um Hannibal encolhido num canto escuro de sua cela. Vemos também a figura segura e altiva de Clarice ao relatar toda a proposta. Ela, estando de pé, em linguagens cinematográficas, está numa posição superior a de Hannibal, dominando portanto a situação. A partir do momento que Hannibal descobre a farsa, Clarice se senta, denotando assim um pé de igualdade que momentos depois será controlada mais uma vez por Hannibal. E se você ainda não está convencido, analisarei a cena mais impressionante do filme todo, tanto em aspectos técnicos quanto semânticos.
A cena começa com Clarice descendo as escadas do manicômio com Chilton em direção a cela de Hannibal. A cena em que ele mostra o estrago causado por este na enfermeira ao queixar-se das dores é dominada por uma luz vermelha sobre suas cabeças, além de uma trilha sonora mortificada, que se assemelha aos dos corredores da nave de Alien, o Oitavo Passageiro (1979). Todos esses efeitos ajudam a criar a tensão na cena, nos fazendo criar uma imagem horrível do que tenha acontecido à enfermeira, e mais ainda, imaginar Hannibal como uma figura quase satânica. Logo após isso, adentramos o local dos seguranças já supracitado, e vamos juntos com Clarice caminhar pelo corredor que leva até a cela de Hannibal. Toda a cena foi feita para criar uma tensão enorme, ao juntarmos os efeitos contidos nela, com toda a informação já dada anteriormente sobre o doente mental que iremos encontrar: o primeiro efeito que já citei aqui milhares de vezes, que logo salta aos olhos, é o da câmera subjetiva. Vemos que toda a tensão de Clarice é expressa no tremer das câmeras que observa cada novo louco com um olhar aterrador. A cadeira no final do corredor funciona como o lugar onde Clarice tem que chegar, mas que ao mesmo tempo precisa evitar. Olhar para a cadeira a cada novo 'take', é por si só angustiante tanto para ela quanto para nós. O último efeito que conseguimos perceber é algo chamado "Efeito Kuleshov" (imagine um rosto sem emoções na tela. De repente vemos uma câmera subjetiva de um bebê brincando com seus brinquedos. Voltamos para o rosto sem mudanças de expressões. Logo após isso, a câmera subjetiva agora foca numa criança estirada morta no chão, o que é seguido de novamente um foco no rosto mais uma vez sem expressões alguma. A ideia desse efeito é criar a sensação do que o indivíduo sem expressões sentiria ao ver tais imagens. Sendo assim, no primeiro caso, a pessoa sente uma sensação boa ao ver a criança brincando, o que não acontece no segundo caso. Nele, o que aconteceria se assemelharia mais a um sentimento de desgosto e pena. Esse efeito é muito bom, pois ele nos faz imaginar o que a personagem sente, fazendo assim com que nós sintamos a sensação também. Existem uns exemplos desse efeito no YouTube ou no Google para quem se interessar. Vou deixar um link no final do comentário com um deles). Pois bem, o efeito Kuleshov é bem presente nesta cena, fazendo com que criemos toda uma imagem aterradora de Hannibal, já que a cada novo louco, temos uma sensação pior ainda. Toda esta cena que acabei de descrever faz com que imaginemos a figura do diabo em pessoa em Hannibal. A expectativa é alta. Mas o que vemos é um senhor com uma ótima postura, num quarto bem iluminado, contrastando com toda a ideia que vínhamos criando dele até então no filme.
O Oscar comete várias injustiças no decorrer dos anos, mas em 1991 ele foi perfeito, premiando com as 5 principais categorias esse filme senão maravilhoso, angustiante.
Efeito Kuleshov: https://www.youtube.com/watch?v=_gGl3LJ7vHc
Lucy
3.3 3,3K Assista AgoraEmbora o filme tenha tido muitas críticas, a ideia que o filme consegue criar, mesmo preponderando-se de ação é muito interessante. Criar um mundo onde um indivíduo consiga acessar qualquer informação existente é, sem dúvida, de extrema complexidade para um humano qualquer, senão angustiante, já que saber de tudo, e não ter ninguém com quem discutir ou capaz de entender, é algo realmente decepcionante. Uma pergunta muito pertinente a se fazer não é o que Lucy (Scarlet Johansson) poderia fazer tendo conhecimento de tudo que agora sabia, mas sim o que a humanidade faria ao receber ele. Criaria mais armas, formas de energia, água, o que poderia gerar mais guerras em busca do pleno poder? A humanidade finalmente agiria em conjunto para o futuro de todos os indivíduos? Nessa sociedade será que conseguiríamos por em prática ideias utópicas como o comunismo e a paz? Todas elas são respostas além de nossa capacidade imaginativa, mas de fato é algo interessante a se questionar.
Outra partícula legal nesse filme são as imagens expressas nele que, ora substituem o contexto que antes se passava. De fato, elas são bem importantes para o andamento do filme, já que elas serão as responsáveis por despertar todo esse conhecimento em Lucy, e por conseguinte, tanto despertar um maior interesse em nós, como para explicar todo o processo pelo qual Lucy. Embora muitas delas sejam bem clichês, como a do guepardo correndo atrás da gazela (cena que podemos ver em filmes como Assassinos por Natureza (1994)) ou a da "Criação de Adão", de Michelangelo que mais tarde será parafraseada no próprio filme (esta cena então, vemos em milhares de filmes, até chega a cansar, E.T. - O Extraterrestre (1982), Tenacious D - Uma Dupla Infernal (2006), e até mesmo em Laranja Mecânica (1971)). Essas cenas, que muito se assemelham a clipes de músicas pop atuais, embora as vezes típicas servem para dar toda uma dinâmica a esse filme, que dialoga com as cenas rápidas de ação pela qual a personagem passa.
Lucy é a prova de que um filme altamente comercial pode também trazer questionamentos muito válidos para a nossa vida. E mesmo que ele não desenvolva de uma forma detalhada as personagens, como a figura de um Morgan Freeman totalmente submisso e sem qualquer humanidade e ação nenhuma, diante de uma figura tão impressionante como a de Lucy. E mais do que nos perguntar como obtemos tal conhecimento, é nos questionar como o utilizaríamos, como o professor Norman (Morgan Freeman) pontua muito bem: "We humans are more concerned with having than with being.". A resposta de como deveríamos proceder é simples: "I am everywhere", nas relações interpessoais, na natureza, na ciência, nas crenças, ou seja, em tudo.
Uma Aventura LEGO
3.8 907 Assista AgoraO comentário contém spoilers...
Diferentemente do filme Os Estagiários (2013), em que víamos uma propaganda mais do que descarada da Google, Uma Aventura Lego consegue expor todo um enredo bem dinâmico, sem de maneira alguma, aparentar ser algo expositório (curiosidade: em nenhum momento do filme, a palavra "Lego" é dita). Só isso já mostra todo um trabalho de colocar o nome da obra à frente do nome da empresa.
As referências são inúmeras (DC, Senhor dos Anéis, figuras históricas), mas o mais divertido, é o filme ir adentrando em cada novo mundo sem se enrolar, nem sendo simplista (coisa que por exemplo em Detona Ralph (2012), o filme se extende muito no mundo das guloseimas, deixando de lado uma enorme gama de gêneros de jogos que podiam ser explorados).
O filme permeia todo um mundo satírico (criticando a robotização dos indivíduos, em que toda ideia original é brutalmente reprimida). Vemos também um mundo obtuso, encarado de forma natural, como visto no preço exorbitante dos cafés, mas que não causam nenhuma sensação indignada nos habitantes, seja pelo sistema de governo, ou pela naturalidade das coisas. Todo esse mundo mágico, de construtores, tenta quebrar com essa pacatez e linearidade de um comandante ditatorial. Conforme vamos andando no filme, percebemos a mente criadora de todas esses enlaces, e a metalinguagem transcrita ao mundo Lego. Ver toda essa caoticidade é de total sentido para a mente de uma criança que se vê sem a presença de um pai por perto. E mais do que isso, o final pontual (para o mundo do Lego) faz bastante sentido, já que as transformações neste mundo provém da cabeça dessas pessoas que estão brincando no mundo real. Toda essa metalinguagem funciona de uma forma cativante e engraçada (já que o Presidente Business é nada mais, nada menos que Will Ferrell, famoso por satirizar profissões que demandam uma maior formalidade e cuidado).
Achar o filme engraçado ou empolgante vai depender do quão familiarizado a pessoa está com as personagens que aparecem no decorrer do filme e com o próprio mundo de Lego, no entanto, é certo afirmar que a construção do filme funciona muito bem, seja pela origem dos acontecimentos (a cabeça da criança), ou pela própria criação de um sentimento de desprendimento de uma sociedade totalitária, mesmo que contendo um cunho mais imaginário e fantasioso.
Os Amantes Passageiros
3.1 648 Assista AgoraCriar um filme de comédia que não te faz rir, com uma narrativa mais água com açúcar possível, num desenvolvimento de personagens mais fracos ainda, e tentando por fim laçar todas essas histórias parece longe de algo feito por um cara como Almodóvar. É certo que vemos nesse filme, temas recorrentes em sua filmografia, como o trato com a sexualidade e sua descoberta. No entanto, ao mesmo tempo que vemos ideias tão belas quanto essas, vemos outras cenas que retratam o estupro como algo normal (e não só uma vez... drogando a garota, ou com o cara dormindo. Estar satisfeito posteriormente não tira o fato do que precedeu). Atos como esse, embora retratados num contexto de forte crítica social soam como um regresso a um diretor tão militante de causas tão incríveis como a da igualdade sexual (já que criar um besteirol com temática homossexual no meio de tantos outros heterossexuais é realmente um avanço incrível). O trabalho artístico inicia-se de uma forma promissora, mas com o tempo vai se mostrando algo totalmente sem nexo(as cores, tão fortes na filmografia desse diretor, nesse filme não significam nada a não ser o de impressionar com a incisão delas; em suma, vemos então as cores, como o vermelho e o azul, como meros artifícios de impacto). Em geral, é uma obra que além de não divertir, ainda causa certo desgosto como nas cenas supracitadas, sendo recheada de clichês e estruturas narrativas fracas demais para qualquer diretor mediano, e olha que por aqui, estamos falando de um Almodóvar.
Volver
4.1 1,1K Assista AgoraO eco sonoro que o título do filme nos traz é um dos melhores que já vi até o momento. "Volver", como vulgo voltar, significa muito mais do que voltar a um ambiente físico para pegar algo que esqueceu. Voltar aqui significa, reviver o passado em busca de respostas mal-acabadas. Remete a um voltar a vida para terminar uma pendência não resolvida (assim como vemos na crendice local). Significa voltar a encarar de frente algo que assombrou a sua vida inteira, e que jamais imaginava que voltaria do modo que retorna bem em nossas caras. Almodóvar se baseia num contexto regionalista para mostrar que embora o movimento, a velocidade permeiem a vida na cidade, é no interior que crendices se misturam a casos para criar um universo muito obscuro. Nessa obra, a cidade serve só mais como um apoio às histórias presentes nesse outro espaço, vendo situações passadas nesse lugar mais movimentado de uma forma bem rápida e desprezível (como a cena que nos situamos ao trabalho de Raimunda - tudo passa num lampejo, as turbinas dos aviões só servem de eco aos moinhos do campo). A forte presença e destreza das personagens femininas, todas rondeadas de um passado duro, criam um forte vínculo, para que juntas, todas se afirmem como indivíduas numa sociedade ainda mais patriarcal que a vivida nas cidades. Embora a figura do homem apareça muitas vezes como a de um palhaço, um idiota, no filme essa imagem serve como uma grande crítica a postura vista por essa sociedade historicamente machista, mais uma vez, o volver. Mas será que em todos os casos, o voltar é a melhor coisa? Ou será que as vezes precisamos voltar atrás para deixar esse mesmo passado que buscamos? O certo é que a luta de um indivíduo não precisa ser cheia de explosões e tiroteios como vemos em vários filmes atualmente, mas sim o simples fato de encarar a realidade, é sim algo muitas vezes pior e mais assustador que a dessas outras histórias.
Magia ao Luar
3.4 569 Assista AgoraViver a vida toda seguindo certos preceitos, e de repente se ver num mundo totalmente diferente é um choque para qualquer um. Essa ideia pode se expandir para qualquer coisa, seja ao achar algo anteriormente e alguém vir e mostrar que o contrário não está necessariamente errado, seja na mudança de um mundo religioso para um mundo científico, ou mesmo com jovens trazendo novos pensamentos aos mais velhos. Mudanças são sempre drásticas para o indivíduo que está realmente mudando, e esse processo, dependendo de quão arraigado ao veredicto antigo, pode ser bem complicado. Esse manuseio com o personagem de Stanley, embora caricatural, retrata bem esse panorama e o faz de uma forma bem natural, o que faz nos questionarmos ou comemorarmos de acordo com quão céticos formos em relação a tais assuntos místicos, e provocar o que achamos sobre tais assuntos é o que o filme melhor faz. Assim como em Blue Jasmine (2013), temos um personagem mais frio, calculista e sarcástico, se achando muito superior a todos ao seu redor, mas diferentemente deste, o final de Magia ao Luar pode até deixar alguns um tanto inconformados, mas o filme sem dúvida mostra que a tolerância e o amor são muitas vezes mais fortes que as crendices e achismos.
Gravidade
3.9 5,1K Assista Agora/O comentário tem spoilers.../ :P
Muito se foi criticado sobre este filme na época de seu lançamento: como faltava um enredo ou como o desenrolar era cansativo, mas essa é uma daquelas obras que guardam vários significados por trás dela.
Primeiramente, a lógica do filme é toda baseada em problemas, tentativas de resoluções que levam a novos problemas. A escolha dessa abordagem foi a melhor feita para um filme que tenta recriar o espaço de uma forma mais verossímil, pois ao mesmo tempo que nos deparamos com imagens de tirar o fôlego de tão bonitas, vemos situações de puro desespero, que são só mais enfatizadas com os takes longos, câmeras subjetivas (principalmente na cabeça de Ryan) e no aumentar e abaixar da trilha sonora.
Todo o contexto que desencadeia todos esses problemas parece algo inimaginável, mas como a própria Ryan diz, se referindo a morte da filha, que podemos morrer por qualquer estupidez, seja ela numa pedra, brincando, ou no espaço, sem oxigênio e sem para onde fugir. A vida é efêmera, e pode ser tirada de formas impensáveis com o piscar dos olhos. Estamos tão bitolados com a vida, tão preocupados com as perdas e os nossos problemas que nos esquecemos de vivê-la, e é esse o papel de Kowalski; o cara que mesmo morrendo consegue parar e se encantar com os pequenos momentos e nuances (ele me lembrou bastante o Tallahassee, do Zumbilândia (2009)). Essa catarse de Ryan, que precisa sair da Terra para perceber que o que mais quer e voltar para ela, inicialmente até lembra muitas cenas de 2001 - Uma Odisseia no Espaço (1968), na busca por uma resposta, no renascimento do ser (Starchild), só que diferentemente desse filme, o conhecimento desenvolvido não é intelectual, mas sim psicológico. E mesmo tendo Kowalski como instrutor, o maior professor dela não foi ele, mas sim a experiência de estar no espaço, diante de todas essas adversidades. O que temos então não é somente uma luta pela sobrevivência, nem até onde um ser humano consegue resistir a todas essas pressões, mas também uma busca por um reconhecimento, por uma personalidade.
Para ela conseguir entender o que quer, ela precisa passar por quase que um renascimento. No entanto, diferentemente do normal, esse renascimento é reverso, pois o que a protagonista precisa, é voltar a viver a vida antes da morte de sua filha, voltando assim para o passado de uma forma renovada, e para isso, algumas imagens do filme nos ajudam a entender melhor essa troca de ordem: a vida na Terra de Ryan foi, resumidamente, nascer, receber a notícia da morte da filha e depois ficar vagando perdida pelo mundo, então se a ideia é ser uma mudança reversa, a primeira coisa que deveria acontecer seria Ryan estar a esmo pelo espaço, perdida, o que realmente acontece. Vemos isso numa cena logo após o primeiro impacto, com ela girando e girando sozinha por uma grande vastidão. Quando finalmente ela se encontra, os astronautas vão ver a situação dos companheiros, achando-os todos mortos (detalhe que Shariff morre por um detrito, ou uma rocha, na cabeça, remetendo a própria morte da filha). A partir daí, as imagens do filme vão sempre esconder algo relacionado com a vida e a criação dela, mas sempre seguindo essa ordem inversa. A primeira cena que logo salta aos olhos em relação a isso é o desprendimento/corte que Kowalski faz para salvar Ryan(remetendo ao corte do cordão umbilical que cria uma nova vida). Ryan então consegue se salvar e quando entra na cápsula quase sem oxigênio e começa a tirar o traje, vemos uma das cenas mais belas e representativas dessa ideia: a cena pára por vários instantes em um enquadramento em que vemos Ryan em posição fetal com tubos da nave parecendo se acoplar na barriga dela, como se fosse um cordão umbilical. E para finalizar, o encontro dos espermatozoides com o óvulo é esquematizado com o choque dos meteoros na Terra, numa cena angustiante que leva Ryan finalmente ao planeta. Foi somente depois de passar por todo esse processo de revitalização e ressurgimento que Ryan estará finalmente pronta para viver a vida na Terra novamente. Nesse final ainda temos uma metáfora do surgimento da vida na Terra, que veio do espaço, tomou os mares, conquistou a Terra e ficou sobre dois pés, numa tomada mais uma vez linda e angustiante.
O filme todo é cheio de surpresas e emoções, e mesmo que em algumas partes se mostre algo delongado e cansativo, é sem dúvida alguma, um filme espetacular, seja ele por essas imagens metafóricas ou somente pelos efeitos especiais.
A Pequena Loja de Suicídios
3.7 774A primeira cena desse filme tenta criticar a postura social em que todos nós, humanos, ao vermos a vida de um jeito pessimista, procura como última solução, o suicídio. Essa crítica é retratada de uma forma bem irônica... no entanto, é fazendo desse modo que o roteirista ao invés de ressaltar a dor com que essas pessoas vivem, ele a ridiculariza.
Nessas últimas semanas, após a morte de um dos grandes comediantes de Hollywood: Robin Williams, começou-se a discutir muito sobre a depressão. Vimos que embora diagnosticada como uma doença, muitas pessoas continuam a tomá-la como motivo de chacota: "Ah, veja se anima", "Vai passar", "Para de fazer cu doce". Esse sentimento de que uma hora tudo se resolverá, de ser uma fase passageira, pode se revelar uma eternidade para os indivíduos que realmente passam por tal infortúnio, e é dessa forma que A Pequena Loja de Suicídios dialoga com os espectadores.
A figura de Alan como um Messias para os "mimimis" desses indivíduos se eleva ao tom de ofensa, já que vemos um garoto desinteressado, querendo mudar a realidade de todos ao seu redor, sendo no entanto uma pessoa altamente influenciável (o que faria sentido se o filme só o tratasse como um indivíduo a conhecer as dores do mundo, sem um caráter interventivo). Além disso, temos a imagem de um psicólogo que está mais interessado no dinheiro do paciente do que a sua cura, temos alterações de temperamento imensamente vãs (como a da irmã que é "tocada" pela felicidade de um CD), e se não bastasse, toda uma cantoria que contrasta com a realidade dura, que nem esteticamente funciona, irritando mais ainda o telespectador. Se todo esse filme fosse na verdade uma crítica a essas pessoas que não compreendem a profundidade da depressão e de que como ela pode estar no vizinho ao seu lado (na representação de que todos os cidadãos estão "tristes"), o filme não acabaria numa grande festa, onde até mesmo os mortos são "curados" e entendem quão bobos eram! A depressão não é algo a se esperar passar, é algo que demanda orientação médica e cuidado a todo momento, e a forma como esse filme o alegoriza é de se matar de vazio.
O Bebê de Rosemary
3.9 1,9K Assista AgoraMuitos dos filmes de terror são criados para nos assustar no momento, para nos causar certo desconforto e nervos em determinadas circunstâncias, mas o que O Bebê de Rosemary faz é muito mais do que simplesmente aterrorizar, ele cria um drama psicológico em que o medonho não está na tela, mas o que concluímos dela (no caso, acreditar se o sobrenatural existe ou não, e até mais do que isso, ver que essa disputa pode aparecer em situações de extremas tensões em nossas próprias vidas).
No filme inteiro nos perguntamos se Rosemary está realmente delirando ou não acerca da seita satânica que a ronda, já que toda a narrativa embora beire muitas vezes o surreal (como nas cenas oníricas), cabe muito bem na própria lógica da protagonista. Esse questionamento nos faz entender que o bebê (muito porque não conseguimos ver a criança), na verdade, serve como metáfora a essa ideia demoníaca, ou em escalas maiores, a racionalidade X sobrenatural na vida dentro de cada um de nós, que a qualquer momento pode florescer e tomar conta de nossas ações, sendo efetivada quando o "bebê" finalmente nasce. Se Rosemary (remetendo a virgem Maria, fora todas as outras imagens bíblicas que aparecem - teto da Capela Sistina, o seminário em que Rosemary passou), a imagem de santa na Terra (com seus traços ingênuos e angelicais), pode conceber um monstro como esse a nós, porque nós mesmos não poderíamos nos submeter a tais forças (não só no sentido satânico, mas também no moral)? E é isso que nos assusta muito mais que um terror em que sabemos ser cabível somente ao mundo fictício da tela, porque neste filme vemos que todos nós somos mais Rosemary que jamais imaginamos.
Os Reis do Verão
3.6 422 Assista AgoraA partir do momento em que vemos a cena de Ferris Bueller, de Curtindo a Vida Adoidado (John Hughes, 1986) logo no começo do filme (o cabelo moicano de xampu sob o chuveiro), já sabemos que o personagem em questão quer se afastar de sua realidade, e mais do que simplesmente viver, ele quer reinar (como o próprio pôster insinua). Todo esse processo nos remete a um outro filme em que os protagonistas também se veem em fuga de seus mundinhos: Moonrise Kingdom (Wes Anderson, 2012), só que diferentemente deste, Os Reis de Verão tenta retratar esse amadurecimento de uma forma mais realista e dura (Moonrise Kingdom é por si só um conto infantil, e nada mais justo que o filme trazer essa estética mais ilusória que metaforicamente enriquece mais ainda o filme). É claro que Os Reis de Verão não possui o mesmo trabalho artístico dessa obra de Wes Anderson, mas suas fotografias, sons e efeitos de luz e sombra estão longe de passarem despercebidas (o campado em que a garota dos sonhos de Joe aparece, a câmera lenta na construção da casinha de pássaro com um feixe de luz incindindo bem no braço do garoto, os ecos sonoros das batidas nos canos com os movimentos dos garotos no decorrer do filme). Tornar-se adulto não é uma tarefa fácil, e mesmo que discordemos muito de nossos pais, sempre trazemos algo deles para a nossa própria personalidade. E mais do que ser independente, o mais importante é saber como se levantar caso tudo dê errado.
Tropas Estelares
3.5 464 Assista AgoraEm primeira vista, o filme parece um emaranhado de insetos, corpos, gritos guturais e gore, tudo numa mistura bem trash, mas que não deixa de ser contagiante. Além disso, por trás de todo esse banho de sangue, vemos uma sátira enorme a um governo totalitário, controlador de mídia e defensor de superioridades (em que tudo que não for humano, deve ser aniquilado). Ao decorrer do filme, vemos propagandas de guerra muitas vezes bizarras (como a cena mais engraçada do filme, em que crianças em círculo esmagam algumas baratas, mostrando que todos estão combatendo em pró da Terra), a repreensão de qualquer questionamento que vá contra as ideias expansivas (como a cena em que os soldados se questionam se não foi a invasão humana em territórios de insetos que iniciou toda guerra, o que é seguido de um sermão vindo do tenente) e a desumanização de cada indivíduo posto em combate (como a de Carl - Neil Patrick Harris -, um dos primeiros amigos de Rico - Casper van Dien - que inicialmente se mostrava uma pessoa carismática e engraçada, mas que ao fim do filme transforma-se num indivíduo frio e calculista). Juntando-se todos esses pontos, vemos nada mais, nada menos que uma sociedade fascista que tem por objetivo dizimar qualquer forma orgânica que "ameaçasse" os humanos (em aspas pois muitas vezes quem inicia as investidas são os próprios fascistas), e é isso o que incorpora toda a ideia do filme. Você quer ser um cidadão?
Você vai Conhecer o Homem dos seus Sonhos
2.9 778Mais que um enlace de personagens e desfechos inusitados, Woody Allen mostra como as relações na vida as vezes podem ser vãs, ou pelo contrário, versáteis, e que em muitas vezes o melhor é se viver de uma eterna ilusão.
Boneca Inflável
3.9 192 Assista AgoraSão filmes como esse que te fazem filosofar sobre a vida e o que buscamos nela. Será que foi preciso a transformação/comparação de uma boneca inflável (no estilo Pinocchio) para mostrar a podridão e efemeridade de toda humanidade? Será que o problema de cada indivíduo seja a sociedade em que estamos, onde toda nova geração semeia os problemas dos antecessores? Será que a vida é tão inútil para se desmiolar em desilusões antigas? Essas são somente algumas das indagações que o filme nos traz, mas o certo é que o sentimento de tristeza que permeia cada personagem na história, embora diferente, acaba sendo "sanado", ou melhor cultivado, de maneiras semelhantes. Então o que vale em nossa vida?
Obs.: eu achei que o filme Her (Spike Jonze, 2013) se baseia em várias fotografias do Air Doll, seja nos primeiros takes do filme com o reflexo do "marido" da boneca, seja com a água do chuveiro que encharca a cabeça da boneca ou mesmo nos enquadramentos gigantes dos prédios ao fundo que contracenam com a insignificância dos bancos em que os personagens ficam sentados na cena. E eu não acho que tudo isso seja coincidência, mas sim que Jonze realmente tenha visto e amado esse filme, para tratar de um assunto tão conflituoso na vida de todos de um jeito tão adverso.
O Segredo dos Seus Olhos
4.3 2,1K Assista AgoraAntes de qualquer coisa, o comentário terá vários spoilers, então nem me darei ao trabalho de ficar marcando tudo :P
Embora a confusão do papel de cada personagem vá se esclarecendo com o decorrer do filme, muito pelo fato de Espósito se identificar tanto com o caso à sua frente, a ideia maior do filme é justamente essa intersecção de pensamentos e ações entre os principais personagens que acabam por formar uma das melhores obras memorialistas da história do cinema. Antes de continuar a análise, nada mais justo que citarmos um dos livros mais influentes da cultura brasileira: Memórias Póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis. Nesse livro, temos um autor-personagem que discorre sobre sua vida, utilizando de sua audácia narrativa e descritiva, a fim de mostrar sua benevolência a todos. Saber então quando identificar a postura que o autor quer transparecer e a sua real índole é a tarefa mais justa e complexa de ambas as obras, já que isso também ocorre em O Segredo dos seus Olhos.
Dito isso, a análise de cada personagem terá de ser feita com muito mais cuidado do que inicialmente faríamos. Em todo o filme, vemos abordagens melodramáticas: seja na partida do trem, no amor incondicional de Morales, ou mesmo no papel da paixão, cenas que à primeiros olhos se assemelham a algo ultrarromântico demais, que no entanto são sempre seguidas de outras que acabam por quebrar essa contemplação, nos levando a ideias mais realistas (a partida do trem é seguida de uma morte bruta de Liliana, o amor incondicional de Morales acaba se tornando uma vingança irascível e banal, e a paixão leva à morte de Sandoval e à captura de Gómez), mas perceba que toda essa desconstrução romântica feita no romance de Espósito é feita a todos os personagens, com exceção dele próprio, o que denota essa incompatibilidade de personalidade. Em outras palavras, todos as personagens do seu livro são de alguma forma destronadas pela paixão que as movia, mas ele mesmo, consegue cultivar a sua paixão por Irene e levá-la adiante a ponto de alcançar seu objetivo no final. E o pior disso tudo, a forma como Espósito manipula todas as personagens a seu favor a fim de martirizar (romantizar) ou impor uma causa de morte maior (como a suposição de que Sandoval morreu por ele, ou que o amor incondicional de Morales intensificou o seu próprio amor) mostra essa insegurança que ele tem quanto a seus próprios sentimentos, querendo mostrar uma imagem, uma complacência que ele mesmo não partilha. Não parece meio injusto? Sim, mas lembremos mais uma vez de que a obra fora escrita pelo próprio Espósito, então ele nos mostrará o que ele quer que vejamos. No entanto, olhos mais atentos percebem esses defeitos na retórica dele.
Pensando agora fora do universo do filme, algumas imagens bem fortes nos levam a nos questionar: será que vale a pena ir tão longe, tão fanático a uma paixão, que como o próprio Sandoval verbaliza, não muda? Será que passado algum tempo, essa paixão presa a nós terá ainda o mesmo significado, ou será que nem ao menos conseguiremos nos lembrar da força motriz que nos levava a cometer tais atos (como o próprio Morales diz ao não se lembrar se a colher era de mel ou de limão)? Essas paixões que começam a ser racionalizadas, podem se tornar sagradas, assim como uma religião, não aceitando então questionamentos. Por isso eu pergunto mais uma vez: será que vale a pena levar o rancor a tal ponto? O filme tenta elucidar que não, como na cena do cativeiro de Gómez, quando ele nos mostra o monstro que Morales se torna ao guardar essa "paixão", e o olhar penitente e resignado de Gómez. São imagens duras, mas bem eficazes.
Todo o cuidado que o filme tem para transparecer o sentimento que temos em determinada cena é transposta para os elementos estéticos presentes: seja em uma das melhores cenas de câmera em movimento que já vi no cinema (a cena do estádio de futebol), dando essa sensação de tensão e maior vividez (a câmera treme para transparecer enaltecer a emoção da cena), seja nos sons diegéticos (o que seria os sons de fundo) na cena em que Gómez mostra o pênis, ou até mesmo nos movimentos das câmeras (subjetivas - a câmera mostra o que a personagem vê a partir de seus próprios olhos - ou não), criando toda uma imersão maior ao mundo do filme. Outra coisa que é bem importante no decorrer do filme, é o trabalho de duas cores: vermelho e verde, em que no primeiro temos o papel da paixão (o vestido, as cortinas e movéis, vermelhos, que Espósito se depara na primeira vez que vê Irene, a cortina vermelha que Morales fecha em sua casa do final do filme, nos fazendo desconfiar que diferentemente do que ele fala, a sua paixão ainda está guardada com ele, desencadeando a série de cenas seguintes), e no segundo podendo significar em certas cenas a solidão (o abajur próximo a Espósito, quando ele começa a escrever o romance, triste de não estar com Irene, o sofá em que Sandoval está sentado momentos antes de sua morte, denotando sua desolação em seus momentos fatídicos, nas portas da casa afastada de Morales, mostrando o seu afastamento social após da tragédia), e em outras, o poder - ou o que deveria estar exercendo ele (a cena da prisão dos dois operários, em que uma luz verde bate na figura de um policial, no campo de futebol sob o corpo de Gómez, quando esse é pego pelos policiais). Mesmo que exista todo esse trabalho estético, fiquei um tanto incomodado com o fato do filme ter uma certa insegurança na certeza da passagem de ideias ao telespectador, por conta de uma repetição constante dos fatos ocorridos (parece que o filme nos acha ingênuos demais para ter que ficar nos dando diversas chances de entender um acontecimento que já passou ao repetir as mesmas cenas), tendo seu ápice na cena de flashbacks no final do filme; talvez eu possa estar sendo um pouco ignorante, já que essa repetição pode ser um eco dos pensamentos que assolam o narrador em linguagem cinematográfica, mas admito que isso me irritou um pouco, mas nada que tire a genialidade da obra. E essa genialidade, que mesmo nem sempre muito aparente, nos faz gostar mais ainda do filme.
Abismo do Medo
3.2 883 Assista AgoraO comentário contém spoilers...
Admito que esse é um daqueles filmes que me vem instigando a muito tempo simplesmente por um detalhe de marketing: o poster. Essa composição de mulheres em formato de caveira é de longe um dos melhores e mais horripilantes posters que eu já vi na minha vida. E muito por conta disso, confesso que imaginava o filme numa pegada mais satânica, de rituais e de demônios; até certo ponto (aquela cena do corredor do hospital, com uma ótima composição de Dolly Zoom - aquela em que o fundo vem se aproximando em zoom, enquanto o primeiro plano, que no caso era a garota, parece que mantém-se do mesmo tamanho, algo que fizeram em filmes como Tubarão e Poltergeist) imaginei que seguiria por esse ramo mesmo. O filme, repleto de cenas em ambientes fechados, passa uma noção bem claustrofóbica que vai nos perseguindo até o final. Mas em contrapartida, no quesito medo, o fato deles mostrarem as criaturas logo no começo, pelo menos a mim, não causaram tanto pavor. Além disso, situações bem absurdas, mesmo para lógica do filme, me fizeram rir ao invés de temer as cenas.
No entanto, ponto para o trabalho estético, pela utilização de ângulos tortuosos que intensificam ainda mais a sensação de impotência, pelos giros lentos de câmera que só aumentam a tensão da cena, por uma das melhores aplicações da técnica de footage (na qual as personagens filmam a cena que nós, os telespectadores, vemos; assim como em A Bruxa de Blair). E por principalmente um cuidado com a escolha das cores, dando significados para os seguintes movimentos das personagens (como a cor verde que identifica o perigo no ar, seja nas cenas iniciais, em que a vegetação indica que algo ruim paira, seja na cena do corredor do hospital, ou mesmo, em momentos tensos de luta com as criaturas da caverna, ou a cor vermelha: que nesse caso, indica a coragem/bravura/força dos indivíduos. Vemos essa cor nas camisetas de Holly e Juno - que inicialmente são as mais aventureiras, nos flares que tomam conta dos locais, ou mesmo nas cordas que são usadas para a exploração das áreas. No entanto, é principalmente na transformação de Sarah, que esse recurso é mais bem utilizado: no começo do filme, vemos uma mulher insegura, traumatizada trajando vestimentas verdes, que dão a terminar numa mulher raivosa, vingativa coberta de sangue, portanto, vermelho).
Outro ponto bem interessante no filme, é quantidade de referências que avistamos: começando pela Tomb Raider (que é até realmente citada no filme). Juno está com os mesmos trajes que Tomb Raider estaria, e é ela a garota mais exploradora, experiente e planejadora, assim como a personagem dos jogos de ação é. Juno ainda faz referência ao filme Silêncio dos Inocentes, na cena em que ela vem correndo pela floresta da mesma forma que Clarice viria, e que mais uma vez, apresenta as características da personagem (portar-se como conhecida da situação, mas na verdade ser bem inexperiente e desprecavida). No entanto, é a cena final de Sarah que mais chama atenção: quem não reparou uma semelhança com Carrie, de Brian de Palma? Assim como Carrie, Sarah se emputece com as descobertas e se vinga de uma forma sanguinolenta de sua "amiga".
O recurso do delírio que é muito bem utilizado nas cenas iniciais do filme: no corredor do hospital (é a terceira vez que falo dessa cena; mas cara ela é muito foda!) ou no espelho da cabana, perde todo seu vigor no desfecho. Como já disse, o fato da aparição da forma das criaturas logo no começo do filme, satura a repetição de cenas com elas, chegando a ser cansativo (já que você sabe que elas não têm como ganhar, porque os bichos são infinitos), e que juntamente com aquela queda na qualidade do uso do delírio acabam por comprometer todo a obra. Sim, o filme é uma formosura em sua forma, mas o conteúdo em si é bem fraco.
A Profecia
3.9 588 Assista AgoraEu queria compartilhar uma análise mais estética do filme, então aviso desde já que o comentário estará repleto de spoilers, já que citarei diversas cenas do filme:
Logo no início do filme quando estamos nos adequando com a situação pela qual Robert está passando, temos uma série de cenas em que o enquadramento está ora em ângulos tortuosos, ora focando objetos em planos diferentes das do personagem (a chegada do carro sido vista de um buraco da passarela, ou Robert junto ao padre em segundo plano, enquanto que em primeiro, vemos um corredor de madeira). Dessa forma, o filme nos diz que embora tudo pareça normal, algo por traz de todo o contexto está errada, algo poderoso, misterioso e secreto: o Diabo. Esses enquadramentos irregulares vão até uma cena que considero a mais importante de todo filme, já que por si só, resume completamente o filme: a primeira vez que Robert conhece a criança que substituíra seu filho; explicarei a sua importância mais para frente.
Damien vai crescendo... temos a festa de aniversário dele, vemos a figura de um cachorro preto (que assim como em Harry Potter e o Prisioneiro de Azkaban, significa um mau agouro, um mau presságio que vai assombrar Robert ao decorrer de todo o filme), até que por fim chegamos à cena em que a nova governanta vê pela primeira vez o Damien. A esta altura, ainda não sabemos que o garoto é na verdade o Anticristo, mas uma dica de sua real identidade está logo atrás: o fogo que circunda a cabeça dele. Esse fogo, que remete ao inferno, ao pecado, e portanto ao próprio Diabo quebra toda a figura angelical que vemos estampada na face do garoto.
Com o tempo, outra estética começa a dar dicas do desenrolar das personagens e da própria história: as cores. A primeira cor que mais chama a atenção no decorrer de todo o filme é o verde (vai dizer que aqueles campados gigantes não chegam até a irritar? :P ). Mais para o meio do filme, essa cor começa a aparecer somente em momentos chaves, mas sempre dando as caras quando algum personagem corre perigo (isso mesmo, perigo!). Antes do ataque de babuínos vemos um ambiente repleto de grama e circundado por cercas da cor verde. Antes do empalamento do padre, ele percorre campos cheios de árvores e folhas da cor verde. Antes da morte do fotógrafo pelo vidro da carreta, vemos dois cestos enormes de bananas maduras, portanto verdes. Antes de Damien se aproximar completamente da igreja, vemos ao lado um campo gigantesco verde (repare que nesse momento, quem está em perigo é justamente, Damien). Os cenários estão sempre repletos de verde, pois todos as personagens estão em constante perigo com a entidade maligna ao redor; e é por isso que vemos verde nas portas e janelas do sobrado, verde nos campos enormes, verdes até em bananas! Vemos também o verde (prometo que é a última vez que falo disso, mas é para você ter uma ideia de como essa cor aparece no filme) na cena do acidente de Kathy, que tentava arrumar o vaso de plantas (que é daquela cor que eu não posso mais falar). O interessante nessa cena é que vemos também as outras duas cores que também tem um significado próprio: o amarelo e o vermelho. Um pouco antes dessa cena, vemos Kathy desesperada, trajando um pijama amarelo dizendo ao marido que precisa de um psiquiatra, pois acha que o filho está demonizado. O amarelo no filme, embora seja menos explorado, significa esse desespero de Kathy (eu não consegui identificar em outras personagens) em relação aos últimos acontecimentos. Depois da visita ao psiquiatra, Robert adentra num quarto que de tão amarelo, parece que até foi colocado um filtro enquanto filmavam a cena; é esse desespero tomando conta de todo o ambiente ao seu redor. O desespero se vê em intensidade máxima justamente na cena do acidente com a motoca: o quarto novamente está imerso em amarelo, e ela trajando um suéter amarelo prenuncia o medo que virá a seguir. E por fim, o vermelho. A primeira vez em que o vermelho aparece alarmantemente é na cena em que o fotógrafo está revelando as recém-tiradas fotos em seu laboratório. Em todo o filme, essa cor tem um significado de presságio/profecia, seja ele sendo previsto, ou consumado. E mais uma vez nessa cena do acidente, a motoca de Damien (vermelha) vem selar o presságio que viremos a saber momentos depois da perda do bebê. E é finalmente com essa cor que sabemos que o mal vencerá bem antes da morte de Robert: quando esse começa a entrar no quarto de Damien para cortar seu cabelo, logo vemos que o pijama do garoto é totalmente vermelho. Sendo assim, logo concluímos que toda a previsão descrita no filme do Apocalipse será então finalizada.
Você que conseguiu chegar até aqui deve estar se perguntando: por que raios é interessante ficar reparando em todo esse lance de cores? Eu te entendo muito bem, eu mesmo já me perguntei isso. A resposta é que você consegue prever cenas e acontecimentos, entender o sentimento de alguma personagem e criar suposições a partir de certa ação a partir de simplesmente uma lógica que você criou a partir de tal cor. E isso é incrível, pois o que eu concluí nisso tudo pode ser totalmente o contrário do que outro alguém supôs, e as duas podem fazer sentido. Enfim, sem mais delongas, direi porque acho aquela cena logo no começo, a mais importante de todo o filme.
Essa cena acontece por volta dos 3:27 do filme e nela vemos um enquadramento de uma freira segurando em seu colo um bebê. Segundos depois, Robert entra no quadro e se instala no meio dos dois. Qual é a função de Robert depois dele finalmente se dar conta da real identidade de Damien? Tentar impedir que os planos do Diabo se concretizem; ele é então a pessoa que selará o destino da humanidade, ele é o mediador entre o satânico, o anticristo, e a pureza, a salvação (na lógica do filme). E é por isso que eu acho que esse é o enquadramento mais importante do filme, pois ele justamente resume toda a luta do filme: quem Robert deixará por fim prevalecer?
Guardiões da Galáxia
4.1 3,8K Assista AgoraGuardiões da Galáxia tem tudo que um bom filme de herois precisa ter: muita ação e aventura, humor, explosões e efeitos especiais, personagens fortes e carismáticos, e mais do que tudo, uma história envolvente. O novo título da Marvel tem tudo para ser um dos melhores do gênero, trazendo um enredo que balanceia todos os personagens de uma forma dinâmica e comovente (coisa que Os Vingadores não haviam feito muito bem) e uma inovação muito legal na forma de contar a história que me lembrou muito a de filmes como Pulp Fiction: a imprevisibilidade; em que vemos sequências totalmente inusitadas para a forma como a cena se desenvolvia até então, que além de aumentarem o tom de humor, dão uma dinâmica totalmente diferente das dos filmes anteriores da Marvel.
Psicopata Americano
3.7 1,9K Assista AgoraSabe um filme que você decide ver pensando numa coisa, e com o tempo você vai assimilando que aquilo que você vê é algo totalmente inesperado, e que você vai até o final do filme assim, é bem esse filme.
Psicopata americano: esse ótimo título não traduz simplesmente a dualidade da sanidade do personagem de Bateman, como transpõe para toda a sociedade (americana ou qualquer outra), essas características que tanto o meio como o sistema econômico produz em nós: competitividade, narcisismo e cobiça. Um filme que aparentemente se assemelharia a qualquer slasher da década de 80, se mostra algo muito mais profundo por mostrar que existe em cada um de nós, um Patrick Bateman. No mundo em que vivemos, todos queremos nos dar bem na vida (isso é algo inquestionável), e que para isso, todas as formas tangíveis são testadas para "se dar melhor que o outro". O mais importante nesse "todas as formas tangíveis" é que estamos tão absortos em nossos objetivos que não percebemos o quão estúpidos estamos sendo. Será que lutar por um terno ou um cartão melhor nos faz alguém superior que o outro? Essa visão niilista da sociedade é justamente o foco desse filme. Todas as pessoas são exatamente iguais, todas querem se destacar, mas acabam caindo na sombra do outro, todos querem serem melhores. Tome como exemplo a cena do cartão: cada modelo de cartão é nada mais nada menos que a mesma coisa, com fontes e texturas diferentes, mas é de se notar que o cartão é o mesmo, mais importante que isso é o fato de todos terem o mesmo cargo: vice-presidente. Todos! Um cargo que teoricamente tem grande influência e importância é banalizado pelo design do cartão. Ninguém quer exercer a sua função, mas sim parecerem que a exercem, e é esse mundo de aparências que permeia toda essa realidade. Outro fato de que todos os indivíduos do filme não passem de meros caricatos são as visões de mundo de cada um, algo que para um integrante de uma "seleta" Wall Street deva ser como uma voz divina, mas vocês não tem a expressão de que os discursos de cada um deles não passe de algo que uma Miss Universo proporia, só faltou falar da paz mundial para ficar mais claro. Mais uma vez, o filme mostra a direção do pensamento desses, mais uma vez, "seletos" indivíduos. Algo que até reforça essa ideia, é a falta de identidade das pessoas, em que as pessoas não sabem os nomes verdadeiros de ninguém, seja das prostitutas ou a do próprio Bateman.
Puxando agora para o lado da sanidade, queria falar algo antes em relação ao consumismo: como o próprio Tyler Durden diria: "Advertising has us chasing cars and clothes, working jobs we hate so we can buy shit we don't need". Essa busca pelo melhor corpo, pelo melhor terno, pelo melhor emprego nos guia desenfreadamente para uma direção em que não sabemos mais o que queremos. As personagens desse filme são exatamente assim, eles podem tanto, mas tanto, que não sabem o que querem; não fazem a mínima ideia do que querem, que o "querem" é assasinar, porque precisam, caso contrário, você se sentirá um merda. E reparem nas aspas em "querem"; querer não é o mesmo que realizar, e é por isso que ficamos sempre loucos pelo melhor, e esquecemos o trabalho que tivemos para conseguir o outro, é então essa loucura desmedida, que é o que vai se desenvolvendo ao decorrer do filme.
Eu acredito que existam boas almas em lugares como esse, mas a grande sacada do filme é criar personagens tão, mas tão irreais, frios, tontos, como algo bem pastelão para mostrar justamente como a sociedade como um todo está cega quanto aos seus desejos; corrijo, suas necessidades. E uma coisa é certa, quando se entra nesse jogo: "This is not an exit", como a plaquinha no final do filme diz.
Os 12 Macacos
3.9 1,1K Assista AgoraAcho que o grande lance do filme é primeiramente a luta eterna (cíclica) de James em conseguir escapar de sua realidade, viver no seu "presente", já que todos os flashs remetem a esse ponto da sua vida, sendo o ponto mais crítico entre o embate do tempo presente e futuro dele. Ele não quer viver no tempo que vive, e toda a jornada dele vai fazendo-o acreditar que a época por que ele luta não é a época que ele quer viver. E juntamente com a segunda reflexão do filme, que é a sanidade do personagem, vai criando a impressão que ele precisa ferozmente lutar para sair da sua realidade anterior em busca do que quer, que é o passado. Confuso e anacrônico, não? (Foi até difícil escrever a passagem anterior) Essa sanidade que parece ser um movimento de massas tem seu ápice com a explicação de Jeffrey sobre os germes, e a manipulação de pensamento em contrapartida à loucura, na qual ele afirma que algo que hoje é considerado extravagante, louco pode muitos anos depois ser confirmado (como muitas teorias científicas; pegue o heliocentrismo como exemplo), mas que também podem ser desmistificadas da mesma forma posteriormente. E é isso mesmo o que vai acontecendo no decorrer do filme, os papeis dos "loucos" e o questionamento deles sendo alterados o tempo todo (
no começo do filme, James não se acha louco, mas a psiquiatra o acha, com o passar do filme, as coisas tornam-se exatamente o contrário
Insônia
3.4 412 Assista AgoraNão vi o filme norueguês em que este filme é baseado, por isso não sei se há somente uma estratégia de marketing em trazer uma ideia boa para o mundo comercial ou não; acredito eu que remakes, como o próprio nome sugere, uma inovação em algum aspecto, seja narrativa, estética, qualquer, mas que haja alguma mudança não necessariamente melhor. Vendo o filme esquecendo-se disso, vejo uma espécie de aprimoramento da técnica narrativa de Nolan. Sei que não foi ele o responsável pela escrita do roteiro, mas acredito eu que ele tenha tido certa influência na decisão do desenvolvimento dos fatos. Primeiramente, a técnica de flash repentinos na câmera condiz bastante com a situação passada por Dormer, e que embora não seja um Fincher ou um Lynch funciona bem. As atuações são bem estáveis e destaco a de Robin Williams (é bem legal ver que o cara não faz só papeis de bonzinho, e um papel convincente). Mas eu acho que a coisa mais legal no filme, é em si, o enredo e as reflexões por trás dele que estão repletas nos filmes do Nolan. Para começar, digo que não gostei muito do final do filme, esperava algo relacionando a moral/ética com a própria insônia, coisa que não vejo muito; a insônia tem um papel um pouco maior que só o que o filme mostra, mas vamos com calma. A forma como os filmes do Nolan se direcionam, com um grande número de informações no começo do filme que aos poucos são mastigadas para um clímax em que não só o enredo, mas essa reflexão por trás se tornem algo grandioso é algo que desde esse filme é bem forte, mas como disse, não é bem refinada pelo final, e digo o porquê: a insônia no filme, além de agravante da culpa em Dormer serve como um delírio que coloca toda a veracidade dos fatos acontecidos no filme em jogo (
é a partir do decorrer do filme que começamos a nos perguntar se o assassinato do companheiro de investigação foi realmente um acidente, a partir de uma série de flashs
Criar um final em que os personagens principais morrem, e a lição mais importante dada é a de manter-se na moral é meio que quebrar toda a linha de raciocínio criada no decorrer do filme; primeiro, porque acabar com o personagem que traz essa "insônia" é como dizer: o problema não é a dúvida, que por um acaso vinhamos trabalhando o filme inteiro, o problema são os casos de polícia, e segundo, porque independente do que fizermos na vida, nunca seguiremos a "moral" perfeitamente, então esse seria um final com um significado totalmente diferente do desenvolvido ao decorrer do filme, com uma significado forte, por ser utópica.
A Outra História Americana
4.4 2,2K Assista AgoraEmbora o filme tenha uma mensagem muito boa, acredito que a artificialidade de alguns elementos acabem tornando o filme também um pouco artificial. Por começar pela forma que a transformação de Derek acontece; o ambiente penitenciário é extremamente maniqueísta na visão do protagonista (
em nenhum momento do filme, as chamadas "minorias" intimidam a ele.
Exemplos como a cena da mesa de jantar com o professor judeu e a do assassinato no asfalto